Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1205/21.6T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
DIREITO DE DEMARCAÇÃO
Data do Acordão: 03/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1311.º E 1353.º, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - A acção de demarcação não é a adequada para obter a restituição de parte de um prédio ocupado por outrem, que se arroga titular do direito de propriedade respectivo.

II – Se, entre os proprietários de prédios confinantes, a dúvida vai além da zona de fronteira entre os dois imóveis, para recair sobre um determinado anexo e respectivo terreno na posse do vizinho, fica ultrapassado o âmbito da acção de demarcação, entrando-se já no da acção de reivindicação.

III - Pressupondo a acção de demarcação diferentes prédios contíguos carecidos de delimitação, é inviável o estabelecimento da linha limite de demarcação se algum dos terrenos em confronto (no caso, os logradouros de dois prédios urbanos) não estiver suficientemente localizado geo-espacialmente, por não se saber onde se situa concretamente in loco, ou até onde se estende numa determinada direcção, por referência ao outro.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório

AA e mulher, BB, com os sinais dos autos,

intentaram ([1]) ação declarativa sob a forma de processo comum contra

CC, também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação do R. a:

a) «(…) aceitar como sendo a delimitação dos prédios descritos na Conservatória ... sob os artigo ...11 e ...22 a que está delineada no Doc. 10 página 5, e bem assim retirar todo o muro por si construído sob a propriedade dos Autores»; ou, caso assim não se entenda,

b) «(…) aceitar e delimitar a sua propriedade nos termos e metragem que tem titulados, com a configuração que consta nos projetos constantes da Câmara Municipal ..., que se juntam como Doc. 5.».

Alegaram, para tanto:

- terem adquirido um prédio, contíguo a um outro pertencente ao R., sendo que tais imóveis não se encontram fisicamente delimitados entre si;

- utilizarem os pais do R. – que no passado, antes de serem alvo de processo de insolvência, foram proprietários de ambos os imóveis – parte do imóvel pertencente aos AA., inviabilizando o aproveitamento por estes da área correspondente ao prédio que adquiriram e recusando a devolução desse espaço;

- o R. procedeu à construção recente de um muro, que afeta toda a propriedade dos AA., de nascente a poente (confrontação dos dois prédios), à revelia dos demandantes, prejudicando-os, por não corresponder à metragem indicada na descrição predial e ocupar parte do terreno destes, originando a situação de prédio encravado e perdendo os AA. o acesso à sua habitação;

- a delimitação não pode ser efetuada nos termos pretendidos pelo R., pretendendo os AA. que o seja nos moldes legais, impondo-se uma demarcação de acordo com o disposto no art.º 1354.º do CCiv.;

- a demarcação justa passaria por uma divisão proporcional dos prédios (na pior das hipóteses, teria o R. de ver delimitada a sua propriedade conforme a metragem que detém).

O R. contestou:

- impugnando diversa factualidade alegada pela contraparte;

- invocando que ninguém conhece melhor os prédios em causa do que o seu pai, anterior proprietário da totalidade dos respetivos terrenos, sendo que o imóvel adquirido pelos AA. não tem acesso à via pública (sempre esteve encravado), razão pela qual, para evitar efeitos posteriores, o R. construiu um muro que delimita ambas as propriedades;

- que a edificação de tal muro de demarcação assenta em levantamento topográfico, pelo que é esta a demarcação correta;

- que a situação de prédio encravado do imóvel dos AA. permite-lhes obter servidão de passagem através de um outro prédio, de natureza rústica, com que confina, e não através do prédio urbano do R.;

- assim concluindo pela improcedência da ação.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e foram enunciados o objeto de litígio ([2]) e os temas da prova ([3]), sem reclamações.

Foi depois realizada a audiência final – com produção de provas – e proferida sentença (datada de 29/11/2021), pela qual foi a ação julgada totalmente improcedente, com a consequente absolvição do R. do peticionado.

Desta decisão vieram os AA., inconformados, interpor o presente recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([4])

«I. Os Autores intentaram Ação Declarativa Comum contra o Réu através da qual pediam que operasse a demarcação da sua propriedade, confinante com a do Réu, bem como, subsidariamente, fosse declarada a existência de uma servidão de passagem em benefício dos Autores.

II. Os Autores peticionaram que os prédios fossem demarcados de acordo com a configuração prescrita a fls. 5 do documento ...0 junto com a P.I., ou, caso assim não se entendesse, que a demarcação operasse conforme o documento nº ... junto também com a P.I, devendo o prédio do Réu ter aquela configuração e metragem.

III. A certidão junta com a p.i. sob o documento nº ... resulta de documento elaborado e apresentado na Câmara Municipal ..., na data em que era proprietário do prédio do Réu;

IV. A Sentença do Tribunal a quo peca por excesso e por defeito, na medida em que decide sobre o que não consta do pedido bem como também não resolve o que efetivamente foi colocado à apreciação do Tribunal;

V. O Tribunal a quo errou na apreciação da prova testemunhal e documental trazida ao processo;

VI. O Tribunal a quo julgou, incorretamente, como provados os pontos “10”, “11” e “24” (da contestação);

VII. Quanto ao Ponto “10”, o tribunal desconsiderou que, tanto com a P.I como com a Contestação foram juntos dois levantamentos topográficos elaborados sobre o mesmo prédio, pelo mesmo Engenheiro, testemunha arrolada pelo Réu;

VIII. O Sr. Engenheiro, foi questionado se, nos levantamentos que efetuou do prédio do Réu, os desenhos/plantas foram sempre iguais, ao que o mesmo refere que sim, sendo o mesmo prédio, os desenhos são iguais [Adv. Recorrente: sim, eu estou, já posterior a essa fase, sempre teve aquele conhecimento, pelo que lhe foi dito. E eu pergunto-lhe se os levantamentos e as plantas que foram feitas sobre esse prédio, os desenhos têm de ser sempre os mesmos, portanto de acordo com o documento ... junto com a contestação, que são o levantamento? Eng. DD: sim.] Depoimento da testemunha Eng. DD, gravado em 24/11/2021, das 11:37:20 às 11:49:35, em Habbilus Media Studio, ficheiro nº 20211124103337_3529181_2871922 que ressaltamos concretamente em 10:56 a 12:15;

IX. O teor deste depoimento sai infirmado pela prova documental junta aos autos pelas partes, pois constam do processo dois levantamentos que incidem sobre o mesmo prédio, e ambos são divergentes na configuração do prédio. Ambos os documentos foram elaborados por esta testemunha;

X. A excluir-se a hipótese de prestação de falsas declarações sob juramento, o que se deixa a consideração, deverá, no mínimo, sair francamente reduzido o valor probatório atribuído ao depoimento desta testemunha;

XI. No que concerne ao ponto “11”, não consta em nenhum elemento instrutório dos autos, a indicação de que o prédio do Réu se encontrasse devidamente identificado com marcos ou muros de vedação;

XII. Nem tão pouco foi apresentada prova documental que sustentasse tal afirmação, pois não existe.

XIII. Pelo que, inexiste fundamento fáctico e probatório para que o Tribunal a quo dê tal facto como provado, devendo, outrossim, ser julgado como não provado;

XIV. Relativamente ao ponto “24”: o Réu juntou aos autos um levantamento topográfico [Doc. 5 (com correspondência ao Doc. 6 do formulário) da contestação], datado de 2002, que foi pedido pelos seus pais, quando eram proprietários do prédio que agora lhe pertence;

XV. O referido levantamento encontra-se acompanhado por uma declaração do Sr. Engenheiro (testemunha nos autos) referindo que o levamento topográfico em causa é datado de 2002 e que é referente ao prédio que agora é do Réu.

XVI. Decorre das regras da experiência comum que, numa situação idêntica e normal, teria o Sr. Engenheiro de consultar o seu arquivo, que certamente terá, e fotocopiar o levantamento pedido pelos Pais do Réu e remeter ao mesmo, junto com a declaração onde afirma que o levantamento é referente ao agora prédio do Réu, não constar o próprio Réu como tendo em 2002 requerido o levantamento topográfico.

XVII. E pese embora tendo tal questão sido ressaltada nas alegações finais do advogado dos Recorrentes, pela sua importância para o julgamento da causa, certo é que o Tribunal o desconsiderou, o que não se compreende. Pois, em conjunto com o acima referido acerca dos pontos dados como provados da contestação (10, 11 e 24) colocaria em causa a credibilidade a atribuir pelo douto Tribunal ao testemunho do Sr. Engenheiro DD e a força probatória a atribuir ao documento/levantamento apresentado pelo Réu em sede de contestação.

XVIII. O Tribunal a quo, deu ainda como não provados, factos que no entendimento dos Autores deveriam ser dados como provados, nomeadamente os pontos “15”, “16” e “23”, por os mesmos dizerem respeito a matéria que consta de documentos oficiais, uns elaborados por entidades com poderes públicos e cujos documentos fazem fé em juízo, bem como dotam os direitos dos intervenientes de oponibilidade a terceiros e outros documentos que são recebidos por entidades Camarárias e assim servem de base para o licenciamento de atividades, que geram impostos, direitos, obrigações.

XIX. Enfim, tais factos acima identificados, são retirados de documentos cujo conteúdo não foi impugnado e bem assim o Tribunal a quo não suscitou qualquer ilegalidade na sua elaboração, pelo que, salvo melhor opinião, deveriam tais factos ser dados como provados;

XX. Relativamente aos pontos “15” e “16”, os mesmos refletem o teor do documento que corresponde a uma escritura pública de habilitação de herdeiros e respetiva partilha, por óbito da Avó do Réu;

Na referida partilha é declarado pelo marido da falecida, avô paterno do Réu, que é alvo de partilha um “bem imóvel a seguir identificado, situado na Freguesia ..., concelho ..., OMISSO na Conservatória do Registo Predial ...: Urbano, sito na Rua ..., composto por um prédio que se destina a oficina de serralharia(…) Tendo declarado todos os outorgantes, não ser este o descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número mil cento e onze da mencionada freguesia”

XXI. Não se alcança como pode o Tribunal a quo julgar tais factos como não provados, uma vez que constam de documento emanado por organismo com poderes para o efeito e cujos atos fazem fé em juízo, sem que se tenha cogitado a prática de um crime de falsas declarações pelos outorgantes;

XXII. No que respeita ao ponto “23” da PI, mal se compreende a posição do Tribunal a quo, ao dar também este facto como não provado, porquanto foi o próprio Réu quem, ao longo de toda a defesa, sempre vem dizendo que, ninguém melhor que os pais dele conhecem os limites dos prédios em causa;

XXIII. Pois sempre os seus pais fizeram uso de ambos os prédios, inclusivamente do que agora está na esfera jurídica dos Autores, sendo legítimo equacionar como verdadeiro que todas as informações, registrais, camarárias entre outras, referentes ao seu imóvel foram dadas pelos pais do Réu de acordo com a configuração real dos prédios.

