Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3144/11.0TBCLD-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
RATEIO
CRÉDITOS LABORAIS
Data do Acordão: 07/06/2016
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – ALCOBAÇA – INST. CENTRAL – 2ª SEC. DE COMÉRCIO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 140º, Nº 2, E 174º, Nº 1, DO CIRE; 333º C. TRABALHO.
Sumário: I - Na graduação de créditos em processo de insolvência a regra fundamental está contida no art. 140º, nº 2 do CIRE, que determina que a graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditório.

II - A regra do art. 140º, nº 2 do CIRE é reafirmada e complementada com a do art. 174º, nº 1 que impõe o respeito pela prioridade dos créditos garantidos e pelo teor do art. 174º, nº 1 renova que a graduação deva ser feita de acordo com a ordem dos créditos prevalecentes e com respeito pela sua prioridade.

III - O rateio no tocante ao pagamento dos créditos apenas se realiza quando haja créditos que gozem da mesma garantia e tenham sido graduados a par ou, quanto aos créditos comuns, quando a massa insolvente se mostrar insuficiente para a respectiva satisfação integral (arts. 175º, nº 1 e 176º do CIRE e 604º, nº 1, 2ª parte, do Código Civil).

IV - Na obediência às enunciadas regras de graduação dos créditos os respeitantes a trabalhadores que tenham sido reconhecidos devem ser graduados em primeiro lugar sobre os imóveis apreendidos por gozarem de privilégio imobiliário especial e por lhes ser atribuída por lei essa ordem de prioridade (art. 333º do Código de Trabalho).

V - Ainda que tenham sido apreendidos bens móveis e os créditos laborais gozem também de privilégio mobiliário geral, ainda que os bens móveis possam eventualmente satisfazer na totalidade esses créditos, tal facto não significa que os trabalhadores devam ser pagos em primeiro lugar pelo produto da venda dos bens móveis em detrimento dos imóveis, porquanto o privilégio imobiliário especial prefere na sua prioridade ao mobiliário geral.

VI - O art. 333º do Código de Trabalho ao atribuir aos créditos laborais privilégios imobiliário especial e mobiliário geral e ao enunciar a forma de graduação de cada um deles não confere ao privilégio mobiliário geral prioridade sobre o imobiliário especial, não se podendo extrair da circunstância de o privilégio mobiliário aparecer nesse preceito enunciado na al.a) do nº1 e 2 e o imobiliário na al.b) do nº1 e 2, qualquer sugestão ou, menos ainda, vontade do legislador a que o mobiliário geral prefira ao imobiliário especial.

Decisão Texto Integral:






     Face à simplicidade da questão e atento o que dispõe o art. 656 do Código de Processo Civil, passa-se a conhecer do recurso através de decisão singular.

Decide-se no Tribunal da Relação de Coimbra

Relatório

No Tribunal da Comarca de Leiria - Alcobaça - Inst. Central - 2ª Sec. Comércio - J1 Palácio da Justiça – e por apenso ao processo de insolvência em que foi declarado insolvente L..., Lda., foi realizada por sentença a graduação de créditos correspondente tendo o tribunal determinado “proceder à graduação dos créditos reconhecidos e verificados da seguinte forma:

1. Em primeiro lugar:

Créditos Privilegiados:

- A... e de D..., rateadamente, pelo produto da venda dos dois bens imóveis apreendidos.

2. Em segundo lugar:

Crédito garantido por hipoteca, da CAIXA DE CREDITO AGRICOLA MUTUO DE ..., CRL, pelo remanescente do produto da venda dos dois imóveis apreendidos;

3. Em terceiro lugar

O crédito privilegiado de ... sobre a venda dos bens móveis e até ao limite de 500 UCs.;.

4. em quarto lugar e de forma rateada:

Todos os restantes créditos comuns.

4. Em quinto lugar, e de forma rateada:

Todos os restantes créditos subordinados.

Custas pela massa.”

