Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1777/16.7T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
NÃO CUMPRIMENTO
OBRIGAÇÕES
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, LEIRIA, INSTÂNCIA CENTRAL, SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 71.º, N.º 1, DO CPC E ARTIGO 774º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Tendo em conta os pedidos deduzidos pelos autores e os factos que lhes serviram de fundamento, consistentes no alegado incumprimento do contrato de depósito bancário, estamos inequivocamente perante uma acção destinada a exigir indemnização pelo não cumprimento de obrigações contratuais, pelo que, a competência territorial para a sua tramitação e decisão está estabelecida, imperativamente, no artigo 71.º, n.º 1, do CPC.
2. Assim, sendo o réu uma pessoa colectiva [sociedade anónima], os autores, na qualidade de credores, tanto podiam propor a acção no tribunal da sede do réu, como no tribunal do lugar onde a obrigação deveria ser cumprida.

3. Não tendo sido invocada qualquer convenção entre as partes sobre o lugar do cumprimento das prestações, deve observar-se o disposto no artigo 774.º do Código Civil, que estipula que a prestação da obrigação que tem por objecto certa quantia em dinheiro, deve ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.

4. Não tendo os autores, na qualidade de credores do ora réu, intentado a acção no Tribunal do local das suas residências, tem de se respeitar a regra geral consagrada no artigo 71.º, n.º 1, NCPC, que determina que a acção seja intentada no Tribunal da área da sede do réu.

Decisão Texto Integral:

           

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra


A... e mulher B... ; C... e mulher D... ; E... e F... , intentaram a presente acção declarativa, que corre termos sob a forma comum, na supra identificada Instância Central Cível de Leiria, contra o “Banco G..., SA”, também já todos identificados nos autos, pedindo a condenação deste no seguinte:

a) a pagar-lhes a quantia de 385.000,00 €, a título de capital e juros vencidos, bem como os vincendos, desde a citação até efectivo e integral pagamento;

Ou assim não se entendendo:

b) ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os 350.000,00 €, que o pai dos 1.º, 2.º e 3.º autores maridos e avô do 4.º, entregou ao réu, em obrigações subordinadas SLN 2006;

c) ser declarado ineficaz em relação àqueles a aplicação que o réu tenha feito desses montantes;

d) condenar-se o réu a restituir aos autores 385.000,00 € que ainda não receberam dos montantes que o pai dos 1.º, 2.º e 3.º autores maridos e avô do 4.º, entregou ao réu e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a dada da citação até efectivo e integral cumprimento;

E sempre,

e) ser o réu condenado a pagar aos autores a quantia de 15.000,00 €, a título de dano não patrimonial.

Para o efeito alegam que H... , pai e avô dos autores, na qualidade de ciente do Banco (...), na agência de Caxarias, Rio de Couros, Ourém, onde detinha a conta bancária identificada no artigo 7.º da p.i,. em 21 de Abril de 2006, a conselho do respectivo gerente e sem que estivesse informado das respectivas consequências, subscreveu obrigações SLN 2006, pensando tratar-se de um depósito a prazo, o que, assim, não se verificou, em consequência do que perdeu o capital investido e respectivos juros, devido ao incumprimento do réu, que afirmou garantir o capital investido, o que, assim, não veio a acontecer.

Contestando, o réu, no que ao presente recurso interessa, com fundamento no disposto no artigo 71.º do CPC, invocou a incompetência, em razão do território do Tribunal da Comarca de Leiria, alegando, em síntese, que o cumprimento de qualquer obrigação de carácter pecuniário por parte do banco, seja a resultante de um depósito a prazo seja a resultante de uma qualquer aplicação semelhante como referem os Autores, é efectuado por crédito na conta bancária dos Autores, tratando-se de uma operação contabilística efectuada nos serviços centrais do Banco Réu que se situam na sua sede em Lisboa, isto independentemente do cliente ter acesso à sua conta e poder levantar dinheiro da mesma em qualquer local do mundo, por isso, o local do cumprimento da obrigação será, em qualquer dos casos, a comarca de Lisboa uma vez que o Banco Réu ali tem a sua sede, na Avenida x(...) , conforme a referida certidão permanente

Os Autores responderam deduzindo oposição à excepção invocada (cfr. art. 103.º, n.º 2, do CPC), alegando para o efeito e em síntese, que o Tribunal de Leiria é o competente de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 71.º do CPC e 774.º, do Código Civil, uma vez que se trata de uma acção de indemnização e a obrigação deve ser cumprida no domicílio do credor, ou seja, Caxarias, Rio de Couros e por decorrência a Instância Central Cível de Leiria.