XXIV. Nesse sentido, tendo os pais do Réu dado entrada de uma planta/levantamento no qual identificam o Prédio do Réu, delimitando-o espacialmente, com medidas, áreas e tendo-se a Câmara Municipal ... servido de tal documento para legalizar o pavilhão de serralharia e respetiva atividade, não se entende como o Tribunal a quo deu tal facto como não provado;

XXV. Devia o Tribunal a quo ter dado como provados os factos constantes em 15., 16., e 23. da matéria de facto dada como não provada;

XXVI. Com o devido respeito, o Tribunal a quo realizou uma errada aplicação das normas jurídicas à matéria de facto em apreço nos autos;

XXVII. Resultou provado que Autores e Réu são proprietários de dois prédios urbanos distintos entre si, sitos ao lugar de ..., concelho ... – 1 e 2 dos factos provados;

XXVIII. Bem como resultou provado que o prédio dos Autores veio à sua esfera jurídica por aquisição derivada, em virtude de contrato de compra e venda celebrado em 17-09-2020 com a sociedade comercial P..., S. A. – 3 dos factos provados.

XXIX. O contrato mencionado revestiu todos os requisitos de forma e de conteúdo, produzindo os seus efeitos legais;

XXX. A prova documental destes factos, certidões e atos notariais, não deixa margem à livre apreciação do julgador;

XXXI. Os Autores não adquiriram, conforme refere o Tribunal a quo, o prédio descrito em 1 dos factos provados, à massa insolvente do pai do Réu, pelo que tal afirmação não tem correspondência de realidade nem comprovação na matéria factual assente;

XXXII. O prédio que os Autores Adquiriram em 17-09-2020, melhor descrito em 1 dos factos provados, já havia sido propriedade dos pais do Réu;

XXXIII. Estes por sua vez adquiriram o sobredito prédio em 11-04-1997, conforme resultou provado nos autos – 8 dos factos provados;

XXXIV. O Prédio dos Autores existe autonomamente desde data anterior a 1997, com a área de 4.990m², - em 8 e 9 dos factos provados;

XXXV. O prédio dos Autores não foi criado artificialmente para satisfazer os créditos da insolvência dos pais do Réu, porquanto a sua existência física, jurídica e documental remonta a momento anterior ao da insolvência;

XXXVI. A existir, por mera hipótese, um prédio criado artificialmente, seria o prédio do Réu, posto que ingressou no património dos seus pais em momento posterior, então sendo levado a inscrição no Registo Predial;

XXXVII. Os Autores adquiriram, em propriedade plena, um prédio com 4.990m 2 de área, composto de edifício de rés-do-chão e sótão, com anexo de apoio à casa de habitação (de acordo com o levantamento topográfico exibido à data da compra e venda e junto aos autos com a petição inicial sob o Doc. nº 10), a confrontar a Nascente com Caminho;

XXXVIII. Os Autores não adquiriram um prédio encravado, mas sim um prédio a confrontar a nascente com caminho (atualmente identificado com o topónimo Rua ...), ao qual sempre se acedeu a pé e de carro a partir da Rua ... dos factos provados);

XXXIX. Não se compreende como poderia o domínio dos pais do Réu manter-se uno até aos dias de hoje, projetando-se na esfera jurídica dos Autores, dado que sendo aqueles, partes no processo de insolvência, não desconheceram a apreensão dos prédios para a massa insolvente e a posterior aquisição pelo Banco;

XL. Com efeito, o mero ato de apreensão do prédio para a massa insolvente só por si já determinaria a interrupção da posse dos pais do Réu e a perda da titularidade do direito sobre aquele concreto bem (artigos 149º e 150º do CIRE), efeito que veio a ser reforçado pela transmissão do prédio, por compra e venda, para a esfera patrimonial do B... e deste para a sociedade P..., S. A. e desta, por fim, para os Autores, tudo com o conhecimento dos pais do Réu;

XLI. Cumpre ressaltar que um dos efeitos essenciais da compra e venda é a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito – al. a) do artigo 879º CC – sendo que desde o momento da aquisição pelos Autores, estes invocaram para si o domínio fáctico do prédio e a convicção de que sobre ele exercem o direito de propriedade, acedendo ao prédio e ao edifício nele implantado, pagando impostos e encargos, e, a final, solicitando ao Réu a desocupação dos anexos à habitação e opondo-se à edificação do muro na sua propriedade – 27. e 31. dos factos provados - 1263º, al. a) e b) CC;

XLII. Retira-se das certidões de registo predial bem como das cadernetas prediais de ambos os prédios, todas juntas aos autos e dotadas de força probatória plena, que é o prédio dos Autores aquele que se encontra afeto a habitação e não o do Réu;

XLIII. Ora mal se compreende, pois, que os Autores vejam improceder o pedido de demarcação com fundamento na implantação no seu prédio da casa de habitação do Réu, estando o prédio do Réu exclusivamente afeto a armazém e atividades industriais, tal como o comprou no processo de insolvência dos pais, composto tão só de um edifício de rés do chão destinado a oficina de serralharia;

XLIV. Nem da matéria controvertida se extrai, nem dos factos provados resulta, que o Réu tenha fixado a sua habitação em qualquer parcela que integre o prédio dos Autores;

XLV. Face à indubitável existência de dois prédios sob dois domínios distintos cumpriria ao douto Tribunal a quo aferir dos pressupostos para julgar a demarcação dos prédios de Autores e Réu;

XLVI. Sempre salvo o devido respeito, afigura-se inequívoco aos Autores que os autos contém, desde logo por via da prova documental produzida, elementos suficientes que possibilitem ao Tribunal julgar a demarcação das estremas dos prédios de Autores e Réu por qualquer um dos modos previstos no artigo 1354º CC;

XLVII. Dos documentos juntos – documentos exarados por notário, certidões, informação matricial e registral dos prédios, respetivas plantas de localização e levantamentos topográficos – é possível concluir, sem mais, pela confinância dos prédios a demarcar;

XLVIII. Nem o Réu discutiu a existência de duas propriedades distintas e apostas a sul (“reconhecendo-se que o limite da propriedade do Réu corresponde ao muro edificado por este em toda a sua extensão”, excerto da contestação citado pelo Mm. Juiz do Tribunal a quo na sentença recorrida), nem a prova testemunhal que ofereceu deixou de o corroborar, mantendo-se a controvérsia apenas quanto à sua concreta delimitação;

XLIX. Ressalte-se que o Tribunal a quo formou convicção consonante com a realidade física dos prédios, mormente no que respeita à continuidade física e ao livre trânsito entre ambos, como sempre ocorreu quando, outrora, aqueles se encontravam na esfera dominial do pai do Réu;

L. Convencimento que, ademais, se extrai da própria fundamentação da sentença recorrida: “(…)um único domínio, utilizado pelo pai do réu a seu belo prazer (…)”, diríamos sem onerar terceiros com a sua utilização e passagem ou sem lançar mão de artifícios ou construções que a possibilitassem;

LI. É jurisprudência assente que “para vermos se há confinância o objetivo é vermos se os terrenos podem ser juntos, ou seja, se podem ser considerados como um único terreno. Esta unidade deve ser vista em termos naturalísticos: se na vertente física do terreno não existe impedimento ou diferença entre o trânsito de pessoas e de alfaias agrícolas de um prédio para o outro” – in Ac. TRG de 15-03-2018, Processo nº 3226/15.9T8BRG.G1;

LII. Pode depreender-se que o Tribunal a quo percepcionou a aposição física dos prédios, a continuidade do solo que os compõe e o livre trânsito entre ambos, não se alcançando, pois, como pode vir a concluir-se pela sua não confinância, facto sobre o qual, de resto, foi produzida a competente prova documental, porquanto não foi alvo de impugnação pelo Réu nem resultou infirmada pela demais prova produzida;

LIII. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou os comandos jurídicos inscritos no artigo 5º CPC, 35º, nº 2 do Código do Notariado, 371º e 374º do C. Civil, 149º e 150º do CIRE, 879º e 1354º do C.Civil.

LIV. Verificados que estão os pressupostos previstos no artigo 1354º CC, impunha-se ao Tribunal a quo apreciar e decidir efetivamente os termos de demarcação da propriedade dos Autores, o que não fez com fundamento na inexistência de situação de confinância entre os prédios dos autos, deixando por solucionar questão suscitada no petitório inicial;

LV. Ante o exposto, padece a sentença recorrida do vício de omissão de pronúncia previsto nos artigos 609º, nº 1, 615º, nº 1 alínea d) ambos do CPC, o que importa a nulidade da decisão;

LVI. Assim, ao considerar que o Tribunal a quo violou os comandos jurídicos dos artigos 609º, nº 1, 615º, nº 1 alínea d) ambos do CPC, deve a sentença recorrida ser declarada nula, sendo consequentemente substituída por decisão que acautele eficientemente os fins que se pretendem ver acautelados;

LVII. Termos em que, e nos mais de Direito que V/as. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, e em consequência ser anulada a sentença recorrida, devendo ser substituída por decisão que efetivamente conheça do pedido, nos termos peticionados na Petição Inicial.

Assim, se fará inteira JUSTIÇA!».

