Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1254/09.2TBVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: COMPRA E VENDA
VENDA DE COISA SUJEITA A CONTAGEM
PREÇO
CADUCIDADE DO DIREITO
Data do Acordão: 09/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 887º E 890º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Um contrato de compra e venda celebrado entre sociedades comerciais, cujo objecto foi definido como a venda de “todos os pinheiros resinados” existentes num prédio do vendedor, a cortar e a transportar pelo comprador, fixando-se o preço da madeira em função de determinadas características da mesma e da pesagem desta à medida que o corte fosse avançando, configura (tal contrato) uma compra de coisa determinada (“todos os pinheiros” do prédio) correspondendo ao tipo contratual previsto nos artigos 887º e segs. do CC (venda de coisas determinadas sujeitas a contagem pesagem ou medição), assumindo este, por via dos intervenientes, natureza subjectivamente comercial, nos termos do artigo 2º, segundo trecho, do CCom.

II – Tal contrato não corresponde à designada venda por conta peso ou medida prevista no artigo 472º do CCom, que se refere a vendas genéricas, em que o conteúdo da obrigação é apenas determinado pelo género, e que corresponde no CC às obrigações genéricas previstas nos artigos 539º e segs..

III – Se o preço da coisa vendida como sujeita à ulterior pesagem foi fixado “por medida” (aqui um tanto por tonelada) o regime de acertamento final do preço, pressuposto neste tipo de vendas, decorre do trecho final do artigo 887º do CC: a dívida do comprador corresponde ao preço proporcional ao peso real das coisas vendidas, entendendo-se que a vontade negocial das partes se formou relativamente à exacta quantidade peso ou medida efectivamente recebida pelo comprador.

IV – Tem aplicação neste caso, no que respeita à adjectivação do direito ao acertamento do preço, o prazo de caducidade de seis meses previsto no artigo 890º, nº 1 do CC.

V – Esta caducidade do direito ao acertamento do preço impede que o comprador, que pagou preço em excesso em função do valor real da madeira determinado na pesagem, obtenha a devolução desse excesso com base em enriquecimento sem causa do vendedor.

VI – Com efeito, os mecanismos de acertamento do preço previstos na compra e venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição (neste caso o trecho final do artigo 887º do CC) funcionam, por referência ao enriquecimento sem causa, como atribuição de outros efeitos ao enriquecimento, nos termos do artigo 474º do CC.

VII – A caducidade do direito ao acertamento do preço, nos termos do artigo 890º, nº 1 do CC, opera um efeito de convalidação do contrato nessas condições, mesmo com a diferença de preço relativamente ao peso real das coisas vendidas.

VIII – Todavia, verificando-se que o comprador (no contrato referido em I) com atrasos no corte das árvores provocou danos ao vendedor, indisponibilizando-lhe o terreno para o uso alternativo por este pretendido, o valor em excesso do preço recebido pelo vendedor compensará esses danos, com base na ideia de compensatio lucri cum damno, entendido como factor de delimitação da indemnização, em função de incrementos patrimoniais desencadeados no quadro do próprio evento originador do dano e da obrigação de indemnizar.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa

            1. Em 15 de Setembro de 2009[2], M…, S.A. (A., Reconvinda e Apelante principal) demandou S…, Lda. (R./Reconvinte e Apelante subordinada).

Ora – e assim iniciamos o relato das incidências centrais do decurso da acção, enquanto factores de compreensão dos dois recursos –, tendo a A. (que referenciaremos doravante como a compradora) e a R. (que referenciaremos como a vendedora) celebrado em 29/08/2005 um contrato de compra e venda de madeira a cortar de árvores (pinheiros) de uma propriedade pertencente à R. (denominada “Foro do Meio”), venda esta cujo objecto e condições especiais a reconduzem – e estamos a caracterizar desde já o contrato em função do que diz a A. e não é contestado pela R. – a uma “venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição” [artigos 887º a 891º do Código Civil (CC)], que aqui assumiria a natureza de compra e venda comercial, por referência aos artigos 463º, nº 1 e 472º do Código Comercial (CCom). Quanto ao pagamento da madeira, estabeleceu-se que a A. iria entregando mensalmente à R., a imputar no preço global, quantias inicialmente fixadas em €20.000,00, posteriormente aumentadas para €25.000,00/mês. Com base neste acordo, que fixou como data de início dos trabalhos os meses de Novembro/Dezembro de 2005, foi a A. procedendo a esse corte das árvores (com posterior pesagem da madeira obtida) e aos pagamentos mensais acordados, sendo que atingiu, somando tais pagamentos, em Janeiro de 2008, o valor (com IVA) de €715.000,00 (€590.909,09 respeitantes à madeira e €124.090,91 ao IVA à taxa aplicável), excedendo este valor a quantidade de madeira que afirma ter sido possível obter na propriedade: só retirou o valor de €451.465,62, pagou, pois, €263.534,38 a mais (€715.000,00 – €451.465,62 = €263.534,38), pedindo nesta acção, com base em enriquecimento sem causa (artigo 473º do CC), a devolução desse valor em excesso (€263.534,38) ou, se a R. assumir o IVA, a devolução de €217.793,70.

            1.1. A R. contestou e deduziu reconvenção.

            Começou por invocar, a título de excepção peremptória, a caducidade do direito à diferença do preço. Este efeito teria operado nos termos do artigo 890º, nº 1 do CC, considerando que a A. afirma no artigo 29º da petição inicial (p.i.) ter terminado o corte das árvores em 12/06/2008 (o prazo de caducidade seria, assim, de seis meses após a entrega da coisa), tendo a presente acção sido proposta em 15/09/2009. Ademais desta incidência, impugna a R. os valores da madeira efectivamente cortada e aproveitada pela A.

            Paralelamente, em reconvenção, invocando grande atraso da A. no início dos trabalhos de corte da madeira (deveria começar esse corte em Outubro/Novembro de 2005 e só o começou em Dezembro de 2007/Janeiro de 2008), deduz desta circunstância a causação a ela (R./Reconvinte) de prejuízos diversos, assim resumidamente caracterizados: (a) se fosse respeitado o timing do corte teria recebido mais cedo mais dinheiro que poderia ter investido e rentabilizado, pedindo a este título €41.689,16 (artigos 86º a 89º da reconvenção a fls. 101/102); (b) esse atraso no corte indisponibilizou-lhe o uso, desimpedido, de parte significativa do seu terreno, por mais dois anos, impedindo-a de implementar um sistema de rega que previra para efeito de arrendamento dessa parte por €120.000,00/ano (terá perdido 2 anos dessa renda: €240.000,00); (c) e, esse mesmo atraso no corte, impedindo o cumulativo aproveitamento de outros 125 hectares de terreno, inviabilizou-lhe a percepção de subsídios do INGA no valor de €12.500,00.

            Assim, pede a R./Reconvinte da A./Reconvinda, a título reconvencional o valor global de €294.189,16.

            1.2. Encerrada a fase dos articulados e a fase condensatória, atingiu-se a fase de julgamento. Finda a audiência de discussão e julgamento, depois de terem sido fixados os factos provados (foram-no pelo despacho de fls. 394/409), foi proferida a Sentença de fls. 451/514esta corresponde à decisão objecto do presente recurso – julgando igualmente improcedentes a acção e a reconvenção, absolvendo os respectivos destinatários dos correspondentes pedidos cruzados na acção.

            1.2.1. Para compreensão do sentido desta decisão – que correspondeu a uma espécie de “soma zero” entre o pedido principal e o reconvencional, com a absolvição entrecruzada de ambos e a manutenção do status quo de cada uma das partes ao tempo da propositura da acção –, podemos traçar na Sentença, resumidamente, o seguinte fio condutor no respectivo percurso decisório.

O contrato consubstanciado no documento reproduzido na nota 3 supra foi qualificado como de compra e venda, subjectiva e objectivamente comercial, de coisas sujeitas a contagem pesagem ou medição (v. artigos 887º e segs. do CC), cujo direito à diferença do preço, aqui invocado pela A. em seu benefício (diz esta ter pago a mais à R., em função da quantidade de madeira efectivamente retirada do terreno), estaria extinto por caducidade, operando esta nos termos do artigo 890º, nº 1 do CC (cfr., conclusivamente na Sentença, fls. 486[3]). Dado pretender a A. receber o valor (um valor) que afirma ter pago em excesso ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473º do CC), observa-se na Sentença que esse excesso (afectivamente apurado, como se diz a fls. 488 dessa peça decisória[4]) não pode ser restituído – caducado que está o direito correspondente ao instituto integrador do “outro meio” do qual fala o artigo 474º do CC como exclusão da obrigação de restituir prevista no artigo 473º –, não pode esse excesso ser restituído, dizíamos, com base no princípio do enriquecimento sem causa (cfr., quanto a esta asserção, fls. 489/491 do texto da Sentença)[5].

A “perda” da A. correspondente a esse excesso de pagamento, por referência à quantidade de madeira tirada da área predial da R. abrangida pelo contrato, fica, assim, com a A. – no sentido de não ser esta reintegrada desse valor que ela configura como excesso –, por caducidade do direito à diferença do preço e por impossibilidade de recurso alternativo ao instituto do enriquecimento sem causa. É esta a origem do resultado negativo da acção (a improcedência) relativamente à A.

Quanto ao pedido reconvencional entendeu a Sentença ser censurável à A. – tratando-se de comportamento contratualmente censurável, embora não referido à prestação principal desta: que era o pagamento do preço na forma acordada – a circunstância desta (a A.) ter iniciado o corte da madeira substancialmente mais tarde do que o previsto no contrato, indisponibilizando a utilização do terreno à R./Reconvinte por um período bem mais extenso do que esta intuíra ao fixar no contrato, como “prazo para corte”, “Outubro/Novembro de 2005”, sendo que, em rigor, só iniciou a A. esse corte em Setembro de 2007 (valem aqui os trechos da Sentença de fls. 507/509[6]). Este atraso – rectius, esta execução deficiente do contrato pela A. – originou prejuízos à R. (fls. 509 da Sentença[7]), sendo que estes foram sendo “ressarcidos” (com o sentido de “compensados”, expressão esta que aqui é empregue com um sentido descritivo, não na acepção do artigo 847º do CC) pelos continuados pagamentos da A. à R. (€25.000,00/mês), posteriores à data em que aquela já havia verificado e transmitido à R. que a madeira retirada excedia o valor até aí por ela pago (trechos de fls. 492/493 e 511/512 da Sentença[8]).

1.2.2. Aqui ficou exposto, numa incursão deste Relatório no que até já poderia integrar, em rigor, a fundamentação jurídica deste Acórdão, o percurso subsuntivo-interpretativo da Senhora Juíza a quo in itinere para a decisão final contestada por ambas as partes nesta instância de recurso: (a) a acção improcedeu porque caducou o ajustamento do preço por via da actualização em função da pesagem, frustrando-se o mesmo efeito (que seria equivalente ao do caducado ajustamento) por via do enriquecimento sem causa; (b) a reconvenção improcedeu porque se entendeu formado um acordo ficto quanto à natureza indemnizatória das prestações pagas adicionalmente, depois de coberto o valor da madeira extraída, e que esse valor, correspondendo verdadeiramente a uma antecipação indemnizatória, cobriria o dano afirmado pela R.     

