Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
779/10.1T2ETR.P1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
PROPOSITURA DA ACÇÃO
PRAZO
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 01/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE ESTARREJA.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE ALTERADA
Legislação Nacional: ARTº 1817º/3 DO C. CIVIL. LEI Nº 14/2009, DE 1/04.
Sumário: I – A constitucionalidade do artigo 1817º do CC na redacção dada pela Lei nº 14/2009, de 1/04, tem vindo a ser declarada pelo Tribunal Constitucional, juízo de constitucionalidade que tem sido acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

II - Compete aos réus a alegação e prova dos factos integradores do instituto do abuso de direito e/ou do decurso do prazo de 3 anos – artigo 1817º/3 do CC – por referência ao conhecimento de fundamento superveniente à preclusão do prazo de 10 anos fixado no nº 1 do mesmo artigo.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

                1. Relatório

                Em 3 de Dezembro de 2010, M… intentou a presente acção declarativa (de investigação da paternidade), na forma ordinária, contra J…, residente no …, na qualidade de filho e herdeiro de H…; N…, residente no …, na qualidade de filha e herdeira de H...

                No essencial alegou que nasceu no dia 27 de Janeiro de 1981 e é filha de F…, solteira, tal como é filha de H…, falecido prematuramente num acidente de trabalho, pelo que nos termos do disposto no artigo 1819º do CC a acção tem de ser intentada contra os seus descendentes. Depois de alegar que nasceu em consequência de uma relação amorosa e de cariz sexual que mãe manteve com o Sr. H… entre Janeiro de 1990 e Novembro do mesmo ano e em resultado desse relacionamento sexual veio a nascer a autora

Pede a final que se declare que o falecido H… é seu pai e que se ordene o averbamento no assento de nascimento da paternidade e da avoenga paterna.

Devidamente citados, os réus contestaram, impugnando a factualidade articulada pela autora e suscitaram a questão da caducidade da acção.

                Notificada a autora apresentou a sua réplica na qual impugnou a realidade avançada na contestação e a final concluiu pela improcedência das excepções.

                Com os fundamentos expressos no despacho de folhas 143, dispensou-se a realização da audiência preliminar.

                No despacho saneador julgou-se a instância válida e regular e relegou-se para final o conhecimento da caducidade.

                Consignaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória que notificados não foram alvo de reclamações.

                Realizada a audiência de julgamento veio a proferir-se decisão sobre a matéria de facto controvertida que entregue aos ilustres mandatários não foi objecto de reclamações.

                Conclusos os autos, o Tribunal a quo proferiu sentença que julgou a acção totalmente procedente e em consequência:

a). Reconheceu que H…, nascido em 22.09.1962, na freguesia de …, falecido em 05.10.2010, no estado de divorciado, é pai da autora M…, nascida em 27.01.1981, na freguesia da …, registada na Conservatória do Registo Civil de … como filha de F...

b) E consequentemente determinou o averbamento ao assento de nascimento da autora do nome do pai e da avoenga paterna nos termos aludidos.

                Notificados da sentença o réu/apelante … interpôs recurso que instruiu com as suas doutas alegações que a final sintetizou nas seguintes conclusões:

...

                A autora não contra alegou.

                Por despacho de folhas 354 o recurso foi admitido como apelação, com subida imediata e nos autos e efeito suspensivo. 

2. Delimitação do objecto do recurso

As questões a decidir na apelação e em função das quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 684º, nº 3 e 685ºA, todos do Código de Processo Civil, são as seguintes:

a. Impugnação da matéria de facto – respostas aos quesitos 10º a 15º.

b. Caducidade do direito da autora em intentar a acção atento o disposto no artigo 1817.º n.º 1 do CC.

c. As alíneas b) de c) do n.º 3 do artigo 1817.º do CC não são aplicáveis à situação dos autos.

d. As alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 1817.º destinam-se a permitir, após o decurso do prazo de dez anos, uma acção de investigação de paternidade mas porque surgiram factos que a possibilitaram uma situação que até então era ausente.

e. A génese subjacente ao artigo 1817º do CC.

f. A decisão recorrida violou o princípio da confiança e o disposto no artigo1817º nº 3, alíneas b) e c) do CC.