Na contra-alegação, o Recorrido defende a total improcedência do recurso e a manutenção da sentença impugnada.


***

O recurso foi admitido como de apelação – sem que se tenha tomado posição em matéria da invocada nulidade da sentença ([5]) –, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo ([6]), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([7]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, cabe decidir, em matéria de facto e de direito:

a) Se ocorre nulidade da sentença;

b) Se o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, obrigando à alteração da decisão de facto na parte objeto de impugnação recursiva;

c) Se estão verificados os pressupostos de procedência da ação, quanto ao nela concretamente peticionado.


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III – Fundamentação

            A) Nulidade da sentença

Invocam os AA./Apelantes o vício de nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1 al.ª d), do NCPCiv., por omissão de pronúncia [o Tribunal a quo não teria apreciado questões que devia conhecer, mormente “decidir os termos de demarcação da propriedade dos Autores”, “deixando por solucionar questão suscitada no petitório inicial” (cfr. conclusões LIV e LV)], mencionando-se ainda – mas sem a devida concretização, ao menos no plano conclusivo – que a sentença “peca por excesso”, ao decidir “sobre o que não consta do pedido” (conclusão IV).

Especificam os Recorrentes – quanto à invocada omissão de pronúncia – que não foi apreciada a questão da peticionada demarcação, posição que o Tribunal teria justificado “com fundamento na inexistência de situação de confinância entre os prédios dos autos, deixando por solucionar questão suscitada no petitório inicial” (cfr. parte final do corpo alegatório, a fls. 102 do processo físico).

E cabia, naturalmente, aos Apelantes, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontra consubstanciado na sentença apelada o invocado vício gerador de nulidade da mesma, o que devia ser feito mas conclusões da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.

Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe ao recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

Ora, resulta do art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do CPCiv., que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Vêm entendendo, de forma pacífica, a doutrina e a jurisprudência que somente as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

De acordo com Amâncio Ferreira ([8]), “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”.

E, segundo Alberto dos Reis ([9]), “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Já Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes ([10]), por sua vez, referem que “a observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão”, sendo que “por vezes se torna difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da decisão”.

Por seu turno, Antunes Varela ([11]) esclarece,
em termos de delimitação do conceito de nulidade da sentença, face à previsão do art.º 668.º do anterior CPCiv., que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.

Na nulidade aludida está em causa o uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender conhecer de questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não se tratar de questões de que deveria conhecer-se (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada.

Como já se mencionou, para apuramento quanto ao vício de omissão de pronúncia cabe perspetivar as questões em sentido técnico, só o sendo os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, só esses constituindo verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer.

Assim, não são, obviamente, questões para este efeito os factos, alegados ou provados, nem os argumentos apresentados pelas partes, nem as razões em que sustentam a sua pretensão ou defesa, nem as provas produzidas, nem a apreciação que delas se faça em termos de formação da convicção do Tribunal.

Dito isto, não se descortina que assista razão aos Apelantes quando invocam ter incorrido o Tribunal a quo em omissão de pronúncia, já que este, se, como referem os Recorrentes, entendeu que a situação era de inexistência de confinância entre imóveis, então só lhe restava, logicamente, afastar a pretendida demarcação (respondendo, assim, negativamente a esta).

Isto é, se não havia confinância, tinha, logicamente, de improceder a demarcação, posto esta ter como pressuposto(s) a situação de efetiva confinância e a incerteza sobre os limites dos imóveis na parte em que confinantes entre si (a linha divisória respetiva ou estrema) e como escopo o estabelecimento da concreta linha de estrema.

Com efeito, o art.º 1353.º do CCiv. é claro sobre o conteúdo do direito de demarcação: “O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles” (itálico aditado).

Na fundamentação jurídica da sentença recorrida concluiu-se que, “dos factos provados, não se retira que estejamos perante prédios confinantes”, sendo que competia aos AA. “a prova de que, efectivamente, tal confinância se verifica”, pelo que, “não o tendo logrado”, restava julgar improcedente – como foi julgado – “a pretensão dos autores, por falta de provas” (cfr. fls. 91 v.º do processo físico).

Assim sendo, inexiste omissão de pronúncia quanto à questão da demarcação. Tal questão, ao invés, foi respondida expressamente pelo Tribunal: entendeu-se que, não demonstrada a situação de confinância predial, tinha de improceder a pretensão de demarcação, levando à total improcedência da ação.

Donde, como é manifesto, a inexistência de nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

E também não se demonstra – diga-se ainda – qualquer excesso de pronúncia.

Desde logo, cabia aos Recorrentes, nas suas conclusões de apelação, mostrar onde se pudesse surpreender tal vício, o que, como visto, não fizeram.

Assim, fica o Tribunal ad quem na dúvida sobre qual o motivo da invocação de excesso de pronúncia, razão pela qual se procedeu à respetiva tentativa de indagação perante o corpo da alegação de recurso.

E aí encontrou-se o seguinte segmento alegatório, referente à empreendida impugnação da decisão relativa à matéria de facto ([12]):

«Da fundamentação da sentença de que ora se recorre sobressai que o Tribunal a quo, por entendeu que o pai do Réu encetou manobras com o único propósito de fugir aos credores. Questionamo-nos, porém, a partir de que elementos se extraíram tais conclusões. Dos documentos autênticos juntos, cujo teor nada explicita quanto a essa matéria? Do silêncio declarativo das testemunhas quanto a essa matéria? De factos não alegados pelas partes? Ao dar tais pontos (“15” e “16” da petição inicial) como não provados, o douto Tribunal parece dar a entender que, tanto o avô do Réu como o seu tio, todos herdeiros, se conluiaram, prestando falsas declarações, com vista a que o pai do Réu conseguisse diminuir bens na esfera jurídica dos credores daquele. Mas os Autores nunca alegaram tais factos, nem neles sustentam o seu pedido.

Esta conclusão parece-nos a única que fundamenta a posição do tribunal em não dar os pontos acima mencionados como não provados. No entanto não encontramos prova no processo aqui em causa que possa justificar tal postura do Tribunal a quo.

Em qual dos articulados das partes ou em que momento processual de instrução dos autos foi suscitada uma tal questão? Quem, de entre os Autores e o Réu, partes processuais, ou qual das testemunhas, levantou qualquer questão de supressão de património ou de fuga a credores? Em que momento, os Autores intervieram no processo de insolvência do pai do Réu? Parece-nos que o Tribunal a quo excedeu amplamente os limites de cognição quanto à questão concreta que lhe foi colocada e que é a demarcação dos prédios dos autos, arredando da lide o princípio do dispositivo – artigo 5º CPC.».

Ora, cabe dizer que um tal imputado comportamento nunca poderia constituir o vício de excesso de pronúncia em que radica a nulidade da sentença.

Com efeito, os AA./Apelantes situam-se no âmbito da análise probatória do Tribunal, para efeitos de fundamentação/justificação da convicção, quanto a factualidade julgada não provada ([13]).

E já se viu que não são questões para este efeito (as ditas questões em sentido técnico) os factos, nem as provas produzidas, nem a apreciação que delas se faça em termos de formação da convicção do Tribunal recorrido.

Em suma, indemonstrada se queda a pretendida nulidade da sentença por excesso de pronúncia, improcedendo, assim, as conclusões dos Apelantes em contrário.


***

B) Impugnação da decisão referente à matéria de facto

1. - Começam os AA./impugnantes – que observaram, de algum modo, os ónus legais a seu cargo, enquanto impugnantes da decisão de facto (cfr. art.º 640.º do NCPCiv.) – por pretender alteração da decisão quanto aos pontos 10, 11 e 24 da contestação, julgados provados da sentença ([14]), a deverem agora, em reapreciação probatória pela Relação, resultar “não provados”.

Por outro lado, pretendem que os pontos 15, 16 e 23 da petição, dados como não provados, passem a “provados” ([15]).

Na fundamentação da decisão de facto da sentença pode ler-se, com aplicação, se bem se entende (atento o reporte à testemunha Eng.º DD, melhor identificado, enquanto testemunha arrolada pelo R., na ata de audiência final de fls. 84 do processo físico, ali mencionado como engenheiro civil), àqueles factos julgados provados:

«Oferecido pelo réu, o Eng.º DD, que se declarou “amigo e familiar de todos”, explicou que procedeu aos trâmites necessários para licenciar a serralharia, primeiro no Ministério da Economia, depois na Câmara. Que a mesma tinha acesso “por dois metros e pouco”, posteriormente disseram do Ministério da Economia que não podiam licenciar “sem uma entrada generosa”, e adquiriram uns poucos metros para o efeito, assim ficando a convicção de que tudo permitiria, com facilidade, duas entradas distintas no prédio que pertenceu, originariamente, ao pai do réu, muito provavelmente uma para cada uma das fracções que, actualmente, foram artificialmente criadas. Quanto ao muro – e permitindo claramente entender que é o insolvente quem, servindo-se do filho, está a usufruir de parte do prédio que foi apreendido para a massa insolvente – explicou que “o FF” pediu-lhe a demarcação com um muro, e que o mesmo foi colocado “segundo o que lhe disseram”. Mais “esclareceu” (se assim se pode dizer…) que, a dado passo, uma área passou de 700 e tal para dois mil metros, também, evidentemente, “porque lhe disseram”.».

2. - Invocam, ex adverso, os Recorrentes, quanto àquele ponto 10 da contestação, a existência de contradição no depoimento testemunhal do mencionado Eng.º DD, o que tornaria o seu relato imprestável, por “sair francamente reduzido o valor probatório” respetivo, no confronto com a prova documental junta, havendo “dois levantamentos que incidem sobre o mesmo prédio”, elaborados por esta testemunha, os quais “são divergentes na configuração de prédio”, enquanto a testemunha respondeu, no seu depoimento, que “os desenhos são iguais” (cfr. conclusões VIII a X).

