Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
458/18.1T8MBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: DECLARAÇÃO DE RECEBIMENTO DE TORNAS
QUITAÇÃO
FORÇA PROBATÓRIA
IMPUGNAÇÃO DESSE TIPO DE DECLARAÇÃO PELO CREDOR
Data do Acordão: 12/18/2019
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO COMPET. GENÉRICA DE MOIMENTA DA BEIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 358º, Nº 2, 393º, Nº 3, E 787º, TODOS DO C. CIVIL.
Sumário: I – A declaração de um interessado numa partilha de que recebeu as tornas devidas por outro interessado, apesar de produzida em documento autêntico porque lavrado na Cons. Registo Civil, pode não corresponder a uma confissão com força probatória plena do recebimento efetivo dessa quantia, nos termos do artº 358º, nº 2 do C. Civil.

II – Tal declaração é uma declaração de quitação (artº 787º C.Civil), integrando uma fórmula prática muito usual de os interessados/partes/intervenientes darem por cumpridas todas as obrigações inerentes a um determinado negócio, enformando, em regra, uma confissão extrajudicial perante o devedor do recebimento (efetivo) da(s) quantia(s) devida(s).

III – No entanto, por se tratar de simples interpretação do contexto do documento (artº 393º, nº 3 do C.Civil), sempre poderá o credor que a emitiu ser admitido a demonstrar, sem limitações probatórias, que, não obstante essa emissão, não se verificou o recebimento/pagamento da quantia em causa, isto é, não houve confissão desse recebimento.

IV – Sob pena de, soçobrando nessa demonstração, se ter a respetiva quantia por paga.

V – Uma das formas – não a única – de o credor lograr tal demonstração é a confissão judicial do devedor de que, apesar da declaração de quitação, na realidade não pagou ao credor.

Decisão Texto Integral:








                               

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

E... instaurou no Juízo de Competência Genérica de Moimenta da Beira, Comarca de Viseu, uma acção com processo comum contra F..., alegando, em síntese:

É filha do R.; após a morte da sua mãe emprestou a este a quantia de €3.500,00, através de depósito bancário em conta titulada pelo R. na C..., efectuado em 08/04/2010; acordou com o R. que a dita importância seria restituída logo que a A. o solicitasse; porém, apesar de instado por diversas vezes, o R. nunca o fez; sucedeu também que, mais tarde, mais exactamente em 31/01/2014, foi feita na Conservatória do Registo Civil de ..., a partilha da herança da mãe da A., sendo nela interessados além da A., uma sua irmã e o R.; a A. fez-se representar por um procurador com poderes para dar e receber tornas, que era então o companheiro da sua irmã; por ter confiado na palavra do R. de que o faria após a assinatura do documento de partilha, o procurador da A. declarou ter recebido as tornas por aquele devidas, no montante €25.207,41, mas, na realidade, nem então nem posteriormente o R. as pagou; desde então a A. anda triste, ansiosa, e aflita, com receio de não receber o que o R. lhe deve.

Rematou pedindo a condenação do R. no pagamento das quantias de €3.500,00, esta acrescida dos juros legais desde a citação, de 25.207,41, quantia esta acrescida de juros legais desde 31.01.2014, sendo os vencidos até à entrada da acção de €4.754,19; e, bem assim, de €500,00 de danos não patrimoniais.

Contestou o R. impugnando que a A. alguma vez lhe tenha emprestado €3.500,00 e que as tornas devidas não tenham sido pagas ao procurador da A., conforme a declaração por este emitida. Terminou com a improcedência da acção e a absolvição do pedido.

A final foi proferida sentença em que se julgou a acção totalmente improcedente e se absolveu o Réu dos pedidos formulados pela Autora.

Inconformada, deste veredicto recorreu a A. recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A apelação.

Nas conclusões com que encerra a respectiva alegação, a Autora levanta as seguintes questões:

Reapreciação da matéria de facto;

Se a declaração do procurador da A. do recebimento das tornas se deve ter por eficazmente contrariada por forma a reconhecer-se que o R. continua devedor das mesmas.