                3. Colhidos os vistos, aprecia-se e decide-se[1]:

                4. Matéria de facto provada:

enriqueHH

                4.1 Alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 1817º do CC. Caducidade. Génese da actual redacção do artigo 1817º do CC. 

Seguindo o trajecto elencado pelo apelante nas suas conclusões, começamos por tomar posição sobre o seu entendimento de não ser aplicável à situação dos autos a alínea b) do nº 3 do artigo 1817º do CC.

Defende o apelante e citamos: que estamos perante uma situação em que a paternidade não está estabelecida e como tal essa alínea não se aplica, já que a mesma se dirige aos casos em que a paternidade está estabelecida e tanto a alínea b) como a alínea c) do n.º 3 do artigo 1817.º destinam-se a permitir, após o decurso do prazo de dez anos, uma acção de investigação de paternidade mas porque surgiram factos que a possibilitaram e numa situação em que até então eram ausentes, o que não era o caso.

                Comecemos por transcrever a norma:

                O artigo 1873º do CC declara que são aplicáveis à acção de investigação da paternidade, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 1817º a 1819º e 1821º.

                Por sua vez, o artigo 1817º tem a seguinte redacção:

1. A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.

2. (…)

3. A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:

a. (…)

b. Quando o investigante tenha tido conhecimento após o decurso do prazo previsto no nº 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe.

c. Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.

4. (…)

Para uma melhor compreensão das razões de discordância do apelante vamos transcrever a parte da sentença que aborda o direito à interposição por parte da autora.

“Deu-se porém como assente que a autora e o falecido H… mantiveram entre si contactos antes do falecimento do mencionado H…, tendo o falecido (…) referenciado à sua irmã que estava a aproximar-se da autora. A própria autora esteve no funeral do H…, após ter sido avisada por … da morte súbita de H... É de referir que a família alargada do H… sabia da existência do relacionamento afectivo entre H… e a mãe da autora, tal relacionamento e o nascimento da M… era motivo de conversas familiares (…) o próprio H… aquando do nascimento da autora parece não ter afastado a sua paternidade, pois que procurou a mãe da autora, após o nascimento da autora. Neste contexto as regras de experiência comuns permitem afirmar que o H… teria criado no seu espírito pelo menos uma dúvida razoável sobre a sua paternidade biológica relativamente à autora. A sua aproximação à autora a poucos meses de falecer, através de alguns contactos encetados, acalentaram certamente na autora esperanças no estabelecimento do seu vínculo jurídico da filiação e avoenga paterna (pois que quanto ao vínculo biológico a autora estava dele, cremos, há muito pessoalmente convencida.

                Ou seja perante a aproximação do H… é legítimo que a autora tenha reforçado a sua crença de que o H… era o seu pai biológico e tenha acalentado nova esperança de o vínculo jurídico da paternidade puder vir a ser estabelecido, até voluntariamente através da perfilhação, esperança que se desvaneceu com o seu súbito falecimento. Aliás o facto de H… ter confidenciado a uma sua irmã tal aproximação é também revelador de o próprio H… ter valorizado tais contactos. A existência de contactos entre o H… e atento o contexto supra referido consubstancia, estamos em crer, precisamente a ocorrência superveniente de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação da paternidade após o prazo regra contados a partir da maioridade ou emancipação, embora dentro dos três anos contados quer do início quer da cessação de tais contactos.

                Assim e de acordo com o nº 3 alíneas b) e c) do artigo 1817º do CC entende-se que assiste à autora o direito de interpor a acção”.  