Inconformada com esta decisão dela interpôs recurso a reclamante Caixa de Crédito Agrícola Mutuo de ..., CRL., concluindo que:

- Mal andou a sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 23/04-2015 pelo tribunal a quo a qual graduou o crédito laboral reclamando reconhecendo-o como crédito imobiliário especial sobre o produto da venda dos dois bens imóveis apreendidos mas violando a ordem de graduação prevista no nº2 do art. 333 do Código de Trabalho porquanto existem outros bens móveis apreendidos sobre os quais deveria esse crédito laboral ser graduado.

– Constando dos autos a apreensão da quantia de 54.429,85 € nos autos de execução fiscal em relação ao qual beneficio de crédito mobiliário geral graduado antes do referido no art. 748 do C.Civil, deveria a decisão a quo ter em face dos bens apreendidos nos autos de insolvência, efectuado a graduação dos créditos sobre os bens móveis apreendidos e sobre os bens imóveis respeitando a ordem de graduação prevista no art. nº2 do art. 333 do Código de Trabalho.

– Não tendo a decisão recorrida acolhido devidamente a especificada matéria e o âmbito jurídico da mesma sendo certo que a sentença apelada impugnada enferma de erro manifesto resultante quer da qualificação jurídica dos factos em violação da lei expressa, quer da desconsideração por parte do M. Juiz de documentos que, por si só, implicariam necessariamente decisão diversa da proferida.

– O objecto do recurso reconduz-se, assim, a saber se constando dos autos a apreensão de bens móveis apreendidos, nomeadamente equipamentos de bens móveis e o montante de 54. 429,86 € deveria o doutor tribunal gradar o crédito laboral reclamando respeitando a ordem de graduação do art. 333 nº2 do Código de Trabalho.

...

Conclui pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que gradue os créditos relativamente ao produto da venda dos diferentes bens apreendidos – móveis e imóveis- respeitado as citadas disposições legais.

Não houve contra alegações.

Cumpre decidir.

Fundamentação

Os factos que servem a decisão são os que constam da sentença recorrida, por não terem sido impugnados em recurso, e que se traduzem nos seguintes:

“Encontram-se verificados os seguintes créditos:

… …

Além de delimitado pelo objecto da acção, pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

Na observação destas prescrições concluímos que o objecto do presente recurso incide sobre determinar se os créditos dos trabalhadores deveriam ter sido graduado de outro modo, isto é, se deveriam ter sido graduados primeiro sobre os móveis e não sobre os imóveis apreendidos.

Deixando expressas algumas considerações normativas que julgamos interessarem à contextualização da decisão a proferir, anotamos em primeiro lugar que o processo de insolvência é uma execução colectiva ou universal (artº 1 do CIRE), tanto porque nela intervêm todos os credores do insolvente, como porque nele é atingido, em princípio, todo o património deste devedor (artºs 1, 47 nºs 1 a 3, 128 nºs 1 e 3 e 149 nºs 1 e 2 do CIRE, aprovado pelo DL nº 53/04, de 18 de Março).

Como o devedor se encontra em situação de insolvência, quer dizer, impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas todos os credores podem reclamar os seus créditos e todo o património do devedor responde pelas suas dívidas (artº 3 nº 1 do CIRE). É por isso que no processo de insolvência podem apresentar-se todos os credores do insolvente, ainda que não possuam qualquer título executivo, porque todos eles podem concorrer ao pagamento rateado do seu crédito, através do produto apurado na venda de todos os bens arrolados para a massa insolvente. E, ainda que a impossibilidade de o devedor saldar todas as suas dívidas imponha um princípio de distribuição de perdas entre os credores, admite-se que a par das reclamações preferenciais, a reclamação dos créditos comuns.

Mas à igualdade dos credores na admissão ao concurso não corresponde necessariamente uma igualdade na satisfação dos créditos reclamados, em razão de uma diferente ponderação pelo legislador dos interesses da generalidade dos credores e dos titulares de direitos preferenciais de pagamento.

Os créditos sobre a insolvência separam-se em três classes: os créditos garantidos e privilegiados – que são os que beneficiam, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente; os créditos subordinados; e os créditos comuns, que são nitidamente a categoria residual (artº 47 nºs 1, 2 e 4 a) a c) do CIRE).