Se a A. tem direito a uma indemnização pelos danos não patrimoniais que reclama.

Não houve contra-alegações.

Conhecendo das questões recursivas.

Reapreciação da matéria de facto.

Entende a recorrente que foram incorrectamente julgados os factos dados como não provado em C e F da matéria não provada porque deveriam antes ter sido considerados como provados.

É o seguinte o teor dos aludidos factos:

“C) O Réu nunca pagou à Autora ou ao seu procurador R... as tornas devidas pela partilha da herança da sua mãe.

F) Em virtude da conduta do R. a A. anda preocupada, triste, ansiosa e aflita com medo de que o seu pai se desfaça do património e não lhe pague, prejudicando-a”.

No que concerne à prova do facto elencado em F) indica a apelante, em abono da propugnada alteração, as declarações de parte do R. e da A., os depoimentos de R... e S...

Em relação à prova testemunhal importa observar que, para a sua admissão, não se colocava nem se coloca a restrição de direito probatório material constante do nº 2 do art.º 393 do C. Civil. Isto porque o que está exclusivamente em causa é o facto do pagamento das tornas, facto que está fora do âmbito da prova plena emergente do documento autêntico em que se procedeu à partilha na qual se inseriu (art.º 371, nº 1, do CC). Como também aquela prova não é afastada pela eficácia da confissão/meio de prova com força probatória plena (art.º 358, nºs 1 e 2 do CC), atenta a interpretação que se irá fazer da quitação dada no documento, como infra melhor se explicitará.

No que concerne às declarações de parte do R. é desde logo de relevar o teor da assentada que ficou a constar da acta da audiência de julgamento de 07/03/2019 (fls. 31-32):

““O réu reconhece que em momento anterior ao da realização do procedimento simplificado de partilha, e no dia da realização daquele, não entregou à autora o montante devido a esta a titulo e tornas, ressalvando contudo ter acordado com a filha S... e o seu companheiro R..., procurador da autora nessa sede, que o pagamento das tornas seria efectuado mediante a venda do prédio que lhe foi adjudicado e relacionado como verba n.º 6 da relação de bens.”

Esta declaração do R. equivale ao reconhecimento inequívoco de que até à data em que ela foi proferida não havia pago as tornas devidas à A. no valor de €25.207,41. E não mais que isso.

Pois que incidiu sobre um facto desfavorável para o declarante (o não pagamento das tornas), consistiu numa confissão com esse exacto alcance.

E é até inteiramente compaginável com os restantes depoimentos produzidos pelos intervenientes na partilha, salvo quanto ao aludido acordo de pagamento.

Na verdade, o procurador da A., R..., inquirido pelo tribunal sobre o pagamento de tornas que declarou ter recebido, disse “Não sei”. A testemunha e irmã da A. S... confirmou que o pai efectivamente nada entregou, mas que também ela – a testemunha – não pretendia receber nada do R. (sem embargo de igualmente lhe caberem tornas deste no mesmo montante).    

A Autora prestou declarações no sentido de que deixou a partilha ao cuidado do seu procurador, somente chamando a atenção para o facto de querer “a sua parte” e que aquele lhe referiu que o R. o fez ciente de que tinha dinheiro a receber de uma campanha de amêndoas pelo que nessa altura pagaria as tornas que pertenciam à A..

Não se percebendo com nitidez a motivação que esteve na base da aceitação deste compromisso pelo procurador da A., depreende-se do seu depoimento, conjugado com o que foi prestado pela sua companheira e irmã da A. S..., que haveria alguma combinação previamente estabelecida para que o dinheiro não fosse entregue pelo R.. Tal como que terá sido esta irmã (por si ou com o seu companheiro) a diligenciar pela venda do imóvel adjudicado ao R., não se sabendo o que foi feito do preço.

Esta versão de que convinha aludir a uma promessa de um pagamento posterior pelo R. é, aliás, a que melhor encaixa no somatório da prova.

Sem prejuízo da circunstância de não ser à A. que cabia provar o não pagamento após a emissão da quitação, resulta do confronto dos depoimentos invocados que, na verdade, o R. nunca as pagou. Pelo que é de dar como provado o facto dado como não provado em C).

