Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
148/13.1TBCBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: DIREITOS DE PERSONALIDADE
DIREITO À SAÚDE
DIREITO AO REPOUSO
RUÍDO
EXPLORAÇÃO ECONÓMICA
DIREITO DE PROPRIEDADE
CONFLITO DE DIREITOS
Data do Acordão: 03/12/2019
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 70, 335 CC, 18, 25, 61, 62, 64, 66 CRP, DL Nº 9/2007 DE 17/1
Sumário: 1. Numa ação em que os autores pretendem fazer valer o seu direito à saúde e ao descanso, é sobre eles que recai o ónus da prova do nível de ruído e do grau de incomodidade que o mesmo lhes acarreta.

2. Em regra em caso de conflito, efetivo e relevante, entre o direito de personalidade e o direito ao lazer ou à exploração económica de indústrias de diversão ou restauração, se imponha a preservação dos direitos básicos de personalidade, por serem de hierarquia superior à dos segundos, nos termos do artigo 335º do Código Civil.

3. A decisão do conflito de interesses não prescindirá de uma concreta e casuística ponderação judicial, a realizar em função do princípio da proporcionalidade, cuja essência e finalidade é a preservação, tanto quanto possível, dos direitos fundamentais com amparo na Constituição e, em concreto, colidentes.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

C (…) e marido, A (…), intentam a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra:
1. C (…) e
2. G(…), Lda.

pedindo a condenação das Rés:

a) a encerrar efetivamente o Bar designado por “B (…)” C (…) vedando o seu acesso ao público, cessando todas as atividades e impedindo a presença de quaisquer pessoas no seu interior para além das 20:00h ou, caso não seja atendido, pelo menos das 23h de cada dia até às 8:00h do dia seguinte;.

b) a reconhecerem e respeitarem os direitos dos AA. e do seu agregado familiar ao repouso, sono, sossego e tranquilidade da vida pessoal e familiar e à saúde e por cuja violação devem ser condenados a indemnizar os AA. pelos prejuízos causados e que venham a causar, em quantia a liquidar em execução de sentença;

c) a pagarem, a título de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no artº. 829-A, do CC, uma quantia pecuniária de montante não inferior a € 1.000,00 euros, por cada infração diária que, de futuro, cometam.

Para tanto, alegam, em síntese:

os autores são proprietários da fração autónoma designada pela letra (…), destinada a habitação, do prédio em propriedade horizontal, situado na K (...) , Lote (…) freguesia de (...) , concelho de W (...) ;

a 26 de Julho de 2010 foi celebrado entre o Município de W (...) e a 1ª R., representado pelo seu Presidente, um Contrato de Concessão Para a Gestão de Equipamentos de Utilização Coletiva Municipais, abrangidos pelo Alvará de Loteamento nº (...) /97 e seu aditamento;

o Município concessionou, assim, à 1ª R. a gestão e manutenção de diversos equipamentos de utilização coletiva municipais, entre os quais o Equipamento E3-Piscina, Balneários e Bar, com uma área de 2413 m2;

esse bar e piscina estão situados a sul da fração da autora e a cerca de 20 metros desta, tendo de permeio dois passeios e a rua x (...) , com a qual a fração da autora confronta a sul, e ainda um ligeiro declive numa encosta logo na continuação do passeio;

a 30.11.2010, a 1ª R., representado pelo seu Presidente, assinou com a 2ª R. um contrato de prestação de serviços, através do qual esta empresa passava a deter a exploração do dito bar e piscina durante o prazo de nove anos, renovável automaticamente por períodos de 3 anos;

em 11.05.2011, o Presidente da direção da 1ª Ré assinou um pedido de concessão de horário de funcionamento de estabelecimento comercial, respeitante ao bar adstrito à piscina, que foi e é gravemente lesivo para os AA. e seu agregado familiar;

esse horário de funcionamento perturbou e perturba a tranquilidade, o sossego, o direito ao repouso e ao sono dos AA. e seu agregado familiar;

o horário solicitado para o bar, e que veio a ser concedido indevidamente pelo Município no dia 30.06.2011, permite o seu funcionamento até às 02h00, enquanto a piscina pertencente à mesma infraestrutura encerra às 20h00;

pela proximidade existente entre a fração dos AA. e o dito bar são forçados a suportar o ruído dele proveniente durante a noite, nomeadamente após as 23h00 e até pelo menos as 02h00, mormente o barulho de motociclos e veículos automóveis que para ele se dirigem e dele saem em aceleração, para vencer a subida da Rua x (...) , imediatamente à frente da sua casa;

e também o ruído de vozearia, garrafas, música, impossíveis de eliminar em estabelecimentos similares, ao qual acresce o ruído de veículos proveniente do parque de estacionamento afeto ao bar e a ele contíguo, aqui se incluindo música de rádios de veículos com portas abertas, repetidas vezes ligados em altos berros;

tais ruídos limitam o pleno aproveitamento e fruição da sua fração por parte dos autores e seus familiares;

a 2ª Ré iniciou a exploração efetiva do bar e piscina em Junho de 2011, tendo sido contratada por ajuste direto pelo presidente e direção da 1ª R., embora atualmente esteja encerrado;

durante o verão de 2011 incomodaram ininterruptamente os AA. com toda a espécie de ruídos;

depois de um interregno no funcionamento do bar, os equipamentos reabriram em Junho de 2012 para virem a fechar na sua quase totalidade no princípio de Outubro de 2012;

o horário de encerramento do bar deve ser reduzido para as 20H, horário de fecho de funcionamento da piscina, ou, caso não seja atendido, quando muito, para as 23h00, correspondente à soma dos horários dos períodos diurno e do entardecer previstos no DL 9/2007, de 17.01 – Regulamento Geral do Ruído.

A 2ª. Ré G (..) Lda., apresentou contestação, alegando, em síntese:

sempre utilizou o espaço em conformidade com os títulos conferidos pelo Município e devidamente autorizada pela 1ª Ré, sendo que, desde Outubro de 2012 que todos os equipamentos se encontram encerrados, concluindo pela improcedência da ação.

A 1ª. Ré “C (…)” apresentou contestação, negando que o direito à saúde e repouso dos autores possa estar a ser posto em causa por eventuais ruídos provenientes do referido bar/piscina, e alegando ainda que o A. na qualidade de associado e Vice-Presidente da 1ª Ré, participou nas Assembleias Gerais de ocorridas em 2010, onde foram discutidas todas as questões subsequentes à assinatura do contrato com a Ré G (…), concluindo pela improcedência da ação.

Na pendência da ação e face à sua declaração de insolvência foi declarada extinta a instância relativamente à 2ª Ré, G (…) Lda., prosseguindo a ação para julgamento unicamente para apreciação dos pedidos formulados sob as alíneas A) e C), relativamente à 1ª Ré C (…).

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação improcedente, absolvendo a ré dos pedidos contra si formulados.


*

Não se conformando com tal decisão, os autores dela interpõem recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por sumula[1]:

(…)


*

Pela Ré foram apresentadas contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso.
Cumpridos que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 657º do CPC, in fine, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º e 639º, do Novo Código de Processo –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Despacho interlocutório de 22 de fevereiro de 2018.
2. Impugnação da matéria de .
3. Se é de alterar o decidido.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Despacho interlocutório de 22 de fevereiro de 2018

O atual regime de recursos veio permitir, como regra, a impugnabilidade das decisões unicamente com o recurso a interpor da decisão final.

Com a apelação que deduzem à sentença recorrida, os apelantes declaram impugnar igualmente o despacho proferido a 22 de fevereiro de 2018, que indeferiu a Reclamação apresentada pelos AA./Apelantes (fls. 572-3, do processo físico) relativamente ao “Relatório de Ensaio – Medição de Níveis de Pressão Sonora, Critério de Incomodidade”, apresentado pelos Srs. Peritos e que se encontra junto a fls. 541 e ss.

Na impugnação que deduzem a tal despacho (ns. 1 a 5, das suas conclusões de recurso), os Apelantes, alegando que ao indeferir as reclamações “ficou viciado o mesmo relatório pericial, o que determinará uma nova reapreciação de todo o contexto probatório”.

E, a final, terminam as suas alegações de recurso, limitando-se a afirmar que “deve o recurso ser julgado procedente e provido e, por via dele, revogada a sentença e despacho recorridos”.

De tal alegação, constata-se que, requerendo os Apelantes a “revogação” de tal despacho que indeferiu a prestação dos esclarecimentos por si pedidos, não concretizam nas conclusões das suas alegações de recurso, qual o despacho que deveria ter sido proferido em seu lugar. Por outro lado, se a pretensão dos Apelantes for a substituição de tal despacho por outro que defira tal pedido de esclarecimento, tal despacho implicaria a anulação de todo o processado subsequente, pretensão que não se acha expressamente formulada pelos Apelantes.

O sentido que se retira das suas alegações é o de que os Apelantes se insurgem contra tal despacho, não para o efeito de o mesmo ser revogado e substituído por outro que determine a prestação dos esclarecimentos pelos Srs. Peritos, mas para colocar em causa a credibilidade e a confiança que o mesmo mereceu ao juiz a quo na decisão que proferiu em sede de matéria de .

É certo que, no corpo das alegações, no final do ponto 3.2., os autores alegam que “Ao indeferir as reclamações o Mmo. juiz fez incorreta apreciação das mesmas e errada aplicação da lei (…), pelo que a decisão impugnada conjuntamente com o recurso da sentença final é passível de censura e carece de ser alterada por esse Venerando Tribunal no sentido de os senhores peritos prestarem os esclarecimentos pretendidos, o que determinará uma nova reapreciação de todo o contexto probatório.

Ora, embora dessa tal afirmação se possa extrair tal intenção, a respetiva pretensão acaba por não ser expressamente formulada a final pelos Apelantes.

Ou seja, as alegações de recurso não contêm um verdadeiro recurso de tal despacho interlocutório.

De qualquer modo, e ainda que assim não fosse, sempre se dirá não fazer sentido que os Apelantes viessem agora recorrer de tal despacho interlocutório, quando podiam ter requerido e insistido pela presença dos Peritos em audiência para o efeito de lhes pedirem todos os esclarecimentos que entendessem, sobre as questões por si colocadas na Reclamação ou sobre quaisquer outras que entendessem relevantes.