            1.3. Inconformada a A./Reconvinda com a absolvição do pedido por ela formulado, interpôs apelação da Sentença, rematando essa impugnação com as conclusões que aqui se transcrevem (a sequenciação das alíneas, [a]. [b], [c], [d], etc…, é da responsabilidade desta Relação, já que a Apelante omitiu, infelizmente, essa indicação articulada, tão vantajosa na estruturação de umas conclusões):
“[…]

            1.3.1. A R./Reconvinte, por sua vez, recorrendo subordinadamente [v. o artigo 682º do Código de Processo Civil (CPC)], formulou as seguintes conclusões a rematar a motivação desse recurso:
“[…]

II – Fundamentação

            2. Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos das apelações – da principal da A. e da subordinada da R. –, tendo em conta que as conclusões formuladas pelas respectivas Apelantes – transcrevemo-las no antecedente item 1.3. e 1.3.1. – operaram a delimitação temática do objecto dos dois recursos, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC – ou, se se entendesse aplicável o Novo CPC, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º deste[9]. Assim, fora das conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo, em qualquer dos casos, o artigo 660º, nº 2 do CPC, ou o artigo 608º, nº 2 do Novo CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

            2.1. Constituem fundamentos do recurso da A. – a impugnação que agora procuraremos caracterizar –, desde logo, (a) a arguição da nulidade da decisão recorrida por alegada incompatibilidade dos elementos decisórios que nela se expressam (fundamentos elencados em [a] a [i] das conclusões indicadas no item 1.3.): teria a Sentença construído uma decisão – a tal “Terceira Via que nenhuma das partes submeteu a Tribunal” (como diz a A. na conclusão [c]) – sem correspondência nos objectos colocados pelas partes, por via do pedido e da reconvenção, preenchendo a decisão apelada as causas de nulidade previstas nas alíneas c), d) e e) do nº 1 do artigo 668º do CPC. Adicionalmente – e trata-se do segundo fundamento do recurso da A. (b) –, ocorreria na fixação dos factos uma nulidade geral do artigo 201º do CPC (alíneas [j] e [k] das conclusões indicadas no item 1.3.), traduzida na formulação de respostas mutuamente excludentes (logicamente contraditórias) relativamente ao quesito 48º da base instrutória (considerado não provado) na sua relação com as respostas agregadas aos quesitos 13, 15, 49 e 50, que vieram a integrar o ponto [53] do elenco dos factos infra no item 2.3.[10] deste Acórdão. De seguida – no que constitui o terceiro fundamento do recurso da A. (c) – procede esta Apelante a uma extensa impugnação da matéria de facto fixada na primeira instância (alíneas [l] a [n] das conclusões indicadas no item 1.3.), fazendo apelo à actuação desta Relação no quadro do artigo 712º, nº 1 do CPC, relativamente às respostas aos quesitos 8º ([33][11]), 10, 11 e 14 ([52]), 13, 15, 49 e 50 e 20[12] ([53]), 16 e 51 ([54]), 18 ([35]), 48 (foi considerado não provado, estando a questão tratada no fundamento (b)) e, finalmente, a resposta ao quesito 62 ([56]). Constitui fundamento culminante do recurso da A. – o quarto fundamento do respectivo recurso (d) – a discussão total da operação subsuntiva realizada na Sentença (alíneas [o] a [d’] das conclusões indicadas no item 1.3.), afirmando a Apelante que, com ou sem alteração dos factos, existe erro de direito na afirmação da caducidade do direito ao acertamento do preço, por inaplicabilidade do artigo 890º do CC à compra e venda sujeita a contagem que tenha natureza comercial, defendendo a A. ser aplicável, assim, o instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473º do CC).

            2.2. Quanto ao recurso subordinado da R. (que sempre será aqui apreciado nos termos do artigo 682º, nº 3 do CPC, integrado a contrario), funda-se na crítica à construção da Sentença que conduziu à consideração do montante indemnizatório reconvencionalmente pedido pela R., referido aos atrasos no corte, como coberto pelos valores de €25.000,00 mensais pagos pela A., depois de considerar já completado o preço da madeira extraída (os valores pagos entre Setembro de 2007 a Janeiro de 2008[13])

            2.3. Os factos fixados a culminar o julgamento da primeira instância foram os seguintes:
“[…]

            2.4. A apelação (o recurso principal) da A.

            2.4.1. (a)alíneas [a] a [i] das conclusões indicadas no item 1.3. Conforme enunciámos acima no item 2.1., constitui primeiro fundamento da apelação da A. a arguição da nulidade da Sentença apelada, por referência às alíneas c) d) e e) do nº 1 do artigo 668º do CPC. Note-se que esta questão foi correctamente equacionada pela Senhora Juíza a quo no extenso despacho proferido a fls. 671/682, para o qual aqui poderíamos simplesmente remeter, caracterizando a insubsistência desse fundamento do recurso. E não deixaria de estar respondida a crítica da A.

Com efeito, aquilo que esta Apelante qualifica como nulidade da Sentença, a mais não corresponde que aos fundamentos através dos quais pretende ela contestar o julgamento da primeira instância quanto à fixação dos factos e quanto à aplicação do Direito. Todavia, na caracterização do objecto das alíneas c) d) e e) do nº 1 do artigo 668º do CPC, importa distinguir as nulidades da sentença (as situações em causa nessas três alíneas) da crítica ao entendimento decisório expresso na peça decisória. No caso das nulidades, estando em causa vícios intrínsecos do acto processual consubstanciador do pronunciamento do Tribunal (a sentença), vícios esses operantes fundamentalmente por referência ao conteúdo vinculado desta, conteúdo que emerge dos artigos 659º e seguintes do CPC, a consequência estabelecida é a nulidade da própria sentença, traduzida na sua supressão do processo, com o retorno do mesmo ao ponto em que se encontrava previamente à prolação da sentença considerada nula. Diversamente, no caso da crítica ao entendimento decisório expresso na sentença, quer se refira esta crítica à fixação dos factos quer à aplicação do Direito – neste caso questiona a Apelante/A. os factos e a subsunção que destes foi efectuada –, o que está em causa é o valor jurídico da sentença, enquanto acto vinculado à realidade probatória do processo e ao Direito aplicável, de acordo com as legis artis interpretativas aceitáveis, gerando este desvalor, quando detectado por um tribunal superior no exercício da sua jurisdição, o que se qualifica como “revogabilidade mediante recurso”[14].

            Interessa-nos esta distinção, tendo presente a caracterização que a Apelante faz daquilo que qualifica como causas de nulidade da Sentença impugnada, sendo por demais evidente, como bem sublinhou a Senhora Juíza a quo, estar em causa, tão-só, naquilo que nesta sede refere a A./Apelante, a respectiva discordância quanto à fixação como provados, pelo Tribunal a quo, de determinados factos, e não a incompletude da justificação destes ou da sua integração jurídica, a coerência lógica (a inexistência de relações de mútua exclusão) desses factos, ou a não recondução dos mesmos factos a questões relevantemente suscitadas no iter do processo (caracterizámos a facti species das três alíneas do artigo 668º, nº 1 do CPC), como veremos ao longo da subsequente exposição. E, no que tange à crítica dirigida à operação subsuntiva, trata-se disso mesmo: da crítica da Apelante a essa operação, com base em linhas interpretativas diversas das construídas pela decisão de primeira instância, sendo que umas e outras dessas linhas serão avaliadas no presente recurso e, em função de tal avaliação, confirmadas ou rejeitadas por este Tribunal. Certo é que os factos fixados pela primeira instância correspondem ao desenvolvimento lógico dos temas de base invocados pelas partes, constituindo a sua caracterização, por via dos factos fixados, decorrência lógica dos temas de prova – como agora se diz – suscitados pela alegação da A. de ter comprado “[t]odos os pinheiros resinados existentes no Foro do Meio e uma mancha a desbastar assim como postes e mais algum desbaste se necessário”, que só começou esse corte em Setembro de 2007 (embora o contrato falasse em começar em Outubro/Novembro de 2005) pagando importâncias mensais fixas, que continuou a pagar mesmo depois de perceber e informar a R. que a madeira retirada não atingia os valores que subsistentemente pagava. E isto sem esquecer a “história” alternativa apresentada pela R., segundo a qual o atraso no corte – que a A. implicitamente reconheceu logo na p.i. – induziu prejuízos, cujo ressarcimento pediu reconvencionalmente. Ora, foi sobre esta base fáctica, depois de passada pelo crivo da prova que lhe introduziu importantes desenvolvimentos, que a Sentença construiu uma solução jurídica – algo complexa, mas a situação é em si mesma complexa – que não deixa de expressar, de forma desenvolvida, os elementos base indicados pelas partes: as vicissitudes de um alegado pagamento excessivo de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição, uma questão de caducidade específica desse tipo contratual, os pressupostos do enriquecimento sem causa, a inexecução de deveres laterais intuídos num contrato como fonte de responsabilidade civil contratual e, enfim, o carácter concludente e significativo de comportamentos das partes num contrato na dinâmica induzida nessa relação contratual.

            Foi neste quadro que a Sentença apelada se moveu, não lhe detectando esta Relação os desvalores que a Apelante/A. lhe aponta como nulidades.

            2.4.1.1. (a) Seja como for, apreciando com mais algum detalhe este fundamento do recurso da A., observando que a imputação de nulidade à Sentença se refere fundamentalmente àquilo que a Apelante qualifica como a “Terceira Via” seguida nessa Sentença (conclusão [c] do recurso da A.), presumimos nós que pretenderá com isso significar a Apelante que o litígio só sustentaria, sob pena de pronúncia indevida, “duas vias” alternativas de resolução: o triunfo da tese/pedido da A. ou o triunfo da tese/pedido reconvencional da R.

            Não consideramos correcto este entendimento, não se percebendo porque razão não constitui via decisória possível a improcedência de ambas as pretensões cruzadas, tendo presente o alcance temático de cada uma delas e o efeito pretendido com uma e outra.

Concedendo nós, analisando o resultado decisório global alcançado na sua dupla vertente, que expresse uma espécie de “tudo ficar na mesma”, sugestivamente aparentado a um resultado de “soma zero[15], em que nenhuma parte ganha, suportando cada uma delas as perdas que invocam na acção e em função das quais fundamentam os respectivos pedidos, observamos a compatibilidade lógica desse resultado em que cada uma das partes vê o respectivo pedido ser julgado improcedente, quando isso significa, como dissemos, que uma delas (a A.) não recebe o que refere ter pago a mais pela madeira que adquiriu à R. (e não o recebe por caducidade desse direito e impossibilidade de, alternativamente, recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa) e a outra parte (a R./Reconvinte) não é indemnizada pelos prejuízos que imputa à A., num quadro apurado de deficiente prestação contratual desta, por se entender que o valor já pago em excesso pela A. (o tal que esta não poderia reaver, mas ao qual se atribuiu na reconvenção um sentido implícito de antecipação indemnizatória[16]) já cobriu o valor desses prejuízos.

