Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
83/08.5JAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: AUDIÊNCIA COM ARGUIDO AUSENTE
NOTIFICAÇÃO DA SENTENÇA
PRAZO DE RECURSO
Data do Acordão: 03/21/2012
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA (CÍRCULO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEITADA
Legislação Nacional: ART.º 113º, N.º 9 E 333º, N.º 5, DO C. PROC. PENAL
Sumário: 1. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 113º, n.º 9 e 333º, n.º 5, do C. Proc. Penal, nas situações previstas nos n.ºs 2 e 3, do último dos normativos referidos, decorrendo a audiência de julgamento na ausência do arguido, este deve ser notificado da sentença condenatória, não se iniciando o prazo para a interposição do recurso pelo mesmo antes dessa notificação.
2. A notificação da sentença ao arguido, nos específicos casos previstos no n.º 5, do artigo 333.º, deve assumir natureza pessoal.

3. Na eventualidade de o mandatário/defensor interpor recurso da sentença condenatória proferida contra arguido, ausente na audiência de discussão e julgamento, antes deste da mesma ter sido notificado, não deve o recurso ser objecto de admissão e, nesse caso, de conhecimento pelo tribunal superior.

Decisão Texto Integral: I. Relatório:

1. No Círculo Judicial da Guarda, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, os arguidos:

- A..., residente no … , na Guarda;

- B..., residente no …, em Celorico da Beira; e

- C..., residente na Rua …, na Guarda,

pronunciados pela prática dos seguintes crimes:

a) O arguido A...,  em co-autoria e na forma consumada, de um crime de extorsão, p. e p. pelo artigo 223.º, n.º 1, do Código Penal, em concurso efectivo com um crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos  154.º, n.ºs 1 e 2, 155.º, n.º 1, alínea a), 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal;

b) O arguido B..., em co-autoria e na forma consumada, de um crime de extorsão, p. e p. pelo artigo 223.º, n.º 1, do Código Penal, em concurso efectivo com um crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, 155.º, n.º 1, alínea a), 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal; e

c) O arguido C..., em co-autoria e na forma consumada, de um crime de extorsão, p. e p. pelo artigo 223.º, n.º 1, do Código Penal.


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2. D…, admitido a intervir no processo com a qualidade de assistente, deduziu pedido de indemnização cível contra os arguidos, pedindo a condenação de cada um deles nos seguintes termos:

- dos demandados A... e B..., a pagarem-lhe, solidariamente, o montante de € 150 correspondente ao prejuízo patrimonial do dia 10 de Maio de 2010;

 - dos demandados A... e B..., a pagarem-lhe, solidariamente, o montante de € 150 correspondente ao prejuízo patrimonial do dia 10 de Maio de 2010;

- dos demandados A... e  C... a pagarem-lhe, solidariamente, o montante de € 150 correspondente ao prejuízo patrimonial do dia 5 de Agosto de 2010;

- do demandado B…, a pagar-lhe o montante de € 75 correspondente ao prejuízo patrimonial do dia 9 de Maio de 2010;

- dos demandados A..., B...e C..., a pagarem-lhe,  cada um deles, o montante de € 2500,00  a título de danos não patrimoniais.

Alega, para tanto, que os arguidos, com as várias actuações que descreve, traduzidas na prática de crimes, lhe causaram danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos que também enuncia. 


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3. Realizada a audiência de julgamento - na ausência dos arguidos A... e C..., não obstante contra os mesmos terem sido emitidos mandados de detenção, nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 2, do Código de Processo Penal -, por acórdão de 13 de Outubro de 2011, o tribunal colectivo proferiu decisão deste teor:

a) Absolveu o arguido B... da prática do crime de extorsão, p. e p. pelo artigo 223.º, n.º 1, do Código Penal, e do crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, 155.º, n.º 1, alínea a), 22.º, 23.º e 73.º, todos do referido diploma legal, que lhe vinham imputados;

b) Absolveu o arguido C... da prática do crime de extorsão, p. e p. pelo artigo 223.º, n.º 1, do Código Penal, que lhe vinha imputado;

c) Absolveu o arguido A... da prática do crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, 155.º, n.º 1, alínea a), 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal, que lhe vinha imputado;

d) Condenou o arguido A..., pela prática de um crime de extorsão, p. e p. pelo artigo 223.º, n.º 1, do Código Penal,  na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

e) Declarou perdidos a favor do Estados os objectos (dois pólos) apreendidos nos autos, determinando a sua destruição;

f) Quanto ao pedido de indemnização cível deduzido por D…:

- julgou-o totalmente improcedente em relação a C... e B... e, em consequência, dele absolveu os referidos demandados;

 - julgou-o parcialmente procedente no que respeita a A...  e, em consequência, condenou este demandado a pagar ao demandante o montante de € 200 (duzentos euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e € 250 (duzentos e cinquenta euros)  a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a decisão até integral pagamento.


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4. Do acórdão, do qual o arguido A... ainda não foi notificado, foi interposto recurso subscrito pelo seu Advogado, com os fundamentos que constam de fls. 709/713 destes autos.