                4.1.1 – Como se constata o Tribunal a quo afastou a aplicação do prazo regra de 10 anos por o mesmo se encontrar ultrapassado já que a autora nasceu em 27 de Janeiro de 1981 e a acção de investigação deu entrada em 3 de Dezembro de 2010 e alicerçou o deferimento da pretensão da autora nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 1817º do CC.

                Defende o apelante que as alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 1817º do CC “destinam-se a abrir portas a alguém que não tinha fundamento para até então intentar a acção e que só dele teve conhecimento em momento posterior”.

                Partilhamos o entendimento do apelante relativamente à interpretação que faz das alíneas b) e c) do artigo 1817º do CC, o mesmo é dizer que não obstante o prazo-regra – nº 1 do artigo 1817º do CC – o legislador entendeu prever um prazo especial de 3 anos contados a partir da ocorrência de um dos factos enunciados nas alíneas a) a c) e que se configurem como fundamento da acção de investigação, devendo precisar-se que compete a quem a invoca – artigos 333º/2, 303º e 343º/3 todos do CC – provar o decurso do prazo de caducidade.

                Posto isto, impõe-se perguntar: responde a matéria de facto aos requisitos/fundamentos plasmados nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 1817º do CC?

                Talvez valha a pena sublinhar que da audição das duas testemunhas e em particular da mãe da autora, cujo depoimento não transcrevemos por desnecessidade em face da indicação dos concretos meios de prova que o apelante indicou como capazes de alterar a resposta conjunta dada aos quesitos 10º a 15º, impugnação que veio a ser em parte acolhida por este tribunal, dizíamos que da audição dos depoimentos das testemunhas e mãe, resulta com segurança que a apelada M… ainda antes de atingir a maioridade já sabia quem era o pai, o que a ter-se alegado e provado, como se depreende de tais testemunhos, levaria, em nossa modesta opinião, à caducidade da acção de investigação por via do decurso do prazo de três anos a que alude o nº 3 do artigo 1817º do CC, já que o conhecimento da investigante deixaria de ser superveniente ao prazo-regra do nº 1 e nesse sentido mais não havia a fazer do que decretar a caducidade da acção.

Porém, olhando para a matéria de facto provada damos conta da inexistência[2] do tal facto verbalizado em audiência de julgamento e que, sem margem para dúvidas, nos permitia afirmar que a autora/apelada há muito ano que sabia que o Sr. H… era apontado como seu pai, facto que a constar da matéria de facto atiraria por terra com a pretensão da autora, uma vez que a partir de tal conhecimento sempre podia, logo que atingisse a maioridade, intentar a respectiva acção, o que sabemos não ter sucedido.

                Todavia, e não podendo o tribunal lançar mão de factos que não tenham sido alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º do CPC – artigo 664º do CPC - acaba por ficar limitado a apreciar criticamente os factos provados e só esses e a verificar se em conjunto ou separadamente respondem afirmativamente às alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 1817º do CC.

                Vejamos o que nos diz a matéria de facto provada:

                Não existe a mais leve dúvida quanto ao facto de a autora ter nascido na sequência de um relacionamento sexual – cópula completa – que a sua mãe manteve com o Sr. H… entre os meses de Janeiro e Setembro de 1980, pelo que no plano da biologia nenhuma dúvida em afirmar que a autora é filha do Sr. H…

Todavia e por razões compreensíveis o legislador entendeu que no balanceio dos critérios da razoabilidade e ponderação de interesses devia fixar-se em 10 anos o prazo-regra[3] que veio a merecer a concordância do Tribunal Constitucional – Acórdão nº 247/2012, de 22 de Maio de 2012[4] ao defender e citamos: o novo regime resultante da redacção introduzida pela Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, alia a alta previsão do prazo previsto no nº 1 – um prazo geral de 10 anos – contado a partir do facto objectivo – a maioridade do investigante - com prazos especiais contados a partir de factos subjectivos, dependentes do conhecimento dos factos motivadores da propositura de uma acção de investigação. Esse prazo garante – na normalidade das coisas – ao pretenso filho o tempo de reflexão necessário para decidir sobre a eventual propositura da acção de investigação. Não obstante, o regime de prazos especiais, que apenas começam a contar a partir da data do conhecimento dos factos que possam constituir fundamento da acção de investigação. Esses prazos de três anos contam-se a partir da ocorrência de um dos seguintes eventos previstos nas várias alíneas do nº 3 do artigo 1817º”.