O paradoxo que a A. parece ver nesta situação corresponde, tão-somente, a uma aparência – que a decisão de primeira instância até ultrapassa[17] –, porque é logicamente compatível num caso como este que nenhuma das partes triunfe na respectiva pretensão dirigida à outra, não se configurando a espécie de vazio inaceitável, usualmente associado ao confronto das chamadas “normas autónomas incompatíveis”[18]. É que estamos aqui perante improcedências cruzadas perfeitamente compatíveis, com o exacto sentido em que foram construídas na Sentença apelada: é compatível dizer que um possível direito do A./comprador a acertar, em seu favor, o preço pago numa venda de coisas determinadas sujeitas a contagem, pesagem ou medição (que preenche, portanto, a previsão do artigo 887º do CC), caducou, nos termos do artigo 890º, nº 1 do CC, e que parte desse valor assumiu, por via de comportamento concludente, uma natureza indemnizatória antecipada, a qual acabou por cobrir o valor dos danos invocados pelo R. em reconvenção. Por estranheza que nos causem as duas absolvições dos pedidos, quando, em rigor, estas absolvições até acabam por ser determinadas por algo de demonstração na tese de cada uma das partes, percebemos que esse algo se refere a passos intermédios da construção gizada por cada uma e que o resultado final de cada uma das acções cruzadas é a improcedência da pretensão final, aqui entendida essa improcedência como o resultado oposto ao pedido: para a A. não receber o que teria pago a mais, para a R. não receber, além do que já recebeu, o valor indemnizatório pretendido.

Aliás, ultrapassando um pouco o paradigma que se expressa na clássica teoria das normas[19] – o qual até não seria incompatível, de modo algum, com o resultado aqui alcançado –, não deixamos de observar no resultado decisório da presente acção uma espécie de emanação (fundamentalmente justa, atenta a fraca performance probatória de ambas as contendoras na acção) do chamado “princípio do agressor” ou “princípio da queixa”, como alternativa à teoria das normas em termos de formação de uma regra de decisão em casos de non liquet[20], princípio através do qual se tende a privilegiar, no confronto com a incerteza e visando ultrapassá-la decisoriamente, o resultado correspondente à manutenção do status quo ante, aqui com a particularidade – justa até no efeito de conjunto obtido – de ambas as partes permanecerem no status quo que relativamente à outra pretendiam alterar: a A. não recebe o excesso de preço pago; a R. não recebe a indemnização, por mútua “anulação” dos dois efeitos pretendidos, permanecendo ambas na situação em que se encontravam à data da propositura da acção (é com este sentido que falámos de resultado de “soma zero”). 

Lembramos aqui – e o argumento parece-nos expressivo na justiça que encerra – que:
“[…]
O [tal] princípio do queixoso exprime uma tendência […] para favorecer a conservação de certo estado, em detrimento da sua alteração. É afinal, um princípio de «inércia jurídica». Um favor status quo ante […].
[…]
O res perit dominum é a afirmação de que as desvantagens anteriores à decisão se conservam na esfera de quem as sofreu. Não há ganho em deslocar o dano só pela deslocação. O direito dos privados respeita a distribuição dos bens que lhe seja anterior.
 […]”[21].

            Vale o que se disse, neste trecho da fundamentação do recurso, pela afirmação da improcedência do primeiro fundamento da apelação da A. referenciado à suposta nulidade da Sentença. Sublinhamos desde já, todavia – e trata-se de um elemento de grande importância na decisão final dos dois recursos –, que esta mútua compensação entre as perdas de cada uma das partes, que se expressa nalgum “excesso de preço” pago pela A. (não exactamente apurado mas real) e na existência de prejuízos da R. induzidos por atrasos no corte das árvores e libertação do terreno imputáveis à A., não obstante o carácter algo difuso das quantificações respectivas, esta mútua compensação de perdas entrecruzadas, dizíamos, propicia-nos a chave mais adequada (rectius, a solução mais justa) de decisão do litígio, deixando cada uma das partes permanecer com o que recebeu e, em certo sentido, com o que perdeu na interacção contratual com a outra, na certeza de que nesta espécie de deve e haver o resultado para ambas (para a A. e para a R.) corresponde na sua essência a um ponto de chegada equilibrado que acaba por expressar uma situação justa.

É assim que o falado princípio da queixa adquire aqui, mesmo que encarado como simples modelo referencial de um critério de decisão face a uma situação com relevantes espaços de non liquet, o sentido de um elemento propiciador de uma boa solução. Até porque, referindo-se o princípio em causa, como dissemos, a uma regra de decisão construída em vista do deficit probatório da parte relativamente aos elementos integradores do direito que afirma, o resultado final que aqui se alcançou (em ambas as instâncias) expressou significativas lacunas probatórias de cada uma das partes relativamente a elementos centrais da tese respectiva, desde logo da A. em não conseguir quantificar exactamente o que teria pago a mais relativamente à madeira que extraiu do prédio da R., em função da forma desorganizada e pouco expedita em que executou as operações de extracção e de pesagem da madeira (a este respeito a audição da prova testemunhal foi particularmente esclarecedora para esta Relação).

            Focámos assim neste trecho da fundamentação o que reputamos constituir o elemento central que propiciou à primeira instância uma solução que, diga-se o que se dizer dos seus passos de percurso, consideramos ter sido substancialmente justa e que esta Relação confirmará.  

2.4.2. (b) Também num quadro de nulidades, retomando o roteiro dos fundamentos do recurso da A., aponta esta Apelante (nas alíneas [j] e [k] das respectivas conclusões), como nulidade geral do artigo 201º do CPC, uma suposta incompatibilidade lógica entre a não prova (por via de uma resposta negativa irrestrita) do quesito 48 da base instrutória e a resposta agregada, de teor especificado, aos quesitos 13, 15, 49 e 50 que gerou o facto [53]. Reconhece-se que a elaboração da base (cuja responsabilidade não coube à Juíza de julgamento) prescindiu de um elementar espírito crítico quanto à essência das afirmações das partes, limitando-se a copiar, sem sequer depurar elementos retóricos, o que a A. e a R. escreveram nos articulados, sem que se tenha empreendido um exercício mínimo de focagem na afirmação verdadeiramente relevante contida no articulado e na estruturação adequada da preposição interrogativa carreada como tema de prova (isto para além da inadequada colocação de formas negativas no centro do quesito, como exemplifica o quesito 48).

Perguntava-se nesse quesito 48 o seguinte – e deu-o o Tribunal como não provado:
48. A R. em momento algum reconheceu a insuficiência do valor da madeira, face aos montantes adiantados pela A.?

            Por sua vez, perguntava-se nos quesitos 13, 15, 49 e 50 o seguinte:
13. E sempre comunicou à A. a posição de que a Serma insistia em continuar a receber os €25.000,00 mensalmente?
15. Tendo a R. reconhecido a insuficiência do valor da madeira relativamente aos montantes que já havia encaixado e deixado de emitir e enviar à A. a factura ‘mensal’?
49. A persistência da R. em continuar a receber os €25.000,00 mensais prendia-se com, por um lado, o natural desconhecimento, pelas razões supra expostas, do valor das madeiras existentes na propriedade?
50. Com a necessidade de assegurar que o corte seria devidamente efectuado pela A., o que facilmente se compreende, uma vez que o cumprimento desta obrigação, como veremos infra, fora protelado em cerca de dois anos, por razões unicamente imputáveis à A. e que, ao longo desse tempo, nunca foram explicadas à R.?

            Sendo que a resposta agregada a estes três quesitos gerou a seguinte asserção fáctica:
[53] Não obstante o legal representante da R. reconhecer que os pagamentos das quantias mensais de €25.000,00 que lhe eram pagas pela A., desde Abril de 2007, que excediam o valor da madeira de pinheiros que a R. havia vendido à A., exigiu continuar a receber aquelas importâncias monetárias, como forma de ressarcir a R., pela improdutividade dos terrenos, em virtude de a A. continuar a ocupá-los, sem realizar o corte dos pinheiros que havia comprado à R.

            Tenha-se presente a margem de sobreposição de incidências e eventos entre os quesitos 48, 13, 15, 49 e 50 e a complementaridade dos mesmos (todos eles se referem, sob perspectivas diferentes, ao mesmo trecho da história que as partes apresentaram ao Tribunal), enquanto factor plenamente justificativo da formulação de uma resposta agregada, sendo que uma resposta “não provado” elimina a asserção presente na própria pergunta, aceitando-se que a incidência em causa possa estar contida numa outra resposta que englobe a situação pressuposta nessa pergunta afastada. Foi o que aqui sucedeu, tratando-se de formular, na resposta especificada agregada aos quesitos 13, 15, 49 e 50, a asserção decorrente da prova sobre a situação subjacente às diversas perguntas, inclusive ao quesito 48.

            De qualquer forma, trata-se este de um argumento que sempre seria, em si mesmo, inoperante, bastando a esta Relação, para ultrapassar a questão suscitada pela A., afirmar – e é essa a essência da situação – que se deve entender abrangido na resposta especificada conjunta aos quesitos 13, 15, 49 e 50 o quesito 48, substituindo a resposta “seca” de não provado a este último. Da mesma forma, vendo que este quesito parece pretender perguntar o que não sucedeu (“[a] R. em momento algum reconheceu…”), não deixa de ser correcta a opção pela afirmação da realidade sucedida que subjaz aos quesitos 13, 15, 49 e 50.

            Também aqui a Sentença – desta feita por referência ao despacho contendo as respostas – não merece censura alguma, sendo com este sentido lógico e congruente que a construção do item 53 dos factos, por via das respostas aos quesitos 48, 13, 15, 49 e 50, é entendida no presente Acórdão.

            2.4.3. (c) Refere-se o recurso da A., na parte que aqui importa tratar, à impugnação da matéria de facto nos termos já caracterizados no item 2.1. supra: relativamente às respostas aos quesitos 8º ([33][22]), 10, 11 e 14 ([52]), 13, 15, 49 e 50 e 20[23] ([53]), 16 e 51 ([54]), 18 ([35]), 48 (foi considerado não provado, estando a questão tratada no fundamento (b) já apreciado antes em termos que dispensam considerações adicionais) e, finalmente, a resposta ao quesito 62 ([56]).

            Originou o quesito 8, cuja resposta consta de fls. 394, o ponto [33] do rol dos factos. É importante sublinhar – e a A. pretende que o quesito seja aqui declarado provado na asserção de que ao representante legal da R. eram entregues todos os talões de pesagem –, sublinha-se a este respeito que o representante da R. … negou esta asserção conforme se perguntava no quesito (a A., faltando ostensivamente à verdade, omitiu a passagem subsequente ao minuto 18 em que este depoente diz que recebendo os pesos não recebia os talões como de pretérito, em termos que permitissem controlar efectivamente a operação de corte[24]) e tanto a testemunha … (que nem foi ouvida a este quesito)[25] como a testemunha …, ambas trabalhadoras da A., não esclareceram algo de mais expressivo que a simples disponibilização dos talões (pouco fiáveis como exuberantemente se apurou e é este o elemento central desta asserção), nos quais a A. acabaria por ter pouco interesse, porque pouca relação tinham com as operações de corte e de pagamento.