Findos os articulados, (cf. decisão de fl.s 77 a 79) – aqui recorrida, o M.mo Juiz a quo, julgou procedente a invocada excepção de incompetência em razão do território, declarando incompetente o Tribunal recorrido e competente a Instância Central Cível da Comarca de Lisboa, para a qual, após trânsito, se ordenou a remessa dos autos.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso os autores, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 109), finalizando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1- Ao contrário do doutamente decidido pelo tribunal recorrido é a Comarca de Leiria competente para os termos da acção que deu origem a estes autos;

2- Dispõe o artigo 71º do CPC que: “A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento, é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana”;

3- E que “se a acção se destinar a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu.”;

4- Preceitua o artigo 81º nº2 do CPC que se o réu for pessoa colectiva ou uma sociedade, é demandado no tribunal da sede da administração principal ou no da sede da sucursal, agência, filial, delegação ou representação, conforme a acção seja dirigida contra aquela ou contra estas;

5- Os recorrentes pretendem demandar o Banco Réu na sua agência de Caxarias pois que tal declararam expressamente;

6- O tribunal recorrido é o tribunal competente territorialmente;

7- Mesmo que não nos apoiemos no critério do lugar onde a obrigação deveria ter sido cumprida o resultado será com certeza o mesmo;

8- A causa de pedir apontada pelos Autores, indica que tudo se desenrolou na agência do banco réu, na Benedita, local onde o pai e avô daqueles tinha domiciliada a sua “conta” e onde vivem;

9- Dispõe o artigo 774º do CPC que se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro deve a prestação ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento;

10- Os Autores credores do Réu, moram em Caxarias, pelo que igualmente se conclui que por lá terá de ser cumprida a obrigação sendo o tribunal recorrido, o competente;

11- A tese do tribunal recorrido é abstrata e completamente desconforme com os normativos supra transcritos e aplicáveis ao caso concreto, quando alega a centralização dos serviços em Lisboa e que a operação contabilística é na sua sede efectuada, tendo-se como cumprida lá;

12- E ainda que se entenda que se está perante um caso de responsabilidade civil extracontratual, ou por factos ilícitos, ou baseada no risco, sempre seria o tribunal recorrido o territorialmente competente, pois que tudo teve lugar na agência do banco Réu em Caxarias, tudo conforme o preceituado no artigo 71º, nº2 do CPC;

13- Assim, e com fundamento em todo o exposto, deve o despacho proferido ser revogado e ser substituído por outro que declare a competência territorial da secção Cível da Instância Central de Leiria, da Comarca de Leiria.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogado o douto despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare competente o tribunal recorrido, ou seja, Secção Cível – J3- da Instância Central de Leiria, no que farão V.Exas, a sempre Inteira e Costumada Justiça!

Contra-alegando, o réu, pugna pela manutenção da decisão recorrida.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigo 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de determinar a competência territorial para o processamento e decisão dos presentes autos.

A matéria de facto a considerar para a decisão desta questão é a que consta do relatório que antecede.

 Iniciando a decisão da questão de saber qual o Tribunal territorialmente competente para a tramitação e decisão dos presentes autos, importa referir que os autores e ora recorrentes a atribuem à Instância Central Cível de Leiria (onde intentaram a presente acção), com o fundamento em ter sido na agência do réu, sita em Caxarias, Rio de Couros, Ourém, que foi feita a aplicação financeira, nas condições melhor descritas na petição inicial e em que fundam a responsabilidade do réu, de que resultam os invocados prejuízos.

Decorre do que mais alegam, que as quantias pedidas têm de lhes ser entregues em Caxarias, Ourém, onde se localiza o domicílio dos credores, pelo que face ao disposto nos artigos 71.º CPC e 774.º do CC, é este o Tribunal competente para apreciação e decisão dos presentes autos.