Por fim, dir-se-á ainda não se descortinar qualquer interesse nos esclarecimentos que os Autores solicitavam então aos Srs. Peritos:

- os Srs. peritos devem esclarecer que os autores nunca faltaram a qualquer compromisso calendarizado com a empresa para a realização de ensaios;

- num total de seis horas previsto para os ensaios do período noturno foram feitas medições com a duração de 1h 25m, o que parece viciar os resultados, o que os Srs peritos também devem esclarecer;

 - tratando-se de um estabelecimento com 213 m2, sem um padrão irregular de utilização quer quanto ao horário de encerramento, quer quanto às suas atividades, que incluem também a realização de eventos, não tendo ocorrido nenhum aquando das medições, pelo que os srs. peritos devem esclarecer se esse padrão irregular de utilização e atividade condiciona as medições e se da análise comparativa dos dois relatórios (2016 e 2017) não resulta isso mesmo.

Quanto ao esclarecimento no sentido de que os AA. nunca faltaram a qualquer compromisso com a empresa para a realização dos ensaios, é óbvia a sua irrelevância.

Quanto ao de as medições terem sido insuficientes é uma questão que é levantada pela própria empresa que procedeu às medições do ruído, razão pela qual considerou que “com um único dia de medição do ruído da atividade no período noturno não é possível calcular o critério de incomodidade relativo a este período” (fls. 555), insuficiência que é também assumida pelos Srs. peritos nas conclusões finais que fazem juntar aos autos.

Só o último pedido de esclarecimentos se poderia considerar uma verdadeira “questão”, embora acarrete em si a própria resposta, questão que poderiam ter colocado aos Srs. peritos na audiência final, cuja audição em audiência chegou a ser determinada na pendência do processo, mas que não chegou a ocorrer, sem que os AA. tenham efetuado qualquer reparo à sua não notificação para a audiência.

Concluindo, julga-se improcedente o pedido de “revogação” do despacho interlocutório.


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2. Impugnação da matéria de

Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de .

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os s tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de :

1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de , deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de , indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:

a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões;

b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;

c) indicação, ou transcrição, exata das passagens da gravação erradamente valoradas. 

Estes requisitos visam assegurar a plena compreensão da impugnação deduzida à decisão sobre a matéria de facto, mediante a identificação concreta e precisa de quais os pontos incorretamente julgados e de quais os motivos de discordância, de modo a que se torne claro com base em que argumentação e em que elementos de prova, no entender do impugnante, se imporia decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal.

Tais exigências surgem como uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[2], assegurando a seriedade do próprio recurso intentado pelo impugnante.


*

Os requisitos básicos para o conhecimento da impugnação deduzida à decisão proferida relativamente a algum ponto da matéria de facto é a identificação concreta do facto que o apelante entende estar mal decidido e qual a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida relativamente a tal matéria.

Relativamente à matéria contida na resposta ao ponto 10, embora os Apelantes afirmem que, em seu entender, o tribunal lhe deveria ter dado uma resposta diversa, das suas alegações de recurso constata-se que eles aceitam a matéria dada aí com provada – “De acordo com o alvará de loteamento nº. (...) , de 14-04-1997, foi autorizada a existência de uma parcela com 4.324 m2, destinada a zona verde e percursos pedonais, incluindo o lote de equipamento público E3, com 2.760 m2 (piscinas, balneários e bar)” –, pretendendo tão só que à mesma seja aditada a seguinte matéria:

Quando da abertura do bar em junho de 2011 era um bar de apoio à piscina e balneários; em 22.04.2013 foi alterado o alvará de loteamento passando o bar também a contemplar a possibilidade de uso como restaurante”.

Antes de mais, não se atinge qual o interesse de tal aditamento para a decisão aqui em questão, onde não cumpre averiguar da validade das autorizações administrativas, mas tão só, se o estabelecimento em funcionamento naquele espaço – inicialmente a funcionar como bar e depois, já na pendência da presente ação, como restaurante –, face aos níveis de ruído produzidos na sequência da sua atividade, violam o direito à saúde e ao repouso dos autores, enquanto proprietários e residentes numa das frações do condómino.


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Insurgem-se os apelantes contra a decisão proferida relativamente à matéria contida nos artigos 11 e 15º da B.I.[3]:

22) As características topográficas do vale em forma de funil, onde está inserido o bar, favorecem a propagação sonora do ruído proveniente do aludido bar, mas o som daí provindo propaga-se no sentido inverso ao da habitação dos Autores – artº. 15, 1ª. parte, da B.I..

23) No que concerne à zona envolvente da piscina, enquanto zona adjacente ao bar, as características topográficas do vale em forma de funil favorecem a propagação de parte das ondas sonoras do ruído aí produzido, que embate na colina e propaga-se no sentido inverso ao da casa dos Autores e outra parte propaga-se diretamente no sentido dessa habitação – artº. 15, 2ª. parte, da B.I..

Segundo os apelantes, aos pontos 11 e 15 da B.I., deveria ter sido dada a seguinte resposta: “Provado que durante a noite, nomeadamente após as 23 e até pelo menos às 2h, do bar provem ruído de vozearia e musica”.

Em favor da sua tese, os apelantes alegam o seguinte:

“Dá-se aqui por reproduzido o já abundantemente aludido nos pontos 3.,3.1., 3.2., 4. e 4.1. supra, a propósito da prova pericial, no sentido de infirmar as conclusões extraídas pela Mmº Juiz a quo da prova pericial e quanto à VOZEARIA: Relatório de Ensaio de fls. 446 a 461, pg.5 de 47, último parágrafo, quadro de pg. 7 de 47, conclusões de pg. 16 de 47; (…) Ponto 7 da informação ao processo de fls. 331 e 332.”

O juiz a quo justificou pelo seguinte modo, a convicção a que chegou relativamente a tal matéria:

“A resposta ao artº. 11 apoiou-se, sobretudo, na resposta conferida ao artº. 15, 1ª. parte, que se baseou no relatório pericial junto a fls. 281 e seguintes, assim como no relatório de medição de ruído ambiente, datado de 09-10-2017 (junto a fls. 538 e seguintes), o qual concluiu, no ponto 7, que “…os níveis de pressão sonora com origem na actividade do C (…) cumprem os limites definidos para o critério de Incomodidade no período entardecer” (das 20H às 23H). E nesse relatório é ainda mencionado que “Com um único dia de medição de ruído da actividade no período nocturno (das 23H às 7H), não é possível calcular o critério de incomodidade relativo a este período porque para efectuar esta determinação são necessárias medições em dois dias distintos, condição que não se verificou”. A medição no período nocturno noutro dia não se efectuou porque o proprietário da habitação – Autor marido – não autorizou o acesso a esta para realizar novas medições (cfr. relatório, a fls. 555).

E essas medições ocorreram, enquanto local de medição, na varanda exterior da habitação dos Autores e, ainda assim, o Autor marido recusou-se a disponibilizar o acesso à sua habitação para, nessa mesma varanda, ser concretizada a medição no período nocturno num 2º. dia.

Aliás, a fls. 546, do aludido relatório de medição de ruído ambiente, ficou exarado que “Local de Medição – A varanda (exterior) manteve-se como local de medição – contrariamente ao decidido no despacho de 6 de Junho de 2017, que determinava “a realização de outros ensaios acústicos em conformidade com o sugerido pelos peritos as quais deverão realizar-se também no interior da habitação dos autores (fls. 534) – porque o queixoso considerou que o bom isolamento acústico do edifício assegura que o ruído não é audível no interior, pelo que não autorizou medições no interior da habitação”.

Tal motivo, alegado pelo Autor marido, foi pelo próprio admitido, em documento por si subscrito e junto a fls. 575, dos autos, quando refere:

“Em terceiro lugar porque na resposta aos quesitos apresentada no processo com data de 22-12-2014, concretamente quanto ao quesito n), nos considerandos feitos pelo perito indicado pelos autores até resulta a admissão que o isolamento acústico no interior da habitação é de boa qualidade.

Assim, eventual realização de ensaios acústicos com as portas fechadas só poderia contribuir para provar que a habitação dos autores é utilizável com as portas de acesso às varandas fechadas. Na realidade, porém, pelo menos durante 40% do ano a habitação não é usada nessas condições, mantendo-se habitualmente as portas abertas”.

E na última parte do ponto 9, do relatório de medição de ruído ambiente, datado de 09-10-2017 (junto a fls. 538 e seguintes), conclui-se que “Contudo verifica-se que a medição efectuada no dia 22-07-2017 cumpre com o valor regulamentar para o período nocturno”.

Deste modo, as declarações do Autor marido (e das testemunhas por si indicadas e ouvidas em audiência) foram valoradas também em função do resultado da perícia, com o relatório de medição de ruído ambiente, datado de 09-10-2017, acrescido da declaração escrita do mesmo A. a fls. 575, dos autos.

Em declarações, o Autor marido referiu que o ruído que ouvia mais era provindo da piscina e do bar, através da música que se fazia sentir. Mas o ruído mais significativo para o Autor era provindo dos veículos a arrancar e a passar pela Rua x (...) ; o Autor ouve melhor do que a A. mulher, que apenas acordou uma única vez devido ao barulho (embora sem especificar em concreto que ruído fez acordar a mulher); o Autor marido refere que se deitava por voltas das 23/24 H e acordou diversas vezes com barulho, especificando o ruído dos motores dos veículos a passar na Rua; fez ainda referência ao facto de possuir uma hérnia, que poderá não deixá-lo dormir bem, a que acrescenta o facto de ter dificuldades em adormecer e, por isso, toma medicação para dormir melhor.

(…)

A resposta ao artº. 15, 1 e 2ª. partes, alicerçou-se, sobretudo, no relatório pericial junto a fls. 281 e ss., dos autos, mais concretamente resposta A 16 e B) J.

Do bar o som propagava-se e propaga em sentido oposto à habitação dos AA., dada a topografia do terreno. Da zona envolvente da piscina, uma parte das ondas sonoras do ruído aí produzido propaga-se no sentido inverso à habitação dos AA., enquanto outra parte propaga-se no sentido dessa residência.

Quanto ao nível de ruído, cuja medição foi efectuada nos moldes antes apontados no relatório de medição de ruído ambiente, datado de 09-10-2017, remete-se para o que enunciámos anteriormente a esse propósito, realçando-se que “Contudo verifica-se que a medição efectuada no dia 22-07-2017 cumpre com o valor regulamentar para o período nocturno”. O período do entardecer também cumpria com o valor regulamentar para o ruído entre as 20H e as 23H.”

Relativamente à decisão proferida em sede de matéria de facto, a grande crítica apontada pelos apelantes reside na “desconsideração” do Relatório de Ensaio – Medições dos Níveis de Pressão Sonora de 29.12.2016, e conclusões dos 3 peritos de 1.02.2017, sendo que, em seu entender, os primeiros ensaios englobam um período noturno significativamente mais abrangente que os ensaios de 2017.

Não podemos, nesta parte, dar razão aos apelantes.

Vejamos, antes de mais, o porquê da realização de várias medições e de dois relatórios de peritagem assinados pelos mesmos peritos.