Os créditos subordinados – categoria inovatoriamente introduzida pelo CIRE – recebem da lei um nítido tratamento de desfavor, de que o exemplo mais acabado é a circunstância de, independentemente da sua fonte, serem graduados e, portanto, satisfeitos, depois de todos os restantes créditos sobre a insolvência (artº 48, corpo, 2ª parte, e 177 nº 1 do CIRE).

Os credores da insolvência são tratados de forma igual – mas segundo a qualidade dos seus créditos.

Na insolvência, os créditos são satisfeitos de harmonia com o princípio da satisfação integral sucessiva, i.e., segundo a ordem da sua graduação, regra de que decorre esta consequência: um crédito só pode ser pago depois de o crédito anteriormente graduado se encontrar totalmente solvido (artº 173 do CIRE e 604 nº 1, 1ª parte, do Código Civil). Assim, mesmo que o produto obtido com a venda dos bens apreendidos para a massa seja insuficiente para satisfazer todos os créditos graduados, isso não obsta à satisfação daqueles que, segundo a sua graduação, puderem ser integralmente pagos (artº 174 nº 1 e 175 nº 1 do CIRE).

Apesar dessa insuficiência, não há qualquer pagamento proporcional de todos os créditos graduados, ou seja, não se realiza qualquer rateio entre eles.

O problema do rateio apenas se coloca no tocante ao pagamento dos créditos que gozem da mesma garantia e tenham sido graduados a par e, naturalmente, quanto aos créditos comuns, quando a massa insolvente se mostrar insuficiente para a respectiva satisfação integral (artºs 175 nº 1 e 176 do CIRE e 604 nº 1, 2ª parte, do Código Civil). Quando isso suceda, o pagamento da pluralidade de créditos faz-se por rateio, segundo o princípio da proporcionalidade, assegurando-se o princípio da igualdade entre os créditos da mesma espécie, ou melhor, distribuindo por todos os credores da mesma categoria, proporcionalmente, as respectivas perdas.

É neste quadro de entendimento que deveremos proceder à avaliação da graduação dos créditos que foi realizada na sentença recorrida para verificar se ela respeita a natureza dos respectivos créditos de cada um dos credores.

Resulta claro da sentença recorrida que existem nos autos bens imóveis e móveis apreendidos, o que se refere de forma clara quando procede à graduação de cada um dos créditos, classificando-os e mencionando a forma como deverão ser pagos e sobre que bens.

De facto, em matéria da graduação rege o art. 140 do CIRE que no seu nº2 dispõe que “graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditório.”.

Extrai-se deste normativo que, mais importante que fazer a graduação dos créditos reconhecidos sobre os bens móveis ou imóveis é fazer a graduação em função da natureza dos créditos reclamados e reconhecidos, metódica a que obedeceu a sentença recorrida, sendo evidente que através do tipo de créditos reclamado se obtém não só o lugar ou prioridade por que deve ser pago mas também, obviamente, sobre que bens.

Não merece então censura que a sentença recorrida não tenha procedido à graduação em função da natureza dos bens mas sim segundo o critério determinado pelo art. 140 do CIRE.

Ora, parecendo pois que a regularidade normativa estava conseguida com a decisão em recurso, até porque não se coloca nunca em causa a existência de privilégio especial dos créditos laborais sobre os imóveis e a forma como eles foram graduados, é com alguma dificuldade e até com perplexidade que se tenta perceber o alcance das conclusões de recurso quando, sem ser pela via de atacar a natureza e garantias do créditos dos trabalhadores, se pretende, inegavelmente, afastar esses créditos de obterem pagamento sobre os imóveis apreendidos com uma argumentação que, sem nunca ser explícita ao ponto de questionar a natureza e garantias dos créditos dos trabalhadores, intenta obter esse mesmo resultado.