Para tanto, os Apelantes ilustram com a seguinte transcrição parcelar referente à gravação áudio:

«[Adv. Recorrente: sim, eu estou, já posterior a essa fase, sempre teve aquele conhecimento, pelo que lhe foi dito. E eu pergunto-lhe se os levantamentos e as plantas que foram feitas sobre esse prédio, os desenhos têm de ser sempre os mesmos, portanto de acordo com o documento ... junto com a contestação, que são o levantamento? Eng. DD: sim.] Depoimento da testemunha Eng. DD, gravado em 24/11/2021, das 11:37:20 às 11:49:35, em Habbilus Media Studio, ficheiro nº 20211124103337_3529181_2871922 que ressaltamos concretamente em 10:56 a 12:15» (destaques retirados) ([16]).

Procedeu-se nesta Relação à audição integral do registo áudio do depoimento desta testemunha, podendo retirar-se, quanto ao que importa, os seguintes elementos essenciais (para além do que consta dos mencionados excertos/transcrição):

- efetuou o levantamento inicial, com vista à legalização da oficina que era pretendida (antes havia no local um mero barracão), em 2002;

- o licenciamento dependia de uma «entrada generosa» para o local;

- posteriormente, o FF comprou um bocado (de terreno), não sabendo a testemunha quantos metros aquele adquiriu;

- recentemente, foi edificado o muro, para delimitação, sendo que a delimitação que considerou foi a que lhe disseram no local;

- desde o ano de 2002 que o terreno «está igual»;

- quanto à desconformidade, em termos de levantamento topográfico, entre as indicadas «área do lote ...15 m2» (cfr. fls. 16 do processo físico) e «área do terreno 2.046,90 m2» (a fls. 61 v.º do processo físico), referiu que não desconfiou por «na certidão predial» estarem mencionados «2.000 m»;

- o prédio era aquele, sendo que depois houve um pequeno ajuste para entrada.

Ora, sopesando o teor do depoimento – quanto à respetiva gravação áudio, em imediação limitada (apenas um registo oral), sabido que a imediação total perante a prova pessoal apenas a 1.ª instância a possui –, depois de ouvida a gravação, o que se pode retirar é que, efetivamente, é notória aquela desconformidade métrica.

Todavia, a testemunha explicou que, posteriormente, o FF comprou um bocado (de terreno), não sabendo quantos metros aquele adquiriu, que depois houve um pequeno ajuste para entrada e que, em derradeira perspetiva, confrontou-se com uma certidão predial alusiva a mencionados «2.000 m», documento este de que não duvidou.

Assim sendo, devendo a Relação proceder à reponderação face à prova, formando a sua própria convicção, todavia com base naquela limitada imediação – quando é o Julgador a quo o detentor da imediação total perante a prova testemunhal –, não podemos afirmar que a testemunha se descredibilizou ou, mesmo, que mentiu ao Tribunal.

Se é evidente a dita desconformidade métrica (área imobiliária), a testemunha não deixou de referir-se a alterações (posteriores) ocorridas quanto ao imóvel objeto de levantamento topográfico: a compra de «um bocado» (de terreno), não sabendo quantos metros (área) assim foram adquiridos, tal como o pequeno ajuste para (alargamento da) entrada.

Perante o que não se dispõe de dados objetivos que permitam concluir se tal justifica o incremento de área de «715 m2» para «2.046,90 m2», sendo, de algum modo, plausível a justificação da testemunha de que, por um lado, confiou nos limites que lhe foram indicados no local (inicialmente) e, por outro, na área que (posteriormente) pôde ver que constava da «na certidão predial», em que confiou (porventura, não esperando que surgisse o litígio com os contornos que veio a assumir).

Como quer que seja, a dúvida que pudesse ainda persistir não poderia justificar a conclusão no sentido de ter havido erro do Julgador a quo na apreciação da prova, posto a Relação, quanto ao que ora releva, apenas dever alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.), o que, como dito, não se vislumbra ser o caso.

Não podendo, pois, concluir-se que esta prova testemunhal resulta imprestável (desacreditada), também nenhuma censura pode lançar-se sobre o Tribunal recorrido quanto à forma como julgou o facto em apreço, com o que, à falta de outros elementos, tem de improceder, nesta parte, a impugnação empreendida.

Passando ao aludido ponto 11, cabe dizer, na senda do já referido, que a alusão a «marcos, muros de vedação e pela Rua ...», em termos de delimitação, não especifica que tal se verificasse na zona de confluência do «prédio do Réu» com «o dos autores» (cfr. alegação de fls. 97 do processo físico), já que a redação daquele ponto não especifica por que lados existiam os marcos, os muros e a rua, sendo que o muro edificado pelo R. seria, lógica e cronologicamente posterior (ao levantamento a que se refere o antecedente ponto 10).

Já a referência a que «as testemunhas referiram que as propriedades não se encontravam delimitadas» – alusão que os impugnantes oferecem na sua alegação, a fls. 97 do processo físico – peca por inobservância, nesta parte, de ónus legal imperativo a cargo de quem se propõe recorrer da decisão da matéria de facto, visto neste âmbito não se ter procedido – apesar da cominação de «imediata rejeição do recurso na parte afetada» – à indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso, nem sequer (ao contrário da mencionada transcrição limitada quanto à testemunha Eng.º DD, para o efeito já analisado) à transcrição de excertos que fossem considerados importantes ([17]).

Donde que não possa atender-se agora a esses outros depoimentos testemunhais objeto de gravação, com o que também improcede esta parcela da impugnação, sem que se deva, por outro lado, assacar à sentença, nesta parte, um vício de nulidade por falta de fundamentação, aludido, em forma breve, no corpo da alegação (a fls. 97 do processo físico), mas não transposto, como se impunha, para o acervo conclusivo, sabido ainda que a falta de fundamentação da sentença, como causa de nulidade desta, se reporta a uma ausência total de fundamentos respetivos ([18]), de facto e/ou de direito ([19]), o que também não é o caso [cfr. art.º 615.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv.].

Passando agora ao questionado ponto 24, importa atentar no documento n.º ... junto com a contestação – o que consta de fls. 60 v.º e segs. do processo físico –, por ser esse, se bem vemos, o convocado pelos impugnantes, contendo «DECLARAÇÃO» (a fls. 61) e o «LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO» (cfr. fls. 61 v.º e seg.).

Naquela declaração, datada de 21/04/2021 e assinada por DD, pode ler-se que este declara «(…) que o levantamento anexo, datado de 2002/01, corresponde ao prédio urbano com o artigo matricial n.º 702 (…), pertencente a CC (…) e que os seus limites são os indicados pelo então proprietário em Janeiro de 2002 e apresentados no levantamento que se anexa.

A área total do prédio urbano é de 2046,90 m2, de acordo com os limites apresentados, o prédio encontra-se delimitado por marcos, muros de vedação e pela Rua ...».

Segue-se-lhe o dito levantamento.

Ora, se bem se interpreta, a menção «pertencente a CC» reporta-se à atualidade, e não ao ano de 2002, não se dizendo/declarando que tal CC era o «então proprietário em Janeiro de 2002» (então seria proprietário o seu pai).

Questionam os Recorrentes – na sua alegação recursiva (fls. 97 do processo físico) – se será crível que o R. tenha requerido um levantamento topográfico de um prédio que não era seu em 2002, quando teria apenas 11 anos de idade. E respondem que não.

Porém – insiste-se –, da declaração não consta ter sido o R. quem, em 2002, requereu o levantamento. Apenas ali se refere, quanto ao R./Recorrido, que o imóvel lhe pertence na atualidade («pertencente a CC»), aludindo-se também, por outro lado, ao «então proprietário», que “indicou” os limites em janeiro de 2002 ([20]).

Tratar-se-á, pois, de pessoas diversas (embora pai e filho), o que afasta, salvo o devido respeito, a questão colocada pelos Recorrentes e a sua consequente incredulidade.

Donde que também nesta parte não possa acompanhar-se a argumentação dos ora impugnantes.

3. - Quanto agora aos remanescentes pontos 15, 16 e 23 da petição, que os Apelantes pretendem ver julgados como provados, pode ler-se na fundamentação da decisão de facto da sentença:

«Poucos foram os factos que resultaram provados por via das prestações probatórias orais, por as mesmas se terem revelado exíguas no esclarecimento dos factos que excedem o que já resulta quer do acordo das partes quer da lógica das coisas. Explicando, verifica-se que nada se declarou de convincente e ou produtivo relativamente às razões pelas quais o pai do réu foi promovendo a existência de artigos matriciais e de registos que não revelam, a final, a existência concreta do terreno que, uniformemente, utilizou; já no que tange à actividade posterior à insolvência, fica a clara convicção de que o insolvente logrou manter, para si próprio – embora “em nome”, como costumam dizer, nestas situações, do seu filho – uma parte substancial do prédio que foi apreendido para a massa insolvente, deixando uns compradores na situação de terem adquirido e pago algo que dificilmente se compagina com a realidade que é documental e oficialmente descrita. Situação que, no entanto, parece ter sido assumidamente querida pelos mesmos – provavelmente pretendendo obter terra por bom preço – pois que são os mesmos que afirmam que “compraram o referido prédio descrito sob o artigo ... tendo por base o desenho que consta da última página do relatório do engenheiro”, e que sabiam que o mesmo correspondia não ao existente, mas que exibia “a realidade que se verificaria no local se os referidos prédios fossem divididos atendendo a critérios de proporcionalidade de acordo com as áreas tituladas em cada prédio”. Portanto, os autores adquiriram, consabidamente, um mero projecto, cujo autor mediato – o insolvente pai do réu – sabia inexistir, conhecimento este que, aliás, poderia muito bem ser também o do banco credor e da entidade intermediária na venda. Não ocorreu, como afirmam, que adquiriram um prédio perfeito, que o réu, posteriormente, violou com a construção de um muro que, ademais, tornou a propriedade dos autores encravada.