A Requerimento dos Autores foi determinada a realização de perícia colegial que teve por objeto, resumidamente, os níveis de ruído provocados pelo funcionamento do bar em causa e o seu impacto sobre os autores enquanto residentes numa fração do condomínio virada diretamente para tal bar, e para a qual autores e Ré juntaram os respetivos quesitos (fls. 202v. e ss, e 226 e 227).

 Determinada a perícia por despacho de 16-10-2013, a 24 de Dezembro de 2014 os Srs. Peritos fizeram juntar aos autos um primeiro Relatório de Perícia de fls. 281 a 311, assinado pelos três peritos nomeados para o efeito.

Os Srs. peritos iniciam o seu relatório com a informação de que as respostas foram dadas sem os elementos acústicos (níveis de ruído) que não se realizaram, nele concluindo não ser possível afirmar se os ruídos provenientes do funcionamento de tal bar limitam o sossego e a tranquilidade para quem permanece nas varandas, nas salas e nos quartos de dormir, da fração dos autores, sem aferir os níveis de ruído.

A Ré C (…) veio reclamar de tal relatório, alegando que a principal, razão pela qual foi pedida a peritagem foi para medir os níveis de ruído provenientes do bar e piscina, insistindo pelas medições de ruído, sugerindo que as medições de ruído se iniciem com uma primeira amostragem antes da reabertura e uma segunda após reabertura do bar/Restaurante.

Quanto aos AA., limitam-se a requerer a comparência dos Srs. Peritos na audiência final, a fim de prestarem os esclarecimentos que lhe sejam pedidos.

Determinada a medição dos níveis de ruído, a C (…) fez juntar aos autos um “Relatório de Ensaio – Medição dos Níveis de Pressão Sonora – Critério de Incomodidade”, datado de 29.12.2016, do qual destacamos as seguintes notas:

- a varanda foi definida como local de medição porque a queixa mencionava os níveis de ruído excessivos com as janelas abertas ou para usufruírem das varandas;

- as medições do período noturno tinham como estimativa de encerramento do restaurante à 1 da manha, o que se verificou no 1º dia de medição do ruído ambiente, no 2º dia o restaurante apresentou maior atividade, dendo as medições sido estendidas ao ao encerramento, que ocorreu perto das 2.00h.

- as medições do ruído ambiente foram realizadas ao sábado. As de ruído ambiente foram realizadas ao Domingo (dia de encerramento).

Perante os resultados de tais medições, os Srs. Peritos vêm juntar as suas conclusões, constatando-se não ter sido possível a emissão de um parecer colegial, tendo cada um dos três peritos apresentado a sua versão individual da questão:

1. O perito nomeado pelos AA., (…) apesar de algumas críticas que exerce relativamente às condições das medições efetuadas, conclui não se mostrarem necessários quaisquer outros ensaios e que “os níveis de pressão sonora com origem na atividade avaliada não cumprem os limites definidos para o critério de incomodidade no período noturno, ou seja, depois das 23 h:”

2. O perito nomeado pela Ré, (…), referindo que o local de medição foi o ponto mais desfavorável, a varanda do autor, concluiu que embora não tenham sido cumpridos os limites definidos no período noturno, existe a necessidade demais ensaios no sentido de apurar as condições de funcionamento normal do estabelecimento;

3. O perito nomeado pelo tribunal, (…), concluiu que “os níveis de pressão sonora com origem na atividade do C (…) cumprem os limites definidos para o critério de incomodidade nos períodos diurno e entardecer e não cumprem os limites definidos no período noturno; quanto ao ruído residual sustentou que tendo o mesmo sido medido em dias em que o restaurante não estava efetivamente fechado, as medições deveriam ser repetidas.

Na sequência de tal Relatório e nomeadamente pelo facto de o mesmo não constituir um parecer colegial, a Ré C (…) veio requerer a realização de uma segunda perícia, e que sejam efetuadas medições também no interior da habitação dos AA.

Por despachos de 06-04-2017 e de 06.06.2017, e considerando que a mera realização, não de uma segunda perícia, mas de uma segunda realização de ensaios acústicos seria suficiente para afastar as dúvidas manifestadas pelos Srs. peritos, foi então determinada a “realização de outros ensaios acústicos em conformidade com o sugerido pelos peritos, as quais deverão realizar-se também no interior da habitação dos autores”.

 A fls. 541 e ss. dos autos, encontramos então o novo “Relatório de Ensaio – Medição dos Níveis de Pressão Sonora – Critério de Incomodidade” elaborado pela C (…), do qual consta, entre outros elementos, o seguinte:

 “não foram realizadas medições no interior da habitação devido ao facto de o proprietário não ter autorizado as medições nessas condições”;

 “Local de medição – A varanda (exterior) manteve-se como local de medição, porque o queixoso considerou que o bom isolamento acústico do edifício assegura que o ruído não é audível no interior, pelo que não autorizou medições no interior da habitação” ;

no período noturno, no primeiro dia de medição, o restaurante encerrou às 00h25 m. no segundo dia de medição encerrou durante o período entardecer (22h15m). Não foi assim  possível realizar a medição do período noturno (após as 23 h até ao encerramento do mesmo) e também não foi possível realizar as medições noutro dia, devido ao facto do proprietário da habitação não ter autorizado novas medições”.

De tal relatório constam as seguintes conclusões:

- os níveis de pressão sonora com origem na atividade do (...) cumprem os limites definidos para o critério de incomodidade no período entardecer;

- com um único dia de medição de ruido da atividade no período noturno não é possível calcular o critério de incomodidade relativo a este período, sendo necessárias medições em dois dias distintos;

- “a medição efetuada no dia 22.07.2017 cumpre o valor regulamentar para o período noturno”.

Realizadas tais medições, os Srs Peritos vêm apresentar as suas conclusões, em documento junto aos autos a 7 de novembro de 2017, das quais se destaca o seguinte:

- Não se efetuaram medições no interior da habitação porque o proprietário da mesma e autor do processo não autorizou que estas fossem realizadas nas condições que os peritos e técnicos da empresa Civilinsp entenderam que deveriam ser, isto é, com as portas e janelas fechadas;

- verificou-se que no período do entardecer o critério de incomodidade calculado com base nas medições efetuadas (…) cumpre com os limites definidos por lei.

- No período noturno não foi possível calcular o critério da incomodidade porque para efetuar esta determinação são necessárias medições de ruído da actividade em dois dias distintos e verificou-se que num dos dias o restaurante encerrou às 22.15h- Foi proposto ao autor/proprietário repetir esta medição num outro dia, mas tal não foi por este autorizado. Verificou-se contudo que a medição efetuada no dia 22.07.2017 cumpre com o valor regulamentar.”  

Pelos autores foi junta declaração emitida pelo autor pela qual explicita os motivos de não ter concedido autorização para novas medições, na qual conclui que, “eventual realização de ensaios acústicos com as portas fechadas de acesso às varandas só poderia contribuir para provar que a habitação dos autores é utilizável com as portas de acesso às varandas fechadas. Na realidade, porém, pelo menos durante 40% do ano a habitação não é usada nessas condições, mantendo-se habitualmente as portas abertas.

Em resposta às novas conclusões apresentadas pelos Srs. Peritos, os autores foram ainda pedidos os tais esclarecimentos, relativamente aos quais foi proferido despacho a indeferir tais reclamações (despacho que também é objeto de impugnação com o presente recurso de apelação da sentença final).

Regressando à questão colocada pelos apelantes, quanto à “desconsideração” do Relatório de Ensaio de 29.12.2016, desde logo podermos salientar que nunca o mesmo poderá ser analisado por si só – Tal relatório faz parte de uma peritagem colegial, que após ter sido completada com outros elementos, nomeadamente novas medições aos ruídos em causa, a partir da fração dos autores, teve como conclusões finais as apresentadas pelos Srs. peritos a 07 de novembro de 2017.

E, o relatório final não deixa quaisquer dúvidas quanto à opinião emitida pelos Srs. Peritos:

1. os níveis de pressão sonora com origem na atividade do (...) cumprem os limites definidos para o critério de incomodidade no período entardecer;

2. com um único dia de medição de ruido da atividade no período noturno não é possível calcular o critério de incomodidade relativo a este período, sendo necessárias medições em dois dias distintos;

3. “a medição efetuada no dia 22.07.2017 cumpre o valor regulamentar para o período noturno”.

De qualquer modo, atentar-se-á em que, já no primeiro relatório, que os Apelantes dizem ter sido desconsiderado, se encontravam os seguintes elementos de facto, relevantes para um entendimento cabal das circunstâncias relacionadas com o funcionamento do estabelecimento comercial aí instalado à data de tais medições:

- o C (…) compreende uma área para restaurante/bar e um espaço exterior com piscina. A piscina encontrava-se encerrada assim como a esplanada;

- a Rua x (...) é uma rua com saída;

- existe uma zona de estacionamento para o C (…) entre a praceta e a entrada do mesmo;

- os veículos que circulam nesta rua são moradores/visitas e de clientes do C (…)

- no local de mediação é fortemente audível o ruído de viaturas, em especial a subir a rua, entrada e saída dos ocupantes e das conversas dos mesmos no espaço público;

- Local de medição – A varanda foi definida como o local de medição porque a queixa mencionava os níveis de ruído excessivos com as janelas abertas ou para usufruírem das varandas;

- Fontes de ruído associadas à atividade do C (…)

          - viaturas que circulam na Rua x (...) com destino ao C(…);

          - abertura e fecho das portas das viatura;

          - ruido associado aos ocupantes quando se encontram no exterior das viaturas (conversas);

          - equipamento de extração/renovação de ar/ar condicionado do restaurante;

- no local de medição não é audível ruído com origem no interior do restaurante;

- Nos períodos de medição não foram identificados patamares de ruído associados ao funcionamento do restaurante.

E de facto, neste relatório de medição concluiu-se que os níveis de pressão sonora com origem na atividade do CRCJ “cumprem os limites definidos para o Critério de Incomodidade nos períodos diurno e anoitecer, não cumprindo os limites definidos no período noturno”.

E foi o facto de este relatório de mediação ter dado origem à emissão de um parecer distinto por cada um dos três peritos nomeados e de ter sido salientada a necessidade de se proceder a novos testes, que foram determinadas as novas medições.

Ainda relativamente ao Relatório da Peritagem Colegial efetuada no âmbito dos presentes autos, atentar-se-á em que o mesmo só pôde retratar a situação existente à data da sua elaboração (data em que os Srs. peritos se deslocaram ao local e foram efetuadas as medições acústicas), numa altura em que o circunstancialismo de facto relacionado com o funcionamento do estabelecimento comercial instalado no equipamento coletivo em causa já não era o mesmo, uma vez que o bar que aí funcionara até pouco tempo antes da propositura da presente ação encerrou, tendo reaberto no mesmo local um restaurante.

