Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1704/20.7T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
REJEIÇÃO DOS EMBARGOS
Data do Acordão: 04/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 344.º, N.º 2 E 345.º, AMBOS DO CPC
Sumário: O juiz pode indeferir liminarmente os embargos de terceiro com o fundamento de que não foram apresentados em tempo. Porém, só o deve fazer quando for manifesto, em face da petição, que a apresentação foi tardia.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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1 – RELATÓRIO

Por apenso à Execução de Sentença que “A..., S.A.” deduziu contra “V..., Unipessoal, L.da”, veio AA, em 05.11.2021, apresentar petição de embargos de terceiro, como oposição à penhora de veículo automóvel realizada naqueles autos principais em 17.06.2021, requerendo que sendo recebidos e considerados procedentes, por provados os embargos, em consequência seja ordenado o levantamento da penhora efetuada.

Muito em síntese, o Embargante alegou que adquiriu o veículo em causa à Executada em 15/03/2019, data em que não incidia sobre o veículo qualquer ónus, mas que o intermediário da venda não efetuou oportunamente o registo da aquisição a seu favor, vendo-se ele próprio obrigado a fazê-lo em 29/04/2021, sucedendo que «Em 17/06/2020, o Agente de Execução procedeu ao registo da penhora a favor da Exequente» (art. 12º do reqº de embargos), e que «Em 25/10/2021, o Embargante foi notificado pelo Agente de Execução para entregar as chaves do veículo» (art. 13º do reqº de embargos), mas porque desde 15/03/2019 ele Embargante é o legítimo proprietário e possuidor desse veículo «não assiste qualquer fundamento legal para a penhora efetuada».

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Em despacho liminar, o Exmo. Juiz de 1ª instância proferiu a seguinte decisão:

«AA veio, em 05.11.2021, apresentar requerimento de embargos de terceiro, como oposição à penhora de veículo automóvel realizada nos autos principais em 17.06.2021, conforme se retira do registo da mesma cujo comprovativo consta dos autos principais.

Dispõe o artigo 344.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que “O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas.”.

Compulsado o requerimento inicial, verifica-se que, não obstante a pretensão do embargante ter sido deduzida muito depois dos trinta dias após a realização da penhora, o mesmo não invocou que o conhecimento da penhora ocorreu em momento posterior ao da sua realização, alegando factos demonstrativos do cumprimento do referido prazo.

Desta forma, os embargos têm necessariamente que se ter por intempestivos.

Neste sentido, considere-se a posição de Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo (A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2017, 2.ª edição, Almedina, p. 87 e 88), “(…) No entanto, ainda que não tenha o ónus de demonstrar a data em que tomou conhecimento da prática do ato ofensivo, o embargante deverá alegar essa circunstância na respetiva petição, sob pena de os embargos poderem ser indeferidos liminarmente por intempestivos. Com efeito, tem sido entendimento praticamente pacífico na jurisprudência, de que o juiz poderá conhecer oficiosamente da caducidade dos embargos de terceiro no despacho liminar se a intempestividade for ostensiva e nada tiver sido alegado pelo embargante em sentido contrário. (…)”.

Nestes termos, tendo presente o supra indicado, perante a caducidade do direito do embargante agir mediante embargos de terceiro e ao abrigo do disposto no artigo 345.º, do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente os presentes embargos.

Custas pela embargante.

Valor: € 15.000,00 (quinze mil euros)

Registe e notifique. »

                                                           *

Inconformado com uma tal decisão, apresentou o Requerente recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1. O presente recurso assenta em três fundamentos:

a. Que o Embargante invocou a data em que tomou conhecimento da penhora e que essa data foi posterior ao momento da sua realização;

b. Que os presentes Embargos foram deduzidos dentro do prazo previsto no art.º 344º/2 do CPC;

c. Que o douto Tribunal “a quo” deveria ter convidado o Embargante a aperfeiçoar a PI ao abrigo do disposto no art.º 590º/3 e 4 do CPC.

2. Na PI apresentada, o Embargante no artigo 13º referiu expressamente que foi notificado pelo AE para entregar as chaves do veículo em 25/10/2021 (notificação com a referência j7... e constante do processo de execução principal).