Refira-se, em abono, que a testemunha GG – uma solicitadora que diz ser consultora imobiliária e financeira, e trabalhar em benefício do M... – referiu, aparentemente sem sentir qualquer incómodo, que “na execução” (quando se trata de uma insolvência) era 4 mil metros quadrados, mas que “a meio da execução aparece” uma caderneta com 2 mil para o mesmo prédio, e que fez um levantamento, “acompanhado pelos executados”, ou seja, sem se ter apercebido de que o levantamento foi orientado segundo as pretensões de quem era devedor, insolvente, logo, de quem pretenderia sair o menos prejudicado possível da actividade de liquidação. E que, a respeito da controvérsia sobre o acesso do imóvel que transaccionou, “só comecei a perceber nessa confusão que se criou quando começaram a fazer visitas à casa”. Mas, mesmo assim, obviamente, realizou a sua prestação, transmitindo para os adquirentes “a confusão que se criou”, e de que se apercebeu. Falta referir que o pai do autor, também ele inquirido, mal conhece a propriedade, não conhece os confinantes, nem as estremas, pois, como referiu, “eu fui lá só ver a casa”. E foi esta a prova trazida pelos autores, pelo que se explica os parcos factos provados em abono destes sujeitos processuais.».

Todavia, invocam os impugnantes – quanto aos pontos 15 e 16 – o teor do documento n.º ... junto com a sua petição, que «corresponde a uma habilitação de herdeiros e respetiva partilha, por óbito da Avó do Réu» (cfr. fls. 98 do processo físico).

Trata-se de escritura de «HABILITAÇÃO E PARTILHA», datada de 03/05/2007, que prova que os outorgantes declararam o que ali consta como declarado, mas não, obviamente, que o teor do por eles assim declarado corresponda integralmente à verdade, posto o oficial público respetivo só poder atestar, quanto a tais declarações, que as mesmas foram proferidas perante si e assumem o teor exarado (com base nas perceções da entidade documentadora), mas não que o conteúdo declarado corresponda à verdade, posto aquele oficial não proceder à verificação da veracidade do declarado ([21]).

Ademais, um enunciado traduzido – de forma dubitativa e vaga – em que um prédio, à data da sucessão, estaria omisso, pelo que houve a criação de uma descrição para que pudesse efetuar-se a respetiva sucessão e bem assim o registo na conservatória do registo predial, constitui matéria sem um conteúdo factual efetivo, antes se tratando de formulação dubitativa e conclusiva, que, por isso, não deve ter assento nos factos provados da sentença (cfr. art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, do NCPCiv., sempre com reporte a factos).

Aliás, a vacuidade e indefinição continua na formulação – pela negativa, em modo excludente, em vez de afirmativo – seguinte, no sentido declarado de «(…) não ser este o descrito na Conservatória (…) sob o número mil cento e onze da mencionada freguesia». Embora esta declaração tenha sido proferida perante a entidade documentadora – esta, mais uma vez, atestou o que foi declarado perante si, mas não a veracidade do assim declarado –, tal somente prova o que foi dito pelos outorgantes, mas não que estes estivessem a dizer a verdade.

Por fim, quanto ao ponto 23, invocando os Recorrentes que foi o R. quem, ao longo da sua defesa, foi dizendo que ninguém melhor que os seus pais conhece os limites prediais em questão, o certo é que na fundamentação da decisão de facto da sentença, perante a prova efetivamente produzida, se concretizou que:

«Nem o próprio pai do réu, FF, foi esclarecedor – não sendo possível arriscar dizer se assim ocorreu por intenção se por inabilidade – ao referir que comprou “uns metros”, por “cinquenta contos” para a serralharia ter entrada, e que referiu uma autêntica confusão de argumentos para explicar a diferença entre os dois mil e os quatro mil metros, concluindo que “não sei explicar” porque é que o terreno tem uma metragem e depois “aparece com outra”. Trouxe ainda o réu o depoimento da sua mãe, HH, que se fazia acompanhar de um papel manuscrito, o que, na visão que as partes denotam ter destes assuntos, se compreende perfeitamente, pois, como ela própria explicou, “eu também não sei tudo de cor”; por fim, verificou-se que não é questão de não saber tudo de cor, antes de não saber nada de nada, unicamente referindo frases como “nós comprámos a um senhor, o senhor tinha um pedaço, ficou com um bocadinho”…».

Ora, os Apelantes não deixaram impugnado este segmento da justificação da decisão de facto, não tendo observado, assim, quanto a estas duas testemunhas inquiridas, cujo depoimento foi objeto de gravação áudio (vide ata de audiência final, datada de 24/11/2021), o já aludido ónus de indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso, nem sequer havendo disponibilização de transcrição de excertos que fossem considerados importantes.

Donde que permaneça de pé esta parte da fundamentação da convicção, com a respetiva argumentação de suporte, alicerçada em prova pessoal que este Tribunal ad quem não pode sindicar, por inobservância daquele ónus legal.

Em suma, não mostrando, salvo o devido respeito, os Recorrentes a existência de erro de julgamento em sede de decisão da matéria de facto, por evidenciar ficam elementos de prova que imponham decisão diversa, com a consequência da improcedência de toda esta vertente impugnatória, quedando-se inalterada – e, assim, tornada definitiva – a matéria fáctica vertida na sentença, sendo a esta matéria, e só a esta, que haverá de atender-se para a estruturação da decisão de direito do recurso.


***

C) Matéria de facto

Sindicada pela Relação a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, é este o quadro fáctico – inalterado – a atender:

a) Factualidade provada:

«petição

1

Os Autores são titulares inscritos no registo relativamente ao prédio urbano sito na Rua ..., no lugar do ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia ..., sob o nº ...57 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...11.

2

O Réu é titular inscrito no registo relativamente ao prédio urbano sito na Rua ..., no lugar do ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia ..., sob o artigo ...02 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...22.

3

Os Autores compraram o prédio identificado no articulado 1º em 17/09/2020 à sociedade P..., S. A., tendo esta, por sua vez, comprado ao B..., S. A.

4

O B..., S. A. adquiriu tal prédio em 26/11/2016, no âmbito do processo de insolvência nº 7455/15.... no qual eram insolventes FF e HH, pais do Réu, CC.

5

O Réu adquiriu o prédio identificado no articulado 2º no mesmo processo de insolvência, em 18/01/2019.

6

Anteriormente ao ano de 2016, os pais do Réu eram os proprietários dos prédios aqui em discussão.

8

O urbano 1111 foi adquirido em 11/04/1997 pelos progenitores do Réu através de compra e venda.

9

Prédio esse que constava como tendo uma área total de 4.990m metros quadrados.

10

Área esta que, tanto na descrição como na inscrição matricial, consta como sendo 4.990 metros quadrados.

14

O urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...22, foi também propriedade do progenitor do Réu, por sucessão hereditária II.

24

Os prédios actualmente pertencentes a autores e réu não se encontravam, até à construção recente do muro pelo réu, delimitados fisicamente.

26

Quando os Autores quiseram ir viver para a habitação que compraram, depararam-se com os pais do Réu a fazer uso de parte do prédio dos aqui Autores, mais concretamente do anexo situado a poente, à revelia dos autores.

27

Os Autores enviaram missiva no sentido de desocuparem tal parte do referido prédio.

28

Obtendo resposta da parte dos pais do Réu que aqueles estavam a ocupar o que era propriedade do filho e que tinham autorização daquele.

29

Foi construído um muro, em nome do réu, delimitando, de acordo com a visão do seu pai, ambas as propriedades.

31

Tendo-se os autores oposto à dita construção.

35

Os pais do Réu, nos tempos em que eram donos e legítimos proprietários dos dois prédios, faziam uso indistintamente de todo o imóvel.

41

Os pais do Réu, desde a construção da habitação e do pavilhão, sempre acederam há (sic) habitação a partir da Rua ..., fazendo o acesso de carro e de pé.

43

Os autores compraram o artigo descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...11 não fisicamente demarcado do prédio do Réu, descrito sob o nº ...22 na mesma Conservatória.

49

O título do prédio do Réu refere que o mesmo detém uma área de 2000m².

52

O prédio dos Autores está descrito como tendo uma área total de 4990m².

53

O que não aconteceria mesmo englobando todo o prédio do réu, uma vez que os dois prédios juntos perfazem uma área total de 4052,5m².

contestação

4

Por escritura pública de justificação e compra e venda, outorgada em 17/02/1997, registada no livro 316-A, fls. 82 a 84, do Cartório Notarial de ..., os pais do réu, FF e mulher HH, adquiriram o prédio rústico, composto por terra de pinhal, com a área de 4.990 m2, sito em ..., Freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte com JJ, do sul com KK, nascente com caminho e poente com LL, igualmente inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... e não descrito na Conservatória do Registo Predial.

7

Em Janeiro de 1991, o pai do Réu, FF, veio junto da Câmara Municipal ..., requerer licença de construção do edifício de rés-do-chão, destinado a oficina de serralharia, a ser edificada no prédio inscrito na matriz sob o artigo ...02, à data propriedade dos pais deste e avós do Réu.

8

Por escritura de habilitação e partilha outorgada em 03/05/2007, no Cartório Notarial de ..., no livro 2, fls. 43 a 45, por óbito de II, avó paterna do Réu, foi adjudicado aos pais deste, FF e HH, o prédio urbano, sito na Rua ..., ..., composto por um prédio que se destina a oficina de serralharia, rés-do-chão, com duas divisões, com a superfície coberta de 653 m2, e descoberta de 1.346 m2, inscrito na matriz sob o artigo ...02.

10

De acordo com as declarações que lhe foram transmitidas pelo pai do réu, o Sr. Engenheiro DD realizou levantamento topográfico com referência ao prédio urbano com o artigo matricial n.º 702, inscrito na Freguesia ... e registado na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...22.

11

Situando-o geograficamente na Rua ..., no lugar de ..., com a área total do prédio de 2.046,90m2, encontrando-se delimitado por marcos, muros de vedação e pela Rua ....

12

Este prédio foi adquirido pelo Réu, através de escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança, outorgada em 17/01/2019, no ..., em ..., à massa insolvente do processo de insolvência que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Instância Central - Secção Comércio - Juiz ..., com o n.º 7455/15.....