Invocam ainda os AA/Apelantes a seu favor o depoimento das testemunhas (…), remetendo para determinadas passagens dos respetivos depoimentos.

Da generalidade de tais depoimentos, ressalta que, sobretudo desde que, no espaço em questão, funciona um restaurante, as queixas são sobretudo relacionadas com as saídas das pessoas do mesmo e com o circular dos automóveis, sendo que, como o próprio autor reconhece, tais barulhos só serão audíveis dentro do seu apartamento se as portadas das varandas e janelas se encontrarem abertas.

De grande relevância é o depoimento do autor, A (…) relativamente aos ruídos que se ouviam no seu apartamento. O autor afirma que o bar abriu em junho de 2011 e começou a funcionar como restaurante em 2014, “inauguraram aquilo como restaurante em janeiro de 2014”, constatando-se que os episódios relatados por si e que enumera como exemplos da incomodidade causada pelo funcionamento de tal espaço comercial – a polícia foi lá chamada pela 1ª vez, cerca de 3 semanas a 1 mês após a abertura do bar, “meteram lá um grupo musical”, eles tinham aparelhagem e altifalantes no exterior, “equipamento no exterior que tocava dia e noite”; à noite havia “música permanente, quase permanente” – se reportam a esse período anterior, quando o espaço era explorado como bar pela Ré G (…).Quanto ao período posterior, de funcionamento como restaurante, o autor reconhece que “Neste momento eles não têm altifalantes, devo dizer”; e quando lhe perguntam “há quantos anos deixou de ouvir esta música, responde: “já lá vai alguns anos”. O autor refere ainda “era uma algazarra, eles tomavam banho à noite”; “houve um dia da semana em que que eles tomaram banho às 04h50 da manhã e ela acordou. Mas eles não tomavam banhos normais, eles tomavam banhos de pessoas embriagadas. Isto é, eles davam torpedos para dentro da piscina”; “ouve a fase dos banhos noturnos, que eu só apanhava ao fim de semana”. Estes episódios são reportados ao tempo em que aquele equipamento público funcionava como bar, sob a exploração direta da G (…). Quanto aos incómodos sentidos desde que lá começou a funcionar o restaurante (denominado G (…)), afirma que “mesmo no formato atual e com as janelas fechadas já tenho acordado. Porquê? É na saída do bar. Quando os carros e as motos a acelerar por ali acima (…)”. O único exemplo que deu de um ruído fora do comum, relativamente a esta ultima fase, foi relativo à passagem de ano de 2017/2018, imediatamente antes do restaurante fechar, no dia 1 de 2018, que acordou com o barulho dos foguetes. Relativamente a esta fase, queixa-se essencialmente da parte da exaustão e ventilação, “incomoda-me imenso”, e com os ruídos relacionados com a saída do restaurante: “Eu só acordo com a saída e desde que haja acelerações por ali acima”, “agora no verão é muito pior. Uma pessoa no inverno, digamos, de novembro a fins de abri tem uma defesa razoável. Não tem nada a ver, a realidade depois no resto do ano é diferente”, queixando-se igualmente de as pessoas saírem do restaurante, depois de terem consumido bebidas alcoólicas e a falar em alta voz, “é a vozearia”.

Também o documento junto a fls. 214v. – comunicação emitida pela CMC, datada de 26.06.2012, ao aqui autor, referindo-se à existência de uma queixa por parte deste e de que na sequência da mesma procederam à notificação do explorador do estabelecimento – confirma o descontentamento dos autores àquela data.

Todas as demais testemunhas ouvidas, fazem essa distinção entre os ruídos produzidos pelo funcionamento de tal equipamento coletivo enquanto bar de apoio à piscina – confirmando as queixas relacionadas com a música, com as colunas e os altifalantes cá fora, no bar, sobretudo durante a noite – e, posteriormente, enquanto restaurante – o barulho dos motores dos carros e as pessoas a falar, repisando que “agora a música já não se ouve[4]”. É o caso da testemunha André Pestana Silva, genro dos AA., que chegou a viver no apartamento dos autores cerca de 9 meses, que faz referência à música e às gargalhadas vindas de dentro da piscina, estariam a mergulhar na piscina, numa noite em que estava muito quente, episódio reportado a essa altura em que residiu em casa dos sogros, e num tempo mais recente, o barulho dos exaustores e dos carros e pessoas.

Quanto ao relatório respeitante às 1ºs. medições efetuadas em 2016, refere expressamente que “no local de medição não é audível ruído com origem no interior do restaurante”,

Assim sendo, afigura-se-nos que estas alterações no tipo e intensidade de ruídos que emanam do funcionamento de tal espaço, primeiro como bar e, posteriormente, como restaurante, terão de se refletir na decisão sobre a matéria de facto.

De qualquer modo, e uma vez que a apreciação do que são ruídos para além do usual num condomínio fechado com algumas infraestruturas a funcionar e com automóveis a entrar e a sair, as eventuais dúvidas sobre a intensidade de tais ruídos e a sua perceção a partir da fração dos autores teriam de ser de algum modo confirmadas por elementos objetivos de recolha de dados, o que se procurou fazer através da realização de uma peritagem que incluía medições de ruídos.

O resultado de tal relatório já aqui foi referido: é negativo quanto à violação dos limites legais de ruído no período diurno e é inconclusivo quanto aos ruídos noturnos.

Sustentam os Autores – naquilo a que identificam como 2ª questão: penalização dos autores por pretensamente não colaborarem na perícia –, parte de um pressuposto errado, de que o tribunal ou os Srs. peritos o tenham de algum modo “castigado” pela sua recusa na realização de testes dentro do apartamento (todas as medições de ruído, quer as realizadas em 2016 quer as realizadas em 2017, foram-no a partir das varandas dos autores) ou na repetição das medições relativas ao período noturno.

Independentemente de todas as dificuldades que o autor possa ter levantado à realização de tais medições[5], encontrando-se em causa a demonstração de factos constitutivos do seu direito – os níveis de ruído causados pelo funcionamento do referido equipamento de bar/restaurante e percebidos a partir do apartamento dos autores - o ónus da prova relativamente aos mesmos incumbia aos autores.

Ou seja, no caso em apreço, ainda que não tivesse havido lugar a qualquer peritagem, a dúvida sobre os níveis de ruído e sobre o modo como afetariam quem se encontre no apartamento dos autores, sempre se resolveria contra aqueles a quem tais factos aproveitariam, nos termos do artigo 414º do CPC.

Assim sendo, são de indeferir as alterações pretendidas pelos Apelantes relativamente à matéria contida nos arts. 11 e 15 da base instrutória, em tudo o que extravase o tal diferente circunstancialismo entre o funcionamento do espaço enquanto bar e o seu posterior funcionamento enquanto restaurante, aditando-se ao teor dos pontos 22 e 23 da matéria de facto (que se mantém), o seguinte facto que se dá como provado:

23.a. Durante a noite, nomeadamente após as 23h e até pelo menos as 2 h, e enquanto o equipamento coletivo em causa funcionou como bar, dali provinha ruído de vozeria e de música.

Quanto aos restantes ruídos que se terão continuado a ouvir após a reabertura do espaço como restaurante, serão aqui analisados na apreciação à impugnação deduzida à decisão proferida relativamente aos pontos 12 e 13.


*

Insurgem-se os AA. relativamente à decisão proferida quanto aos pontos 12 e 13 da B.I., com a seguinte redação:

12. E ruído de veículos proveniente do parque de estacionamento afeto ao bar e dele contíguo, aqui se incluindo música de rádios de veículos com portas abertas, repetidas vezes ligados em altos berros?

13. … a que acresce o ruído proveniente dos motociclos e veículos automóveis que para o bar se dirigem e dele saem em aceleração, para vencer a subida da Rua x (...) , imediatamente à frente da sua casa?,

aos quais o tribunal deu a seguinte resposta:

Provado que a Rua x (...) é a via principal de acesso de veículos ao estabelecimento, rua esta que termina numa praceta, que dá acesso ao parque de estacionamento com 817 m2 contiguo ao bar/restaurante, situando-se esse estabelecimento a 27,91 m do quarto dos autores”.

Defendendo os apelantes a sua alteração, nos seguintes termos:

“Provado que a Rua x (...) é a única via principal de acesso de veículos ao estabelecimento, rua esta que termina numa praceta, que dá acesso ao parque de estacionamento com 817 m2 contiguo ao bar/restaurante, situando-se esse estabelecimento a 27,91 m do quarto dos autores, donde provém ruído de veículos, incluindo música de rádios de veículos. A que acresce o ruído proveniente dos motociclos e veículos automóveis que se dirigem para o bar e dele saem em aceleração, para vencer a subida da Rua x (...) , imediatamente à frente de casa.”

Mais uma vez invocam a seu favor o depoimento das testemunhas (…), o depoimento de parte de A (…) e da testemunha (…).

É certo que em tais depoimentos é referido o barulho dos carros a subir a descer a rua, a música do bar, que agora já não se ouve, as pessoas a conversar, etc. Contudo o que aqui se discute não é tanto a emissão de ruído de um estabelecimento explorado, primeiro como bar e depois como restaurante, e com autorização de funcionamento até às 2:00 horas, mas o que desse ruído chega e é audível tendo como ponto de referência o apartamento dos autores.

O Relatório de Peritagem que se baseia em medições foram efetuadas a partir da varanda conclui que, durante o período do entardecer “cumpre com os limites definidos por lei”, e que, durante o período noturno não foi possível calcular o critério de incomodidade porque seriam necessárias mais medições, sendo que, a que medição efetuada no dia 22.07.2017 “cumpre com o valor regulamentar”.

De qualquer modo, e ainda que não haja prova segura de que os limites legais de ruído estejam a ser ultrapassados, Os Relatórios de Medição de Ruido Ambiente realizados pela C(…), fez-se aí constar o seguinte:

- no local da medição, é fortemente audível o ruído das viaturas, em especial a subir a rua, entrada e saída dos ocupantes e das conversas dos mesmos no espaço público (1º Relatório, fls. 453);

- fontes de ruído associadas à atividade do C (…)

-abertura e fecho de portas das viaturas;

- ruídos associado a ocupantes quando se encontram no exterior das viaturas (conversas);

- equipamento de extração/renovação de ar/ar condicionado do restaurante (audível nos períodos entardecer e noturno; a intensidade desta fonte de ruído varias de acordo com a necessidade de extração/renovação de ar do restaurante;

- no local da medição era audível o ruído associado à atividade, como o equipamento de extração de ar condicionado, ruído com origem nas viaturas ligeiras dos clientes do restaurante e movimentação de clientes no espaço público;

- no local de medição não é audível ruído com origem no interior do restaurante;

Estas observações, encontram-se na sua generalidade, repetidas no 2ª Relatório apresentado pela C(…) a 09.10.2017 (fls. 541 e ss).