Sendo esta a mais recente – que nós conheçamos – posição do Tribunal Constitucional sobre a constitucionalidade das alterações introduzidas ao artigo 1817º do CC pela Lei nº 14/2009, de 1.4, que como vimos veio a ser também acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça, não faz sentido mantermos a posição que subscrevemos no acórdão desta Relação que defendia a inconstitucionalidade do artigo 1817º, nº 1 do CC e consequentemente acabou por considerar que seria tempestiva a acção desde que intentada no prazo de 20 anos.

Repensada a nossa posição, naturalmente que não deixaremos de subscrever a constitucionalidade do artigo 1817º do CC e consequentemente respeitar o prazo geral de 10 anos e o prazo especial de 3 anos contados a partir do conhecimento pelo investigante de factos/fundamento justificativos da propositura da acção.

Enquadrada a questão e afastado o prazo geral pelas razões a que acima fizemos referência, detenhamo-nos nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 1817º do CC.

   Respiga da matéria de facto provada que na sequência do nascimento da autora, o Sr. H… tentou contactar a mãe …, que recusou tal contacto por temer a reacção de um seu irmão, facto este que desconsideramos por não ter qualquer valor para a dilucidação da questão que nos foi colocada. Na verdade, não se entende o temor mãe da autora em ser contactada pelo Sr. H…, temor que não evidenciou aquando do início da relação, não expressando a dita matéria de facto provada qualquer reacção negativa do seu irmão quando tomou conhecimento da gravidez e do nascimento de uma criança. Mas as coisas são aquilo que os factos representam e nada mais do que isso.

Recentrando a questão na autora M…, verificamos que a matéria de facto evidencia uma «branca» entre a data do nascimento da criança[5] a quem foi dado o nome de M… e os seis meses que precederam a morte do Sr. H... Na verdade, uma leitura simples das matéria de facto evidencia que entre 27 de Janeiro de 1991 – facto 1 – e dia indeterminado de Maio de 2010 -  factos 3 e 9 – nenhum encontro ocorreu entre autora e o Sr. H…, nada existindo na matéria de facto que evidencie e reflicta aquilo que espirrou dos depoimentos a que acima aludimos ou seja que a autora soube que o pai era o Sr. H… ainda na adolescência por volta dos 14/15 anos e por isso voltamos a sublinhar que a matéria que nos é dada para trabalhar – não se justifica, por falta de elementos de facto alegados mas não tidos em conta, que lancemos mão do nº 4 do artigo 712º do CPC – e é a partir deles – factos provados – que iremos analisar se preenchem ou não as alíneas b) e c) do nº 3 do já citado artigo 1817º do CC.

Considerando as alterações que foi alvo a matéria de facto provada… considerando que nada existe que permita evidenciar ter cessado qualquer comportamento por parte do Sr. H… capaz de ser interpretado com o sentido de ter tratado a autora como filha tratamento que acabou por abandonar, sendo insuficiente à integração do fundamento explicitado na alínea b) do nº 3 do artigo 1817º o facto de ter havido um encontro, encontro que se repetiu, por número de vezes não determinado, entre os meses de Maio e 5 de Outubro de 2010.

A ser assim, como nos parece que é, o recurso, nesta parte, merece provimento.

Mas já não partilhamos o entendimento do réu/apelante relativamente à alínea c) do nº 3 do artigo 1817º.