3. Foi nessa data que o Embargante tomou conhecimento de que havia sido realizada uma penhora sobre o veículo do qual é proprietário desde 15/03/2019.

4. Na PI o Embargante alegou, por ordem cronológica, todos os factos relevantes para demonstrar não só o momento em que adquiriu o veículo objeto de penhora, como também o do momento em que tomou conhecimento que o veículo havia sido penhorado.

5. O Embargante alegou (e provou através de documento – Doc. 1) que na data de 15/03/2019 adquiriu o veículo à Executada, tomou posse do mesmo e que nessa data não existia qualquer ónus (artigos 1º a 6º da PI).

6. Em 29/04/2021, e por não ter sido efetuado o competente registo por parte da entidade responsável, o Embargante procedeu ao registo do veículo a seu favor (artigos 4º; 5º; e 7º a 9º da PI).

7. Em 05/11/2021 (tal como indicado no douto despacho liminar proferido) – e após a notificação efetuada pelo Agente de Execução - o Embargante deduziu os presentes Embargos, dentro do prazo dos 30 (trinta) dias previsto no art.º 344º/2 do CPC, pelo que não se verifica a exceção de caducidade, e não há fundamento para ter sido proferido despacho de indeferimento liminar.

8. O douto Tribunal “a quo” fundamentou a decisão com base na posição de Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo (A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2017, 2.a edição, Almedina, p. 87 e 88), “(...) tem sido entendimento praticamente pacífico na jurisprudência, de que o juiz poderá conhecer oficiosamente da caducidade dos embargos de terceiro no despacho liminar se a intempestividade for ostensiva e nada tiver sido alegado pelo embargante em sentido contrário”.

9. Não é sucede no presente caso, uma vez que no artigo 13º da PI o Embargante alega que no dia 25/10/2021 foi notificado pelo AE para entregar as chaves do veículo.

10. A alegação deste facto não pode ser considerada como “ostensiva e nada tiver sido alegado pelo Embargante em sentido contrário”.

11. Admitindo-se que essa alegação possa ser insuficiente concretizador de um facto essencial, deveria o Tribunal “a quo” ter proferido um despacho de convite a aperfeiçoamento da PI por forma a permitir que o Embargante concretizasse/completasse/aperfeiçoasse a eventual imperfeição da alegação, tal como prevê o art.º 590º/3 e 4 do CPC.

12. Em face do exposto, dúvidas não restam que o Embargante alegou e concretizou o momento em que tomou conhecimento da penhora ao veículo (25/10/2021) e que deduziu os presentes Embargos de Terceiro tempestivamente (05/11/2021), pelo que não assiste razão ao douto Tribunal “a quo” para indeferir liminarmente os presentes Embargos de Terceiro.

13. Ainda que, por mera hipótese académica, se aceite que o facto alegado no artigo 13º da PI não concretiza suficientemente a data em que o Embargante tomou conhecimento da penhora, deveria o douto Tribunal “a quo” ter proferido despacho a convidar ao aperfeiçoamento da PI, nos termos do disposto no art.º 590º/3 e 4 do CPC.

Pelo exposto e pelo mais que possa resultar do Douto suprimento de V.Exas. deve dar-se provimento ao presente recurso, anulando-se ou revogando-se o douto despacho de indeferimento liminar proferido devendo ser substituído por um que determine o presseguimento dos presentes Embargos de Terceiro ou, em alternativa, que convide o Embargante a aperfeiçoar a PI,

Assim se fazendo justiça!»

                                                                       *

Não houve contra-alegações.

                                                           *

            O Exmo. Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído.

            Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões são:

 - desacerto da decisão que julgando verificada a caducidade do direito do Embargante indeferiu liminarmente os embargos deduzidos pelo mesmo, quando é certo que o Embargante havia alegado a data em que tomou conhecimento da penhora, e que a essa luz os embargos foram deduzidos dentro do prazo previsto no art. 344º/2 do n.C.P.Civil?;

- subsidiariamente, deveria ter sido endereçado convite ao Embargante no sentido de aperfeiçoar a PI ao abrigo do disposto no art. 590º/3 e 4 do mesmo n.C.P.Civil?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade que interessa ao conhecimento do presente recurso, é, fundamentalmente, a que consta do Relatório que antecede.            