            A resposta agregada aos quesitos 10, 11 e 14 originou o facto [52] e corresponde exactamente ao que é possível retirar do depoimento de parte do representante legal da R. que reconheceu expressivamente que em Abril de 2007 disse à A. que já tinha pago até ali toda a madeira, correspondendo a resposta agregada (e a formulação das respostas incumbe ao julgador) à correcta captação da essência do que credivelmente foi dito pelo representante legal da R., designadamente (e isto vale também para as respostas aos quesitos 13, 15, 49 e 50) que os valores exigidos posteriores a Abril de 2007 e até Janeiro de 2008, já não pagavam a madeira (porque esta já estava paga) e tinham o exclusivo sentido de “indemnizar” (a expressão é nossa mas capta a essência do transmitido ao Tribunal pelo representante legal da R. e pela sua técnica oficial de contas) pela ocupação do terreno, muito para além do que fora intuído no contrato e era justificado pelos anos de colaboração anterior da S… com a M... A dita técnica oficial de contas da R., a testemunha … explicou que a facturação não tinha relação directa com o corte e que, embora não tenha acompanhado essa incidência no terreno, sabia, por indicação expressa do representante legal da R., que a retoma de pagamentos em Maio de 2007 tinha uma exclusiva natureza compensatória da ocupação do terreno, servia como indemnização “porque ele precisava do terreno e eles continuavam a ocupá-lo”.

            No que respeita aos quesitos 16 e 51 que originaram o ponto [54], além de conterem a descrição exacta do teor dos documentos da A. de fls. 30/60 (se a factura de Janeiro de 2008 foi a última a ser emitida, as anteriores foram, logicamente, sendo também reconhecidamente emitidas, correspondendo a resposta a esta exacta incidência). A expressão “número adequado de trabalhadores” não consta do ponto [54], nem por referência ao ponto [26] (quesitos 6 e 7) que se lhe refere e percebe-se facilmente, pelos timings da intervenção da A. nos termos por ela reconhecidos na p.i. (v. os artigos 28º, 29º e o relato dos antecedentes artigos da p.i. de 21º a 27º), que, por si só, justificam a resposta nos termos dados pela Senhora Juíza a quo.

            Quanto ao quesito 18 que originou o ponto [35], estamos perante uma resposta fundamentalmente descritiva, resultante da ponderação dos valores indicados no contrato de fls. 29, com as cópias dos documentos de pesagem de fls. 61/66, 111/120 e 134/139 (referimo-nos a documentação junta pela própria A.), sucede porém que a notória falta de fiabilidade que presidiu às operações de pesagem (amplamente confirmada na prova testemunhal[26] e no depoimento de parte do legal representante da R.[27]) justificam a introdução da reserva “a A. calculou”, estando a descrever-se uma operação cujo domínio do facto pertenceu à A. em exclusivo.

            O quesito 62 originou o ponto [56] do rol dos factos (está no cerne da tese da R. em conjunto com os factos que originaram os quesitos [57], [58] e [59]) foi confirmado muito expressivamente (e sempre com o apoio dos elementos documentais aludidos na acta a fls. 389/391) pela testemunha… 401. A questão do elemento “atraso” relativamente ao plano delineado no contrato corresponde a uma valoração da Julgadora, que esta Relação reputa de absolutamente correcta da situação e, em rigor, esse atraso até é “confessado” ou reconhecido pela A. ao fornecer o seu timing do corte, substancialmente desfasado do que se intuiu no contrato com base numa interpretação óbvia da impressão induzida na vendedora pela expressão, associada à indicação “prazo de corte”, “[a] seguir a Outubro/Novembro de 2005”. Note-se que a impossibilidade de realizar no terreno o tipo de exploração aqui projectada pela S… (através de uma reconversão cultural) emerge claramente da prova testemunhal invocada na fundamentação das respostas aos quesitos que geraram os pontos [56] a [59] do rol dos factos considerados provados.

            Emerge da apreciação deste fundamento – do controlo dos factos criticados pela A./Apelante – a confirmação, por as considerarmos correctas, das respostas formuladas pelo Tribunal de primeira instância. Note-se que as críticas da Apelante aos factos, consubstanciadoras deste fundamento, são muito pontuais, assentando em questões de pormenor pouco significativas. Entende esta Relação, controlando a prova relevante (designadamente ouvindo os registos dos depoimentos mencionados pela A., e outros que foram considerados relevantes)[28], não existirem alterações a introduzir. 

            2.4.4. (d) Interessa-nos agora, controlados que foram os factos (e fixado o exacto rol destes decorrente do julgamento na primeira instância) discutir a operação subsuntiva realizada na Sentença (alíneas [o] a [d’] das conclusões indicadas no item 1.3.), que a A./Apelante diz ser possível, no sentido de atingir o resultado por ela visado, mesmo com base nos exactos factos transcritos no rol do item 2.3.

            2.4.3.1. (c) Como primeira aproximação – o primeiro argumento da A. em desfavor da construção jurídica gizada na Sentença apelada – temos a questão da natureza e regime do contrato celebrado entre a A. e a R., defendendo a Apelante/A. a aplicação e a completude ou suficiência do regime do Código Comercial, como forma de excluir a aplicação da regra de caducidade prevista no artigo 890º do CC.

            Sendo evidente que o contrato de fls. 29 (que está reproduzido na nota 3 na página 3 deste Acórdão) se refere à venda da madeira que a A. iria extrair da propriedade da R. – o que significa que se tratou de venda de coisa determinada: a madeira aí existente –, com preço referenciado às características da madeira obtida e ao peso que se viesse a revelar que a mesma teria, não é possível encarar o sentido jurídico desse acordo fora da previsão da venda de coisas sujeitas (aqui) a pesagem. Ora, sendo a sede dessa espécie contratual o artigo 887º e seguintes do CC, é neste quadro que haverá que procurar o regime contratual específico dessa situação, mesmo quando se trate, como aqui sucede, de acto subjectivamente comercial (por via do artigo 2º segunda parte do CCom[29]), desde logo por não previsão exacta deste tipo de situação no regime do Código Comercial Veiga Beirão (o Código que, importa não esquecer, data de 1888)[30]. Seguimos aqui a caracterização feita por Luís Manuel Teles de Menezes Leitão do tipo de venda previsto no artigo 887º do CC, na sua conjugação com a espécie prevista no artigo 472º do CCom, que só numa enganadora aparência podem ser vistas como sedes diferentes do mesmo tipo de contrato:
“[…]
Encontra-se ainda uma referência a vendas sujeitas a contagem, pesagem ou medição no artigo 472º do CCom. Dispõe esta norma que ‘as cousas não vendidas a esmo ou por partida inteira, mas por conta, peso ou medida, são a risco do vendedor até que sejam contadas, pesadas ou medidas, salvo se a contagem, pesagem ou medição se não faz por culpa do comprador’. Este artigo estabelece assim um regime diferente da venda a conta, peso ou medida em relação à venda a esmo ou por partida inteira. O regime do risco aqui estabelecido corre contra o vendedor, o que faz supor que esta disposição [o artigo 472º do CCom] se refere a vendas genéricas, sujeitas a essa regra (cfr. artigo 541º), e não à venda de coisas determinadas, sujeitas a contagem, pesagem ou medição, que é a situação referida nos artigos 887º e segs. É, por isso, de concluir a inexistência de regime específico no âmbito do Direito Comercial para esta situação, valendo, por isso, também aqui o regime civil (artigo 3º do CCom).
[…]”[31] (sublinhado aqui acrescentado).

            E acrescenta o mesmo Autor, reforçando precisamente a ideia de perda de importância das compras e vendas mercantis nominadas com a edição do Código Civil de 1966:
“[…]
A venda de coisas por conta, peso ou medida, prevista no artigo 472º do CCom, corresponde ao regime da venda genérica, igualmente abrangido pelos artigos 539º e ss. do CC.
[…]”[32].

            Nesta situação, em que a venda – repetimos enfatizando o ponto de vista aqui adoptado – se refere a coisas determinadas, não a uma venda genérica, reportada a uma obrigação cujo conteúdo é apenas determinado pelo género (artigo 539º do CC)[33], tem todo o sentido convocar o artigo 889º do CC e o subsequente regime de caducidade estabelecido no artigo 890º do mesmo Diploma.

Esta questão é explicitada por Luís Manuel Teles de Menezes Leitão nos termos seguintes:
“[…]
Pode […] acontecer que as partes resolvam, também no âmbito da venda de coisas determinadas, acrescentar no contrato a referência à quantidade da venda, quer para efeitos de melhor descrição do bem vendido, quer para efeitos de determinação do seu preço.
[…]
Essa referência das partes à quantidade dos bens vendidos vai implicar uma futura operação de contagem, pesagem ou medição, a qual coloca o problema de eventualmente se verificar uma discrepância entre a referência contratual e o resultado da operação de contagem, pesagem ou medição. Uma vez que se está perante coisas determinadas e não de coisas genéricas, a venda considera-se concluída antes da operação de contagem, pesagem ou medição[[34]], logo com a celebração do contrato, adquirindo assim o comprador imediatamente a propriedade dos bens vendidos (artigo 408º, nº 1 do CC), suportando consequentemente o risco pela sua perda ou deterioração (artigo 796º, nº 1 do CC), pelo que a discrepância apenas pode ter reflexos para efeitos de apuramento do preço devido.
Os efeitos dessa discrepância são diferentes consoante o preço da venda tenha sido estabelecido precisamente em função de um tanto por cada unidade vendida (venda ad mesuram ou por medida) ou tenha, pelo contrário, sido estabelecida para o conjunto de coisas vendidas (venda ad corpus ou a corpo). No primeiro caso, o artigo 887º determina que, independentemente da quantidade referida no contrato, o que o comprador deve é o preço proporcional ao número, peso ou medida real das coisas vendidas. No segundo caso, o artigo 888º do CC determina que o comprador deve o preço declarado, mesmo que a indicação de quantidade referida no contrato não tenha correspondência com a realidade, a menos que a divergência entre a quantidade real e a declarada seja superior a um vigésimo desta […].
O remédio que a lei prevê para esta discrepância entre a quantidade das coisas vendidas e a que é declarada no contrato é assim a correcção do preço estabelecido, correcção essa que se verifica sempre na venda por medida (artigo 887º do CC) mas que só ocorre se a discrepância for superior a 5% na venda a corpo (artigo 888º). A explicação para esta divergência reside na circunstância de, na venda a corpo, o facto de as partes não terem indicado um preço unitário mas um preço global, sendo incidental a referência à quantidade, peso ou medida das coisas vendidas. Pelo contrário, na venda por medida, o acto das partes fazerem referência directa ao preço unitário leva a supor que a vontade das partes é fazer o preço corresponder à efectiva quantidade, peso ou medida das coisas entregues.
[…]”[35] (sublinhado acrescentado, incidindo na hipótese que se aplica no caso dos autos).