Na decisão recorrida, atribuiu-se a competência, em razão do território, para a apreciação da presente acção à Instância Central Secção Cível da Comarca de Lisboa, nos seguintes termos:

“ Apreciando.

A este propósito ficou demonstrado o seguinte (por acordo das partes ou com base nos documentos juntos aos autos):

- O domicílio dos Autores situa-se em Ourém e Coimbra;

- A sede do Réu situa-se em Lisboa;

- O cumprimento de qualquer obrigação por parte do banco, seja a resultante de um depósito a prazo seja a resultante de uma qualquer aplicação semelhante com referem o Autores, é efectuada por crédito na sua conta bancária.

- Trata-se de uma operação contabilística efectuada nos serviços centrais do Banco Réu que se situam na sua sede em Lisboa, isto independentemente do cliente ter acesso à sua conta e poder levantar dinheiro da mesma em qualquer local do mundo, uma vez que os balcões do Banco Réu não têm as ferramentas para efectuar esta operação.

Nos termos do artigo 71.º, do Código de Processo Civil, “A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o Réu seja pessoa colectiva …”.

Do exposto resulta claramente que tanto o domicílio dos Réus como o local do cumprimento da obrigação em causa será, em qualquer dos casos, a comarca de Lisboa uma vez que os Réus têm a sua sede precisamente em Lisboa e é aí que se processam as operações bancárias em litígio.

Deste modo, importa julgar procedente a invocada excepção dilatória de incompetência territorial e, em consequência, remeter os presentes autos para o competente Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Secção Cível, Instância Central, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 71.º, 102.º, 103.º, n.º 1 e 2, 105.º, n.º 3, e 577.º, al. a), do CPC.”.

É unanimemente aceite que a competência é determinada pela pretensão deduzida pelo autor na petição inicial, ou seja, é condicionada pela causa de pedir e pedido formulados, resultando a competência em razão do território da atribuição a cada tribunal de uma certa circunscrição territorial, situando em cada uma delas as várias causas de um elemento de conexão que a lei considera decisivo, v.g., o foro do autor ou do réu, o foro da situação dos bens, o local onde ocorreu um determinado evento e o obrigacional (cf. artigos 70.º a 95.º, do NCPC).

Os recorrentes não colocam em crise a decisão recorrida, na parte em que nesta se entendeu que os factores que determinavam a competência territorial para o conhecimento da presente acção eram os previstos no n.º 1 do artigo 71º, do Código de Processo Civil, na sua actual redacção. O que estes entendem é que o lugar onde deveria ser cumprida a obrigação era Caxarias, Ourém.

Fora de dúvida que a solução a dar à questão em apreço, tendo em conta os pedidos deduzidos pelos autores [a condenação do réu no pagamento aos autores da quantia global de € 400.000,00] e os factos que lhe serviram de fundamento, consistentes no alegado incumprimento do contrato de depósito bancário que o supra identificado H... outorgou com o réu, estamos inequivocamente perante uma acção destinada a exigir indemnização pelo não cumprimento de obrigações contratuais, pelo que se aplica o factor de conexão previsto no n.º 1 do artigo 71.º do NCPC.

Ora, o n.º 1 do artigo 71.º do NCPC - cuja redacção lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho – indica dois factores de conexão para as acções nele previstas [acção destinada a exigir o cumprimento de obrigação, acção destinada a exigir a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso, acção destinada à resolução do contrato por falta de cumprimento], a saber: 

1.O domicílio do réu;

2. O lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, nos casos em que o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.

Assim, sendo o réu uma pessoa colectiva [sociedade anónima], os autores tanto podiam propor a acção no tribunal da sede do réu como no tribunal do lugar onde a obrigação deveria ser cumprida. Qualquer um destes tribunais era territorialmente competente para a acção.

Daqui se segue e uma vez que os autores (excepto um) residem no concelho de Ourém, que lhes era lícito intentar a presente acção na Instância Central Cível da Comarca de Lisboa ou no Tribunal da área da sua residência – aquando da propositura da acção, a Instância Central Cível da Comarca de Santarém, de cuja área de circunscrição faz parte o concelho de Ourém.