O que conduz a que igualmente se tenha de dar como provado na quase totalidade o facto provado em D, isto é, que “O procurador da A. R... declarou o referido em 2) dos factos provados porque o R. lhe disse que após a assinatura ia pagar tal valor à A.”.

Destarte, importa dar como provado o facto dado como não provado em C), e, concomitantemente, a maior parte do não provado em D) (quedando excluído o segmento alusivo à confiança na palavra do R.).

Pretende ainda a Autora que se dê como provado o facto inscrito em F) no elenco dos factos dados como não provados, acima transcrito.

Acontece que, quando ouvida em declarações de parte, foi a própria A. que afirmou que o R. iria “ter de lhe entregar de alguma forma” (em dinheiro ou em bens) o valor das tornas, não mostrando qualquer inquietação com essa expectativa atenta a determinação que revelou.

Não foi produzida qualquer outra prova.

Pelo que é de manter o facto em questão.

De sorte que são os seguintes os factos que esta Relação tem por definitivamente provados:

1) A Autora é filha do Réu.

2) Em 30/01/2014, na Conservatória do Registo Civil de ... foi efectuado o Registo Simplificado de Partilha e Registos com o n.º ..., da herança com o NIF ..., por morte de C..., falecida a 15/01/2010, no qual todas as verbas da relação de bens existentes foram adjudicadas ao Réu, tendo este a pagar tornas à Autora e a S..., no montante de 25.207,41€ cada, daí constando, entre o demais que ora se dá por integralmente reproduzido, o seguinte: “Procurador de E...: R..., solteiro, maior, (…) A partilhante E... declara ter recebido as tornas devidas pela partilha. O procurador R... na qualidade em que intervém, declara que a sua representada já recebeu as tornas devidas pela partilha.”

3) No momento da outorga da partilha referida em 2) o Réu não liquidou as tornas devidas à Autora.

4) O procurador R... vive em união de facto com S..., irmã da Autora e filha do Réu.

5) O Réu tem bens seus à venda e vendeu o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 2.644,38€, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., a C..., neto da companheira do Réu, pelo valor de 5.000,00€.

6) O Réu nunca pagou à Autora ou ao seu Procurador R... as tornas devidas pela partilha da herança da sua mãe.

7) O procurador R... declarou o referido em 2) dos factos porque o Réu lhe disse que após a assinatura ia pagar tal valor à Autora  

A declaração do procurador da A. e a prova do pagamento das tornas.

Insurge-se a Autora e recorrente contra a circunstância de, perante o facto provado documentalmente de o seu procurador ter declarado no documento da partilha “que a sua representada já recebera as tornas (…)”, a sentença recorrida considerar que lhe cabia a ela Autora provar que o Réu nunca lhe pagou as tornas.

Com a modificação da matéria provada desapareceu a premissa em que a sentença se respaldou.

Ainda assim, dado que o R. alegou na acção que o pagamento das tornas ocorrera com a declaração exarada pelo procurador da A. no documento de partilha sobre o recebimento das tornas, nunca seria a A. a ter que demonstrar que esse pagamento não se verificou em momento posterior.

Se não vejamos.

Não é controvertido nos autos que o procurador da A. R... interveio na partilha munido de poderes suficientes para proceder à partilha dos bens da herança da falecida C..., incluindo os de pagar e receber tornas (cfr. fls. 4 v e 37), o que necessariamente abrangia o poder de dar quitação do seu recebimento pelo eventual ou eventuais devedores (art.º 258 do CC).

No uso desses poderes, sendo a A. credora do R. F..., seu pai, do montante de tornas de €25.207,41, face à adjudicação de todos os bens a este interessado, declarou aquele procurador, nessa qualidade, que a sua representada, isto é, a A., já recebera as tornas.

Tratou-se aqui de uma declaração consubstanciando uma quitação.

Não se deve confundir quitação com confissão.

A quitação é uma mera declaração do credor atestando o cumprimento da obrigação pelo devedor, que este pode ou não exigir (art.º 787 do CC), declaração que toma o nome de “recibo” quando passada avulsamente.