            Ora, a correcção do preço estabelecido nesta venda ad mesuram de coisas móveis determinadas – é como caracterizamos o contrato de fls. 29 –, tendo ocorrido entregas periódicas, convencionadas no contrato por conta desse preço final (sugestivamente chamaram-lhe as partes sinal no texto do contrato), materializar-se-ia com uma operação de compensação entre o que foi entregue como sinal e o que, no final, correspondeu ao peso real das coisas, determinado pelas características da madeira aproveitada definidas no contrato, sendo que esse direito de receber a diferença – como correctamente se observou na Sentença – caducou, nos termos do artigo 890º, nº 1 do CC.

            É a conclusão que, convergentemente com a Sentença apelada, atingimos quanto à caracterização do contrato, quanto à dinâmica da formação do preço e quanto à caducidade da possibilidade de fazer actuar o mecanismo da correcção do preço em excesso previsto para um contrato com as características do presente.

            Subsiste na apelação da A. o problema da aplicabilidade do instituto do enriquecimento sem causa, com base no qual ela, muito sintomaticamente, estruturou a respectiva acção, no que poderíamos qualificar como correspondendo ao reconhecimento de estar verificada a caducidade do direito à recuperação do preço pago em excesso.

            É pois a questão do enriquecimento sem causa a que nos resta abordar na economia argumentativa do recurso da A.

2.4.3.1. (c) Coloca-se assim – e continuamos na senda dos argumentos da A./Apelante em desabono da construção jurídica empreendida na Sentença – a questão da recuperação do preço pago em excesso pela A. poder ocorrer, não obstante a caducidade por via do nº 1 do artigo 890º do CC, por força do enriquecimento sem causa, previsto como princípio geral no artigo 473º do CC.

Tratar-se-ia aqui – a medida do preço pago a mais como objecto da almejada restituição – de um enriquecimento por prestação[36], no sentido de respeitar a uma situação em que a A., como compradora, efectua à R., a vendedora, a prestação convencionada no contrato (tanto por mês), originando esta prestação uma diferença, expressa numa deslocação patrimonial em favor da R., cuja ausência de causa se vem a verificar no quadro da realização da pesagem prevista na economia do tipo de contrato aqui em causa.

Esta descrição daquilo que corresponderia ao alegado enriquecimento sem causa patenteia a existência, na regulamentação do contrato de compra e venda ad mesuram de coisas móveis determinadas (artigo 887º do CC), no tipo correspondente ao contrato aqui celebrado entre as partes, como se caracterizou no item anterior, de mecanismos de correcção ou recuperação do preço em excesso (trecho final do mesmo artigo 887º) que afastariam a aplicação da figura do enriquecimento sem causa por subsidiariedade desta, nos termos do artigo 474º do CC: poder-se-ia dizer facultar a lei ao empobrecido, no quadro da venda de coisas sujeitas a contagem pesagem ou medição (artigos 887º a 891º do CC), outro meio de ser restituído, ou até, pensando, sem mais, na actuação da caducidade prevista no artigo 890º do CC, na negação com assento legal do direito à restituição.

A questão coloca-se – e foi colocada pela Senhora Juíza a quo em termos que a Apelante/A. contesta – por referência a um argumento de identidade de razão entre a prescrição e a caducidade, quando vista a situação no quadro do nº 4 do artigo 498º do CC – diz este preceito, no que aqui interessa, que a prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a ela.

A exclusão da acção de enriquecimento resulta neste caso, como se explicou na Sentença (remetemos aqui para a nota 28 supra), da passagem do lapso de tempo previsto no artigo 890º, nº 1 do CC, rectius da verificação da caducidade do direito ao recebimento da diferença de preço, operar um efeito de convalidação do contrato nesses exactos termos, mesmo com essa diferença de preço.

Esta questão é tratada especificamente por Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, na respectiva tese de doutoramento – O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil (Coimbra, 2005) – nos seguintes termos:
“[…]
[É] necessário […] examinar se, através da referência à inexistência de outro meio, a lei pretende excluir a acção de enriquecimento sempre que exista em abstracto esse outro remédio, ou se, pelo contrário, se exige a possibilidade concreta do seu exercício para que a acção seja excluída, podendo assim aplicar-se a acção de enriquecimento sempre que a outra acção esteja afastada por prescrição, caducidade ou outra via.
A letra da lei parece inclinar-se para a primeira solução, uma vez que se refere à hipótese de a lei facultar esse outro meio e não à sua possibilidade concreta de exercício, que muitas vezes é prejudicada pela inércia do titular do direito. Mas já o artigo 498º, nº 4 do CC, faz admitir a acção de enriquecimento, mesmo após prescrita a acção de responsabilidade civil, o que poderia levar a concluir pela segunda interpretação.
Não atribuímos, no entanto, grande relevância à disposição do artigo 498º, nº 4, uma vez que não consideramos que dela resulte que a prescrição constitui um facto produtivo de um enriquecimento à custa de outrem, mas antes interpretamos essa disposição no sentido de que a prescrição da acção de responsabilidade civil não atribui causa jurídica ao enriquecimento obtido à custa de outrem, mas que só se aplica a acção de enriquecimento se os pressupostos desta se verificarem. Trata-se de uma regra excepcional, motivada por razões de tutela do lesado. Não pode assim aceitar-se que genericamente seja de admitir uma acção de enriquecimento em todos os casos em que uma outra acção principal se tivesse extinto […]. A prescrição e caducidade da outra acção impeditiva do exercício desta não fazem ressurgir a acção de enriquecimento, mas antes consolidam a situação em termos definitivos […].
[…]”[37].

            Ou seja, tendo operado efectivamente a caducidade da adjectivação que permitiria à empresa A. recuperar o preço em excesso relativamente à madeira retirada[38], não pode a mesma vir obter o mesmo efeito por via do enriquecimento sem causa.      

            2.5. Apelação subordinada da R.

            2.5.1. Existem na anterior exposição muitos elementos que a abordagem do recurso subordinado da R./Reconvinte convocaria (remetemos aqui, desde logo, para o que escrevemos no item 2.4.1.1. (a), supra). Trata-se nesta impugnação, reduzindo as coisas à sua essência significativa e ao que aqui é verdadeiramente operante, de controlar o resultado de improcedência do pedido reconvencional, quando – é o argumento/fundamento central desta Apelante – não ocorreu uma exacta demonstração do “excesso de preço” ou da insuficiência da madeira extraída da propriedade relativamente ao preço pago (é relevante ter aqui presente, porque fornece contexto ao que vamos aqui afirmando, o trecho de fls. 511 da Sentença transcrito nas notas 9 e 32 deste Acórdão).

            A conclusão da R./Apelante subordinada é a de que subsistiria, pois, o seu direito a ser indemnizada pelos prejuízos indicados nos itens [56] a [59] dos factos, face à não demonstração desse excesso do valor pago pela A. com as sucessivas entregas referenciadas no item [19] da matéria de facto.

            Envolve esta argumentação uma simplificação algo grosseira da construção empreendida na Sentença apelada quanto à improcedência do pedido reconvencional. Já caracterizámos amplamente neste texto o sentido em que a decisão recorrida considerou coberto (compensado em sentido etimológico, sem que isto se refira a qualquer integração da facti species do artigo 847º do CC) o prejuízo da R. através das entregas mensais de €25.000,00 que lhe efectuou a A. entre Abril de 2007 e Janeiro de 2008, totalizando estas €225.000,00 e correspondendo já a antecipações do montante indemnizatório reparador do dano – algo aparentado a liquidações a forfait desse dano – que o atraso no corte das árvores, e concomitante indisponibilização do terreno, ia induzindo no património da Reconvinte como lucros cessantes. É o que efectivamente resulta dos itens [52] e [53] dos factos, quanto à natureza conferida pela R. a essas prestações adicionais, no sentido de posteriores ao reconhecimento por esta (foi o que se apurou) dessa circunstância (reconhecimento de que o que até aí fora pago já cobria a madeira retirada e retirável dos 200 hectares):
[52] Em Setembro de 2007, o legal representante da A. comunicou ao legal representante da R. que os pagamentos mensais de €25.000,00 excediam já o valor da madeira existente nos terrenos da R. (resposta aos nºs 10; 11 e 14 da base instrutória);
[53] Não obstante o legal representante da R. reconhecer que os pagamentos das quantias mensais de €25.000,00 que lhe eram pagas pela A., desde Abril de 2007, que excediam o valor da madeira de pinheiros que a R. havia vendido à A., exigiu continuar a receber aquelas importâncias monetárias, como forma de ressarcir a R., pela improdutividade dos terrenos, em virtude de a A. continuar a ocupá-los, sem realizar o corte dos pinheiros que havia comprado à R. (resposta aos nºs 13; 15; 49 e 50 da base instrutória).

            Tratou-se na Sentença de atribuir a esta incidência – para sermos rigorosos, à incidência expressa nestes itens [52] e [53] conjugada com os itens [56] a [59], quanto aos danos, e com os valores referenciados no item [19], estes como cobertura pré-fixada –, tratou-se e trata-se agora, dizíamos, de atribuir a esta incidência, a natureza de uma liquidação preventiva à forfait (pré-fixada) dos danos da R. – danos que, em rigor, em Setembro de 2007 já estavam em materialização –, nada que minimamente se aparente com uma renúncia abstracta e antecipada a direitos do credor (não está integrada, pois, a proibição decorrente do artigo 809º do CC). Aliás, as partes, no contrato escrito que celebraram, atribuíram expressamente, e muito significativamente, aos valores mensais estabelecidos a natureza de sinal (“[p]oderá este sinal ser reforçado por mútuo acordo”, fls. 29), conferindo-lhe – e essa constitui uma das funções do sinal[39] – o valor de indemnização pré-fixada convencionalmente.

            Seja como for, mesmo que, por hipótese, encarássemos os valores pagos entre Abril de 2007 e Janeiro de 2008 pela A. à R. – e os itens [52] e [53] não dão espaço a essa interpretação[40] – como continuidade de pagamentos por conta do preço final da madeira extraída e a extrair, verificando-se que o valor somado reconhecidamente exorbitaria do preço real da quantidade efectivamente extraída (é o facto que aqui temos como provado), mesmo caducado para o comprador o direito à correcção desse preço, nos termos do artigo 890º do CC, sempre nos depararíamos, relativamente ao vendedor (aqui à R.), com uma situação totalmente aparentada, e de completa identidade de razão, à chamada compensatio lucri cum damno, enquanto factor de delimitação da indemnização[41] em função de incrementos patrimoniais desencadeados no quadro do próprio evento que originou o dano e a obrigação de indemnizar. Corresponde esse evento aqui à inexecução perfeita do contrato pelo A., referida ao elemento “tempo razoável” enquanto dever de cooperação entre o comprador e o vendedor intuído no contrato e aqui amplamente desrespeitado pela A., sendo que no quadro do contrato se formou – se teria formado, atribuindo ao que foi pago, depois de Abril de 2007, ainda o valor de preço e não o de antecipação indemnizatória – uma prestação excessiva (um lucro) em favor da R., existindo claro fundamento para a considerar num quadro essencialmente compensatório desse dano da R.[42], se a situação não fosse integrável directamente como compensatio lucri cum damno, não deixaria aqui de funcionar, em sede de cálculo do dano real, nos termos do artigo 566º, nº 2 do CC, um forte argumento de absoluta identidade de razão que alicerçaria o mesmo tipo de solução.