13

Representada neste acto, pelo seu Administrador de Insolvência, Dr. NN em que são insolventes, FF e HH, pais do Réu.

14

Como terceiro outorgante, figura o Sr. OO, em representação da C..., C.R.L.

24

Posteriormente, o Réu edificou o muro de acordo com os limites constantes do levantamento topográfico do Eng. DD que data de Abril de 2021 e que se reporta ao apresentado em Janeiro de 2002.».

b) Materialidade não provada:

«petição

6

Cessaram a posse e quaisquer outros direitos após tal data.

15

Tal prédio, à data da sucessão estaria omisso, pelo que houve a criação de uma descrição para que pudesse efetuar-se a respetiva sucessão e bem assim o registo na conservatória do registo predial.

16

Tendo inclusivamente a Sra. Notária feito menção que, os à data outorgantes, referiram que o prédio que indicavam não era o descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...11.

17

Isto porque efetivamente o prédio que os outorgantes indicavam como sendo omisso coincidia com o a área e a delimitação do prédio inscrito e descrito sob os artigos ...57 e ...11, respetivamente.

18

No entanto relativamente a este artigo (descrição ...22..., consta na Câmara Municipal ... uma planta de implantação, na qual é indicada a área do mesmo, num total de 715 metros quadrados.

19

Assim sendo, uma vez que a planta de implantação foi apresentada pelo à data proprietário do imóvel, pai do Réu, o mesmo declarou que a área do imóvel era num total de 715m².

20

Tendo apresentado como proposta a construção de um pavilhão com cerca de 220m².

21

Posteriormente indicaram e apresentaram um projeto de ampliação do referido pavilhão, onde declararam que a área do lote seria de 2000m², em vez dos 715m² inicialmente indicados e que a área do pavilhão seria cerca de 600m².

23

A sua delimitação é de acordo com o projeto de ampliação que se anexa como Doc.5.

25

Tal facto deve-se eventualmente a que ambos eram propriedade dos pais do Réu.

30

Delimitação essa que afeta todo a propriedade dos Autores, de nascente a poente do prédio.

31

Tendo os autores manifestado o seu desagrado bem como reiterado que a construção do mesmo parasse.

32

Estando o respetivo muro a ser construído de uma forma que desrespeita a delimitação real que consta de documentação oficial indicada na Câmara Municipal pelo pai do réu, bem como não corresponde à metragem indicada na descrição e na inscrição do prédio do Réu.

33

Está o Réu a fazer uso de propriedade que não lhe pertence, tendo inclusivamente, aquando da tentativa dos Autores de irem ao imóvel que compraram, começado a contruir um muro de delimitação da propriedade em parte do terreno que pertence aos Autores.

37

Partes da habitação que deixaram de aceder de carro, se o Réu continuar com a divisão incorreta das duas propriedades.

38

Sendo certo que deste modo estaria a colocar a habitação numa posição de perda de utilidade, uma vez que não pode fazer o uso próprio da habitação e das dependências.

39

Inclusivamente da própria habitação, pois acesso aquela deixa de puder ser feito a pé ou de carro.

40

O Réu tem vedado o acesso à habitação desde a via pública.

50

A divisão que foi levada a cabo pelo Réu dota o seu prédio de uma área superior a 2500m².

59

Os Autores compraram o prédio descrito sob o artigo ... tendo por base o desenho que consta da última página do relatório do engenheiro, ou seja, o qual contém uma divisão proporcional dos prédios confinantes.

contestação

5

Na verdade, a área do prédio suprarreferido no articulado antecedente, era bastante inferior à inscrita na Repartição de Finanças, uma vez que, na realidade o prédio contabilizava a área de 3.060,00 m2, e não, 4.990 m2, contudo, os pais do Réu à data não efetuaram a respectiva correção da área como se impunha.

6

Posteriormente, os pais do Réu, construíram a sua casa de habitação no prédio inscrito na matriz 7994, o qual deu origem ao actual artigo ...57.

9

Neste prédio adquirido por escritura de partilha de 2007, os pais do Réu, já haviam anteriormente edificado o acrescento à oficina que havia sido inicialmente construída.

21

Em abono da verdade refira-se, que no âmbito do processo de Insolvência melhor descrito supra, a M..., teve conhecimento de que a casa e o terreno não tinham acesso à via pública, por via disso, o seu representante teve que pedir autorização aos pais do Réu, para poder por duas ou três vezes aceder ao mesmo.

22

De igual forma, a sociedade que efectuou a venda do prédio aos Autores, era sobejamente conhecedora dessa realidade e da existência da limitação, na medida em que à data, contactaram telefonicamente os pais do Réu que os esclareceu.

23

E quando os Autores comunicaram ao Réu que haviam comprado a casa de habitação e terreno e perguntaram se a entrada para o mesmo era feita por intermédio do terreno do segundo, este esclareceu-os que não, que o prédio não tinha acesso à via pública, que durante anos passaram pelo outro terreno, hoje pertencente ao demandado, anteriormente propriedade dos seus pais.

24

Para evitar que os autores utilizassem parte especificada do seu terreno e viessem no futuro reclamar deter sobre o mesmo uma servidão de passagem.

26

Desde o primeiro momento em que os autores contactaram com o réu e seus pais ficaram conscientes de que o anexo situado a poente pertencia somente ao Réu.

27

Estes encontram-se edificados no terreno do Réu e pertencem somente a este.

28

O muro foi totalmente construído no interior do terreno do Réu.

31

Nunca o prédio que adquiriram teve acesso à via pública, e em virtude do prédio destes pertencer aos pais do Réu e estes serem igualmente donos e possuidores do prédio atualmente pertencente ao Réu, utilizavam a entrada de um para aceder ao outro,

37

Os Autores tentaram negociar o pagamento de um valor ao Réu para passarem no seu terreno, por forma a constituir-se a seu favor, uma servidão de passagem, contudo, o valor oferecido ficava muito aquém do exigido pelo segundo, que teve em consideração que tal servidão iria dificultar as manobras de veículos com três e quatro eixos no interior do seu terreno e oficina.

47

Na estrema do terreno dos Autores, no sentido do acesso pela Rua ..., o terreno destes confina com um terreno rústico pertencente a uma terceira pessoa, que não tem mais do que 3 ou 4 metros de largura por 4 ou 5 metros de comprimento.».


***

D) Matéria de Direito

1. - Da (in)existência de relação de confinância predial

Já se verificou anteriormente que o motivo essencial, em análise jurídica, da decretada improcedência da ação – tida como uma verdadeira ação de demarcação – foi a conclusão, a que chegou o Tribunal recorrido, no sentido de não ter ficado demonstrado «que estejamos perante prédios confinantes», matéria em que impendia sobre os AA./Apelantes o ónus probatório (cfr. art.ºs 1353.º e 342.º, n.º 1, ambos do CCiv.).

Com efeito, pode ler-se na decisão em crise:

«E, atentos os factos provados, verifica-se que os prédios aqui em disputa não estão meramente “encostados um ao outro”, importando apenas definir os pontos certos por onde deverá passar a linha divisória. O que, aliás – na sequência do que se extrai logo do petitório e mais ainda do que decorreu da discussão da causa em audiência de julgamento – não espanta, quando a existência de dois prédios se trata apenas de uma “realidade virtual”, criada documentalmente e que nunca, anteriormente, teve qualquer suporte prático. Como os próprios autores alegam, e como foi levado aos factos provados, “os pais do Réu (fazem) uso de parte do prédio dos aqui Autores, mais concretamente do anexo situado a poente”. Este facto denota não propriamente a existência de uma confinância com incerteza quanto à exacta localização da linha divisória, antes de uma completa incerteza – e uma disputa fáctica e concreta – quanto às características fundamentais do prédio que os autores adquiriram na sequência de um processo de insolvência.; o que, repito, igualmente não espanta, pois que tal “prédio” foi documentalmente criado com base nas indicações do próprio insolvente. Se os aqui autores, como alegam, pretendem que a “divisão” ocorra de tal modo que abarque determinadas construções que tem como dependências da casa principal, então dificilmente estaremos numa mera demarcação. Deveríamos, em meu entender, estar perante a acção em que “o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre (…) uma parte (do prédio que o réu afirma pertencer-lhe), a acção é de reivindicação”. Como, em situação que tenho por manifestamente semelhante, entendeu já e sumariou o nosso mais alto Tribunal, “improcede a acção de demarcação se a casa de habitação dos réus está implantada no prédio dos autores e não constitui um prédio autónomo” [invoca-se o Acórdão de 18 de Setembro de 2018, relatado pela Conselheira Fátima Gomes, no processo 662/13.9TbVFr.].

Assim, importa concluir que, dos factos provados, não se retira que estejamos perante prédios confinantes (…)».

Contrapõem os AA./Apelantes, invocando os pontos 1 a 3 dos factos provados, ter ficado provado que estes e o R. são proprietários de dois prédios urbanos distintos entre si, tendo os AA. obtido o direito de propriedade por via de aquisição derivada (compra e venda celebrada em 17/09/2020, sendo vendedora uma sociedade comercial, e não a massa insolvente).

Acrescentam que a existência autónoma do prédio dos AA. – desde data anterior a 1997 e com a área de 4.990 m2 – decorre dos pontos «8 e 9 dos factos provados» (conclusão XXXIV), existindo (com existência física, jurídica e documental) desde momento anterior ao da insolvência dos pais do R. (conclusão XXXV), sendo composto por edifício de r/c e sótão, com anexo de apoio à casa de habitação (conclusão XXXVII), retratando a situação dos autos a «indubitável existência de dois prédios sob dois domínios distintos», a deverem ser objeto da pretendida demarcação entre si (conclusão XLV), nesta sede processual, a adequada para tanto.

Vejamos, então, desde logo, se está demonstrada – como é necessário para procedência da ação – a existência de (i) dois prédios distintos (ii) confinantes entre si.

Ora, percorrida a factualidade provada – a única a atender –, contata-se que os AA./Recorrentes são titulares inscritos no registo relativamente ao prédio urbano sito na Rua ..., no lugar do ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia ..., sob o art.º ...57... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11.