Já a confissão é uma declaração de ciência que alguém emite sobre um facto que lhe é desfavorável (que pode ser de recebimento do pagamento de uma dívida) e que tem características específicas ou distintivas.

Sendo, tal como a quitação, uma declaração incorporada num acto jurídico voluntário, a confissão é, no entanto, susceptível de ser autonomamente anulada por falta ou vícios da vontade (art.º 359 do CC). Além disso, diversamente da quitação, é ainda um meio de prova legal e de prova legal plena quando realizada nas precisas circunstâncias aludidas na lei (art.ºs 347 e 358 do CC).

É certo que o art.º 347 do CC estatui que “A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei”.

Evidentemente que o meio de prova mencionado no preceito não poderá ser menos do que um meio de prova plena.

Em face do disposto no art.º 347 do CC parece que a força probatória plena da confissão extrajudicial do credor de que recebeu determinada importância em pagamento de certa dívida poderá cair se surgir uma confissão do próprio devedor, judicial ou extrajudicial com idêntica força probatória plena, de que nesse momento ou em momento anterior não a recebeu.

De todo o modo, o que então poderia haver seriam duas confissões contraditórias com o mesmo peso probatório (salvo quanto à confissão judicial, que classicamente a doutrina qualifica de prova pleníssima por não admitir prova do contrário).

Mas será sempre pertinente observar aqui que, na situação particular da confissão extrajudicial escrita dirigida à parte contrária que dispõe de força probatória plena (art.º 358, nº 2, do CC), é dificilmente concebível que, fora do quadro de uma viciação (falsificação/adulteração) do documento, seja possível demonstrar que não é verdadeiro o facto objecto da confissão do credor a não ser em consequência de uma falta ou vício da vontade do confitente.

Sem embargo do que dito fica, o que se reputa de fulcral é a averiguação sobre se, havendo quitação – como inequívocamente há no caso dos autos – ela também envolveu a intenção de produzir uma confissão do facto do recebimento da quantia das tornas pela A., como credora (no acto representada pelo seu procurador com poderes para o efeito).

Porque nem toda a declaração de quitação, como fórmula ou expressão tabelar, implica a vontade do credor declarar o recebimento da prestação devida.

Como enfatizou o Prof. Vaz Serra (RLJ, Ano 101, p. 269 e ss), a quitação “constitui, na maior parte dos casos, um testemunho do credor contra si mesmo, declarando este um facto contrário ao seu interesse e realizando uma confissão do facto da recepção do pagamento. Terá então a eficácia correspondente. Se, porém, a quitação for passada e entregue antes do cumprimento, a intenção do credor não é reconhecer a verdade do facto do cumprimento, não sendo, por isso, aplicáveis, sem mais, as regras que o seriam à quitação destinada ao cumprimento”.

Quer isto dizer que, em regra, a quitação envolve a confissão do pagamento, mas pode não ser essa a situação em concreto.    

Salienta o mesmo Professor (ob. e loc. citadas), que a declaração de quitação pode e deve ser objecto de uma livre interpretação do seu significado substancial, para o que estarão então disponíveis todos os meios de prova.

E aqui só serão aplicáveis as regras sobre a eficácia da declaração confessória documentada, nomeadamente as dos art.ºs 358, nº 2, 371 e 376 do CC após se concluir que ela, a quitação, significou uma confissão do credor da recepção do pagamento/cumprimento.

Exemplificando, o mesmo autor dá nota de situações em que o credor passa quitação quando quer apenas remitir a dívida; em que alguém quer reconhecer a própria inexistência da dívida; e ainda, citando agora Enneccerus-Lehmann, das hipóteses em que a quitação é passada antecipadamente à espera da prestação (sendo aqui de presumir que o pagamento se fez, competindo ao credor a prova de que ele não foi efectuado).

Uma hipótese hoje muito frequente de quitação que não corresponde à confissão do pagamento é, no acto da compra-e-venda, a da entrega de um cheque pelo comprador ao vendedor representando o preço convencionado.   