Ora, face a tais conclusões, as afirmações, efetuadas pelo autor em declarações de parte, de que quando dorme com as portadas abertas, várias vezes acordou com o barulho dos veículos em aceleração, e as afirmações de outras testemunhas de teor semelhante, surgem, de certo modo, corroboradas pelos relatórios de medição, apesar de, dos mesmos não se poder concluir com segurança que os limites legais de ruído  se mostrem ultrapassados.

Assim sendo, haverá que considerar como provados os ruídos referidos pelas testemunhas e confirmados pelos próprios relatórios de medição de ruídos, relativamente ao período de funcionamento do espaço como restaurante:

23.b. … a que acresce o ruído proveniente dos motociclos e veículos automóveis que para o bar se dirigem e dele saem em aceleração, para vencer a subida da Rua x (...) , imediatamente à frente da sua casa?

23.c. Desde que o espaço funciona como restaurante ao ruído referido no ponto anterior acresce o ruído proveniente do sistema de refrigeração/exaustão.


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Insurgem-se os apelantes relativamente à resposta dada ao ponto 14 da B.I.:

Provado que o quarto dos autores e a sala de jantar estão orientadas, relativamente ao aludido bar, no sentido sul poente, com cerca de 15 m de área praticamente toda envidraçada, estando dotada de caixilharia dupla e portas com vidro duplo, com estores/persianas de permeio (para vedar a luz exterior)”,

propondo a seguinte redação:

Provado que o quarto dos autores e a sala de jantar estão orientadas, relativamente ao aludido bar, no sentido sul poente, com cerca de 15 m de frente praticamente toda envidraçada, estando dotada de caixilharia dupla tendo uma das portas com vidro duplo, com estores/persianas de permeio (para vedar a luz exterior)”.

Não se vislumbrando qual a relevância que as pequenas alterações pretendidas possam assumir para a decisão em apreço, não se apreciará a impugnação deduzida ao ponto 14.


*

Relativamente à decisão proferida relativamente à matéria constante do ponto 16 da B.I. – “provado que a mulher é médica de profissão”, sustentam que deveria ter sido dado como provado que “provado que a mulher é médica ginecologista e tinha prática cirúrgica regular, pelo menos duas a três vezes por semana até ao mês de julho de 2014, data em que se reformou”.

Também nesta parte os Apelantes não esclarecem qual o interesse que assume nos autos a alteração pretendida que, como tal não será objeto de apreciação por este tribunal[6].


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Os Apelantes defendem ainda que os pontos 19 e 22 da B.I., que vieram obter a resposta de “não provado”:

- O ruído exterior proveniente do bar provoca na autora mulher desequilíbrio no sono e dificuldades no trabalho?”,

- A permanência dos ruídos provenientes do bar é causa de alterações emocionais que se traduzem em irritabilidade e impaciência prejudiciais à saúde?

relativamente ao primeiro, sustentam que deveria ser dado como provado que “o ruido exterior provoca na A. mulher desequilíbrio no sono”, e que o 2º deveria ter sido dado como provado.

Segundo os apelantes, a resposta ao ponto 19, impor-se-ia pela resposta dada ao ponto 18 e do princípio da não contradição, invocando ainda a seu favor as declarações de parte do autor, A (…). Quanto ao ponto 20, para além dos depoimentos das testemunhas (…)e das declarações de parte do autor, invoca ainda declaração médica junta a fls. 216.

O autor (…) relata alguns episódios respeitantes a algumas vezes em que a autora terá acordado pelo barulho que provinha do bar ou da piscina (um dos quais o episódio em que se ouviam clientes a dar mergulhos na piscina às 4 da manhã), episódios estes confirmados pelas testemunhas (…), irmão da autora e A (…), companheiro da filha dos autores e que aí morou durante cerca de 9 meses.

Por outro lado, os autores fizeram juntar aos autos uma declaração médica a fls 216, que atesta que a autora “tem dificuldades em adormecer, sendo sensível aos ruídos pelo que lhe foi prescrito Bromozepan, que toma diariamente às 21 horas”, relatando ainda as queixas da autora respeitantes ao funcionamento tardio de um estabelecimento gerador de ruído próximo da sua residência.

 Assim sendo, torna-se credível que os acontecimentos relatados, ainda que pontuais e que a terão acordado, ainda que em momentos específicos, sejam o suficiente para, no momento seguinte, relativamente a quem já tem problemas de sono, ter dificuldades em adormecer e que o simples receio de voltar a ser acordada ou uma noite mal dormida possa levar a noites seguintes mal dormidas, ainda que os ruídos não se repitam todas as noites.

Assim sendo, julga-se, nesta parte, parcialmente procedente a impugnação deduzida pelos apelantes, dando-se como provada a seguinte factualidade:

23.e. O ruído proveniente do exterior do estabelecimento provoca na autora mulher desequilíbrio no sono e dificuldades no trabalho, sendo causa de alterações emocionais que se traduzem em irritabilidade e impaciência prejudiciais à saúde.


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Quanto ao ponto 24 – “Situações que se mantêm e se renovam designadamente na época de verão” – dado comonão provado”, sustenta dever ser dado como provado, invocando a seu favor o depoimento das testemunhas (…)e as declarações de parte de A (…)

Reconhecendo-se que as testemunhas ouvidas referem que a ocorrência de tais ruídos provenientes do bar “era mais no verão” e que a maior parte dos episódios relatados pelo autor se referem precisamente ao tempo de verão e quando o espaço em causa funcionava ainda como bar, constata-se que o próprio (…), pai do bebé a que se refere este ponto da matéria de facto, alude ao facto de o bebé dormir mal e que por tal facto a testemunha vinha para a sala e era então que ouvia o barulho, sem que resulte claramente do seu depoimento que fosse devido ao barulho que o seu bebe acordava. Quanto aos depoimentos das demais testemunhas, como já anteriormente foi referido, as referências aos ruídos posteriormente à abertura do restaurante restringem-se ao barulho dos automóveis, das pessoas a falar e dos exaustores do restaurante.

Assim sendo, e deferindo-se parcialmente a impugnação relativamente a tal matéria haverá que dar como provado o seguinte facto:

23.c. As situações referidas no ponto 23.b. mantiveram-se e renovaram-se, principalmente nos períodos de verão, até ao fecho do restaurante então aí instalado no início de 2018.


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Defendem os apelantes que o ponto 25 – “A casa dos autores não tem ar condicionado nem estes podem usar ar condicionado o que os obriga a ter as janelas abertas durante a noite”, ao qual o tribunal respondeu: “Provado que a casa dos autores não tem ar condicionado e o autor marido sofre de hiperatividade das vias aéreas superiores devido a vários agentes externos, nomeadamente por ar condicionado”, deveria ter obtido a seguinte resposta:

Provado que a casa dos autores não tem ar condicionado e o autor marido sofre de fragilidade das mucosas das vias respiratórias superiores e hiperatividade das vias aéreas superiores devido a vários agentes externos, nomeadamente por ar condicionado. Não pode por isso usar ar condicionado, sendo obrigado, devido à exposição solar da casa, ao calor e ao desconforto por ele provocado a ter as janelas abertas do quarto e sala abertas durante as noites mais quentes do ano.”

Quanto à testemunha (…), o que ele afirma a tal respeito é que “As pessoas têm de ter as janelas aberta, obviamente, não é?” e que “os barulhos ouviam-se da varanda”, quanto ao autor, embora afirme que tem “uma fragilidade das vias respiratórias superiores”, reconhece que atualmente liga o ar condicionado no trabalho, por que tem um ar condicionado bom. Quanto à testemunha (…) limita-se a afirmar que ela própria costuma ter as portadas de vidro fechadas e que tem ar condicionado, pelo que normalmente tinha tudo fechado.

Não se justificam assim, as alterações pretendidas pelos Apelantes.


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Ao ponto 27 da B. I. – A saída e a entrada do espaço “BAR” não se encontra virada para a residência dos AA.? ao qual foi dada pelo tribunal a quo a seguinte resposta: “Provado que o bar e a piscina estão situados a sul da fração identificada na alínea A) e a cerca de 46 metros desta, medição feita por referência ao portão de entrada do empreendimento onde se situa a referida piscina e bar”,

tal matéria mereceria, segundo os apelantes, a seguinte resposta: “Provado que há duas entradas para o estabelecimento. Uma entrada pedonal mesmo em baixo da casa dos AA. e para ela virada, logo a seguir ao passeio com uma escada de acesso ao estabelecimento e uma outra entrada pela Rua x (...) , que é uma Rua sem saída que comunica com o parque de estacionamento usada pelos utilizadores do restaurantes.

Relativamente às alterações pretendidas não se vislumbra qual o interesse das mesmas e que a serem dados como provados viessem a provocar alguma alteração na decisão final (sendo que o que aqui se discutia era se a fração não se encontrava virada para as entradas ou saídas do bar, resposta à qual o tribunal não respondeu e relativamente à qual as alterações sustentadas pelos Apelantes também nada adiantam)

Assim sendo não se aprecia a dedução da impugnação em causa.