Efectivamente, os autores, partem do pressuposto (não verificado) de que o concelho de Ourém está abrangido pela jurisdição da Comarca de Leiria, quando o mesmo faz parte da comarca de Santarém.

Rege a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, de acordo com a qual (artigo 33.º, n.os 1 e 2), os tribunais judiciais de 1.ª instância incluem os tribunais de competência territorial alargada e os tribunais de comarca, sendo que estes se dividem em 23 comarcas, nos termos do seu anexo II.

De acordo com o seu artigo 80.º, n.º 1, compete aos tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais.

Conforme o artigo 81.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), da mesma Lei, os tribunais de comarca desdobram-se em instâncias centrais que integram secções de competência especializada, entre elas, as de competência cível, às quais, cf. artigo 177.º, n.º 1, al. a), incumbe a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de processo comum de valor superior a 50.000,00 €.

Como consta da tabela II, a que se refere o artigo 33.º, n.º 2, a circunscrição da comarca de Santarém abrange o concelho de Ourém.

Tendo os autores proposto a presente acção na Instância Central Cível da Comarca de Leiria e não tendo o réu o seu domicílio na área desta comarca [segundo o n.º 3 do artigo 12º do Código das Sociedades Comerciais, a sede da sociedade constitui o seu domicílio, sem prejuízo de no contrato se estipular domicílio particular para determinados negócios e que ambas as partes estão de acordo localizar-se (a sede) em Lisboa], o Tribunal onde foi proposta a acção só seria competente para o seu conhecimento e decisão se o cumprimento das obrigações exigidas ao réu através da presente acção devesse ser efectuado na área territorial da comarca de Leiria, o que como vimos, não é o caso.

Ou seja, esta condição não estava/está preenchida.

Na verdade, como vimos os pedidos formulados visam exigir ao réu prestações de natureza pecuniária, pelos já referidos fundamentos.

Não tendo sido invocada qualquer convenção entre as partes sobre o lugar do cumprimento destas prestações, seguia-se, por aplicação do disposto no artigo 774º do Código Civil - segundo o qual quando a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, deve a prestação ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento – que o pagamento das quantias pedidas deveria ser efectuado no lugar do domicílio que o autor tivesse ao tempo do cumprimento. Ou seja, segundo a norma do artigo 774º do Código Civil, não cabia aos autores pedir o pagamento das prestações pecuniárias no domicílio do réu/devedor; era obrigação deste satisfazer as obrigações no domicílio dos autores.

Tendo os autores a sua residência na área territorial da Comarca de Santarém, mas não tendo optado por aqui intentar a acção (como o poderiam fazer, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 71.º do NCPC) conclui-se que o tribunal territorialmente competente para o conhecimento da acção é a Instância Central Cível da Comarca de Lisboa.

Aos autores, na qualidade de credores do ora réu, era facultada a hipótese de intentar a acção no Tribunal territorialmente competente que abrangesse o local da sua residência, não o tendo feito, teriam de respeitar a regra geral – a de a intentar no Tribunal da área da sede do réu, nos termos do artigo 71.º, n.º 1, NCPC.

Ou seja, o Tribunal de Leiria, não é o competente para a apreciação e decisão dos presentes autos, à luz de nenhum dos critérios legais que definem a competência, em razão do território, para a propositura da presente acção.

Concordando com o fundamento legal aduzido para se considerar que a competência aqui em discussão deve ser atribuída à Instância Central Cível de Lisboa, em sede de reclamação para a conferência, alegam os autores que, em virtude de se tratar de excepção dilatória de conhecimento oficioso, nos termos do disposto nos artigos 577.º e 578.º do CPC, pode e deve o tribunal de recurso conhecer dela e assim, determinar a competência por referência à residência dos autores, ou seja, determinar a remessa dos autos para o Juízo Central Cível da Comarca de Santarém.

Efectivamente, nos termos destes preceitos, como regra, é de conhecimento oficioso a existência das excepções dilatórias, entre elas, a incompetência relativa.