E na simplicidade do que entendemos das conclusões de recurso, a recorrente defende que por o art. 333 no seu nº1 a) falar do privilégio mobiliário geral dos trabalhadores e por na al.b) falar do privilégio imobiliário especial, bem como, por o nº2 al.a) desse preceito aludir ao modo de graduar o privilégio mobiliário e a al.b), o como  graduar o privilégio imobiliário, uma vez que o preceito menciona em primeiro lugar o privilégio mobiliário e a seguir o imobiliário, apenas, por esta razão, ou seja, pela ordem como foi escrito o normativo, tal equivaleria, afinal, a que os créditos dos trabalhadores tivessem que ir obter primeiro pagamento junto dos bens móveis, por beneficiarem de privilégio mobiliário geral, em vez de poderem e deverem obter primeiro pagamento junto dos bens imóveis sobre os quais beneficiam de privilégio imobiliário especial, e à frente de todos os credores.

Basta enunciar esta pretensão da recorrente para se perceber a sua falta de razão. É que a ter-se por boa esta defesa, as consequências práticas dela seriam as de que nos créditos laborais, afinal, os privilégios gerais (mobiliários) passariam a valer mais que os privilégios especiais (imobiliários) e isto em oposição directa com o que dispõe o art. 140 do CIRE quanto à forma de graduar os créditos, baseando-se a Apelante no único argumento que é o de, no citado art. 333 aparecer mencionado e escrito em primeiro lugar o crédito mobiliário geral e não o imobiliário especial.

Acresce que, erradamente quer nas alegações quer nas conclusões de recurso, a recorrente cita mal o art. 333 nº2 ao mencionar que a al.a) tem como redacção “ O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 748.º do Código Civil”, quando pelo contrário o que o preceito refere é que “  a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil.”.

Talvez se pudesse associar a esse lapso (de menção do art. 748 pelo art. 747 do C.Civil) a construção que a recorrente realiza, porquanto se a al. a) do art. 333 nº2 do C. Trabalho mandasse graduar os créditos mobiliários gerais à frente dos imobiliários especiais tal imporia razão ao que ela pretende. Porém, não é isso que o art. 333 citado faz, limitando-se com total coerência com o citado art. 140 do CIRE a disciplinar a graduação dos créditos mobiliários dos trabalhadores no contexto da ordem dos créditos mobiliários estabelecida no art. 747 do C.Civil e não do art. 748.

Seja como seja, em boa verdade, mesmo que laborando num erro de verificação da remissão para o C.Civil que o art. 333 do C. Trabalho faz, julgamos que a mais elementar atenção recomendaria que se entendesse como de todo anómalo que o legislador, depois de classificar um crédito como garantido por um privilégio imobiliário especial (especialíssimo diríamos nós no contexto da preferência que merece), viesse depois, na mesma norma, a determinar que o privilégio mobiliário geral que concede ao mesmo crédito preferisse ao imobiliário especial. Por outro lado não pode também ter-se por admissível que a ordem pela qual aparece escrito o crédito e respectivo privilégio tenha maior valor interpretativo e decisório que a sua própria natureza, sendo que entender tal é mais que uma temeridade de interpretação, ainda que não possa contudo considerar-se uma argumentação de má-fé, porquanto apenas resulta de uma interpretação dos preceitos que nos parece ser destituída de fundamento e que é desmentida por toda a doutrina e jurisprudência, que coloca o centro das regras da graduação no art. 140 do CIRE e que separa a graduação em especial para os bens que beneficiem de garantias e privilégios creditórios e geral para os restantes bens da massa insolvente.

Adiante-se ainda que a convocatória que a recorrente faz para o art. 175 do CIRE, como sendo uma confirmação do que sustenta improcede pela simples leitura do preceito, que é claro ao declarar que o pagamento dos créditos se realiza em conformidade com a categoria dos privilégios de que gozem, sendo que se forem de igual categoria e valor o pagamento se faz por rateio (na proporção dos seus montantes, numa coerência sistemática e lógica com o estabelecido no art. 140 do mesmo texto legal.

            Assim, o que se pode extrair do art. 175 do CIRE com aplicação aos autos é que em virtude de ter o privilégio de maior valor e prioridade (o imobiliário especial criado pelo art. 333 do C. de Trabalho), os créditos dos trabalhadores deverão ser pagos em primeiro lugar e pelo produto da venda dos bens imóveis apreendidos, precisamente por não haver, quanto a tais créditos, que respeitar qualquer outro de prioridade prevalecente, numa repetição do fixado no art. 174 nº1 do CIRE quando determina que, abatidas as correspondentes despesas, depois de liquidados os bens com garantia real, é imediatamente feito pagamento aos credores garantidos com respeito pela prioridade que lhes caiba. 