Focalizando-se este Tribunal apenas e tão só na matéria de facto provada, e voltando a sublinhar a inexistência de quaisquer contactos entre a autora e o pretenso pai no período que mediou Janeiro de 1981 e Maio de 2010, não podemos deixar de valorizar como facto justificativo da interposição da acção os sucessivos encontros que o pretenso pai manteve com a autora M...

Que outro significado podem ter tais encontros que não a vontade expressa por parte de alguém que sabendo[6] ser o pai daquele pessoa em concreto com ela quer privar, conviver, confraternizar dando-lhe seguras indicações – artigo 349º do CC - pelo menos interpretamos assim o seu comportamento, que pretende perfilhá-la pondo assim fim a uma situação que já durava há anos e seguramente o incomodava. Não fora esse desconforto – o desconforto de saber que tinha uma filha que durante mais de 20 anos não a conheceu – que sentido se pode dar â súbita vontade de se encontrar com a filha, em nada relevando quem teve tal iniciativa, na medida em que se prolongaram durante os restantes meses de vida do pretenso pai o que, repetimos, é demonstrativo de uma vontade de iniciar e aprofundar uma relação filial com uma pessoa que necessariamente “reconheceu” como filha, reconhecimento que acabaria por desembocar na perfilhação – artigo 349º do CC.

Mas se foram motivações egoístas com uma componente materialista que determinaram a propositura desta acção como sugere o apelante nas suas doutas alegações, tal realidade não podia deixar de estar representada na matéria de facto de modo directo ou através da prova de um conjunto de factos que desembocassem em tal conclusão o que não sucede no caso em apreço. Ou seja, não pode olvidar o apelante a necessidade de tal conclusão – egoísta/materialista – emergir com o mínimo de clareza das circunstâncias de facto de modo a permitir que o Tribunal, através do instituto do abuso de direito – 343º do CC – evitasse que a apelada a coberto da pretensão do conhecimento da sua identidade genética viesse alcançar interesses de natureza patrimonial, descaracterizando e até afrontando sentimentos afectivos e princípios éticos. Se foi esta a razão da interposição desta acção de investigação da paternidade ela – a razão – não podia deixar de se evidenciar de modo mais ou menos claro, mas sempre presente, na matéria de facto provada[7].

Sobre a credibilidade das testemunhas que verbalizaram a existência da aproximação entre pai e filha já foi analisada em sede própria e para lá remetemos o apelante, aceitando, como não pode deixar de ser, que tenha uma visão distinta da prova que foi sufragada pelo Tribunal a quo e que em parte foi acolhida por este Tribunal, todavia, não há razões que nos levem a desconsiderar tais depoimentos relativamente a «aproximação» entre o pretenso pai e a autora, aproximação que se transformou em encontros entre Maio de 2010 e inícios de Outubro do mesmo ano. Digamos que esta «aproximação» e ao contrário do que é defendido pelo apelante nas suas conclusões, tem a suportá-la encontros que só se repetiram durante cerca de 6 meses, o que só sucede quando as pessoas pretendem «aproximar-se», aprofundar e partilhar ideias, sentimentos e afectos.

Finalmente e sobre a violação do princípio da confiança[8] não encontramos fundamento que permita dá-la por verificada. Tal só sucederia se o apelante tivesse alegado factos que permitissem concluir que era conhecedor de que a apelada sabia a identidade da pessoa que era apontada como seu pretenso pai, mas nada fez no prazo que a lei lhe coloca ao seu dispor, criando no apelante a expectativa que podia reclamar a sua identidade genética, mas destituída de interesses materiais.

                Sumário

I. A constitucionalidade do artigo 1817º do CC na redacção dada pela Lei nº 14/2009, de 1.4 tem vindo a ser declarada pelo Tribunal Constitucional, juízo de constitucionalidade que tem sido acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

II. Compete aos réus a alegação e prova dos factos integradores do instituto do abuso de direito e/ou do decurso do prazo de 3 anos – artigo 1817º/3 do CC – por referência ao conhecimento de fundamento superveniente à preclusão do prazo de 10 anos fixado no nº 1 do mesmo artigo.