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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 – Questão do desacerto da decisão que julgando verificada a caducidade do direito do Embargante indeferiu liminarmente os embargos deduzidos pelo mesmo, quando é certo que o Embargante havia alegado a data em que tomou conhecimento da penhora, e que a essa luz os embargos foram deduzidos dentro do prazo previsto no art. 344º/2 do n.C.P.Civil:

Sustenta o Requerente/embargante/recorrente que, «(…) o Embargante alegou, por ordem cronológica, todos os factos relevantes para demonstrar não só o momento em que adquiriu o veículo objeto de penhora, como também o do momento em que tomou conhecimento que o veículo havia sido penhorado.

Com efeito, o Embargante alegou (e provou através de documento – Doc. 1) que na data de 15/03/2019 adquiriu o veículo à Executada, tomou posse do mesmo e verificou que não existia qualquer ónus (artigos 1º a 6º da PI).

Em 29/04/2021, e por não ter sido efetuado o competente registo por parte da entidade responsável, o Embargante procedeu ao registo do veículo a seu favor (artigos 4º; 5º; e 7º a 9º da PI).

No pedido de registo declarou que a venda ocorreu em 15/03/2019, tendo pago a competente sanção pecuniária prevista pelo art.º 28º do Código do Registo Automóvel (artigos 10º e 11º da PI).

Apenas em 25/10/2021 é que o Embargante tomou conhecimento da penhora efetuada, data em que foi notificado pelo Agente de Execução para entrega das chaves (notificação com a referência ... e constante do processo de execução principal).

Tendo apresentado a sua PI em 05/11/2021 (tal como indicado no douto despacho liminar proferido) verifica-se que o Embargante não só alegou o momento em que tomou conhecimento da ofensa, como deduziu os presentes embargos dentro do prazo dos 30 (trinta) dias previsto no art.º 344º/2 do CPC, pelo que não se verifica a exceção de caducidade dos presentes Embargos, nem tão pouco fundamento para que tenham sido liminarmente indeferidos.».

Que dizer?

Que em nosso entender o Requerente não alegou de forma proficiente, expressa e clara o núcleo factual consubstanciador da tempestividade dos embargos por si deduzidos, mas também não é caso para afirmar perentoriamente – como feito na decisão sob recurso! – que o Embargante «(…) não invocou que o conhecimento da penhora ocorreu em momento posterior ao da sua realização, alegando factos demonstrativos do cumprimento do referido prazo.».

Senão vejamos.

Os embargos de terceiro são o modo processual de reagir por quem, não sendo parte na causa, veja ofendida, através de penhora ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência.

Na situação ajuizada, discute-se se se justifica o indeferimento liminar do requerimento de embargos de terceiro à penhora.

Na situação dos embargos de terceiro, um dos fundamentos para indeferimento liminar é, certamente, a manifesta improcedência do pedido (cfr. arts. 590º, nº 1 e 345º do n.C.P.Civil), o que não é o caso.

Já no que respeita à tempestividade (ou não) dos embargos, importa ter em conta que o art. 344º, nº 2 do dito n.C.P.Civil[2] estipula que o embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas.

Ora, na petição inicial de embargos o Embargante alega que em 17/06/2020, o Agente de Execução procedeu ao registo da penhora a favor da Exequente (cf. art. 12º do reqº de embargos), e que em 25/10/2021, ele Embargante foi notificado pelo Agente de Execução para entregar as chaves do veículo (cf. art. 13º do mesmo reqº de embargos).

É certo que não foi clara e expressamente dito que só nessa data de 25/10/2021 teve ele conhecimento da penhora…

Mas é isso que se interpreta e deduz da forma como descreveu a situação, na medida em que o fez seguindo um relato cronológico da situação, sendo que, ainda que de forma implícita, quis dizer que foi com essa notificação do Agente de Execução para entregar as chaves do veículo [feita em 25/10/2021] que ele Embargante teve conhecimento da penhora.