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A. Matéria de Facto
São os seguintes, os factos dados como provados, na sentença recorrida, com as alterações aqui introduzidas na sequencia da impugnação deduzida pelos Apelantes:
1) Encontra-se inscrito a favor dos AA,. como proprietários e legítimos possuidores, (…) a fração autónoma designada pela letra (…), destinada a habitação, do prédio em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana sob o art. (...) , situado na K (...) , Lote (…), freguesia de (...) , concelho de W (...) , a confrontar do Norte com rua, do Sul com a rua x (...) , do Nascente com Lote (…)e do Poente com ruas – al. A), da matéria assente.
2) Os AA. adquiriram tal fração a 10 de Novembro de 2009 por escritura pública celebrada na 1ª Conservatória do Registo Predial de W (...) , Processo de Casa Pronta nº /2009 – al. B), da matéria assente.
3) A 1ª R. é uma associação sem fins lucrativos – al. C), da matéria assente.
4) No dia 26 de Julho de 2010 foi celebrado entre o Município de W (...) e a 1ª R., representado pelo seu Presidente, um Contrato de Concessão Para a Gestão de Equipamentos de Utilização Coletiva Municipais, abrangidos pelo Alvará de Loteamento nº (...) /97 e seu aditamento – al. D), da matéria assente.
5) Através do qual o Município concessionou à 1ª R. a gestão e manutenção de diversos equipamentos de utilização coletiva municipais, abrangidos pelo referido Alvará de Loteamento nº (...) /97 e seu aditamento, entre os quais o Equipamento E3-Piscina, Balneários e Bar, com uma área de 2413 m2 – al. E), da matéria assente.
6) No dia 30.11.2010, a 1ª R., representado pelo seu Presidente, assinou com a 2ª R. um contrato de prestação de serviços, através do qual esta empresa passava a deter a exploração do dito bar e piscina durante o prazo de nove anos, renovável automaticamente por períodos de 3 anos – al. F), da matéria assente.
7) A 2ª. Ré “G (…), Lda.”, foi declarada insolvente em 17-03-2015, no âmbito do processo nº. 2179/14.5TJCBR, da Comarca de Coimbra - Coimbra - Instância Local - Secção Cível - J1 (v. certidão que consta a fls. 340 e ss.).
8) Agendada data para a assembleia de credores o Exmo. Administrador da Insolvência concluiu pelo encerramento definitivo da atividade da insolvente e o prosseguimento do processo para liquidação do ativo (cfr. certidão de fls. 340 e ss.).
9) Foi de seguida proferido despacho determinando a passagem imediata à fase de liquidação e o encerramento do estabelecimento da insolvente (v. certidão de fls. 340 e ss.).
10) No prédio referido em 1), dos factos provados, reside a A. mulher desde 2010, de forma diária, consecutiva e permanente, dormindo, descansando e comendo – artº. 1, da B.I..
11) E nele (prédio referido em 1)) também passa grande parte dos fins de semana, feriados e férias o seu marido, o Autor marido – artº. 2, da B.I..
12) Desde o mês de Maio/Junho de 2012 que a filha dos Autores e seu agregado familiar, constituído pelo seu companheiro e um filho, nascido em Julho desse ano (2012), também residiram consecutivamente e durante cerca de nove meses na referida habitação – artº. 3, da B.I..
13) O bar e a piscina estão situados a sul da fração identificada em 1) e a cerca de 46 metros desta, medição feita por referência ao portão de entrada do empreendimento onde se situa a referida piscina e o bar – artº. 4, da B.I..
14) A casa dos Autores está separada do bar e da piscina por dois passeios e a Rua x (...) , com a qual a Fração dos Autores confronta a sul/poente – artº. 5, da B.I..
15) Existe ainda, de permeio entre a casa dos Autores e a piscina e bar, um ligeiro declive numa encosta logo na continuação do passeio – artº. 6, da B.I..
16) No dia 11.05.2011, o Presidente da direção da 1ª R. assinou um pedido de concessão de horário de funcionamento de estabelecimento comercial, respeitante ao bar adstrito à piscina – artº. 7, da B.I..
17) O horário solicitado para o bar, e que veio a ser concedido pelo Município no dia 30.06.2011, permite o seu funcionamento até às 02h00 – artº. 8, da B.I..
18) Enquanto a piscina pertencente à mesma infraestrutura encerra às 20h00 – artº. 9, da B.I..
19) De acordo com o alvará de loteamento nº. (...) , de 14-04-1997, foi autorizada a existência de uma parcela com 4.324 m2, destinada a zona verde e percursos pedonais, incluindo o lote de equipamento público E3, com 2.760 m2 (piscinas, balneários e bar) – artº. 10, da B.I..
20) A Rua x (...) é a via principal de acesso de veículos ao estabelecimento, rua essa que termina numa praceta, que dá acesso ao parque de estacionamento com 817 m2 contíguo ao bar/restaurante, situando-se esse estacionamento a 27,91 metros do quarto dos Autores – artºs. 12 e 13, da B.I..
21) O quarto dos Autores e a sala de jantar e de estar estão orientadas, relativamente ao aludido bar, no sentido sul/poente, com cerca de 15 metros de área praticamente toda envidraçada, estando dotada de caixilharia dupla e portas com vidro duplo, com estores/persianas de permeio (para vedar a luz exterior) – artº. 14, da B.I..
22) As características topográficas do vale em forma de funil, onde está inserido o bar, favorece a propagação sonora do ruído proveniente do aludido bar, mas o som daí provindo propaga-se no sentido inverso ao da habitação dos Autores – artº. 15, 1ª. parte, da B.I..
23) No que concerne à zona envolvente da piscina, enquanto zona adjacente ao bar, as características topográficas do vale em forma de funil favorece a propagação de parte das ondas sonoras do ruído aí produzido, que embate na colina e propaga-se no sentido inverso ao da casa dos Autores e outra parte propaga-se diretamente no sentido dessa habitação – artº. 15, 2ª. parte, da B.I..
23.a. Durante a noite, nomeadamente após as 23h e até pelo menos as 2 h, e enquanto o equipamento em causa funcionou como bar, dali provinha ruído de vozeria e de música.
23.b. … a que acresce o ruído proveniente dos motociclos e veículos automóveis que para o bar se dirigem e dele saem em aceleração, para vencer a subida da Rua x (...) , imediatamente à frente da sua casa?
23.c. Desde que o espaço funciona como restaurante ao ruído referido no ponto anterior acresce o ruído proveniente do sistema de refrigeração/exaustão.
23.d. As situações referidas nos pontos 23.b. e 23.c. mantiveram-se e renovaram-se, principalmente nos períodos de verão, até ao fecho do restaurante então aí instalado no início de 2018.
23.e. O ruído proveniente do exterior do estabelecimento provoca na autora mulher desequilíbrio no sono e dificuldades no trabalho, sendo causa de alterações emocionais que se traduzem em irritabilidade e impaciência prejudiciais à saúde.
24) A Autora mulher é médica de profissão – artº. 16, da B.I..
25) No dia 3.08.2000, a A. foi atropelada nesta cidade de W (...) , tendo sofrido inúmeras fraturas, e entre elas uma fratura de crânio – artº. 17, da B.I..
26) A A. mulher deixou de fazer serviços de urgência noturna a partir de Fevereiro de 2003, como consequência de sequelas neurológicas resultantes do acidente de viação de 3-08-2000, sendo aconselhada a ter um período de sono seguido e sem interrupções – artº. 18, da B.I..
27) O A. marido tem dificuldade em dormir, é particularmente sensível ao ruído e até toma diariamente medicamentos para dormir por prescrição médica – artº. 21, da B.I..
28) A casa dos Autores não tem ar condicionado e o Autor marido sofre de hiper-reactividade das vias aéreas superiores devido a vários agentes externos, nomeadamente, por ar condicionado – artº. 25, da B.I..
29) A estrutura denominada “Bar” está encastrada na colina, com um desnível de 20,55 metros face à habitação dos Autores, e tem uma superfície envidraçada que confina com o exterior de 90 m2, dos quais 44 m2 são fixos e os restantes 46 m2 são constituídos por vãos que podem abrir para o exterior – artº. 29, da B.I..
*

B. O Direito.

1. Conflito entre o direito ao descanso e à saúde e o direito a manter o estabelecimento a funcionar dentro do horário licenciado.

Os autores instauram a presente ação insurgindo-se contra o horário de funcionamento noturno aprovado para o “estabelecimento designado de B (…) – C (…)” – das 08h às 02:00 horas –, alegando que, pela sua proximidade à fração dos autores, estes são obrigados a suportar o ruído dele proveniente durante a noite, nomeadamente o barulho de motociclos e veículos automóveis que para ele se dirigem e dele saem em aceleração, o ruído da vozearia, musica, impossíveis de eliminar em estabelecimentos similares: o quarto e a sala estão voltados diretamente a Rua x (...) , que separa o prédio dos AA. do edifício onde está instalado o bar e a piscina; a sua exposição solar a sul e a poente, com amplas janelas envidraçadas que aquecem fortemente no verão, obriga à abertura das janelas para arejar e arrefecer a casa, designadamente no verão à noite, motivo pelo qual dormem com as portas do quarto abertas; por outro lado, as grandes varandas da casa, que constituem um prolongamento natural da sala de estar e que constituem 40% da área da fração; o referido ruído impede o pleno aproveitamento, pois é impossível para o sossego e tranquilidade dos autores e sua família permanecerem nas varandas, assim como na sala com as janelas abertas e no seu quarto de dormir.

É com base nesta factualidade que os AA. pedem a condenação das rés a fechar o bar designado por “B (…) (instalado no equipamento E3-Piscina, Balneários e Bar”).

A sentença recorrida veio a julgar a ação improcedente, com base nas seguintes considerações:

- no relatório de medição do ruído ambiente datado de 09-10-2017 concluiu-se que a medição efetuada cumpre com o valor regulamentar para o período noturno, cabendo aos autores o ónus de provar a materialidade invocada respeitante ao ruído provocado pela piscina, bar e clientes, e à incomodidade causada aos autores, isto é, que esta se verificava para além do razoável, o que não sucedeu: “Independentemente das medições acústicas, que confirmaram cumprir os valores regulamentares nos períodos de referência (período diurno – das 7 às 20h; período do entardecer- das 20 às 23 h; e período nocturno – das 23 às 7h), de acordo com o Regulamento Geral do Ruído, estabelecido no DL nº. 9/2007, de 17 de Janeiro, e dos condicionalismos em que as mesmas decorreram7, certo é que, de toda a matéria dada como assente, da qual fizemos algumas referências atrás, não é possível dizer que a piscina, o bar e zonas circundantes causaram ruído suficiente, ao ponto de se considerar lesivo do direito dos Autores e seu agregado familiar;

- o comum das pessoas – outros moradores e vizinhos – suportou o ruído provindo da piscina, bar e do trânsito na Rua x (...) , sendo suportado pelo das pessoas, e está de acordo com o Regulamento do Ruído, não se tendo, sequer, provado que todo o ruído proveniente do trânsito nesta Rua fosse proveniente dos clientes do Bar.

Os Apelantes insurgem-se contra o decidido, invocando, em primeiro lugar, a violação do princípio constitucional do processo e julgamento equitativo consagrado no artigo 20º da Constituição da Republica; violação do princípio da igualdade das partes consignado no artigo 4º do CPC; violação do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, fazendo radicar tais violações nas seguintes circunstâncias (cfr., ponto 10.1, das alegações de recurso):

- o juiz a quo efetuou o julgamento, julgou a matéria de facto e proferiu sentença sem nunca se ter referido aos ensaios efetuados em 2016;

- seguidamente, os apelantes perdem-se em considerações sobre o fecho do estabelecimento no 2º dia das medições às 22h 15 alegadamente por falta de clientes, e sobre o teor da sua recusa em que fossem realizados novas medições, não num segundo mas num “terceiro dia”, sem que se consiga entender de que modo tais considerações implicam alguma violação dos princípios constitucionais invocados.