            Foi este, no seu efeito prático, o caminho seguido na Sentença apelada – mesmo sem referência expressa ao enquadramento aqui realizado –, não vendo esta Relação fundamento válido para alterar o resultado alcançado na instância precedente, neste caso quanto à improcedência da reconvenção.

            2.6. Aqui chegados, percorridos que estão os fundamentos dos dois recursos, suscitados pela improcedência da acção e da reconvenção, entendemos ser de confirmar integralmente qualquer desses pronunciamentos decisórios.

2.7. Sumário elaborado pelo relator, nos termos do artigo 663º, nº 7 do CPC:
I – Um contrato de compra e venda celebrado entre sociedades comerciais, cujo objecto foi definido como a venda de “todos os pinheiros resinados” existentes num prédio do vendedor, a cortar e a transportar pelo comprador, fixando-se o preço da madeira em função de determinadas características da mesma e da pesagem desta à medida que o corte fosse avançando, configura (tal contrato) uma compra de coisa determinada (“todos os pinheiros” do prédio) correspondendo ao tipo contratual previsto nos artigos 887º e segs. do CC (venda de coisas determinadas sujeitas a contagem pesagem ou medição), assumindo este, por via dos intervenientes, natureza subjectivamente comercial, nos termos do artigo 2º, segundo trecho, do CCom;
II – Tal contrato não corresponde à designada venda por conta peso ou medida prevista no artigo 472º do CCom, que se refere a vendas genéricas, em que o conteúdo da obrigação é apenas determinado pelo género, e que corresponde no CC às obrigações genéricas previstas nos artigos 539º e segs.;
III – Se o preço da coisa vendida como sujeita à ulterior pesagem foi fixado “por medida” (aqui um tanto por tonelada) o regime de acertamento final do preço, pressuposto neste tipo de vendas, decorre do trecho final do artigo 887º do CC: a dívida do comprador corresponde ao preço proporcional ao peso real das coisas vendidas, entendendo-se que a vontade negocial das partes se formou relativamente à exacta quantidade peso ou medida efectivamente recebida pelo comprador;
IV – Tem aplicação neste caso, no que respeita à adjectivação do direito ao acertamento do preço, o prazo de caducidade de seis meses previsto no artigo 890º, nº 1 do CC;
V – Esta caducidade do direito ao acertamento do preço impede que o comprador, que pagou preço em excesso em função do valor real da madeira determinado na pesagem, obtenha a devolução desse excesso com base em enriquecimento sem causa do vendedor;
VI – Com efeito, os mecanismos de acertamento do preço previstos na compra e venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição (neste caso o trecho final do artigo 887º do CC) funcionam, por referência ao enriquecimento sem causa, como atribuição de outros efeitos ao enriquecimento, nos termos do artigo 474º do CC;
VII – A caducidade do direito ao acertamento do preço, nos termos do artigo 890º, nº 1 do CC, opera um efeito de convalidação do contrato nessas condições, mesmo com a diferença de preço relativamente ao peso real das coisas vendidas;
VIII – Todavia, verificando-se que o comprador (no contrato referido em I) com atrasos no corte das árvores provocou danos ao vendedor, indisponibilizando-lhe o terreno para o uso alternativo por este pretendido, o valor em excesso do preço recebido pelo vendedor compensará esses danos, com base na ideia de compensatio lucri cum damno, entendido como factor de delimitação da indemnização, em função de incrementos patrimoniais desencadeados no quadro do próprio evento originador do dano e da obrigação de indemnizar.  

III – Decisão

            3. Face ao exposto, na improcedência da apelação principal da A. e da apelação subordinada da R., confirmamos inteiramente a Sentença recorrida.

            Custas do recurso principal a cargo da A./Apelante (o valor a considerar será quanto a esta de €263.530,38) e as custas do recurso subordinado ficam a cargo da R. (o valor a considerar neste caso será de €200.000,00, v. fls. 660).

 
(J. A. Teles Pereira - Relator)
(Manuel Capelo)
(Jacinto Meca)

***


[1] Recurso com origem no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém.
[2] Trata-se da data da propositura da presente acção, marcando ela, associada à data da decisão recorrida (20/05/2013, v. fls. 515 quanto à datação; a Sentença é a de fls. 451/514), marca tal data, dizíamos, a aplicação à presente instância de recurso do regime processual originariamente decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Não se aplica aqui, pois, tendo sido proferida a decisão recorrida em Maio de 2013, o texto do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (v. os respectivos artigos 7º, nº 1 e 8º, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, 2013. p. 15). Assumimos ser discutível se a regra do artigo 7º, nº 1 da Lei nº 41/2013, a única disposição do Diploma introdutório do Novo Código de Processo Civil que se refere à instância de recurso, abrange os recursos referidos a decisões anteriores a 01/09/2013 aos quais já se aplicasse, como aqui sucede, o regime do DL nº 303/2007 – processos instaurados depois de 01/01/2008 –, sendo que quanto a estes, em rigor, não há qualquer regime transitório expressamente definido, pelo que há que entender que, em tais casos, se continuará a aplicar o regime antigo, aqui sinónimo do regime “originário” do DL nº 303/2007, até porque, se o legislador se preocupou em definir um regime para as acções instauradas antes de 01/01/2008, não tem sentido concluir que um regime idêntico também vale para as acções propostas depois dessa data, além de que a “tradição” dos nossos Diplomas introdutórias de reformas profundas do Processo Civil é tratar a instância de recurso individualizadamente.
[3]Sendo certo que, como respondido ao nº 25 da base instrutória, em 15 de Setembro de 2009, quando a petição inicial deu entrada em juízo (cfr. fls. 70), já tinham decorrido mais de 15 meses sobre o termo do corte dos pinheiros, encontra-se extinto, por caducidade, o direito da A. ao recebimento da importância do preço dos pinheiros que pagou em excesso à R.”.
[4] Pese embora se desconheça qual o montante exacto, dúvidas não restam de que a A. efectuou pagamentos à R., em execução do contrato de compra e venda dos autos, de valor superior ao dos pinheiros que foram objecto daquele negócio jurídico e que foram realmente cortados e entregues à A.
Nessa medida, as prestações pagas a mais, pelo menos, até 12/12/2008, data em que decorreu o prazo de caducidade previsto no artigo 890º do CC são destituídas de causa”.
[5] “[…]

O art. 498º nº 4 do CC diz que a prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.

Se a prescrição do direito de indemnização não inutiliza o exercício da acção de restituição por enriquecimento sem causa, tal como permitido pelo art. 498º nº 4 do CC, o mesmo deve, em princípio, entender-se no caso de caducidade da acção de declaração de nulidade ou de anulação do negócio jurídico e consequente caducidade do direito à restituição das prestações entregues, uma vez que, enquanto o interessado podia usar de alguma destas acções, por força do princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa, não lhe era lícito socorrer-se desta outra.

Porém, esta proibição original cessa, logo que prescreveu ou caducou, o outro meio facultado por lei ao empobrecido para ser indemnizado ou restituído, porque, então, já o artigo 474º deixa de se opor ao exercício da acção de enriquecimento […].

O que acontece, no caso do direito à restituição da diferença de preço, na venda de coisas sujeitas a pesagem, contagem ou medição, é que a extinção do mesmo por caducidade, convalida o próprio contrato.

Nesta sequência, o erro, traduzido na desconformidade entre a quantidade que as partes tiveram em vista quando contrataram, e o real número, peso e medida das coisas vendidas e efectivamente entregues comprovado por verificação posterior, que seria fundamento da redução ou aumento proporcional do preço, deixa de se verificar.

Sendo a anulabilidade, em regra, sanável, seja por confirmação, seja por caducidade do direito de anular […], não faria sentido que, sanada a anulabilidade por esta segunda causa, a parte, ainda ficasse com a possibilidade de recorrer à acção de enriquecimento.

Primeiro porque, por força da extinção do direito à redução ou ao aumento do preço, por caducidade, a deslocação patrimonial correspondente à diferença de preço proporcional à diferença de peso, conta ou medida adquiriu justificação no próprio contrato de compra e venda que, tendo-se convalidado, deve ser cumprido integral e pontualmente, como imposto nos arts. 406º e 762º do CC.

Depois, porque a não ser assim, as razões de ordem pública, atinentes à segurança jurídica que a caducidade visa, seriam totalmente desvirtuadas.

[…]

Ora, se mesmo depois de caduco o direito à redução do preço, a parte ainda pudesse exigi-la, com fundamento em enriquecimento sem causa, a outra parte no negócio ficaria à mercê da vontade do contraente que pagou a mais, em exigir o excesso, em qualquer altura e, nesse caso, nem se justificaria a previsão legal contida no art. 890º do CC que, assim, seria letra morta, ao arrepio dos princípios contidos no art. 9º do mesmo diploma, sobretudo, no seu nº 3.

[…]

Por isso, a A. não tem direito ao recebimento da dita diferença do preço com fundamento em enriquecimento sem causa.

[…]”.
[6] “[…]

É notória a falta de correcção com que a A. procedeu ao corte dos pinheiros, sem a realizar de forma sincopada e sequencial, desde o início até ao fim, descurando, inclusive, o transporte da madeira, permitindo que a mesma secasse e assim reduzisse o seu peso e sem ter criado reais condições para permitir à ré o controle do peso e das quantidades de pinheiros com as medidas previamente especificadas como referências para a fixação dos preços unitários das toneladas de cada um desses tipos de pinheiros, elaborando uns talões de pesagem sem qualquer rigor, tal como já acima referido e ilustrado nas respostas aos nºs 34 a 37 e 17, 38 e 40 a 44 da base instrutória.

E tão mais censurável é este seu comportamento, quanto é certo que, como respondido ao nº 31 da base instrutória, era a própria autora, quem estava em melhores condições para apurar o valor das madeiras que poderiam ser obtidas com o corte dos pinheiros.
[…]

O comportamento da A., nesta vertente de pretender prevalecer-se da omissão da R. em tê-la interpelado para cumprir, para justificar ter estado cerca de três anos, para concluir o corte dos pinheiros que comprou à R., quando ela própria tinha o dever de o ter iniciado em 2005 e, em bom rigor, só o iniciou em Setembro de 2007, seria, até, eventualmente, integrador de abuso de direito, na modalidade de desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, na qual se incluí o exercício danoso inútil.