Nestes termos não merece censura alguma que os créditos laborais dos trabalhadores tenham sido graduados como foram na sentença recorrida em primeiro lugar (como crédito privilegiado especial) pelo produto da venda dos dois bens imóveis apreendidos.

Que assim é, julgamos não oferecer dúvidas, até mesmo à recorrente que nas suas próprias conclusões de recurso e depois de esgrimir os argumentos de ordem jurídica acima enunciados, acaba por revelar o fundamento pragmatístico do recurso e que é o de considerar que a graduação dos créditos realizada em primeira instância resulta em “prejuízo para si enquanto credora garantida que assim terá de depositar o montante graduado antes dela e do qual se não mostra dispensado”.

É claro que se se viesse a entender que por o valor dos móveis permitir o pagamento total dos créditos laborais se graduariam esses créditos em primeiro lugar sobre esses bens móveis e não sobre os imóveis, a situação da ora recorrente ficaria beneficiada uma vez que sobre esses imóveis ela está graduada em segundo lugar e assim passaria a estar em primeiro. E até se poderia argumentar como implicitamente o faz a apelante nessa conclusão de recurso, em termos práticos e pragmáticos, tudo ficaria em equilíbrio porque os créditos laborais sempre seriam pagos.

Porém, a graduação de créditos não obedece a critérios casuísticos de oportunidade e composição dos interesses que estejam fora da previsão das normas e, de forma incontornável, a verdade é que a lei impõe que seja respeitada a regra de prioridade dos privilégios e nesta prioridade nenhuma dúvida se oferece à conclusão de que os imobiliários especiais são graduados com prioridade sobre os mobiliários gerais. 

Por outro lado naquilo que resulta de tudo o que dissemos, deverá considerar-se que a sentença recorrida não foi totalmente exacta quando não fez alusão aos privilégios mobiliários gerais que os créditos dos trabalhadores têm sobre os móveis, crédito esse que prefere ao privilégio graduado em terceiro lugar e pertencente à Sociedade de Advogados que requereu a insolvência.

É verdade que sobre os bens móveis apenas dois créditos se apresentam com privilégio (geral), o já aludido dos trabalhadores e o decorrente do art. 98 nº1 do CIRE que concede privilégio dessa mesma natureza geral ao credor a requerimento de quem a situação de insolvência tenha sido declarada. Porém, este último privilégio para lá de estar reduzido a um montante máximo calculado segundo a parte final do nº1 do art. 98, mesmo assim é graduado em último lugar sobre todos os bens móveis integrantes da massa insolvente.

Ora, deste modo, resulta que o privilégio mobiliário geral dos trabalhadores deve ser graduado à frente deste outro do credor requerente da insolvência, o que deveria ter ficado a constar expressamente na sentença e não ficou.

Diga-se no entanto que esta alteração não altera em nada a ordem de graduação fixada na sentença recorrida e isto porque, em primeiro lugar devem ser pagos os créditos dos trabalhadores pelo produto da venda dos dois bens imóveis apreendidos e só depois (em segundo lugar) o crédito garantido por hipoteca, da apelante e pelo remanescente do produto da venda dos dois imóveis apreendidos e isto atendendo, como se disse à natureza e garantias fixadas legalmente para estes créditos e sem se poder argumentar que o privilégio mobiliário geral dos trabalhadores prefere, em termos de pagamento ao privilégio imobiliário especial.

Por outro lado, quanto à graduação dos créditos deverá fazer-se constar que em terceiro lugar se gradua o crédito privilegiado dos trabalhadores A... e de D..., rateadamente, pelo produto dos bens móveis apreendidos;

Que em quarto lugar se gradua o crédito privilegiado de ..., calculada pela forma constante da parte final do art. 98 nº1 do CIRE, sobre o produto dos bens móveis”.