A interpretação da quitação no sentido de que ela não envolve confissão decorrerá necessariamente do facto de se provar que o pagamento não foi materializado até à emissão daquela.

Mas será sempre ao credor que caberá a demonstração de que, não obstante ter passado quitação ao devedor, o pagamento não foi efectivamente realizado (dado que não se verificou a confissão de tal facto).

Como é óbvio, o pagamento efectuado em momento posterior à passagem da quitação prova-se por si mesmo, nada tendo que ver com a declaração respectiva.

Em tal cenário, apesar da declaração de quitação, será naturalmente o devedor a ter de alegar e provar o pagamento, sem que para tal se lhe deparem quaisquer limitações probatórias.

Nos vertentes autos, o R., como devedor, cingiu-se à defesa do facto do cumprimento/pagamento da dívida no momento em que foi dada a quitação pelo procurador da A..

Como veio a confessar judicialmente que até esse momento não ocorrera tal pagamento, este facto foi levado ao acervo da matéria provada.

Pelo que, provado que o cumprimento/pagamento não ocorreu até esse momento, isto é, não provada a excepção do facto extintivo concretamente invocado pelo R., tinha a dívida de subsistir inexoravelmente (art.º 342, nº 2, do CC).

Neste quadro, o R. não pode deixar de ser condenado a pagar à A. a dívida de tornas que decorre do documento de partilha, acrescida dos juros de mora à taxa legal, sendo estes naturalmente devidos desde a data em que as tornas foram declaradas pagas.

Sobre a reparação dos danos não patrimoniais.

Dado que a A. soçobrou na prova da matéria do facto dado como não provado em F) esta sua pretensão não tem o sustentáculo material visado.

No entanto, sempre se dirá que o facto ali referido para as alegadas preocupação, tristeza, ansiedade e aflição da A.. – o invocado “medo de que o pai se desfaça do património” – é matéria perfeitamente espúria visto que o objecto da lide se reconduz exclusivamente à mora no pagamento da dívida de tornas.   Pelo exposto, na procedência da apelação, revogam parcialmente a sentença recorrida, pelo que, julgando a acção parcialmente procedente, condenam o R. a pagar à A. a quantia de €25.207,41, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 30.01.2014 até efectivo e integral pagamento. No mais decidido vai mantida a sentença absolutória do pedido.

Custas da apelação na proporção de 1/8 pela A. e 7/8 pelo R.

                                            Coimbra, 18 de Dezembro de 2019

Voto de vencido:

Concordo com a decisão, porém, com a seguinte discordância quanto à fundamentação:

Atestando a conservadora do registo civil (na escritura de partilhas) que os outorgantes (interessados na partilha) declararam que as tornas foram integralmente pagas e recebidas (que o R. declarou que as pagou e que a A., através do seu representante, declarou que as recebeu) ficam tais declarações cobertas pela força probatória plena (cfr. art. 358.º/2 do C. Civil, segundo o qual a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena).

Assim, a alegação da A., de não terem sido efectivamente pagas/recebidas as tornas declaradas em tal escritura, exige a prova da convenção de se ter declarado no documento um conteúdo contrário à verdade – ou seja, como resulta do referido por Vaz Serra, in RLJ, ano 101, pág. 272, a situação dos autos não é uma situação de simples quitação (um testemunho do seu autor contra si mesmo), hipótese esta em que, estando-se perante uma declaração unilateral, a prova dos factos contrários ou adicionais ao seu conteúdo não terá por objecto uma convenção – pelo que, sendo “convenção contrária” ao conteúdo da escritura, é, em princípio, inadmissível a sua prova por testemunhas (cfr art. 394.º/1 e 393.º/2, ambos do CC).

O que significa que era, ainda assim, admissível a prova por confissão do R., o que no caso veio a acontecer, ou seja, em síntese e a meu ver, em face da força probatória plena das declarações constantes da escritura, era a A. que tinha que provar que o pagamento das tornas não ocorreu (e não o R. a ter que provar o pagamento), o que, pese embora as referidas limitações probatórias (para o cumprimento de tal ónus probatório da A.), esta logrou através da referida confissão do R..

Barateiro Martins