Convém não esquecer que tanto uma parte, como outra celebraram este contrato de compra e venda tendo por objecto todos os pinheiros resinados existentes nos terrenos da ré, no exercício das suas actividades comerciais.

Ora, a ré, dedica-se, com intuito lucrativo, à exploração agro-pecuária e comércio dos seus produtos, prestação de serviços de agricultura e aluguer de máquinas agrícolas.

Assim sendo, mesmo desconhecendo qual o real propósito da ré, em proceder ao abate florestal das árvores existentes no Foro do Meio, na medida em que esta é uma das propriedades que a ré explora, em prossecução do seu objecto social, a A. não podia ignorar que, quanto mais tempo demorasse em proceder ao corte das árvores, mais comprometeria qualquer destino ou finalidade alternativa que a R. quisesse dar àqueles 200 hectares de terreno e que esse protelamento, poderia fazê-la perder oportunidades de rentabilização dos terrenos, logo, ter prejuízos.

Pretender, agora, camuflar a sua inércia injustificada em proceder ao corte dos pinheiros que comprou à R. e que se comprometeu a cortar, com os factos de que não foi contratualmente fixado prazo para o término do corte, nem foi interpelada para o concluir, é um argumento falacioso e injustificado, segundo o critério de razoabilidade própria do comum das pessoas, considerando que, estando fixado, com mais ou menos grau de precisão, mas o mais tardar após Novembro de 2005, o início desse corte, a A. não precisava de ser lembrada para cumprir.

E o que seria de esperar, à luz dos mais elementares critérios de bom senso, era que o corte dos pinheiros se iniciasse logo no momento contratualmente estipulado para o seu início e fosse levado a cabo, de forma reiterada e contínua, até final, ou seja, até serem retirados todos os pinheiros resinados da tal área de 200 hectares de terrenos da R., com o que ficaria cumprida a obrigação de entrega da coisa vendida e a consequente transmissão do direito de propriedade sobre ela, da esfera jurídica da R., para a da A.
[…]

[L]evar a cabo o corte dos pinheiros, no mais breve período de tempo possível, é que era o que estava de acordo com as finalidades deste negócio jurídico, tal como exarado nas alíneas A) a C) da matéria assente, ou seja, em prossecução de actividades lucrativas directamente relacionadas, no caso da autora, com o corte dos pinheiros e, no caso da ré, a desflorestação dos terrenos.
[…]”.
[7]Foi, pois, defeituosa a execução deste contrato, por parte da A.

Provou-se que, por causa do atraso no corte, e da incerteza sobre o momento em que a A. daria efectivamente início ao mesmo, a ré se viu impossibilitada de dar uso às partes das suas propriedades que estavam afectas ao contrato em análise, com uma área total superior a 200 hectares, por um período de, pelo menos, dois anos e que, não fora essa ocupação, a R. poderia ter dado execução à implementação de um sistema de rega que estava previsto executar logo que terminasse o corte, numa área de 75 hectares, o que lhe permitiria ter arrendado os referidos 75 hectares por um valor anual de cerca de €100.000.00, que era, precisamente, o que a R. pretendia fazer.”.
[8] “[…]

Provou-se que, em Setembro de 2007 o legal representante da A. comunicou ao legal representante da ré que os pagamentos mensais de € 25.000,00 excediam já o valor da madeira existente nos terrenos da R. e que esta, embora reconhecendo que os pagamentos das quantias mensais de € 25.000,00 que lhe eram pagas pela A., desde Abril de 2007, que excediam o valor da madeira de pinheiros que a R. havia vendido à A., exigiu continuar a receber aquelas importâncias monetárias, como forma de ressarcir a ré, pela improdutividade dos terrenos, em virtude de a A. continuar a ocupá-los, sem realizar o corte dos pinheiros que havia comprado à R.

E a verdade é que a A. continuou a pagar à R., aquelas quantias mensais de € 25.000,00 até Janeiro de 2008, o que, de harmonia com as regras de experiência comum, mostra, claramente, que se a A. acedeu em continuar a pagar aquelas quantias de €25.000,00, durante aqueles meses de Setembro de 2007 a Janeiro de 2008, não só já não tinha a convicção a que alude o nº 33 da base instrutória, mas mais do que isso, sabia que já não estava a pagar a madeira adquirida à ré, desde Abril de 2007.

Tendo continuado a efectuar aqueles pagamentos durante mais quatro meses, depois de conhecer os motivos por que a ré exigia continuar a receber, mensalmente, aqueles €25.000,00, foi porque reconheceu a veracidade e a bondade dos argumentos da R.

Ora, esse reconhecimento tácito do direito da R. em receber aquelas quantias, agora, com outro fundamento – o de a indemnizar dos danos emergentes da ocupação dos seus terrenos pela autora, em virtude dos atrasos desta na realização do corte dos pinheiros – tem como reverso, a renúncia da A. ao direito de exigir a restituição do preço pago a mais, pelo que, em bom rigor, a fonte da obrigação do pagamento dos €25.000,00 por mês, pelo menos, no período compreendido entre Abril de 2007, que é o mês, a partir do qual a R. confessou estar a receber € 25.000,00 sem correspondência no valor dos pinheiros que vendeu à A. e que esta tacitamente aceitou, tanto assim, que continuou a realizar esses pagamentos por mais nove meses e Janeiro de 2008, quando a A. deixou de os fazer, deixou de ser o contrato de compra e venda a que aludem as alíneas C) a F) e H) a K) da matéria assente.

Esse fundamento ou fonte da obrigação passou a ser, por acordo tácito entre ambas as partes, a responsabilidade civil da A., pelo atraso na realização do corte dos pinheiros que a R. lhe vendeu.

[…]”.

“[…]

[E]m bom rigor, que, nem é propriamente, por caducidade do direito à restituição do preço pago a mais que a acção improcede, mas antes porque, por acordo tácito entre as partes, as quantias de € 25.000,00 por mês que a A.  pagou à R., entre Abril de 2007 e Janeiro de 2008 correspondem ao montante da indemnização ajustada para ressarcir os prejuízos da ré emergentes da manutenção dos seus terrenos improdutivos, com a consequente renúncia tácita da A. a exigir a redução do preço (porque, na verdade, deixou de ser preço, para passar a indemnização).

[…]”.

“[…]

A verdade é que, mesmo depois de clarificado e assumido por ambas as partes, mediante a exigência expressa de que os mesmos eram devidos para a indemnizar da improdutividade dos seus terrenos que, desde Abril de 2007, já não estava em causa, o preço dos pinheiros, mesmo depois de Setembro de 2007 e até Janeiro de 2008, a R. continuou a receber aqueles €25.000,00.

Ora, as partes podem fixar entre si o quantum indemnizatório para os prejuízos de que reconheçam, uma parte ser a causadora, outra parte, a vítima.

O que o art. 809º do CC proíbe é apenas renúncia antecipada dos contraentes aos direitos emergentes da mora e do incumprimento contratuais, previstos nos preceitos do mesmo diploma […], mas não está vedada a possibilidade das partes fixarem os montantes que entendam adequados ao ressarcimento dos danos emergentes e dos lucros cessantes que reconheçam terem sido provocados por essas formas de incumprimento contratual […].

[…]”.

Tendo resultado da discussão da causa que os danos para cujo ressarcimento a R. formulou o pedido reconvencional são os mesmos que já recebeu da A.

Uma quantia aproximada de €225.000,00, que as partes, na altura, por acordo tácito, legalmente válido e eficaz por se tratar de direitos disponíveis, fixaram para o ressarcimento da manutenção dos terrenos da R  improdutivos, improcede também a reconvenção.

[…]”.



[9] Em qualquer caso, v. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base da DGSI, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[10] Também teria facilitado a leitura dos factos que a Senhora Juíza a quo tivesse numerado ou por qualquer forma identificado no texto da Sentença os diversos trechos desse elenco fáctico.
[11] Estes números, entre parêntese rectos, indicam os diversos itens do rol dos factos indicados neste Acórdão infra no item 2.3.
[12] Que remete para a resposta aos 13, 15, 49 e 50 (fls. 395). À resposta aos quesitos 49 e 50 também se refere a alínea [n].
[13] Trecho da Sentença apelada transcrito na nota 9 supra e texto que para ela remete.
[14] “A revogabilidade mediante recurso é o valor jurídico da sentença (ou decisão) injusta ou ilegal, que haja decidido contra direito […]” (João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, III Vol., ed. policopiada da A.A.F.D.L., Lisboa, 1978/1979, p. 311).
[15] A soma zero” refere-se aqui à manutenção das perdas invocadas por ambas as partes, no respectivo mútuo confronto, no património de cada uma delas, usando, um pouco como metáfora, o conceito da teoria dos jogos e da análise económica: “[…] zero-sum game is a mathematical representation of a situation in which a participant's gain (or loss) of utility is exactly balanced by the losses (or gains) of the utility of the other participant(s). If the total gains of the participants are added up, and the total losses are subtracted, they will sum to zero” (“Zero-sum game” na Wikipedia, em http://en.wikipedia.org/wiki/Zero-sum_game).
[16] Como se intui numa leitura lógica dos artigos 69º e 70º da Contestação a fls. 95/96:
“[…]
69º
A persistência da R. em continuar a receber os €25.000,00 mensais prendia-se com, por um lado, o natural desconhecimento […] do valor das madeiras existentes na propriedade e, por outro,
70º
Com a necessidade de assegurar que o corte seria devidamente efectuado pela A., o que facilmente se compreende, uma vez que o cumprimento desta obrigação […] fora protelado em cerca de dois anos, por razões unicamente imputáveis à A. e que, ao longo desse tempo nunca foram explicadas à R.
[…]”.
Afigura-se-nos óbvio o valor de uma espécie de “caução de boa conduta” que a R. passou a atribuir aos pagamentos e a aceitação pela A., mesmo que por via de comportamento concludente, de continuar a suportar esse encargo, com esse particular sentido.
[17] E a Senhora Juíza a quo explicou essa aparência numa passagem já acima transcrita na nota 9, que aqui repetimos:

[E]m bom rigor, que, nem é propriamente, por caducidade do direito à restituição do preço pago a mais que a acção improcede, mas antes porque, por acordo tácito entre as partes, as quantias de € 25.000,00 por mês que a A.  pagou à R., entre Abril de 2007 e Janeiro de 2008 correspondem ao montante da indemnização ajustada para ressarcir os prejuízos da ré emergentes da manutenção dos seus terrenos improdutivos, com a consequente renúncia tácita da A. a exigir a redução do preço (porque, na verdade, deixou de ser preço, para passar a indemnização).