Sem embargo, e ainda que sem necessidade por tal se afigurar juridicamente óbvio, advirta-se que, beneficiando os créditos dos trabalhadores de privilégio imobiliário especial (graduado em primeiro lugar) e de privilégio mobiliário geral (graduado em terceiro lugar), o seu pagamento deverá realizar-se preferencialmente pela ordem indicada, ou seja, através do privilégio sobre os imóveis, e só se por eventualidade não fosse possível obter total satisfação desse crédito através dos imóveis, poderia completar-se esse pagamento através do privilégio mobiliário geral.

Síntese conclusiva

- Na graduação de créditos em processo de insolvência a regra fundamental está contida no art. 140 nº2 do CIRE que determina que a graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditório.

- A regra do art. 140 nº2 do CIRE é reafirmada complementada com a do art. 174 nº1 que impõe o respeito pela prioridade dos créditos garantidos e pela teor do art. 174 nº1 renova que a graduação deva ser feita de acordo com a ordem dos créditos prevalecentes e com respeito pela sua prioridade.

- O rateio no tocante ao pagamento dos créditos apenas se realiza quando haja créditos que gozem da mesma garantia e tenham sido graduados a par ou, quanto aos créditos comuns, quando a massa insolvente se mostrar insuficiente para a respectiva satisfação integral (arts. 175 nº 1 e 176 do CIRE e 604 nº 1, 2ª parte, do Código Civil).

- Na obediência às enunciadas regras de graduação dos créditos os respeitantes a trabalhadores que tenham sido reconhecidos devem ser graduados em primeiro lugar sobre os imóveis apreendidos por gozarem de privilégio imobiliário especial e por lhes ser atribuída por lei essa ordem de prioridade (art. 333 do Código de Trabalho.

- Ainda que tenham sido apreendidos bens móveis e os créditos laborais gozem também de privilégio mobiliário geral, ainda que os bens móveis possam eventualmente satisfazer na totalidade esses créditos, tal facto não significa que os trabalhadores devam ser pagos em primeiro lugar pelo produto da venda dos bens móveis em detrimento dos imóveis, porquanto o privilégio imobiliário especial prefere na sua prioridade ao mobiliário geral.

- O art. 333 do Código de Trabalho ao atribuir aos créditos laborais privilégios imobiliário especial e mobiliário geral e ao enunciar a forma de graduação de cada um deles não confere ao privilégio mobiliário geral prioridade sobre o imobiliário especial, não se podendo extrair da circunstância de o privilégio mobiliário aparecer nesse preceito enunciado na al.a) do nº1 e 2 e o imobiliário na al.b) do nº1 e 2, qualquer sugestão ou, menos ainda, vontade do legislador a que o mobiliário geral prefira ao imobiliário especial.

Decisão

Pelo exposto decide-se julgar parcialmente procedente por provada a Apelação e, em consequência, em revogar parcialmente a decisão recorrida, graduando em terceiro lugar o crédito (mobiliário geral) privilegiado dos trabalhadores A... e de D..., para serem pagos rateadamente, pelo produto dos bens móveis apreendidos, caso não venham a obter total pagamento através do produto da venda dos bens imóveis sobre os quais gozam do privilégio graduado em primeiro lugar;

Mais se gradua em quarto lugar o crédito privilegiado de ..., calculada pela forma constante da parte final do art. 98 nº1 do CIRE, pelo produto dos bens móveis, ou seu remanescente no caso de o produto da venda dos bens imóveis não ser suficiente para pagar o crédito dos trabalhadores graduados em primeiro lugar.”

No mais mantém-se a decisão recorrida confirmando-se a graduação em primeiro lugar dos créditos privilegiados de A... e de D..., rateadamente, pelo produto da venda dos dois bens imóveis apreendidos;

em segundo lugar, do crédito garantido por hipoteca, da Caixa de Crédito Agrícola Mutuo de ..., CRL, pelo remanescente do produto da venda dos dois imóveis apreendidos;

e em quinto e último lugar de forma rateada todos os restantes créditos comuns.

Custas por Apelante e Apelada (massa insolvente) na proporção do respectivo decaimento que se fixa em 9/10 e 1/10, respectivamente.

Coimbra, 6 de Julho de 2016.