Mas, quanto a esta com a ressalva de que só são de conhecimento oficioso os casos de incompetência relativa abrangidos no artigo 104.º do CPC, que, precisamente, regula os casos em que é permitido o conhecimento oficioso da incompetência relativa, pelo que, relativamente aos casos aqui não incluídos, já não funciona a regra do conhecimento oficioso – cf. artigo 578.º do CPC.

Determina o artigo 104.º, n.º 1, al. a), do CPC, que esta incompetência só é de conhecimento oficioso, nas causas a que se refere a 1.ª parte do n.º 1, deixando, por isso, de fora, as causas previstas na sua 2.ª parte – a que se aplica o segundo factor de conexão acima já referido.

No caso em apreço, a incompetência territorial fixa-se, precisamente, com base no factor de conexão enunciado na 2.ª parte do n.º 1, do artigo 71.º do CPC, pelo que, em tal caso, não é a mesma de conhecimento oficioso (saliente-se que a decisão recorrida se baseia na arguição de tal excepção pelo réu).

Assim, carecem os autores de razão em tal argumentação.

De igual modo não se podem atender os seus argumentos, com base no apelo aos princípios da cooperação ou do dever de gestão processual, a fim de atribuir a competência, em razão do território, a um tribunal diferente daquele a que a lei, imperativamente, a atribui e diferente daquele em que propuseram a acção.

O que os artigos 6.º e 7.º do CPC, permitem e facultam ao juiz é o poder/dever de ter parte activa na direcção do processo, promovendo o seu célere andamento e promover oficiosamente as diligências necessárias ao seu normal prosseguimento, designadamente recusando o que for impertinente ou dilatório, o suprimento de pressupostos processuais e determinando a prática dos actos necessários à regularização da instância, bem como, ao abrigo do disposto no artigo 7.º CPC, sempre que o entenda necessário, ouvir as partes e delas solicitando os pertinentes esclarecimentos, como ali melhor exposto.

Só que, como acima já aflorado, estes deveres que se impõem ao juiz não se podem sobrepor ao estipulado em normas imperativas que regulam a tramitação processual, designadamente a “escolha” de um Tribunal diferente do legalmente previsto como o competente para a tramitação e decisão de certa causa.

Aqui apenas se trata de definir qual o tribunal competente para a tramitação e decisão dos presentes autos e no caso em apreço, esta competência está estabelecida, imperativamente, no artigo 71.º, n.º 1, do CPC, pelo que há que respeitar o critério legalmente estabelecido para tal.

Reitera-se que os autores poderiam ter intentado a acção no Tribunal da área da sua residência.

Não o fizeram, consequentemente, tem de respeitar-se o que a lei determina quanto a tal; ou seja, no caso, fixou-se a competência na Instância Central Cível de Lisboa, como acima explicitado.

Diga-se, ainda, que o facto de as operações contabilísticas levadas a cabo pelo réu, serem efectuadas nos seus serviços centrais, em Lisboa, em nada interfere com a questão da competência territorial do tribunal para apreciar/julgar a presente acção. A subscrição do contrato/aplicação financeira, por referência ao local onde ocorre, não se reconduz a nenhum dos índices que fixam a competência territorial dos tribunais portugueses, sendo, para tal, relevante, apenas, o lugar onde a obrigação deveria ser cumprida e que a lei, nos termos do já citado artigo 774.º, determina seja no lugar do domicílio do credor ao tempo do cumprimento.

A incompetência relativa constitui uma excepção dilatória (artigo 577.º, al. a), NCPC) e que determina a remessa do processo para o tribunal competente (artigo 105.º, n.º 3, NCPC).

Não obstante, pois, os argumentos que os recorrentes brandiram contra a decisão recorrida, serem, em abstracto de atender, o facto é que, não se atentou que o concelho de Ourém, pertence à circunscrição da Comarca de Santarém e não à de Leiria, o que só aqueles se pode imputar, pelo que, embora, com diversa fundamentação, é de manter a decisão recorrida.

Assim, tem o presente recurso de improceder.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente a apelação deduzida, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Coimbra, 14 de Março de 2017.

           

Relator: Arlindo Oliveira
Adjuntos:

1º - Emidio Francisco Santos
2º - Catarina Gonçalves