Quanto ao primeiro argumento, não se vislumbra de que modo é que o facto de o juiz a quo não ter feito referência ou não ter valorado determinados testes iniciais (e que vieram a ser repetidos) efetuados no âmbito de determinada Peritagem, na apreciação que fez da matéria de facto, possa implicar uma violação de tais normas constitucionais.

Com efeito, quer o nº4 art. 20º da Constituição da República Portuguesa, quer o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem  (CEDH), consagram o princípio do direito a um processo equitativo - direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial –, direito este que não implica que a todos os meios de prova seja dado o mesmo valor, mas, tão só, que seja garantida a igualdade de armas entre as partes e o contraditório.

Invocam ainda os apelantes a violação dos arts. 18º, ns. 1 e 2, 34º, ns. 1 e 3, 204º da CRP, art. 8º da CRDH (inviolabilidade do domicilio) e 204º da CRP, 4017º, nº1, als. a) e b) do CPC (legitimidade da recusa de cooperação), a propósito do seu direito a recusar a realização de testes dentro da sua casa.

Também aqui não se atinge de que modo a apreciação de tal recusa possa violar as citadas normas constitucionais e o disposto no CPC, quando, por um lado, a sua recusa foi respeitada – os Srs. peritos não procederam a quaisquer medições dentro de sua casa – e, por outro lado, tal recusa não teve qualquer influência nas regras respeitantes aos ónus da prova. O ónus da prova da intensidade com que os ruídos se fariam sentir dentro de sua casa ou a partir de sua casa, enquanto constitutivo do seu direito, nos termos do artigo 342º, nº1, CC, sempre incumbiria aos autores (com realização de medições de ruído ou sem elas). Da eventual valorização de tal recusa não decorre qualquer inversão do ónus da prova: a peritagem foi realizada a pedido dos Autores com vista à prova de factos cuja prova incumbia aos autores. A inconclusividade de tal relatório relativamente às medições efetuadas no período noturno é desfavorável aos autores precisamente porque, segundo as regras gerais do ónus da prova, era sobre eles que impendia o ónus de provar quer os níveis de ruído de algum modo relacionados com a atividade do bar/restaurante, quer o modo como os mesmos eram percecionados a partir do seu apartamento.

Alegam ainda os Apelantes ter ocorrido violação do direito constitucional dos autores a uma decisão em prazo razoável.

Ora, ainda que o presente processo se possa ter prolongado por vários anos (a presente ação foi proposta em fevereiro de 2013), não se atinge de que modo uma eventual violação do direito a uma decisão em prazo razoável possa constituir fundamento de revogação da sentença nele proferida.

De qualquer modo, sempre se dirá que o que levou ao arrastar dos presentes autos por vários anos (determinado por despacho de 16-10-2013 e dado por terminado a 18-1-2015, com o indeferimento de uma reclamação dos AA.) foi essencialmente a realização do exame pericial requerido pelos AA., tendo sido estes quem insistiu que as medições de ruído só se fizessem no período de verão, e quem, por várias vezes se socorreu do direito (facultado por lei) a reclamar dos relatórios apresentados; a partir daí foi proferido despacho a declarar extinta a instancia, do qual os AA. recorreram, o qual foi julgado procedente, prosseguindo os autos com a realização de audiência de julgamento e prolação da sentença recorrida.


*

E agora, sim, chegamos ao cerne do conflito que contrapõe os autores ao estabelecimento comercial de “cafetaria/bar”, sob a exploração da Ré C (…)  relativamente ao qual foi autorizado um horário de funcionamento até às 02:00 horas.

Segundo os Apelantes, a sentença recorrida violou o direito à saúde ao descanso e ao sono consagrado no artigo 70º do Código Civil, bem como o direito à integridade física e moral dos autores, consagrados nos arts. 25º, nº1, e 64º, nº1 da CRP, ao configurar o âmbito de proteção destes direitos de forma contrária ao disposto no artigo 18º, nº2, CRP, compelindo os autores a um uso e utilização restritiva do seu domicílio e espaço nele disponível de forma prejudicial à sua saúde e bem-estar durante muitos meses do ano. Mais alegam que a decisão recorrida inverteu a hierarquia entre o direito ao exercício de uma atividade comercial e os direitos à integridade física, à saúde e ao repouso, dano prevalência ao primeiro dos direitos que é de valor inferior na hierarquia constitucional.

É hoje indiscutível que o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono se insere no direito à integridade física e a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, ou seja no direito à saúde e à qualidade de vida – artigo 25º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigos 25º, 64º e 66º, nº1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 70º do Código Civil.

Não se revestindo os direitos fundamentais de carater absoluto, a grande dificuldade residirá na sua concreta ponderação em caso de direitos conflituantes igualmente protegidos, nomeadamente a sua articulação com o direito à iniciativa económica e à propriedade privada (artigos 61º e 62º CRP).

Da leitura que fazemos da sentença recorrida, a pretensão dos autores foi julgada improcedente com fundamento na falta de prova de que o ruído proveniente diretamente do estabelecimento comercial instalado no “bar/restaurante piscinas campo de jogos”, ou dos veículos que na Rua circulam para acesso a tal restaurante, seja de molde a prejudicar de modo relevante o descanso dos autores ou de quem viva na fração de que são proprietários (falta de prova essa à qual não será estranho o facto de, na pendência da ação, terem ocorrido alterações nas condições de funcionamento do equipamento coletivo onde funcionava o referido “bar”. Com efeito, à data em que foram efetuadas as medições de ruído (em finais de 2016 e em 2017), o espaço em questão já não se encontrava a ser utilizado como “bar” (o estabelecimento aí existente foi encerrado e declarada a insolvência da Ré G (…), Lda.), mas como restaurante, reconhecendo o autor, quando ouvido em declarações de parte, que, quando passou a funcionar como restaurante já não havia colunas no exterior (deixando de fazer sentido as queixas formuladas pelos autores no articulado superveniente de fls. 167 e ss.), pelo que, atualmente os ruídos proviriam essencialmente do barulho das pessoas a conversarem cá fora e dos carros a arrancar, situação essa que se encontra refletida na matéria dada como provada).

Com efeito, tendo-se colocado na pendência da ação a questão da utilidade do seu prosseguimento face ao encerramento do bar instalado em tal equipamento coletivo e à insolvência da 2ª Ré que levava a cabo, de facto, tal exploração, entendeu-se que tal utilidade se mantinha porquanto é a 1ª Ré a concessionária da gestão e manutenção do equipamento “E3, Piscina Balneários e Bar”, e é la que se apresenta como titular do estabelecimento em causa, tendo sido ela quem, na qualidade de “explorador do estabelecimento designado de B (…), solicitou junto da CMC a aprovação do horário de funcionamento de abertura às 08.00 e encerramento às 02:00. Contudo, da prova produzida ressalta a ocorrência de algumas alterações no circunstancialismo posterior ao encerramento do estabelecimento de bar, “B (…) e à sua reabertura como restaurante.

Se, relativamente a essa primeira fase de funcionamento de tal estabelecimento como bar, o ruído da música emitido a partir da aparelhagem existente no exterior, e que se prolongava, pelo menos, até às 2.00 h, se poderia considerar notoriamente incompatível com o direito ao repouso dos habitantes da de K (...) , nomeadamente para os residentes na fração propriedade dos AA., nesta segunda fase, o tipo de ruídos em causa sofreu alterações, levantando-se algumas dúvidas relativamente à intensidade dos mesmos e ao grau de incomodidade que possam causar aos autores[7].

Relativamente à situação atualmente existente, os ruídos dados como provados correspondem aos normalmente associados ao funcionamento normal de qualquer restaurante – pessoas e a carros a chegar, a estacionar e a sair ao final da noite e o ruído produzido pelos equipamentos de exaustão e ar condicionado –, pelo que a questão do seu funcionamento respeita unicamente ao período noturno, e sobretudo porque se insere dentro de um condomínio residencial onde, na ausência daquele estabelecimento comercial as fontes de ruído noturnas seriam diminutas – a Rua x (...) , para onde deita o quarto e a sala do apartamento dos AA., constitui a via principal de acesso de veículos ao estabelecimento, termina aí mesmo, numa praceta que dá acesso a um parque de estacionamento contiguo ao bar/restaurante.

E aí, teremos de ter em conta os resultados da medição de ruído efetuados nos presentes autos, sendo que tendo sido efetuadas várias medições, os Srs. Peritos concluíram que os níveis de ruído – todos medidos a partir do exterior do edifício, das varandas da fração dos autores: a) no período do entardecer, cumpre os limites definidos por lei; b) e as medições do período noturno, foram consideradas insuficientes para se retirar conclusões seguras (sendo que as efetuadas se continham dentro desses limites).

Também será de ter em consideração o facto de se encontrar em causa unicamente o ruído percebido no apartamento dos autores a partir das varandas ou, no seu interior com as janelas abertas – o autor reconhece que com as janelas fechadas os níveis de ruído não ultrapassarão os limites legais, reivindicando o direito a estar no seu apartamento, nas varandas ou na sala ou no quarto com as portadas de vidro abertas, sem ser incomodado por ruídos exteriores.

No caso em apreço, os autos não nos fornecem qualquer quantificação do ruído diretamente relacionado com o funcionamento do estabelecimento aí instalado durante o período em que o mesmo funcionou como bar – o facto de o mesmo ter sido encerrado e de à data das medições se encontrar aí a funcionar um restaurante impossibilitou, como é óbvio, a quantificação do nível acústico de ruído nessa primeira fase e que despoletou a presente ação.

Relativamente aos níveis de ruído causados pelo restaurante então a funcionar no estabelecimento em causa, as medições efetuadas apontam para que, no período do entardecer se contêm dentro dos níveis normais, sendo que, quanto ao período noturno, as medições foram inconclusivas – as 1ªs medições efetuadas em finais de 2016, apontavam para níveis superiores ao legalmente permitido e das medições operadas em 2017, resultaram valores que se continham dentro dos limites legais.

Contudo, aceitamos que em circunstâncias específicas se possa reconhecer a verificação de uma violação do direito à saúde e ao descanso, mesmo em situações em que os valores medidos de ruído se encontrem em níveis inferiores ao máximo permitido.

Como sustenta Pedro Pais de Vasconcelos, “a compatibilização jurídica do Regulamento do Ruído com o direito de personalidade deve ser feita no sentido de todos devem limitar a emissão de ruídos, em geral ao estabelecido no Regulamento do Ruído com o direito de personalidade deve ser feita no sentido de que todos devem limitar a emissão de ruídos, em geral, ao estabelecido no Regulamento não resulta um «direito a fazer ruído» e muito menos a licitude do impedimento do repouso alheio. O Direito de personalidade prevalece sobre o regulamento do ruído[8]”.