Por sua vez, o R./Recorrido é titular inscrito no registo relativamente ao prédio urbano sito na Rua ..., no lugar do ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia ..., sob o art.º ...02... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...22.

Daqui se retira, inevitavelmente, que estamos perante dois prédios, com distinta inscrição matricial e diversidade de registo predial, ademais, com específica inscrição de aquisição (um a favor dos AA. e outro a favor do R.), consabido que, nos termos do disposto no art.º 7.º do CRPred. (com a epígrafe «Presunções derivadas do registo»), o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.

Em consonância, apurou-se ainda que os AA. compraram aquele primeiro prédio em 17/09/2020 à sociedade “P..., S. A.”, tendo esta, por sua vez, comprado ao “B..., S. A.”, o qual, por seu lado, o havia adquirido em 26/11/2016, no âmbito do processo de insolvência dos pais do R. (insolventes FF e HH).

Já o R. adquiriu o outro prédio identificado no mesmo processo de insolvência, em 18/01/2019.

Sabe-se ainda que, anteriormente ao ano de 2016, os pais do R. eram os proprietários dos prédios aqui em discussão, tendo adquirido o aludido urbano 1111 (agora com registo de aquisição a favor dos AA.) em 11/04/1997, mediante compra e venda, prédio esse que constava como tendo uma área total de 4.990 m2 (tanto na descrição como na inscrição matricial).

Por seu turno, o urbano 2422 veio à titularidade do progenitor do R. por sucessão hereditária.

Seguro é ainda – por provado – que os dois prédios (atualmente pertencentes a AA. e R.) não se encontravam, até à construção recente do muro pelo R., delimitados fisicamente (entre si).

Por outro lado, é certo que, quando os AA. quiseram ir viver para a habitação que compraram, se depararam com os pais do R. a fazer uso de parte do prédio dos aqui AA., mais concretamente do anexo situado a poente, à revelia dos AA. [cfr. ponto 26 (extraído da p. i.) dos factos provados].

Perante isso, os AA. enviaram missiva no sentido de aqueles desocuparem tal parte do referido prédio, ao que os mesmos responderam que estavam a ocupar o que era propriedade do seu filho (R.) e com autorização dele [pontos 27 e 28 (extraídos da p. i.) dos factos provados].

Mais se prova que até foi construído um muro, em nome do R., delimitando – de acordo com a visão do seu pai – ambas as propriedades, ao que os AA. se opuseram [pontos 29 e 31 (extraídos da p. i.) dos factos provados].

Líquido se torna ainda que os pais do R., nos tempos em que eram proprietários dos dois prédios, faziam uso indistinto da totalidade/conjunto, sendo que, desde a construção da habitação e do pavilhão, sempre acederam à habitação a partir da Rua ... (fazendo o acesso de carro e de pé).

Os AA. adquiriram o dito prédio urbano 1111 – cujo título alude a uma área de 2000m², embora estando descrito como tendo uma área total de 4990m² – não fisicamente demarcado do prédio urbano 2422.

Tal área total de 4990m², porém, não se atingiria mesmo englobando todo o prédio do réu, uma vez que os dois prédios juntos perfazem uma área total de 4052,5m².

Noutra perspetiva, é sabido que, inicialmente, por escritura pública de justificação e compra e venda, outorgada em 17/02/1997, os pais do R. declararam adquirir o prédio rústico, composto por terra de pinhal, com a área de 4.990 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o art.º ...94... e não descrito na Conservatória do Registo Predial.

E em janeiro de 1991, o pai do R. requereu licença de construção de edifício de rés-do-chão, destinado a oficina de serralharia, a ser edificado no prédio inscrito na matriz sob o art.º ...02... (o atualmente do R.), à data pertença dos avós paternos do R..

Já por escritura de habilitação e partilha outorgada em 03/05/2007, por óbito de II, avó paterna do Réu, foi adjudicado aos pais deste o prédio urbano destinado a oficina de serralharia, rés-do-chão, com duas divisões, com a superfície coberta de 653 m2, e descoberta de 1.346 m2, inscrito na matriz sob o art.º ...02....

Por indicação do pai do R., foi realizado levantamento topográfico com referência ao prédio urbano com o art.º ...02... (e com o n.º 2422), o hoje pertença do R., situando-o geograficamente na Rua ..., com a área total de 2.046,90m2, encontrando-se delimitado por marcos, muros de vedação e pela dita rua.

Posteriormente à sua aquisição, o R. edificou o muro de acordo com os limites constantes do levantamento topográfico datado de abril de 2021 e que se reporta ao apresentado em janeiro de 2002.

Perante esta factualidade provada – a que tem de atender-se, como não pode deixar de ser –, resulta claro, salvo o devido respeito, que estamos perante dois prédios distintos, ambos de natura urbana, com distinta inscrição matricial e diverso registo predial, pertencentes atualmente a proprietários diferentes – mas que no passado pertenceram (conjuntamente) a um mesmo dono (o progenitor do R.) –, prédios esses confinantes entre si.

2. - Da (in)viabilidade (prática) da demarcação

Porém, perspetivando a especificidade do caso decidendo, tem de admitir-se que não se logrou estabelecer certeza sobre a área correspondente a cada um desses prédios e, também por isso, a efetiva dimensão/extensão/configuração física integral de cada um deles.

É seguro, assim, desde logo, haver incerteza quanto à definição da linha divisória – estrema – entre esses dois prédios.

Mas mais. Sabendo-se que um dos prédios urbanos (o pertencente aos AA./Apelantes) é constituído por casa de habitação e anexo [cfr. ponto 26 (extraído da p. i.) já aludido], o outro (o agora pertença do R.) é constituído por pavilhão/oficina de serralharia [pontos 41 (extraído da p. i.), bem com 7 e 8 (extraídos da contestação) dos factos provados].

Assim, se inexistem dúvidas quanto à pertença da casa de habitação aos AA. (integrando o seu prédio urbano), tal como, do mesmo modo, quanto à propriedade daquele pavilhão/oficina de serralharia, a caber ao R./Recorrido, já não é pacífica a situação quanto, pelo menos, ao dito anexo situado a poente, que, embora fazendo parte do imóvel dos demandantes, vem sendo usado pelos pais do R. – à revelia dos AA. –, os quais se recusam a desocupá-lo, respondendo que estavam a ocupar o que era propriedade do seu filho (R.) e com autorização dele.

Resulta dos elementos juntos aos autos que aquele pavilhão/oficina de serralharia é a edificação que se encontra mais próxima, em termos de localização, da dita Rua ... – note-se, curiosamente, que ambos os prédios são identificados como situados na Rua ..., retirados da p. i.) –, enquanto a casa de habitação pertença dos AA., por sua vez, se encontra mais afastada dessa rua (dir-se-ia, nesta perspetiva, nas traseiras dessa construção de pavilhão/oficina de serralharia).

Ora, tem de concordar-se com o Tribunal a quo quando aponta no sentido de o diferendo referente ao mencionado anexo (situado a poente), ocupado pelos pais do R. (com invocada autorização deste), mas que fará parte do imóvel dos AA., os quais não conseguem reavê-lo por via consensual, já que os ocupantes se recusam a desocupar/entregar, invocando alegada propriedade do seu filho (R.), tendo este último, aliás, edificado um muro divisório contemplando tal anexo (como seu), ser questão que se prende já com disputas sobre o direito de propriedade, questão esta que extravasa, por isso, o âmbito da ação de demarcação (mera definição de estrema), para se centrar na diversa ação de reivindicação ([22]).

Sendo certa a diversa natureza e finalidade – mormente por reporte ao objeto substantivo, às questões a tratar e aos objetivos a atingir – da ação de reivindicação e da ação de demarcação ([23]), e pretendendo os AA./Recorrentes, como invocam in casu, uma divisão dos imóveis de modo a recuperarem aquele anexo, na posse do R. (por este já murado e ocupado pelos seus pais, com a sua autorização), que se recusa a reconhecer a propriedade dos demandantes (antes invoca ser ele o respetivo dono) e, por isso, a devolvê-lo, a forma processual de tais demandantes lograrem obter o reconhecimento do direito dominial e a restituição desse espaço predial só poderá ser a (conferida pela) ação de reivindicação ([24]).

Em suma, o meio processual escolhido (ação de demarcação) não é o idóneo para este efeito pretendido ([25]), que só poderá ser alcançado através da ação de reivindicação.

Acresce que, como também significado pelo Tribunal recorrido, não pode deixar de colocar-se a questão de saber se uma tal indefinição quanto a áreas/dimensões/extensão (de cada um dos prédios confinantes) é obstáculo à pretendida demarcação.

É que, não sendo líquida a área real/concreta/geográfica de cada um dos imóveis, nem se sabendo, geograficamente, onde se situam cabalmente e com que limites entre si – apenas se tem por certo que ficam ambos situados na Rua ..., confinando entre si, um com construção/edificação mais próxima dessa rua (o do R.) e o outro com a(s) respetiva(s) construção(ões) mais distante(s) dessa rua (o dos AA.), sendo, porém, grande a incerteza quanto aos respetivos logradouros (terrenos sobrantes não edificados) e respetiva localização –, sempre seria uma tarefa inviável definir a linha de estrema entre ambos.

Note-se que não se logra saber, com a necessária segurança, se, quanto aos logradouros/terrenos não edificados, ambos os imóveis se estendem até àquela rua (como pretendem os AA.), ou se apenas um deles o logra conseguir (o do R. e como este defende), confinando-se, nesta última hipótese, o dos AA., no essencial, nas traseiras daquele, em todo o caso sem acesso à via pública (eventual prédio encravado, como resultaria do muro empreendido pelo R.).

Assim, desconhecendo-se a concreta configuração e extensão/localização dos logradouros dos imóveis entre si (tendo em conta os diversos pontos cardeais), também por isso não seria possível estabelecer aqui a respetiva linha divisória (mormente, em termos de elevada aleatoriedade, no seu prolongamento na direção da Rua ...), o que deixa impedida a pretendida demarcação.