                Decisão.

                Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso e consequentemente:

1. Alteram-se as respostas dadas aos quesitos 10º a 15º que passam a ter a seguinte redacção:

a. Quesito 10º - Não provado.

b. Quesito 11º - Não provado.

c. Quesito 12º - Provado apenas que foi marcado um encontro entre a autora e o Sr. H…, que se realizou alguns meses antes daquele falecer.

d. Quesito 13º - Provado, apenas, que após o encontro referido em 12 outros encontros se seguiram entre a autora e o Sr. H...

e. Quesito 14º - Não provado.

f. Quesito 15º - Não provado.

2. Revoga-se a sentença recorrida na parte que considerou verificado o fundamento plasmada na alínea b) do nº 3 do artigo 1817º do CC

3. No mais mantém-se a decisão recorrida

                Custas pelo apelante sem prejuízo do apoio judiciário.

                Notifique.

                Coimbra, 28 de Janeiro de 2014


***


Jacinto Meca (Relator)

Falcão de Magalhães

Silvia Pires


[1] Embora saibamos discutível, temos considerado que a interpretação que melhor se coaduna com o disposto no artigo 7º da Lei nº 41/2013 de 26.6 é a de aplicar aos recursos interpostos em data anterior a 1 de Setembro de 2013, o regime previsto no DL nº 303/2007, de 24.8
[2] A verbalização na douta conclusão 4 sobre o conhecimento que a autora tinha, há mais de 10 ou 14 anos, de quem era o pai é, no contexto desta acção, imprestável para ser usada como facto. Dissemos e reafirmamos que da audição das duas testemunhas indicadas e da mãe da autora resultou que a mesma sabia, não sabemos se conhecia, mas sabia quem era o pai, conhecimento que segura e necessariamente manteve ao longo dos anos. Porém, tais factos não podem deixar de ser alegados não podendo, por razões compreensíveis, que este Tribunal use realidades verbalizadas em depoimentos sem a necessária correspondência na matéria de facto. 
[3] Subscrevemos o acórdão nº 146/08.7TBSAT.C1 datado de 10.01.2011, relatado pelo Exmo. Juiz Desembargador Teles Pereira que considerou que a actual redacção do nº 1 do artigo 1817º do CC, aplicada às acções de investigação da paternidade, contendo o prazo de 10 anos, violava o disposto nos artigos 26º, nº 1 e 18º, nº 2 da Constituição, declaração de inconstitucionalidade que tinha como consequência a possibilidade da acção ser intentada no prazo de 20 anos.
[4] Cuja doutrina veio a ser acolhida pelo Acórdão do STJ, datado de 29 de Novembro de 2012, processo nº 367/10.2 TBCBC-A.G1.S1 relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Tavares de Paiva e disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt.
[5] Recorde-se que a Averiguação Oficiosa é de 1981, ano de nascimento da autora e o despacho que sufragou a inviabilidade é de 1983. Isto para dizermos que este facto só podia ter alguma relevância se se tivesse provado que a autora teve conhecimento do seu desfecho quando atingiu a maioridade o que não está alegado nem provado.
[6] Só o conhecimento de que se é pai justifica o comportamento do Sr. H... Tentativa de contacto com a mãe a seguir ao nascimento da filha e encontros com a M… numa altura em que era claramente de maioridade.
[7] Sobre o abuso de direito – Ac. STJ, datado de 15 de Maio de 2013, processo nº 787/06.7TBMAI.P1.S1 relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Nuno Cameira e disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt.
[8] Sobre o princípio da confiança e abuso de direito – Ac. STJ, datado de 9 de Abril de 2013, processo nº 187/09.7 TBPFR.P1.S1 relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos e disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt