Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
998/16.7T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO – BANCO DE PORTUGAL.
PODERES DE SUPERVISÃO.
MEDIDAS DE RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – INSTÂNCIA CENTRAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 139º E 145º- DO RGICSF
Sumário:
I – Ao Banco de Portugal, enquanto entidade de supervisão, são cometidos poderes para aplicação das medidas “tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro”, exigindo-se que a adoção dessas medidas seja norteada e sujeita “aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como a gravidade das respectivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.”(cfr. art. 139.º do RGICSF).
II - No art. 145.º-A do RGICSF (que estabelecia as finalidades das medidas de resolução) dizia-se que “o Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal, as medidas previstas no presente capítulo, com o objectivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades: a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais; b) Acautelar o risco sistémico; c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público; d) Salvaguardar a confiança dos depositantes.
III - No artigo 145.º-B do RGICSF (sobre o princípio orientador da aplicação de medidas de resolução), dizia-se que “na aplicação de medidas de resolução, procura assegurar-se que os accionistas e os credores da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa, de acordo com a respectiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe de credores
IV - No art. 145.º-C do RGICSF (sobre a aplicação de medidas de resolução) dizia-se que, “quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade, o Banco de Portugal pode aplicar as seguintes medidas de resolução, se tal for indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no artigo 145.º-A: a) Alienação parcial ou total da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa; b) Transferência, parcial ou total, da actividade a um ou mais bancos de transição.”
V - No art. 145.º-G do RGICSF (sobre a transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição) dizia-se que “o Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa”; que “o banco de transição é constituído por deliberação do Banco de Portugal, que aprova os respectivos estatutos”; que “após tal deliberação o banco de transição fica autorizado a exercer as actividades previstas no n.º 1 do artigo 4.º
VI - Ou seja, resulta de tais preceitos legais que ao BP, enquanto autoridade de supervisão, incumbe a adopção das medidas necessárias à salvaguarda da instituição de crédito, dos depositantes e do sistema financeiro, devendo aplicar as medidas que forem consideradas adequadas e proporcionais, no que lhe é dada ampla liberdade de decisão Poderes que resultam também da Directiva da Resolução e Recuperação Bancária, transposta em parte pela Lei nº 23-A/15, de 26-3, em vigor desde 31-3-15. Nos termos desta Directiva, pode a entidade de resolução transferir a totalidade ou parte dos activos, direitos ou passivos para uma instituição de transição, tendo como princípios orientadores o interesse público e a estabilidade do sistema financeiro, ainda que dessa transferência parcial de activos, direitos e passivos possam resultar prejuízos para credores ou possa sair afectada a igualdade de tratamento dos credores dentro de uma mesma categoria (desde que tal seja justificado, tendo em conta os princípios orientadores da referida directiva, acima referidos entre outros).; visando-se com tais medidas salvaguarda a solidez e estabilidade financeira do sistema financeira (evitando o risco sistémico), os interesses e a confiança dos depositantes e os interesses dos contribuintes; estando expressamente prevista a medida (de resolução) tomada e a faculdade de serem seleccionados activos, direitos e passivos a serem transmitidos para o banco de transição e a faculdade de retransmissão destes mesmos activos ou passivos, desde que tais decisões sejam norteadas pela tutela do interesse público, do sistema financeiro e dos depositantes.
VII - Como referimos, as deliberações em causa do BP – que assumem a natureza de actos normativos regulamentares, vigorando em pleno na ordem jurídica enquanto não forem revogadas/anuladas (e não há notícia nos autos de que o tenham sido) – só por via administrativa são/eram impugnáveis, o que, porém, não significa que o modelo legal em que se basearam não possa ser aqui apreciado do ponto de vista da sua constitucionalidade material.
VIII - A (urgente) medida de resolução tomada – intervenção e posterior liquidação do B... e criação dum Banco de Transição – foi determinada pela verificação da deterioração grave da situação financeira e prudencial do B..., o que colocava em causa quer o B... quer a estabilidade do sistema financeiro nacional; e não era nada seguro (especialmente, à época) que a simples revogação da autorização ao B... e a sua imediata entrada em liquidação fosse uma solução mais favorável (ou “menos desastrosa”).
IX - Sendo a medida de resolução estritamente necessária, não podia o BP, como autoridade de supervisão, na interpretação/aplicação do RJICSF, deixar de escolher os activos e passivos a transferir, como o fez; e as escolhas tinham, naturalmente, que concretizar uma “medida de resolução” eficaz, não podendo beneficiar determinados credores em detrimento de outros, ou, mais exactamente, não podia permitir que credores de uma mesma categoria fossem tratados de forma diferente no âmbito da medida de resolução.
X – É totalmente compreensível – na ponderação dos interesses em confronto – que, no critério de “escolha” (das deliberações do BP), se haja afastado do Banco de Transição tudo o que constituísse responsabilidades e contingências ainda não determinadas, pelo que o deliberado não assentou em interpretações/aplicações feridas de inconstitucionalidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório
M..., residente em S..., França (e, quando em Portugal, na rua do C...) instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra o Banco E..., S.A. e o Banco C..., S.A., ambos com os sinais dos autos, pedindo que os mesmos sejam “(…) condenados solidariamente a pagar-lhe a quantia de € 1.089.443,50, correspondente (i) ao capital investido e (ii) aos juros contratuais capitalizados (€1.028.872,55), a que acrescem (iii) juros de mora vencidos desde 22.06.2015, sobre €114.037,86, desde 13.02.2015, sobre €15.952,97, desde 18.01.2016 sobre € 25.577,33, desde 20.10.2014 sobre € 311.068,74, desde 23.05.2016 sobre € 562.235,65, os quais, na presente data ascendem a € 30.571,00, e aos vincendos, à taxa supletiva legal, até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia €30.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos (v) juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, com todas as consequências legais”.
Alegou, para tal, em síntese:
É emigrante em França, desde 1969, e tinha, há mais de 30 anos, com o seu falecido marido, conta bancária na agência de V... do Banco B..., conta em que, ao longo da vida, foi depositando o seu dinheiro; conta onde, nos anos de 2013 e 2014, subscreveu, induzida em erro pelo seu gestor de conta (...) e convencida que se tratavam (de novas designações) de depósitos bancários (depósitos a prazo, com capital garantido e sem qualquer risco), os produtos bancários identificados na PI (top renda 6, top renda 7, poupança plus 5, poupança plus 6 e eg premium, produtos financeiros complexos – acções preferenciais), em que aplicou capital no valor € 965.200,00.
Entretanto, como é do domínio público, o Banco de Portugal, por deliberação de 03/08/2014, tomou medida de resolução do B..., criando, como banco de transição o Banco C..., transferindo para este um conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do B..., “nos quais se incluem a conta bancária e todos os activos, bens e direitos à mesma associados, pertencentes à A.”; tendo inclusivamente sido efectuadas provisões para assumir tais compromissos e obrigações, razões pelas quais as obrigações assumidas pelo B... (e decorrentes da subscrição dos referidos produtos financeiros) transitaram para o C..., que está “na obrigação de assumir as responsabilidades inerentes aos produtos comercializados pelo B..., sendo que, no limite, o não pagamento e ressarcimento dos clientes do B... que subscreveram os produtos em causa corresponderá a um enriquecimento ilícito e injustificado do C..., ao avocar aquela provisão para si, afectando e aplicando tai verbas a outros fins que não aqueles para que foram criadas e afectadas inicialmente” Art. 108.º da PI.
Porém, nem o B... nem o C... (este obrigado pelas deliberações de transferência do Banco de Portugal de 03/08/2014 e de 11/08/2014 e pelas provisões) lhe devolveram, quer os montantes depositados (€ 965.200,00), quer os juros convencionados (63.672,55€), nem os títulos que, alegadamente, o B... terá adquirido com o dinheiro aplicado; situação que lhe causou e causa grande e permanente agitação, nervosismo, ansiedade e desespero (uma vez que estão em causa as poupanças de toda uma vida, esforçada e poupada, de trabalho), reclamando, pela compensação de tais danos não patrimoniais, uma compensação não inferior a 30.000,00€.

Contestaram os RR., separadamente.
O B..., com fundamento em, entretanto, lhe ter sido, por deliberação do BCE de 13/07/2016, revogada a autorização para o exercício da actividade bancária, o que equivale à declaração de insolvência e à sua subsequente liquidação judicial, a requerimento do Banco de Portugal, o que foi feito e está a acontecer (em processo distribuído à 1.ª secção do T. de Comércio de Lisboa – processo n.º 18588/16.2T8LSB), requereu – em virtude do crédito da A. ter que ser contra si necessariamente reclamado em tal processo (cfr. art. 128.º e 90.º do CIRE) – a extinção da instância, quanto a si, por inutilidade superveniente da lide ou, se assim não se entender, por ainda (à data da contestação do B...) estar a decorrer o prazo de recurso da deliberação do BCE, a suspensão da instância até tal deliberação se tornar definitiva.
Quanto ao mais, quanto à A. haver sido enganada, ludibriada e insuficientemente informada das características dos produtos financeiros que subscreveu, impugnou a alegação da A. e concluiu pela improcedência do pedido contra si formulado.

O C..., sustentando que “ (…) pelas alegadas responsabilidades aqui em causa, a existirem, o que se concebe sem conceder, integram passivos que não foram transferidos do B... para o C... (…) Art. 20.º da sua contestação.”, inexistindo “(…) dúvida alguma de que as responsabilidades imputadas nos presentes autos ao C... não foram transmitidas para este, por força do disposto na subalínea (vii) da alínea (b) no n.º 1 do Anexo 2 à deliberação do BP de 03/08/2014, na versão consolidada da deliberação “Perímetro” de 29/12/2015 Art. 21.º da sua contestação.; além de que resulta das várias deliberações do BP que este afastou da transmissão para o C... todas as responsabilidades ou contingências desconhecidas e decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, fiscais, penais ou contra-ordenacionais.
Pelo que, sendo pacífico que está a ser responsabilizada por “passivos excluídos” da transferência do B... para o C..., não é parte da relação material controvertida, devendo ser julgada parte ilegítima e absolvida da instância; ou, então, assim não se entendendo, uma vez que não é responsável por tais passivos, terá que ser absolvida do pedido.
Quanto ao mais, quanto à A. haver sido enganada, ludibriada e insuficientemente informada das características dos produtos financeiros que subscreveu, impugnou a alegação da A. (aduzindo factos tendentes a demonstrar que ela conhecia e foi informada dos produtos financeiros que subscreveu) e concluiu, também com tal fundamento, pela improcedência do pedido contra si formulado.

Foi designado dia para audiência preparatória, no âmbito da qual a A. respondeu, longamente, opondo-se, à inutilidade superveniente suscitada pelo B... e à ilegitimidade suscitada pelo C...
Após o que, entendendo o Exmo. Juiz que o processo/pedido estava em condições de ser já conhecido, proferiu sentença em que:
- Declarou a total regularidade da instância – julgando improcedente a excepção de ilegitimidade suscitada pelo C... – estado em que se mantém;
- Declarou verificada em relação ao R. B... a inutilidade superveniente da lide, julgando extinta a instância em relação ao R. B...;
- Julgou a acção improcedente em relação ao R. C..., absolvendo-o do pedido.

Inconformada com tal decisão, interpõe a A. o presente recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que, em relação ao R. B... não declare a inutilidade superveniente da lide e que, em relação a ambos os RR., “(…) ordene o prosseguimento dos autos, altere a matéria de facto, declare as nulidades e as inconstitucionalidades invocadas”.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
(…)
Ambos os RR. responderam, separadamente, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida as normas referidas pela A/apelante, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
Entretanto, estando em curso uma “solução comercial” que poderia colocar termo ao litígio, requereu a A. a suspensão da instância, suspensão que, tendo obtido a concordância dos RR., foi deferida.
Após o que a A., tendo chegado a “Acordo” com o C..., quanto ao capital aplicado nos produtos top renda 6, top renda 7, poupança plus 5 e poupança plus 6, veio requerer a homologação de tal acordo ou, caso assim não se entenda, a extinção da instância por inutilidade superveniente quanto a tais produtos, “prosseguindo os autos no que se refere aos produtos Egpremium, pelo pedido remanescente de € 581.301,55”.
Posteriormente veio ainda a A. desistir do recurso quanto à parte em que a decisão recorrida extinguiu a instância em relação ao B..., por inutilidade superveniente.
Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
II – Fundamentação de Facto
Estão provados os seguintes factos:
...
III – Fundamentação de Direito
Nas suas extensas conclusões, supra transcritas, a A./apelante suscita, em síntese, as seguintes questões:
Começa (conclusões I a XXVIII) por divergir da decisão de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, em relação ao B...; após o que sustenta (conclusões XXIX a XXXVI) que, seja como for, a causa de tal inutilidade não lhe é imputável, pelo não devia ter sido condenada nas respectivas custas.
Entretanto, como consta do relato inicial, veio a A. desistir do recurso quanto à parte em que não se conformava com o decidido quanto à extinção da instância, em relação ao B..., por inutilidade superveniente; o que significa que restringiu o objecto inicial do recurso e que tal parte da decisão – sobre a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, em relação ao B... – se consolidou nos autos e que já não faz parte (e não será apreciada) do objecto da apelação; resta a divergência quanto à condenação nas custas respectivas, que será, em conjunto com a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, apreciada a final.
Mais à frente, suscita, a propósito dos factos fixados na sentença recorrida, uma série de questões:
Nas conclusões XCI a CV, a nulidade por falta de fundamentação e de motivação da decisão de facto;
Nas conclusões CVI a CXII, a contradição e ambiguidade na decisão da matéria de facto;
Nas conclusões CXIII a CXVI, a contradição entre factos provados e não provados.
Nas conclusões CXXVIII a CXXXXIX, a alteração dos factos constantes das alíneas b) e l) dos factos provados e dos factos constantes das alíneas a), b) e c) dos factos não provados.
Vejamos:
Importa começar por referir que o relevo de tais questões está subordinado à posição defendida pela A/apelante na questão, também suscitada (e central), de saber se as aplicações subscritas pela A. são ou não “passivos excluídos” da transferência determinada pelo Banco de Portugal do B... para o banco de transição que o C... é; pelo que, embora o juiz/tribunal – e estamos a referir-nos tanto à 1.ª Instância como ao presente acórdão – deva conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, a verdade é que estão “exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, como consta do art. 608.º/2 do CPC.
Concretizando um pouco mais:
Diz a A. que não foi dada satisfação às obrigações decorrentes dos art. 154º, 607º do CPC e 20º e 205º da CRP, tendo sido violado o dever de fundamentação; que não se elencaram todos os factos provados e não provados; que são inúmeros os factos alegados pela A. que não foram atendidos – como é o caso dos alegados nos artigos 5º a 14º, 17º a 27º, 37º, 39º a 96º, 99º a 124º, 130º a 133º, 135º, 138º a 143º, 148º, 160º a 168º, 172º a 175º, 181º a 201º da PI e 61º a 71º, 73º, 83º a 88º da resposta às excepções apresentada em audiência prévia – desconhecendo-se se foram considerados provados ou não provados e, em qualquer dos casos, por que motivos; que tal omissão constitui nulidade da decisão, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC e corresponde à omissão do cumprimento do dever (contido no artº 205º, nº 1 da CRP) que impende sobre o juiz de indicar as razões de facto e de direito que sustentam a sua decisão; e que se omitiu em absoluto a motivação da decisão da matéria de facto, uma vez que a decisão recorrida se bastou com mera alusão à vasta prova documental junta aos autos, o que, segundo a A/apelante, não constitui fundamentação alguma.
Sem razão, ou melhor, isto só poderia fazer algum sentido se, de acordo com o direito substantivo, ao caso aplicável, os factos omitidos tivessem relevo jurídico para o desfecho da causa; e, como veremos mais à frente, o que foi omitido – não se ter o tribunal pronunciado sobre se se provou ou não provou a maior parte da alegação da A. – não releva, com todo o respeito por opinião diversa, para a solução jurídica dos autos/recurso.
É (quase) sempre assim: há sempre alegações factuais das partes que o tribunal não elege para o elenco dos factos essenciais (a que se refere o art. 607.º/4 do CPC), uma vez que, repete-se, o tribunal só deve dar como provado ou não provado o que for essencial e relevante, sendo que o único critério de relevância é o direito aplicável.
E isto – a irrelevância dos factos não incluídos no elenco dos factos provados e não provados – é algo que há-de resultar da própria discussão e raciocínio jurídico da sentença Se não resulta da sentença – sendo os factos mesmo irrelevantes – por esta não estar suficientemente fundamentada, do ponto de vista jurídico, nem sequer haverá nulidade de fundamentação; ao invés, se os factos omitidos forem, como sustenta a A., relevantes, estaremos antes perante a questão suscitada nas conclusões XXXVII a XC, ou seja, o processo não conteria ainda todos os elementos para uma decisão de mérito.; não sendo necessário o tribunal explicar especificadamente a razão pela qual estes ou aqueles factos foram desconsiderados.
Mais, num caso como o presente, em que a generalidade dos factos dados como provados são a reprodução do que consta das várias deliberações do Banco de Portugal (cujas cópias, juntas, a A. não reputa de “falsas”), dizer, na motivação da decisão da matéria de facto, que se teve em conta a vasta prova documental junta aos autos, constitui motivação de facto suficiente (desde logo por a ratio decidendi do tribunal não deixar quaisquer dúvidas razoáveis às partes).
Diz a A. que, dando-se como provado, na alínea b) dos factos provados, que a A. subscreveu acções preferenciais, há contradição ou ambiguidade, ao falar-se na alínea c), em juros contratualizados com o Banco, devidos na data do vencimento E, já agora, acrescenta-se, ao falar-se em prazos na alínea b)..
Na mesma linha de raciocínio, diz a A. que há absoluta contradição entre isto e o haver-se dado como não provado o que consta da alínea c) dos factos não provados (ou seja, que não se provou que o B... haja assegurado à A., na data de vencimento das aplicações efectuadas, o montante global de €1.028.872,55)
E diz a A., ainda na mesma linha de raciocínio, que deve ser alterada a resposta constante da alínea b), onde se alude a acções preferenciais, e que a alínea l) deve passar a não provada, passando as alíneas a), b) e c) da matéria de facto não provada aos factos considerados provados.
É sempre, no fundo e muito compreensivelmente, a referida questão central: não serem, segundo a A/apelante, as aplicações subscritas por si “passivos excluídos” da transferência determinada pelo Banco de Portugal, do B... para o Banco de Transição.
E, importa reconhecê-lo, há aspectos dos factos provados e não provados da sentença recorrida que, a nosso ver, deviam estar redigidos dum modo mais cuidado, tendo em vista não se cair em ambiguidades, nem se dar como provado ou não provado, nos factos, a conclusão a que se deve chegar, de direito, no confronto entre o conteúdo das deliberações do BP e as características das aplicações subscritas.
Sobre a designação dos “produtos” subscritos, ficamos sem perceber muito bem, em face do que a A/apelante diz nas suas alegações e conclusões, se sustenta que não está provado que as aplicações por si subscritas sejam/fossem acções preferenciais. Para o caso de ser esta a posição da A/apelante, chama-se a atenção que é assim que ela própria lhes “chama” nos, entre outros, art. 65.º e 70.º da PI; mais, nos “acordos” que entretanto fez/subscreveu com o NB – a propósitos dos produtos (que já não farão parte do objecto da presente reapreciação, em face da inutilidade superveniente consequente a tais “acordos”) top renda 6, top renda 7, poupança plus 5 e poupança plus 6 – é assim que são designadas as aplicações que haviam sido subscritas pela A/apelante; mais ainda, olhando para os respectivos documentos juntos com a PI – e sem prejuízo de ser ostensivo o “artifício” da recompra/venda passados 24/24/24/18/12 meses da compra por porte da cliente/A – temos que todos os “produtos” são identificados como “acções” e que não há neles qualquer alusão a juros Estes, naturalmente, estariam implícitos na diferença entre o preço de compra e o preço de venda..
Têm pois as alíneas b) e c) dos factos provados da sentença recorrida que ser corrigidas em conformidade (com o que consta dos documentos juntos E que, no essencial, corresponde ao que consta da conclusão XLVI da própria A/apelante.); e que o que consta da alínea l) – mais exactamente, o trecho final em que se diz que “não foram transferidos para o C...” – dos factos provados e o que consta das 3 alíneas dos factos não provados, não deve permanecer (por ser a conclusão a que se deve chegar, de direito, no confronto entre o conteúdo das deliberações do BP e as características das aplicações subscritas) nem nos factos provados nem nos factos não provados O que, porém, não consubstancia quaisquer nulidades de sentença, designadamente por violação das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC. Efectivamente, segundo a referida alínea b), constitui causa de nulidade da sentença a falta de fundamentação, porém, quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação”, está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente; segundo a referida alínea c), constitui causa de nulidade da sentença os fundamentos estarem em oposição com a decisão, porém, quando se fala, a tal propósito, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à contradição real entre os fundamentos e a decisão; está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto; e, segundo a referida alínea d), constitui causa de nulidade da sentença o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, porém, quando se fala, a tal propósito, em “omissão de conhecimento” ou de “conhecimento indevido”, está-se a aludir e remeter para as questões a resolver a que alude o art. 608.º do CPC..
Foi exactamente isto que fizemos nos factos acima alinhados Não conhecendo destas questões antes de proceder ao seu alinhamento, por todas as questões – estas e as seguintes – terem um mesmo denominador comum e uma mesma lógica..
Começámos – explicando o que foi feito, ao abrigo da análise crítica das provas (cfr. art. 607.º/4 ex vi art. 663.º/2 – por transcrever (mais circunstanciadamente que na sentença recorrida) as passagens mais relevantes, para o desfecho da causa, das várias deliberações do BP; de seguida, incluímos os factos respeitantes à revogação, ao B..., da autorização para o exercício da actividade bancária; depois, relatámos o que objectivamente resulta dos documentos de subscrição/compra e de venda dos produtos financeiros da A.; e, finalmente, incluímos os “acordos” entretanto negociados entre a A. e o C...
Passemos pois à questão, a nosso ver central, suscitada nas conclusões XXXVII a XC:
Diz a A/apelante que o processo não contém todos os elementos para uma decisão de mérito; uma vez que, no mínimo, há várias soluções plausíveis da questão de direito e que, não tendo isto sido ponderado, foi violado o art. 595.º/1/b) do CPC.
Diz, mais concretamente:
- que, quando há (como é o caso) factos controvertidos, para se poder conhecer imediatamente do mérito da causa, não pode haver soluções plausíveis a conferir relevo ao que ainda está factualmente controvertido; acrescentando que, a seu ver, é o caso, ou seja, há outras soluções plausíveis para a questão de direito – que exigem o apuramento dos factos controvertidos – para além da perfilhada pelo Exmo. Juiz a quo.
- que, face à relação material por si configurada na PI, pese embora o que consta dos documentos de subscrição, o que verdadeiramente aconteceu foi uma operação financeira normal e habitual na actividade bancária e financeira – muito próxima do contrato de depósito a prazo – reclamando a A., no pedido, o cumprimento dos contratos celebrados com o B..., contratos consistentes na aplicação de quantias que se encontravam depositadas em conta bancária, durante um determinado prazo, a uma determinada taxa de juro e com garantia de reembolso de capital e de juros.
- que tal responsabilidade bancária, no âmbito de uma actividade bancária corrente - ou porventura, mais exactamente, tal responsabilidade bancária do B... por violação dos seus deveres enquanto banqueiro e intermediário financeiro – não está prevista ou incluída no perímetro de exclusão das deliberações do Banco de Portugal, de 03.08.2014, 11.08.2014 ou de 29.12.2015.
- que, sendo assim, só perante o apuramento dos factos consubstanciadores da natureza e características dos contratos celebrados com o B..., poderia o tribunal efectuar a adequada subsunção jurídica e, nomeadamente, confrontar os contratos efectivamente celebrados com o teor das deliberações do Banco de Portugal, para, então sim, estar habilitado a decidir quanto à transmissão ou não de tais contratos do B... para o C... – que a A. defende ter ocorrido.
Compreende-se, mas, com todo o respeito, antecipando a conclusão, não tem a A/apelante razão em tal argumentação, tributária duma ideia/interpretação que não está correcta, ou seja, não está correcto que as responsabilidades contratuais do B..., por práticas bancárias fraudulentas, por violação dos seus deveres enquanto banqueiro e intermediário financeiro, tenham sido transferidas para o Banco de Transição O argumento será pouco jurídico, bem o sabemos, mas se esta ideia/interpretação estivesse correcta, poucas seriam as obrigações/passivo, em face do que é hoje público, que não seriam transferidas para o NB, ou seja, de nada serviria a medida de resolução e a selecção a que alude o art. 145.º-H do RGICSF (então vigente)..
Vejamos:
A A/apelante não questiona – nem agora, nem antes – a validade das deliberações do BP, admitidas quer na sua Lei Orgânica (Lei 5/98, de 31-01) quer no RGICSF (aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro); não contesta os poderes de “autoridade de supervisão” atribuídos quer no art 17.º e ss da sua Lei Orgânica quer nos art. 139.º e ss (vigentes à época) do RGICSF ao BP; aliás, face ao disposto no art. 39.º da referida Lei Orgânica – em que se diz que “dos actos praticados pelo governador, vice-governadores, conselho de administração e demais órgãos do Banco, ou por delegação sua, no exercício de funções públicas de autoridade, cabem os meios de recurso ou acção previstos na legislação própria do contencioso administrativo, incluindo os destinados a obter a declaração de ilegalidade de normas regulamentares” – para apreciar a validade de tais deliberações do BP, nem seria este o tribunal materialmente competente, sendo tal apreciação da exclusiva competência dos Tribunais Administrativos E o mesmo resultava do art. 145.º-N/1 (meios contenciosos e interesse público) do RGICSF, segundo o qual, “sem prejuízo do disposto no artigo 12.º, as decisões do Banco de Portugal que adoptem medidas de resolução estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, com ressalva das especialidades previstas nos números seguintes, considerando os interesses públicos relevantes que determinam a sua adopção”; acrescentando-se no seu n.º 4 que “o Banco de Portugal pode, em execução de sentenças anulatórias de quaisquer actos praticados no âmbito do presente capítulo, invocar causa legítima de inexecução, nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 175.º e do artigo 163.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos, iniciando-se, nesse caso, de imediato, o procedimento tendente à fixação da indemnização devida de acordo com os trâmites previstos nos artigos 178.º e 166.º daquele mesmo Código.”.
Tudo está pois em saber – consumada a medida de resolução do B..., consistente na transferência da sua actividade para um banco de transição (cfr. art. 145.º-C/1/b) do RGICSF, à época vigente) e na transferência de activos e passivos – se os “passivos” aqui peticionados pela A./apelante, em face das deliberações tomadas pelo BP, ao abrigo dos art. 145.º-G e 145.º-H do RGICSF (à época vigente), foram ou não transferidos para o banco de transição que o C... é.
Indiscutivelmente, decorre de tais deliberações – da inicial, de 03/08/2014, da de 8/08/2014 e das de 29/12/2015 (estas últimas, na sua maior parte, interpretativas/clarificadoras da inicial e que nesta se incorporaram) – que, como quer que a A/apelante configure/alegue o seu direito, ele será sempre um “passivo” excluído da transferência para o C...
Resulta de tais deliberações do BP, extractadas nos factos provados:
Logo em 03/08/2014, foi deliberado que ficavam excluídas da transferência “(v) quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais”; e “(vii) quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do G.... Tendo sido igualmente deliberado em 03/08/2014, embora estivesse expressamente previsto no art. 145.º-H/5 do RGISCF, que, “após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o BP pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o B... e o C... SA activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão”
Depois, 11/08/2014, foi deliberado clarificar/ajustar o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do B... transferidos para o C... e, neste contexto, considerou-se que “ na subalínea (vii) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, deve ficar explícito que os passivos do B... nela referidos que não foram transferidos para o C... abrangem quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o G...”; e deliberou-se que da subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 deve ler-se “quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais; e que, na subalínea (vii) da alínea b) do Anexo 2 deve ler-se “quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o G..., sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos aquivos do B... em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas”.
Finalmente, em 29/12/2015, foram deliberadas novas clarificações Ou melhor, mais do que isso, uma vez que 6 emissões de obrigações seniores (ver fls. 121 verso) foram retransmitidas do NB para o BES. – em função do “aprofundar do conhecimento da situação financeira do conjunto de activos, passivos e elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do C...” – e no texto consolidado da deliberação de 03/08 (no Anexo 2) passou a constar que eram excluídos da transferência para o C... “(v) quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, fiscais, penais ou contra-ordenacionais, com excepção das contingências ficais activas”; assim como “(vii) quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades (…); e deliberou-se ainda que “desde já se clarifica não terem sido transferidos do B... para o C... os (…) créditos relativos a acções preferenciais emitidos por sociedade-veículo estabelecidas pelo B... e vendidas pelo B... Foi-se mesmo ao ponto de identificar mais de 400 processos cujo objecto estaria excluído da transferência para o C...
Em síntese, a “teleologia material” (de que fala a A/apelante na conclusão LXXIV) de tais deliberações é exactamente a oposta da defendida pela A/apelante.
O Banco de Portugal, manifestamente, procurou, nas suas sucessivas deliberações (sempre na mesma linha e com o mesmo fio condutor), afastar da transferência para o C... todas e quaisquer obrigações, responsabilidades ou “contingências” decorrentes de litigâncias consequentes à intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por quaisquer entidades (do universo G... e não só), ainda que em tal intermediação/distribuição tenha ocorrido fraude ou violação de quaisquer disposições legais ou determinações regulatórias.
O Banco de Portugal, manifestamente, procurou, nas suas sucessivas deliberações, “fechar a porta” à transferência para o C... de litigâncias, indemnizações e responsabilidades contratuais do B..., decorrentes de práticas bancárias fraudulentas e da violação dos seus deveres enquanto banqueiro e intermediário financeiro.
Embora os factos respeitantes a tal prática fraudulenta sobre a A/apelante sejam controvertidos São todos aqueles factos que, na questão supra apreciada, a A/apelante dizia que tinham que ser apurados., não custa admitir que hajam (seguramente, em alguma/grande medida) ocorrido Sendo certamente a esta luz que deve ser vista a negociação encetada pelo C..., que culminou em “acordos” quanto ao capital aplicado nos produtos top renda 6, top renda 7, poupança plus 5 e poupança plus 6. e, em função disso, a A/apelante será credora sobre o B... da quantia/indemnização aqui reclamada Quantia que estará a reclamar no processo de liquidação do B... e que, agora, em face do acordo celebrado com o C..., até estará reduzida.; só que – é o ponto – tal (eventual) obrigação de indemnização constituiu-se/mantém-se na esfera do B... e não se transferiu para o C...
É justamente por isto que a factualidade controvertida é juridicamente irrelevante Confirmando o que supra referimos: a irrelevância dos factos não incluídos no elenco dos factos provados e não provados é algo que há-de resultar da própria discussão e raciocínio jurídico da sentença.: tendo a A/apelante subscrito os produtos bancários referidos nas alíneas M), N) e O), o direito ao “reembolso” do capital investido, nos termos alegados/configurados pela A/apelante (ou em quaisquer outros), significará sempre que houve “fraude” (engano/ludibrio sobre as características dos produtos subscritos), praticada pelos funcionários do B..., na comercialização, intermediação financeira e distribuição de tais produtos; e, insiste-se, para o C... não foram transferidas as responsabilidades contratuais por práticas bancárias fraudulentas, pela violação dos deveres do B... enquanto banqueiro e intermediário financeiro: estas, ficaram no B...
Enfim, de tudo o que se deixou dito, advém, inequivocamente, que o crédito de que a A./apelante se arroga, proveniente da objectiva subscrição (enganada, concede-se, conforme o circunstanciadamente que alegou na PI) de acções preferenciais EG PREMIUM, não se transferiu para o C..., porquanto tal crédito provirá, quando muito, do incumprimento de disposições legais e regulatórias atinentes aos deveres negociais do B..., enquanto banqueiro e intermediário financeiro; e a exclusão de tal crédito/passivo da operação resolutiva é compreensível, face aos vectores essenciais nos quais assentou o critério de selecção dos activos e passivos que foram objecto de transmissão, pois se o BP não escolhesse os activos e passivos a transferir de nada valeria a medida de resolução (que, então, não isolaria os riscos, não salvaguardaria os depósitos e não circunscreveria o impacto da hecatombe financeira causada pelo B...).
Ao Banco de Portugal, enquanto entidade de supervisão, são cometidos poderes para aplicação das medidas “tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro”, exigindo-se que a adopção dessas medidas seja norteada e sujeita “aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como a gravidade das respectivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.”(cfr. art. 139.º do RGICSF)
Por outro lado:
No art. 145.º-A do RGICSF (que estabelecia as finalidades das medidas de resolução) dizia-se que “o Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal, as medidas previstas no presente capítulo, com o objectivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades: a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais; b) Acautelar o risco sistémico; c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público; d) Salvaguardar a confiança dos depositantes.
No artigo 145.º-B do RGICSF (sobre o princípio orientador da aplicação de medidas de resolução), dizia-se que “na aplicação de medidas de resolução, procura assegurar-se que os accionistas e os credores da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa, de acordo com a respectiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe de credores
No art. 145.º-C do RGICSF (sobre a aplicação de medidas de resolução) dizia-se que, “quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade, o Banco de Portugal pode aplicar as seguintes medidas de resolução, se tal for indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no artigo 145.º-A: a) Alienação parcial ou total da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa; b) Transferência, parcial ou total, da actividade a um ou mais bancos de transição.” A possibilidade de criação de um banco de transição já estava, aliás, prevista no Aviso do Banco de Portugal nº 13/12, de 8-10-12, nos termos do qual (n° 1 do art. 2°), se dispunha que “os bancos de transição são instituições de crédito com duração limitada, com a natureza jurídica de banco e a forma de sociedade anónima, que se regem pelos estatutos aprovados por deliberação do Banco de Portugal, pelas disposições legais e regulamentares que lhes são especialmente aplicáveis, pelas normas aplicáveis aos bancos e, subsidiariamente, pelo Código das Sociedades Comerciais, com as adaptações necessárias aos objectivos e natureza destas instituições.”; acrescentando-se no nº 3 que “os bancos de transição são criados para receberem e administrarem a totalidade ou parte dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição originária, desenvolvendo todas ou parte das actividades dessa instituição com vista à prossecução das finalidades enunciadas no art. 145º-A do RGICSF.”
No art. 145.º-G do RGICSF (sobre a transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição) dizia-se que “o Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa”; que “o banco de transição é constituído por deliberação do Banco de Portugal, que aprova os respectivos estatutos”; que “após tal deliberação o banco de transição fica autorizado a exercer as actividades previstas no n.º 1 do artigo 4.º
No art. 145.º-H do RGICSF (sobre património e financiamento do banco de transição) dizia-se que “o Banco de Portugal selecciona os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição”; que, “após tal transferência, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo: a) Transferir outros activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição; b) Transferir activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária.”

Ou seja, resulta de tais preceitos legais, que ao BP, enquanto autoridade de supervisão, incumbe a adopção das medidas necessárias à salvaguarda da instituição de crédito, dos depositantes e do sistema financeiro, devendo aplicar as medidas que forem consideradas adequadas e proporcionais, no que lhe é dada ampla liberdade de decisão Poderes que resultam também da Directiva da Resolução e Recuperação Bancária, transposta em parte pela Lei nº 23-A/15, de 26-3, em vigor desde 31-3-15. Nos termos desta Directiva, pode a entidade de resolução transferir a totalidade ou parte dos activos, direitos ou passivos para uma instituição de transição, tendo como princípios orientadores o interesse público e a estabilidade do sistema financeiro, ainda que dessa transferência parcial de activos, direitos e passivos possam resultar prejuízos para credores ou possa sair afectada a igualdade de tratamento dos credores dentro de uma mesma categoria (desde que tal seja justificado, tendo em conta os princípios orientadores da referida directiva, acima referidos entre outros).; visando-se com tais medidas salvaguarda a solidez e estabilidade financeira do sistema financeira (evitando o risco sistémico), os interesses e a confiança dos depositantes e os interesses dos contribuintes; estando expressamente prevista a medida (de resolução) tomada e a faculdade de serem seleccionados activos, direitos e passivos a serem transmitidos para o banco de transição e a faculdade de retransmissão destes mesmos activos ou passivos, desde que tais decisões sejam norteadas pela tutela do interesse público, do sistema financeiro e dos depositantes Como se refere no Ac STJ de 26/09/2917, in ITIJ, “a medida de resolução constituiu o meio adequado para a prossecução da tutela da estabilidade e segurança do sistema financeiro, para prevenir o risco sistémico e a corrida aos depósitos, valores e princípios constitucionalmente protegidos, sendo a transferência de activos e passivos feita pelo Banco de Portugal para o Novo Banco, no âmbito da medida de resolução, condição sine qua non para a realização de tal objectivo”..
E é/foi tudo isto que o BP invocou nos longos considerandos da sua deliberação inicial, donde consta:
- que “as perdas registadas (no 1.º semestre de 2014) vieram alterar substancialmente os rácios de capital do B...”;
- que se “verifica um grave incumprimento dos requisites mínimos de fundos próprios do B...”;
- que “o B... se encontra em situação de grave insuficiência de liquidez;
- que “no dia 1 de agosto, o Conselho do Banco Central Europeu (BCE) decidiu suspender o estatuto de contraparte do B..., tendo este que reembolsar integralmente o seu credito junto do Eurosistema, de cerca de 10 mil milhões de euros”;
- que “os factos descritos nos números anteriores colocaram o B... numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade (…), pelo que, não sendo tomada, com urgência, a medida de resolução ora adoptada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23.º do RGICSF, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma seria ameaça para a estabilidade financeira”;
- que “tal situação tornou imperativa e inadiável uma medida de defesa dos depositantes, de forma a evitar uma ameaça à segurança dos fundos depositados;
- que “é imprescindível ter em conta que a dimensão do B... (…) tem associado um inequívoco risco sistémico”;
- que, “na falta de soluções imediatas viáveis de alienação da actividade do B... a outra instituição de crédito autorizada, a criação de um banco para o qual e transferida a totalidade da actividade prosseguida pelo B..., bem como um conjunto dos seus activos e passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, revela-se como a única medida que garante a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros e que permite isolar, em definitivo, o novo banco dos riscos criados pela exposição do B... a entidades do Grupo E...;
- que “o banco assim constituído, libertado da exposição que conduziu as perdas registadas nos resultados semestrais do B..., SA. (…) permitirá aos seus depositantes manter um relacionamento estável com a sua instituição e a continuidade do acesso aos serviços por ela prestados”;
- que “esta solução (…) é também aquela que melhor salvaguarda os interesses dos contribuintes, nomeadamente por comparação com uma hipotética medida de recapitalização publica (…);
- que “com esta deliberação de manifesto e urgente interesse publico, procura afastar-se os riscos para a estabilidade financeira, liberta-se o novo banco dos activos de má qualidade que levaram à actual situação, expurgando-se incertezas sobre a composição do respectivo balanço e abre-se assim o caminho para a venda da instituição a investidores privados”;
- que “a criação de uma instituição capitalizada nos termos expostos constitui, do mesmo modo, uma solução que a Comissão Europeia, depois de notificada ao abrigo do regime dos auxílios de Estado, considerou compatível com o mercado interno”;
- que devem ser “os accionistas a suportar prioritariamente os prejuízos da instituição”;
- que “se deve tratar de modo equitativo os credores inseridos dentro da mesma classe, prevendo-se que determinados credores recebam tratamento mais favorável que outros, desde que estes últimos não assumam um prejuízo maior do que aquele que assumiriam caso essa instituição de crédito tivesse entrado em liquidação.”
Sendo hoje público e notório que o cenário “negro” traçado em tal deliberação inicial estava bem aquém da realidade Se é que já se conhece a realidade; uma vez não têm fim à vista as notícias sobre o infindável buraco financeiros do B... e sobre as necessidades de capital do C...; como, aliás, o BP o reconheceu nos considerandos que justificaram as deliberações de 8/08 e especialmente de 29/11/2015 Levando-o a fazer uso do art. 145.º-H/5 do RJICSF..
Concluindo pois, nesta questão, o processo continha todos os elementos para uma decisão de mérito, uma vez que, mesmo provando-se tudo o que a A/apelante alegou/invocou, sempre a acção teria que ser julgada improcedente em relação ao C....
Passemos pois à questão, a seguir suscitada, das inconstitucionalidades, mais exactamente, das violações aos princípios da igualdade, da confiança e da proporcionalidade suscitadas nas conclusões CXL a CLI (e também esparsamente em outros passos das conclusões).
Diz a A/apelante que o legislador ordinário – nas supra transcritas disposições do RGICSF – devia ter salvaguardado a observância do princípio da igualdade, do princípio da proporcionalidade e da não retroactividade no estabelecimento das regras da resolução e da transmissão de activos e responsabilidades para o banco de transição; o que, no entendimento da A./apelante, não sucedeu, sendo as já referidas normas do RJICSF, quer na redacção do Decreto-Lei n.º 31-A/2012 de 10-02 (então vigente), quer na redacção actualmente vigente (do DL 190/2015, de 10-09), violadoras do disposto nos art. 2.º, 13.º e 18.º da CRP e dos princípios do Estado de Direito Democrático, da igualdade, da proporcionalidade e da não retroactividade, quando interpretados no sentido de não serem consideradas as especificidades pessoais dos titulares de créditos sobre o banco sujeito à medida de resolução, nomeadamente o grau de instrução, a situação económica e a condição social dos mesmos, assegurando a salvaguarda dos direitos dos referidos credores e a transmissão integral das correspondentes responsabilidades para o banco de transição, quando seja demonstrado que os mesmos não foram suficiente e adequadamente informados das características, natureza e riscos inerentes aos produtos financeiros contratados, em termos tais que evidenciem, sem margem para dúvidas, que as respectivas decisões de contratação foram tomadas de forma consciente e esclarecida; razão pela qual, por força de tais inconstitucionalidades, se deverá entender que os “contratos” em causa se transmitiram integralmente para o C..., enquanto banco de transição, assumindo este todas as responsabilidades e obrigações decorrentes dos mesmos perante a A/apelante.
Como referimos, as deliberações em causa do BP – que assumem a natureza de actos normativos regulamentares, vigorando em pleno na ordem jurídica enquanto não forem revogadas/anuladas (e não há notícia nos autos de que o tenham sido) – só por via administrativa são/eram impugnáveis, o que, porém, não significa que o modelo legal em que se basearam não possa ser aqui apreciado do ponto de vista da sua constitucionalidade material.
Assim:
Diz-se repetidamente, a propósito do princípio da igualdade, que a igualdade material se traduz na exigência de tratamento igual daquilo que é igual e desigual daquilo que é desigual; não sendo fácil, claro está, determinar o que é “igual” ou “desigual”, determinar a justa medida da diferenciação ou da equiparação entre o que é, respectivamente, igual ou desigual, na medida em que envolve valorações e avaliações pessoais e discutíveis; daí o dizer-se que a fundamentação exigida a qualquer diferenciação acaba por ter que se encontrar na ponderação dos interesses em confronto.
E disto resulta, com todo o respeito, que as normas do RJICSF em causa não podiam ser interpretadas/aplicadas tendo em consideração as especificidades referidas pela A/apelante; e que interpretá-las aplicá-las como o BP fez não representa quaisquer violações aos princípios da igualdade, da confiança e da proporcionalidade.
A (urgente) medida de resolução tomada – intervenção e posterior liquidação do B... e criação dum Banco de Transição – foi determinada pela verificação da deterioração grave da situação financeira e prudencial do B..., o que colocava em causa quer o B... quer a estabilidade do sistema financeiro nacional; e não era nada seguro (especialmente, à época) que a simples revogação da autorização ao B... e a sua imediata entrada em liquidação fosse uma solução mais favorável (ou “menos desastrosa”).
Assim, sendo a medida de resolução estritamente necessária, não podia o BP, como autoridade de supervisão, na interpretação/aplicação do RJICSF, deixar de escolher os activos e passivos a transferir, como o fez; e as escolhas tinham, naturalmente, que concretizar uma “medida de resolução” eficaz, não podendo beneficiar determinados credores em detrimento de outros, ou, mais exactamente, não podia permitir que credores de uma mesma categoria fossem tratados de forma diferente no âmbito da medida de resolução Como se refere no Ac. STJ, já citado, “a adopção destas medidas, que nunca são inócuas e sem custos, justifica-se ab initio, pela deterioração da situação financeira e prudencial da referida instituição de crédito, pela sua incapacidade de prosseguir os seus fins, que colocaria em causa a própria instituição (com o fim que se veio a verificar de revogação de autorização para o exercício da actividade bancária), colocando em causa a estabilidade do sistema financeiro nacional, já afectado por sucessivas insolvências/liquidações de instituições bancárias, visando isolar os activos, passivos ou direitos problemáticos da instituição de crédito objecto da medida (contendo estes activos maus), com vista à sua posterior liquidação, concentrando o essencial da actividade da instituição numa entidade devidamente capitalizada, que pudesse prosseguir a actividade, até à sua posterior alienação, conforme aliás o refere nas suas deliberações, o Banco de Portugal”..
Ora, no fundo, é justamente isto que a A/apelante pretende: ser tratada de forma mais favorável em razão das suas especificidades pessoais (grau de instrução, situação económica, condição social) e por não ter sido suficiente e adequadamente informada das características, natureza e riscos inerentes aos produtos financeiros contratados.
Mas, em face dos superiores interesses que estavam em causa e dos objectivos a atingir (já referidos e enunciados no art. 145.º-A do RGICSF), não parece que tal “discriminação positiva” se justificasse ou sequer que fosse possível e eficaz De especificidade em especificidade cair-se-ia na total ineficácia da medida de resolução; para além da litigância sem fim que esta e outras especificidades gerariam..
É neste quadro de interesses mais vastos e diversificados que devem integrar-se as inconstitucionalidades suscitadas pela A/apelante, para concluir que a mesma não tinha sequer a garantia de que, transferido o seu direito de crédito de natureza indemnizatória para o C..., a sua posição ficasse melhor assegurada, uma vez que, com tais e outras/idênticas especificações nas “escolhas”, seria o C... que por certo a seguir entraria em liquidação universal.
Como já se referiu, é totalmente compreensível – na ponderação dos interesses em confronto – que, no critério de “escolha” (das deliberações do BP), se haja afastado do Banco de Transição tudo o que constituísse responsabilidades e contingências ainda não determinadas, pelo que o deliberado não assentou em interpretações/aplicações feridas de inconstitucionalidade.
Finalmente, invoca a A/apelante, nos artigos CXVII a CXXVII, a nulidade da sentença recorrida por não se ter pronunciado, quer sobre as consequências jurídicas da proposta que o C... lhe apresentou (bem como a todos os demais emigrantes lesados que viram o seu dinheiro ser aplicado em circunstâncias semelhantes às dos presentes autos), quer sobre as consequências da provisão, ainda constituída pelo B..., para fazer face às responsabilidades deste perante os emigrantes lesados, nomeadamente as decorrentes de “contratos” como o sub judice.
Diz a A/apelante que, conforme alegou, a referida proposta do C... consubstancia uma confissão e uma promessa pública, nos termos e para os efeitos dos art. 459º e 485º do CC, bem como uma confissão extrajudicial, nos termos e para os efeitos do artº 352º do CC, tendo sido também com base em tal factualidade que pediu a condenação do C...; e que, ainda conforme alegou, também peticionou a condenação do C... por o mesmo se estar a apropriar da referida provisão constituída ainda pelo B..., enriquecendo-se sem causa perante os titulares dos produtos financeiros cujas responsabilidades a provisão se destinava a acautelar, como é o caso da A/apelante.
Quanto à nulidade, tem a A/apelante razão: efectivamente, quanto a tais questões – quanto à proposta do C... e quanto à provisão vinda do B... – a sentença recorrida omite toda e qualquer pronúncia.
Quanto à substância das questões, face ao que se refere em P) dos factos provados perderam as mesmas, por circunstância superveniente, utilidade e interesse jurídicos.
Efectivamente, entretanto, a A. e o C... efectuaram “Acordos”, que constam de fls. 388 e ss., segundo o qual o C... “indemnizará” a A./apelante pelos investimentos/responsabilidades decorrentes do capital aplicado nos produtos top renda 6, top renda 7, poupança plus 5 e poupança plus 6; ou seja, deixou de haver “promessas” do C... – substituídas que foram por tais “acordos” – e, naturalmente, o cumprimento de tais “acordos”, até por tais passivos não haverem sido transferidos para o C..., decorrerá da mobilização das provisões que haviam sido efectuadas no B... (com tal escopo) e transferidas para o C...
Admitindo que foi assim – que as propostas e os posteriores acordos eram uma vinculação a que o C... não podia fugir e decorrente da existência de tais provisões (decerto impostas pelo BP) – poder-se-á dizer que tal “especificidade” (e voltamos às inconstitucionalidades) podia, de algum modo, constar da medida de resolução, porém, o que releva é que tal “discriminação positiva” acabou a final por favorecer a aqui A/apelante Passando para outros credores a eventual invocação da violação do princípio da igualdade..

Quanto a custas:
Têm que ser da integral responsabilidade da A/apelante.
É verdade que a deliberação do BCE (do dia 13/07/2016) que revogou a autorização para o exercício da actividade bancária do B... é posterior à data da entrada da PI desta acção (10/07/2016); assim como é verdade que foi tal deliberação que, produzindo os efeitos da declaração de insolvência (cfr art. 8.º/2 do DL 199/2006), levou à liquidação do B... (a requerimento do BP, cfr. art. 8.º/3 do DL 192/2006), sendo justamente a pendência de tal processo de liquidação (processo distribuído à 1.ª secção do T. de Comércio de Lisboa – processo n.º 18588/16.2T8LSB) e a prolação, no mesmo, do despacho de prosseguimento (vindo a A. a reclamar o seu crédito em tal processo) que, por força do que se dispõe nos art. 90.º e 128.º/1 do CIRE, provocou a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, em relação ao B...
Só que, com todo o respeito, tal extinção da instância, com fundamento em insolvência do B..., por inutilidade superveniente da lide, era um desfecho mais do que expectável, isto é, era previsível, à data da propositura da acção, que a autorização do B... para a actividade bancária seria a qualquer momento revogada, o que acarretaria a sua insolvência.
Em síntese, está-se perante a ressalva constante do art. 536.º/2/e)/parte final do CPC, o que significa que não se está perante uma circunstância (insolvência) não imputável às partes, pelo que a responsabilidade das respectivas custas é da A/apelante (art. 536.º/3 do CPC)
Entretanto, como já várias vezes foi referido, a A. chegou a “Acordo” com o C..., quanto ao capital aplicado nos produtos top renda 6, top renda 7, poupança plus 5 e poupança plus 6, tendo vindo requerer a homologação de tal acordo ou, caso assim não se entenda, a extinção da instância por inutilidade superveniente quanto a tais produtos, “prosseguindo os autos no que se refere aos produtos Egpremium, pelo pedido remanescente de € 581.301,55”.
Entendemos que se trata, em relação a tais 4 “produtos”, de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide – o que se declarará – e quanto ao que a seguir a A/apelante requer, quanto a ser dispensada de pagar o remanescente da Taxa de Justiça relativamente aos pedidos em que houve inutilidades supervenientes, defere-se o requerido.
Embora com fundamento não coincidente com o invocado.
Não se concorda que os autos não sejam complexos (e/ou por outros processos semelhantes já haverem sido decididos) e que as inutilidades supervenientes lhe hajam restringido significativamente o objecto da discussão jurídica; são praticamente as mesmas (com 5 ou apenas 1 “produto financeiro”) as questões jurídicas a apreciar.
Porém, não podemos deixar de ser sensíveis à circunstância, já referida, de ter sido constituída provisão, ainda no B..., para fazer face a (algumas) responsabilidades, como as decorrentes de “contratos” como os sub judice, pelo que, em face da especificidade da situação, justifica-se que nessa parte – que podia/devia ter sido resolvida sem a A. ter necessidade de recorrer a esta via – as custas sejam “aligeiradas” e que a A/apelante seja dispensada, nos termos do art. 6.º/7 do RCJ, do pagamento do remanescente da taxa de justiça em relação aos montantes do “acordo” e que, em consequência, o remanescente da taxa de justiça seja calculado tão só com base no valor de €581.301,55.
IV – Decisão

Pelo exposto, decide-se:
Declarar extinta, por inutilidade superveniente, a instância, na parte respeitante ao pedido decorrente do capital aplicado nos produtos top renda 6, top renda 7, poupança plus 5 e poupança plus 6.
Julgar, em tudo o mais, totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela A./apelante.
Nos termos do art. 6.º/7 do RCJ, dispensa-se a A/apelante do pagamento do remanescente da taxa de justiça em relação aos montantes do “acordo” (referido em P) dos factos) e, em consequência, o remanescente da taxa de justiça será calculado tão só com base no valor de €581.301,55.

Coimbra, 12/04/2018
(Barateiro Martins)
(Arlindo Oliveira)
(Emídio F. Santos)