[…]”.
[18] Utilizamos aqui a caracterização deste tipo de situações feita por Pedro Ferreira Múrias, referindo-se a um confronto em que a incerteza incide sempre, simultaneamente, sobre a verificação de ambas as facti species, como sucederia com pretensões de demarcação dos limites de dois prédios ambas improcedentes (esta a origem da regra salomónica final contida no artigo 1354º, nº 2 do CC, v. Por uma Distribuição Fundamentada do Ónus da Prova, Lisboa, 2000, p. 100).
[19] Subjaz aos artigos 342º do CC e 516º do CPC, a construção teórica chamada “teoria das normas”. Tal teorização tem origem nos trabalhos do processualista alemão Leo Rosenberg (1879-1963), no início do Século XX, e já foi qualificada como “direito consuetudinário mundial”, assentando na consideração “[…] de que nenhuma norma pode ser aplicada sem que o juiz se convença da verificação de todos os seus pressupostos [, extraindo-se] daí que a recusa de aplicação sucederá tanto quando o juiz se convença da não verificação de um ou mais dos elementos da facti species (Tatbestand) da norma a aplicar, quanto quando o juiz não se convença quanto à sua não verificação. Quer isso dizer, então, que «a parte cuja pretensão processual não pode ter sucesso sem a aplicação de determinada norma jurídica suporta o ónus da alegação e da prova de que os elementos da facti species dessa norma se verificaram de facto na situação» […]” (Pedro Ferreira Múrias, Por Uma Distribuição Fundamentada do Ónus da Prova, cit. pp. 18 e 43/44).
[20] Continuamos a utilizar conceitos tomados na caracterização que deles faz Pedro Ferreira Múrias, no Estudo citado nas duas antecedentes notas (v. as respectivas pp. 105/109).
[21] Pedro Ferreira Múrias, Por Uma Distribuição Fundamentada…, cit., pp. 106 e 112/113. Estamos a referir-nos, obviamente, a critérios de decisão estruturados para o non liquet probatório.
[22] Estes números, entre parêntese rectos, indicam os diversos itens do rol dos factos indicados neste Acórdão, infra no item 2.3.
[23] Que remete para a resposta aos 13, 15, 49 e 50 (fls. 395). À resposta aos quesitos 49 e 50 também se refere a alínea [n].
[24] “Eu creio que sim [receberia folhas de pesagem, não os talões] eu não tinha controlo, eu até de noite encontrei camionetas a carregar, só depois é que vinha o encarregado da M… dizer isso”, e tudo isto num quadro em que este depoente refere e ilustra a sua absoluta falta de controlo sobre a operação de corte.
[25] Só no início o legal representante da R. ia buscar os talões, depois deixou de os ir buscar mas ela tinha-os lá para ele. Isto mais não é que disponibilizar, que é o que, em homenagem à precisão, se diz na resposta. Note-se que esta testemunha admitiu que a M… não soubesse os pesos exactos, “porque eu é que lá os tinha”).
[26] Entre outras, a testemunha …, cuja empresa realizou o corte de 75 a 80% da madeira, segundo referiu, que o proprietário “de vez em quando passava lá”, “andava lá um senhor, mas não era diário”, e “nunca assistiu a pesagens [o proprietário]”. Intui-se deste depoimento que a ideia de controlo pela R. (sem esquecer que ocorreram transportes nocturnos de madeira) correspondia a um controlo muito irregular e limitado que justifica amplamente o elemento restritivo da resposta, afastando as críticas da A./Apelante. Foi esta testemunha que descreveu e contextualizou o tipo de madeira retirada do terreno (em interrogatório intermédio pela Senhora Juíza).
[27] A respeito deste depoimento (e este aspecto apresenta relevância no entendimento geral que aqui fazemos do depoimento de …) importa ter presente não existir qualquer proibição absoluta de valoração incidências de um depoimento de parte que não correspondem, em rigor, a elementos confessórios. Referimo-nos à valoração do que o depoente diga e que não constitua propriamente confissão, trate-se de declaração favorável ao depoente ou de declaração não confessória mas relevante para a compreensão pelo juiz do litígio. Esta questão é desenvolvidamente tratada por João Paulo Remédio Marques (“A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des)Favoráveis ao Depoente ou à Chamada a Prestar Informações ou Esclarecimentos”, in Julgar, nº 16, Janeiro/Abril 2012, pp. 137/172): “[n]ão há que extrair qualquer proibição de prova da Constituição, no que tange às declarações da parte sobre factos que lhe sejam favoráveis; nem há que as julgar totalmente irrelevantes” (sublinhado acrescentado). 
[28] Enquadra-se este controlo nos parâmetros reportados à matéria de facto assinalados no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/07/2014 (Gabriel Catarino), proferido no processo nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2aa23bdc04fd755a80257d0900355bc7:
“[…]
I - O legislador exige que o recorrente seja meticuloso, incisivo e concernido na forma como impugna a decisão de facto, impondo-lhe a especificação dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes e existentes no processo, que impõem decisão factual diversa, exigindo, também, que o tribunal de recurso seja meticuloso e consciencioso no momento em que procede à reapreciação da prova.
II - À 2.ª instância cabe proceder ao julgamento da decisão de facto por forma a corrigir erros de julgamento patentes nos tribunais de 1.ª instância, mas dentro de limites que não podem exacerbar ou expandir-se para além do que a lei comina.
III - Não podendo o julgamento a que o tribunal de recurso procede redundar num novo e total julgamento da causa, não deixa de ser menos verdade que, tal como o legislador entendeu dever regular o recurso da decisão de facto – cf., v.g, arts. 690.º-A e 522.º-C, do CPC, na redacção emergente do DL n.º 303/2007, de 24-08 –, não pode esse tribunal eximir-se à reapreciação da prova, escoltado e respaldado numa ausência de indicação expressa das passagens das gravações em que se encontrem registados os depoimentos que impõem decisão diversa.
[…]”.
[29] V. quanto à definição de actos de comércio subjectivos (2ª parte do artigo 2º do CCom) António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, 2ª ed., Coimbra, 2007, pp. 200/204. É aqui claro que a venda e a compra de madeira por empresas com os objectos sociais aqui em causa sempre expressam actos categorialmente comerciais, não sendo de natureza exclusivamente civil e o contrário da comercialidade não resulta do próprio acto. Resulta do próprio acto, isso sim, a recondução deste aos objectos comerciais de cada uma das empresas.
[30] “A compra e venda comercial funciona como efectivo contrato mercantil especial: ela pressupõe, subjacente, o regime civil, limitando-se a estabelecer especialidades. Cumpre ainda salientar que o sistema de compra e venda comercial foi fixado com referência ao Código de Seabra. Parte das suas normas perdeu hoje razão de ser: o Código Civil de 1966 veio estabelecê-las com generalidade.
[…]” (António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, cit., p. 833).
[31] Direito das Obrigações, Vol. III, 3ª ed., Coimbra, 2005, p. 75.
Sem realizar esta distinção, mas sujeitando a compra e venda prevista no artigo 472º do CCom “[…] às normas previstas para a figura civil homónima (artigos 887º a 891º do CC […]”, v. José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Coimbra, 2009, p. 356.
[32] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, cit., p. 90 e nota 202.
[33] “Deixa […] de ser genérica e passa a ser específica a obrigação, se a determinação da prestação estiver dependente apenas de um acto de contagem pesagem ou medição” (Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil anotado, Vol. I, 4ª ed., Coimbra, 1987, p. 549).
Como refere Luís Manuel Teles de Menezes Leitão:
“[…]
[O artigo 539º] significa que a prestação se encontra determinada apenas por referência a uma certa quantidade, peso ou medida de coisas dentro de um género, mas não está ainda concretamente determinado quais os espécimes daquele género que vão servir para o cumprimento da obrigação.
[…]” (Direito das Obrigações, Vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2005, p. 132).
[34] Num aparte ora introduzido na citação, através de uma nota obviamente ausente do texto, sublinhamos ser este o sentido do argumento utilizado na Sentença apelada quanto à convalidação do contrato de compra e venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição por via da caducidade decorrente do artigo 890º, nº 1 do CC, sendo este elemento – a convalidação do contrato mesmo sem a compensação prevista no artigo 889º do CC, que levou a Senhora Juíza a quo a excluir a aplicação (adaptada à caducidade) do nº 4 do artigo 498º do CC, afirmando – e essa asserção será controlada adiante neste Acórdão – a inaplicabilidade do enriquecimento sem causa, em função da natureza subsidiária do enriquecimento (artigo 474º do CC), não obstante a caducidade (v. as transcrições da Sentença efectuadas na nota 6 supra).
[35] Direito das Obrigações, Vol. III, cit., pp. 75/76.
[36] V. a definição deste em Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, cit, p. 395.
[37] O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Coimbra, 2005, pp. 916/917. No mesmo sentido – prescrito ou caducado o direito principal, não é accionável a situação com base no princípio do enriquecimento sem causa – v. Diogo José Paredes Leite de Campos, A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento, Coimbra, 1974, pp. 421/424 e nota 3 na p. 422.
[38] E note-se que, na economia decisória da Sentença de primeira instância, que esta Relação aqui confirma, aquilo que corresponderia ao tal “excesso de preço” (v. os pontos [52] e [53] dos factos), seria algo próximo (eventualmente correspondente com exactidão mesmo) do valor dos prejuízos invocados e demonstrados pela R./Reconvinte, sendo neste aspecto que acabou por se sustentar o resultado global da acção na tal “soma zero” antes referida.
Foi com este sentido, aliás, que a Senhora Juíza a quo acabou por “confessar” a fls. 511 que, “[…] em bom rigor […] nem é propriamente por caducidade do direito à restituição do preço pago a mais que a acção improcede, mas antes porque, por acordo tácito entre as partes, as quantias de €25.000,00 por mês que a A. pagou à R., entre Abril de 2007 e Janeiro de 2008 correspondem ao montante da indemnização ajustada para ressarcir os prejuízos da R. emergentes da manutenção dos seus terrenos improdutivos, com a consequente renúncia tácita da A. a exigir a redução do preço (porque, na verdade, deixou de ser preço para passar a ser indemnização)”.
[39] V. João Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 12ª ed., Coimbra, 2007, p. 267.
[40] O próprio representante legal da R., José Manuel Drummond de Oliveira e Sousa reconheceu no seu depoimento de parte que em Abril de 2007 a “madeira já estava toda paga” (cerca do minuto 19), sendo o que foi pago a seguir para cobri o prejuízo da ocupação do terreno, como correctamente se incluiu na assentada de fls. 275.
[41] V., a este respeito, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Coimbra, 2010, pp. 729/730.
[42] V. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/11/2012 (Lopes do Rego), proferido no processo nº 110/2000.P3.S1, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/725427716e2905a680257abf004f4568.
Sumário:
“[…]
Na actividade de alegação e prova dos factos relevantes para se aferir, já não da existência jurídica do direito de indemnização, mas do objecto, conteúdo e montante concreto da obrigação de indemnizar -nomeadamente para aplicação dos cálculos informadores da teoria da diferença contida no art. 566º, nº2, do CC - recai sobre o lesante o ónus de alegar e provar os factos, favoráveis à oposição ou contestação que deduziu, que são determinantes de uma redução do valor normal da indemnização pretendida pelo lesado – nomeadamente, os que estão subjacentes ao instituto da compensatio lucri cum damno, provando quais as concretas vantagens que o lesado teria auferido em consequência do facto danoso, determinantes de uma redução do valor indemnizatório peticionado.
[…]”.