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5. Apenas o Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso (cfr. fls. 742/745).

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6. O recurso foi admitido, por despacho de fls. 750.
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7. Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, louvando-se na resposta ao recurso apresentada pelo M.º P.º no tribunal de 1.ª instância, elaborou parecer, a fls. 760, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.
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8. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º, do Código de Processo Penal, quer o arguido quer o demandante não exerceram o seu direito de resposta.
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II. No exame preliminar do processo, o relator pronunciou-se no sentido da existência de uma circunstância que obsta ao conhecimento do recurso já interposto nos autos.

Vejamos:

Como já acima ficou dito, do acórdão proferido pelo tribunal colectivo de 1.ª instância apenas foi notificado o Mandatário do arguido A....

No que a este diz respeito, conforme se colhe de fls. 717 v.º, a solicitação, à PSP da Guarda, traduziu-se em “certidão negativa”, com o seguinte conteúdo: «certifico que, tendo procurado a pessoa a notificar, na morada indicada, não me foi possível proceder ao acto por nunca a ter encontrado. Mais certifico que a última tentativa de a encontrar foi feita no dia 07-12-2001, às 22h00. Fui informado que o notificando já ali não reside, sendo desconhecido o seu actual paradeiro».

Ora, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 113.º, n.º 9 e 333.º, n.º 5, do CPP, nas situações previstas nos n.ºs 2 e 3 do último dos normativos referidos, decorrendo a audiência de julgamento na ausência do arguido, este deve ser notificado da sentença condenatória, não se iniciando o prazo para a interposição do recurso pelo mesmo antes dessa notificação.

Seguindo de muito perto a recente decisão sumária proferida neste Tribunal da Relação em 08-02-2012, no âmbito do processo n.º 161/03.7GAMIR.C2 (publicada em www.dgsi.pt), afigura-se-me incontroverso que a notificação da sentença ao arguido, nos específicos casos previstos no n.º 5 do artigo 333.º, deve assumir natureza pessoal[1].

O que se pode questionar é se, na eventualidade de o mandatário/defensor interpor recurso da sentença condenatória proferida contra arguido, ausente na audiência de discussão e julgamento, antes deste da mesma ter sido notificado, deve o recurso ser objecto de admissão e, nesse caso, de conhecimento pelo tribunal superior.

Diversamente da posição assumida, em sentido positivo, por Paulo Pinto de Albuquerque[2], entendemos que não.

Efectivamente, as razões determinantes da exigência legal de notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor radicam na necessidade de garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar ao segundo todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se recorre ou não e os termos em que impugna.

Além disso, no campo das hipóteses, uma vez notificado da sentença, pode o arguido cortar a ligação antes estabelecida, por via do mandato conferido ou da nomeação oficiosa, com o mandatário  já constituído ou com o defensor que lhe fora nomeado, conferindo a sua defesa, alargada à interposição de recurso, a diversa individualidade.

Assim, tendo por referência o princípio do direito de defesa constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, louvamo-nos nas considerações dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, deste teor[3], «o termo inicial do prazo do trânsito em julgado da sentença resultante de audiência, inclusive a leitura, que decorreu sem a presença do arguido só começa a correr com a sua notificação ao próprio, o que significa que o recurso que tenha sido interposto pelo seu defensor não pode ser admitido, por manifesta intempestividade».

O mesmo entendimento foi assumido no Ac. da Relação do Porto n.º 1349/06.4TBLSB, onde ficou referido: «… No caso de julgamento na ausência do arguido … (artigo 333.º, do CPP), o prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da notificação da sentença ao arguido. Este prazo é peremptório …, estabelece o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem) …; é extemporânea a interposição do recurso pelo defensor antes de realizada a notificação da sentença ao arguido …».

Em síntese conclusiva: não obstante o recurso em causa ter sido (prematuramente) admitido no tribunal a quo, ocorre, como acima ficou dito, uma circunstância obstativa do conhecimento do mesmo, qual seja a de o arguido, julgado na sua ausência, nos termos supra expostos, não estar notificado do acórdão condenatório, sendo ainda certo que, nos termos do disposto no artigo 414.º, n.º 3, do CPP, o despacho que o admitiu não é vinculativo para este Tribunal da Relação.


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III. Posto o que precede, decide-se não tomar conhecimento do recurso, por ser prematura a sua apreciação, em consequência de o arguido A... não estar ainda notificado do acórdão proferido neste processo.

Sem tributação.


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Alberto Mira (Relator)


[1] Cfr., v. g., Acs. do TC n.ºs 312/05 e 422/05, in www.tribunalconstitucional, da Relação do Porto de 21-02-2007 (proc. n.º 0646069), da Relação de Coimbra de 26-09-2007 (proc. n.º 255/01-1PBTMR-A.C1) e da Relação de Guimarães de 10-03-2003, os dois últimos publicados no sítio www.dgsi.pt.
[2] In Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 821.
[3] In Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas, Coimbra Editora, págs. 832/833.