Quer dizer, não apenas é controvertida a localização da linha de demarcação, mas ainda a própria localização geográfica dos imóveis ([26]), um perante o outro, não no concernente às respetivas edificações principais, mas aos respetivos logradouros, sua configuração e extensão, especialmente no seu prolongamento para a dita Rua ....

Com o que, improcedendo a argumentação dos Recorrentes em contrário, resta manter o decidido pela 1.ª instância.

Improcede, pois, salvo o devido respeito, o recurso interposto.


***

(…)
***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da apelação, em manter a decisão recorrida.

Custas da ação e do recurso pelos AA./Apelantes.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 17/03/2022

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Em 25/03/2021 (cfr. fls. 2 dos autos em suporte de papel).
([2]) Com o seguinte âmbito: «1 - Demarcação do limite de prédios confinantes».
([3]) Mediante a seguinte formulação: «1 - Concreta configuração de cada um dos prédios e respetivas estremas na parte em que confinam».
([4]) Que aqui se deixam transcritas (com itálico subtraído).
([5]) Cfr., porém, o disposto no art.º 617.º, n.º 1, do NCPCiv., não sendo caso, todavia, de lançar mão do disposto no n.º 5 do mesmo dispositivo legal.
([6]) Embora os Recorrentes tenham invocado efeito suspensivo, a 1.ª instância fixou efeito meramente devolutivo, o que foi confirmado por despacho do Relator datado de 04/03/2022.
([7]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([8]) Cfr. Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª ed., pág. 57.
([9]) Vide Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, pág. 143.
([10]) In Dos Recursos, Quid Júris, pág. 117.

([11]) Cfr. Manual de Processo Civil, pág. 686.
([12]) A propósito dos indicados «pontos 15 e 16 da petição inicial», julgados como não provados.
([13]) Pode ler-se na justificação da convicção do Julgador: «(…) já no que tange à actividade posterior à insolvência, fica a clara convicção de que o insolvente logrou manter, para si próprio – embora “em nome”, como costumam dizer, nestas situações, do seu filho – uma parte substancial do prédio que foi apreendido para a massa insolvente, deixando uns compradores na situação de terem adquirido e pago algo que dificilmente se compagina com a realidade que é documental e oficialmente descrita. Situação que, no entanto, parece ter sido assumidamente querida pelos mesmos – provavelmente pretendendo obter terra por bom preço (…)».
([14]) Com o seguinte teor:
«10
De acordo com as declarações que lhe foram transmitidas pelo pai do réu, o Sr. Engenheiro DD realizou levantamento topográfico com referência ao prédio urbano com o artigo matricial n.º 702, inscrito na freguesia de Pala e registado na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2422.
11
Situando-o geograficamente na Rua das ..., n.º...., no lugar de ..., com a área total do prédio de 2.046,90m2, encontrando-se delimitado por marcos, muros de vedação e pela Rua das....
(…)
24
Posteriormente, o Réu edificou o muro de acordo com os limites constantes do levantamento topográfico do Eng. DD que data de Abril de 2021 e que se reporta ao apresentado em Janeiro de 2002.».
([15]) Estes, por sua vez, com a seguinte redação:
«15
Tal prédio, à data da sucessão estaria omisso, pelo que houve a criação de uma descrição para que pudesse efetuar-se a respetiva sucessão e bem assim o registo na conservatória do registo predial.
16
Tendo inclusivamente a Sra. Notária feito menção que, os à data outorgantes, referiram que o prédio que indicavam não era o descrito na conservatória do registo predial de ... sob o nº ...11.
(…)
23
A sua delimitação é de acordo com o projeto de ampliação que se anexa como Doc.5.».
([16]) Note-se que no corpo da alegação, os Recorrentes apresentam uma transcrição ligeiramente mais extensa, que aqui se reproduz:
«Adv. Recorrente: (…) sempre teve conhecimento da mesma fisionomia daquele, do artigo onde está a serralharia, correto?
Eng. DD: .oh Sr. Dr. é conforme lhe disse
Adv. Recorrente: do que lhe foi dito que era a fisionomia sempre teve a, durante, pelo que me disse 2002 sempre foi a mesma fisionomia do prédio, que conhece
Eng. DD: é, sempre foi, portanto o prédio que nós levantamos é aquele, pronto e entretanto, posso-lhe dizer, não sei se deve ter, depois houve um pequeno ajuste precisamente aqui na entrada.
Adv. Recorrente: sim, eu estou, já posterior a essa fase, sempre teve aquele conhecimento, pelo que lhe foi dito. E eu pergunto-lhe se os levantamentos e as plantas que foram feitas sobre esse prédio, os desenhos têm de ser sempre os mesmos, portanto de acordo com o documento 5 junto com a contestação, que são o levantamento?
Eng. DD: sim.
Adv. Recorrente: pronto e o levantamento que foi pedido em 2002, foi pedido pelo, presumo, já fiz essa questão anteriormente, mas pergunto a si, pelo Sr. FF e pela D. HH
Eng. DD: sim».
([17]) Cfr. art.º 640.º, n.º 2. al.ª a), do NCPCiv..

([18]) É pacífico o entendimento de que a fundamentação insuficiente ou deficiente da sentença não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, mas apenas a falta absoluta da respetiva fundamentação. Com efeito, a causa de nulidade referida na al. b) do n.º 1 do dito art.º 668.º (actual art.º 615.º do NCPCiv.) ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (cfr., desde logo, o art.º 208.º, n.º 1, CRPort.). Como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa – cfr. “Estudos sobre o Processo Civil”, pág. 221 –, “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. Também Lebre de Freitas – cfr. Código de Processo Civil, pág. 297 – esclarece que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. Por sua vez, Alberto dos Reis enfatizava – cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140 – que deve distinguir-se “a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
([19]) Acresce que uma eventual deficiência de fundamentação de facto – plano em que os Recorrentes se situam (quanto à justificação da convicção) – sempre caberia no âmbito, não do art.º 615.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv., mas do art.º 662.º, n.ºs 2, al.ª c), e 3, do mesmo Cód., podendo levar, se necessário, à baixa do processo para cabal fundamentação pela 1.ª instância, o que, todavia, não foi pedido, nem a Relação, em apreciação oficiosa, considera que se imponha in casu.
([20]) Já do documento n.º 5 junto com a petição consta como «REQ. FF» (cfr. fls. 16 do processo físico), o pai do R..
([21]) Cfr. art.º 371.º, n.º 1, do CCiv..
([22]) Com efeito, aqui já não se trata apenas do estabelecimento da linha divisória entre dois prédios confinantes geograficamente localizados (diferenciados/autonomizados um perante o outro), mas de reivindicar um concreto espaço físico, o que implica, não só o reconhecimento do respetivo direito de propriedade, como ainda a imposição do correspondente dever de restituição/entrega (o ocupante e/ou quem o autorizou a ocupar tem de ser condenado no reconhecimento daquele direito de propriedade e na restituição do espaço ocupado, no caso o dito anexo). Desiderato este para que não é adequada a ação de demarcação.
([23]) Como referido no Ac. STJ de 25/09/2012, Proc. 3371/07.4TBVLG.P1.S1 (Rel. Hélder Roque), em www.dgsi.pt: «(…) quando uma das partes pretende que uma determinada parcela de terreno do seu prédio se encontra usurpada pelo vizinho, sempre que haja debate sobre a propriedade de certa faixa de terreno confinante e sobre os títulos em que se baseia, discutindo-se o título de aquisição, em vez da sua relevância em relação ao prédio, tratando-se de um conflito de títulos e não de um conflito entre prédios, a acção correspondente não é a acção de demarcação, mas antes a acção de reivindicação. // Efectivamente, se as dúvidas ultrapassam a zona de fronteira entre os dois prédios contíguos para atingirem uma parcela bem definida de terreno na posse do vizinho, sai-se da esfera da acção de demarcação para se entrar no âmbito da acção de reivindicação, significando a subversão dos princípios que a ambas estão subjacentes a propositura da primeira, em lugar da última, pois que naquela respeitam-se os títulos existentes, não se admitindo prova contra os mesmos, apenas se definindo a linha divisória que ofereça dúvidas, face aos títulos existentes. // Se nem sempre é fácil distinguir a acção de reivindicação da acção de demarcação, porque, em qualquer dos casos, se discute uma questão do domínio, relativamente a uma faixa de terreno, naquela está em causa o próprio título de aquisição, e nesta a extensão do prédio possuído.».
([24]) Como é jurisprudência pacífica, «(…) em ação de reivindicação caberá ao demandante o ónus da alegação e prova dos factos tendentes a demonstrar o seu pretendido direito de propriedade sobre a coisa reivindicada – cfr. art.º 342.º, n.º 1, do CCiv. –, prova essa a ser efetuada através de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, por sua parte ou dos seus antecessores na posse. // Quando, porém, a aquisição for derivada terão de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, exceto nos casos em que ocorra presunção legal de propriedade (cfr. art.ºs 349.º e 350.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CCiv.), como a resultante da posse ou do registo definitivo de aquisição – cfr., inter alia, Ac. TRC de 11/10/2016, Proc. 346/12.5TBSPS.C1 (Rel. Vítor Amaral), subscrito por este mesmo coletivo, disponível em www.dgsi.pt. É, pois, com base no reconhecimento, pela via judicial, desse direito de propriedade que o reivindicante poderá, consequentemente, demonstrando a ilicitude da ocupação, pedir (e obter, judicialmente), neste âmbito (e não noutro), a restituição do respetivo bem imóvel (assim reivindicado).
([25]) Veja-se ainda, sobre a matéria, entre outros, o Ac. STJ de 20/11/2019, Proc. 841/13.9TJVNF.G2.S1 (Cons. Ilídio Sacarrão Martins), em www.dgsi.pt.
([26]) V., neste âmbito, o Ac. TRC de 06/03/2018, Proc. 10324/15.7T8CBR.C1 (Rel. Vítor Amaral), em www.dgsi.pt (aresto subscrito por este mesmo coletivo).