Assim como, o facto de um estabelecimento se encontrar licenciado não dispensa o cumprimento dos respetivos gerentes/administradores de deveres relacionados com o ruído que dele irradia para o exterior, com reflexos negativos no direito ao descanso e ao sossego de quem habita nas proximidades[9].

Tem-se como regra que, em caso de conflito, efetivo e relevante, entre o direito de personalidade e o direito ao lazer ou à exploração económica de indústrias de diversão ou restauração, se imponha a preservação dos direitos básicos de personalidade, por serem de hierarquia superior à dos segundos, nos termos do artigo 335º do Código Civil[10].

A decisão do conflito de interesses em apreço não prescindirá nunca de uma concreta e casuística ponderação judicial, a realizar em função do princípio da proporcionalidade acerca da intensidade e relevância da invocada lesão da personalidade.

E, nesta sede, haverá que ponderar as seguintes circunstâncias, relativamente aos incómodos sofridos pelos autores pelo facto de tal espaço comercial se encontrar licenciado para funcionar até às 02:00 da manhã:

i) as queixas de ruído reportam-se a quem esteja nas varandas, ou seja, no exterior da fração ou, no interior da habitação (no quarto do casal ou na da sala de estar) encontrando-se as respetivas janelas ou portadas de vidro abertas;

ii) as medições de ruído efetuadas no exterior do edifício, no período do entardecer respeitam os limites legais e as efetuadas no período noturno, foram inconclusivas.

iii) os ruídos incomodativos provinham essencialmente da música e vozearia no exterior, enquanto funcionou como bar, e, enquanto restaurante, dos equipamentos de exaustão e refrigeração, bem como da entrada e saída de viaturas de e para o restaurante;

iv) os ruídos incomodativos não provêm do interior do estabelecimento, que se encontrará devidamente insonorizado, provindo dos ruídos exteriores da entrada e saída de pessoas e veículos de e para o restaurante (ruído dos motores e vozes, perturbações que embora ocorridas na via pública se encontram diretamente ligadas ao funcionamento do restaurante), bem como dos aparelhos de exaustão, refrigeração;

(v) O ruído proveniente do exterior do estabelecimento provoca na autora mulher desequilíbrio no sono e dificuldades no trabalho, sendo causa de alterações emocionais que se traduzem em irritabilidade e impaciência prejudiciais à saúde.

(vi) O A. marido tem dificuldade em dormir, é particularmente sensível ao ruído e até toma diariamente medicamentos para dormir por prescrição médica;

(vi) A casa dos Autores não tem ar condicionado e o Autor marido sofre de hiper-reactividade das vias aéreas superiores devido a vários agentes externos, nomeadamente, por ar condicionado.

Relativamente ao direito a explorar o referido estabelecimento comercial dentro do horário legalmente aprovado, haverá que atentar em que, desde que o “B (…) fechou as suas portas em 2014, o estabelecimento aí instalado tem funcionado (de forma intermitente) como restaurante, e nas primeiras medições efetuadas a 3.12.2016 e a 17.12.206, o restaurante terá funcionado, no 1º dia cerca da 01h00 da manhã e no 2º dia próximo das 02:00 h da manhã (Relatório de fls. 460 e ss). Já nas medições efetuadas em 2017, nº 1º dia fechou às 00:25 e no 2º dia fechou às 22h e 15 m (no período do entardecer).

O equipamento coletivo onde tal estabelecimento de cafetaria/bar/restaurante fica localizado dentro da de K (...) , numa zona residencial, atentando-se em que, como consta do Parecer emitido pelo Chefe da Divisão Administrativa e de Atendimento que acompanhou a proposta de pedido de aprovação do horário e funcionamento das 08:00 às 02:00, foi emitido parecer favorável, “tendo em consideração as consultas ao SFG e à Secção de Contraordenações, de que não existem reclamações de ruído relativas ao funcionamento das mesmas. Em caso de deferimento do pedido, nos termos propostos, considerando que os equipamentos se encontram localizados em zona residencial, o seu explorador deve ser advertido que, se derem entrada nesta Camara Municipal reclamações de ruído provenientes do funcionamento do estabelecimento, que se considerem fundamentadas será de imediato instaurado um procedimento com vista à redução do horário agora concedido” (doc. 8, fls. 86, processo físico).

E, independentemente de outos meios de os autores possam dispor para se insurgirem contra o horário de funcionamento noturno aprovado (das 20 às 2 horas, a ponderação nesta sede terá de incidir, tão só, sobre se, face aos incómodos que provoca nos autores e ao grau de violação que importa no seu direito ao descanso e à saúde e se este deverá prevalecer sobre o direito à manutenção do estabelecimento comercial aí instalado, aberto e a funcionar, até às 2 horas.

Ora, tendo em consideração o tipo de estabelecimento em causa – bar/cafetaria/restaurante de apoio à piscina – e o ruído que, embora não provindo do seu interior é inerente ao respetivo funcionamento, bem como o facto de se encontrar situado dentro de um condomínio residencial, entende-se não se justificar o prolongamento do respetivo período de funcionamento até às 02.00h da manhã, prolongamento que se afigurará até desnecessário e excessivo para o tipo de estabelecimento em causa.

Ou seja se, no caso em apreço, a violação do direito ao repouso e à saúde dos autores provocada pelos ruídos provenientes do estabelecimento de cafetaria/bar/restaurante – por se encontrar unicamente o incomodo que acarreta para os autores quando se encontram na varanda ou com as janelas abertas –, se poderá afirmar que não assume uma gravidade excecional, também, no outro lado da balança, o prolongamento do seu horário de funcionamento até às 02:00 h da manhã não se afigura minimamente necessário ou essencial ao exercício da sua atividade ou à rentabilidade de um estabelecimento deste[11].

A essência e a finalidade do princípio da proporcionalidade é a preservação, tanto quanto possível, dos direitos fundamentais com amparo na Constituição e, em concreto, colidentes, através da harmonização e da otimização do meio escolhido com observação das seguintes regras e princípios: (i) a sua adequação ao fim em vista; (ii) a sua indispensabilidade em relação a esse fim (devendo ser, ainda, a que menos prejudica os cidadãos envolvidos ou a coletividade; (iii) a sua racionalidade, medida em função do balanço entre as respetivas vantagens e desvantagens[12].

 Assim sendo, no caso em apreço, a imposição da proibição de funcionamento do estabelecimento para lá da 24:00, assegurando, por um lado, o direito ao descanso e à saúde dos autores, e implicando, por outro lado, uma compressão mínima e a nosso ver, perfeitamente razoável, do direito da Ré a manter em funcionamento o seu estabelecimento comercial aí instalado, afigura-se como representando uma solução equilibrada e adequada à ponderação dos interesses aqui em causa.

Por fim, os AA. pedem ainda a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, em montante não inferior a 1.000,00 € por cada infração diária.

Reconhecendo-se tal pretensão aos autores como forma de acautelar o seu direito nos termos em que aqui vai reconhecido, e com recurso à equidade, fixar-se-á no montante de montante a 500 € diários, valor este que se tem por suficiente para servir de dissuasor de futuros incumprimentos por parte da Ré, na qualidade de exploradora do referido espaço coletivo (artigo 829-AºCC).

A apelação é de proceder parcialmente.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida e, julgando-se a ação parcialmente procedente, condena-se a Ré C (…):

a) a limitar a atividade respeitante ao estabelecimento instalado na cafetaria/bar/restaurante, ao período compreendido entre as 08:00 e as 24 horas;

b) a pagar aos autores, a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de 500€, por cada infração diária de futuro cometida.

Custas na ação e da apelação por ambas as partes, em partes iguais.

Coimbra, 12 de março de 2019

 

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC

1. Numa ação em que os autores pretendem fazer valer o seu direito à saúde e ao descanso, é sobre eles que recai o ónus da prova do nível de ruído e do grau de incomodidade que o mesmo lhes acarreta.

2. Em regra em caso de conflito, efetivo e relevante, entre o direito de personalidade e o direito ao lazer ou à exploração económica de indústrias de diversão ou restauração, se imponha a preservação dos direitos básicos de personalidade, por serem de hierarquia superior à dos segundos, nos termos do artigo 335º do Código Civil.

3. A decisão do conflito de interesses não prescindirá de uma concreta e casuística ponderação judicial, a realizar em função do princípio da proporcionalidade, cuja essência e finalidade é a preservação, tanto quanto possível, dos direitos fundamentais com amparo na Constituição e, em concreto, colidentes.

Maria João Areias ( Relatora )

Alberto Ruço

Vítor Amaral
 


[1] Face ao nítido incumprimento do dever de sintetizar os fundamentos a que alude o nº1 do artigo 639º do CPC.
[2] Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 127.
[3] Pontos da Base Instrutória a que havia sido dada a seguinte redação:
11. Durante a noite, nomeadamente após as 23h00 e até pelo menos as 02h00, do bar provem ruído de vozearia, garrafas, música?
15. As características topográficas do vale em forma de funil onde está inserido o bar e estacionamento contíguo levam à fácil propagação sonora do ruído proveniente do dito bar e zonas adjacentes, onde se inclui a ladeira da sobredita Rua x (...) ?
[4] Afirmação da testemunha (…), vizinha dos autores.
[5] Nas suas declarações em audiência chega mesmo a afirmar que quaisquer medições que se fizessem lá dentro seriam irrelevantes pois se as medições efetuadas lá fora foram favoráveis ao réu as medições efetuadas lá dentro também o seriam.
[6] Apesar de se reconhecer que o autor, ouvido em declarações de parte, confirma tal factualidade.
[7] Atentar-se-á em que tendo o restaurante “G (…)” que aí funcionava sido encerrado no início de 2018, conforme o declarado pelo autor em declarações de parte, atualmente encontra-se já lá a funcionar um novo restaurante, “(…)”, com um horário disponível na net, com horário de fecho às 22.00 aos dias de semana e às 22.30, à sexta e ao sábado.
[8] “Teoria Geral do Direito Civil, 2010 - 6ªed., Almedina, pp. 60-61.
[9] Neste sentido, Acórdão do STJ de 29-06-2017, relatado por Lopes do Rego, disponível in www.dgsi.pt.
[10] Acórdão do STJ citado.
[11] Aliás, como já atrás salientámos, o restaurante que atualmente aí se encontra a funcionar, “ Y (...) ” exibe como horário de fecho às 22h nos dias de semana e às 22:30 aos fins de semana.
[12] Acórdão STJ de 29.11.2016, relatado por Alexandre Reis, disponível in www.dgsi.pt.