Vista a questão de outra forma, tal correspondeu à afirmação pelo Embargante de que teve conhecimento da penhora do veículo, que afirma pertencer-lhe, dentro do período de tempo que a lei impõe para serem deduzidos os embargos.

Essa é a melhor interpretação que, sem qualquer sofisma, se retira do exposto.

À luz deste entendimento, não nos parece curial a prolação da decisão recorrida, pois que a mesma só se justificaria se, de forma evidente, resultasse essa extemporaneidade dos embargos, isto é, desde que da petição inicial constassem os factos que demonstrassem de forma inequívoca em que data o embargante teve conhecimento da diligência ofensiva da sua posse ou do seu direito, e sobre essa data já tivessem decorridos 30 dias.

O que, salvo o devido respeito, não é manifestamente o caso!

Como quer que seja, parece-nos incontestável que a decisão não teve em devida conta a natureza do prazo em questão, a saber, um prazo de caducidade.

Com efeito, o art. 343º, nº2 do C.Civil dispõe que «Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei » (sublinhados nossos).

Sendo que da conjugação desta norma com a anteriormente citada constante do art. 344º, do n.C.P.Civil, parece-nos manifesto que o prazo para o lesado deduzir o incidente de oposição mediante embargos de terceiro, é um prazo de caducidade, donde exceção perentória cujos factos subjacentes devem pelo embargado ser alegados e provados[3].

 Mas será que não pode e deve o juiz conhecer, oficiosamente [com base na alegação do embargante e nos elementos já constantes do processo ao qual são os embargos apensados - cfr. nº1 do art. 344º do n.C.P.Civil] da tempestividade da apresentação dos embargos?

Também nos parece que sim, na medida em que reza o já citado art. 345º do n.C.P.Civil, que «Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos (…)» (sublinhados nossos).

Sendo certo que este poder/dever do juiz de sindicar a tempestividade dos embargos, se traduz em que a manifesta extemporaneidade dos embargos é motivo para a imediata prolação de decisão de indeferimento liminar da petição.

Donde, «Dir-se-á que, o disposto no artº 345º, primeira parte, do CPC, consubstancia/consagra como que uma das soluções especiais a que alude a parte final do nº2, do artº 343º, do Código Civil, podendo e devendo o tribunal conhecer ex officio da excepção atinente à propositura de acção após o decurso do prazo de 30 dias do conhecimento da ofensa pelo embargante.»[4].

Vejamos ainda o que nesta mesma linha de entendimento já foi doutamente sustentado a este propósito[5]:

«No regime actual, por força do disposto no artigo 354º [o qual corresponde ao artº 345º, do CPC, aprovado o pela Lei nº 41/2013, de 26/6], a petição de embargos de terceiro deve ser liminarmente indeferida se não for apresentada em tempo, pelo que a excepção da caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, se os factos respectivos resultarem da petição inicial, configurando-se, assim, neste procedimento, mais uma excepção à regra constante do nº 2 do artº 333º, do Código Civil.

Tendo em conta o disposto no artº 333º, nº2, trata-se de uma solução que não se conforma como disposto no artigo 496º, segundo o qual, o tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torna dependente da vontade do interessado.

Tendo em conta o disposto no artº 342º, nº2, do Código Civil, é ao embargado que incumbe ónus de alegação e de prova da extemporaneidade dos embargos, e , não se provando a data do conhecimento do facto lesivo, devem considerar-se tempestivamente instaurados.

Assim, se apenas se verificar a extemporaneidade dos embargos de terceiro face à data do acto de penhora, ainda que o embargante não tenha alegado a data em que dela teve conhecimento, não pode o juiz rejeitá-los liminarmente, isto é, não pode conhecer oficiosamente da excepção peremptória em causa antes de sobre isso ter exercido o contraditório, porque o ónus de demonstrar a efectiva extemporaneidade recai sobre o embargado.

Em consequência, só após a contestação dos embargos de terceiro é oportuna a decisão sobre a extemporaneidade ou não dos embargos com base nos articulados por ambas as partes, na fase da condensação se já houver factos assentes relevantes para o efeito».

Sucede que, como decorre do disposto no nº1, do art. 590º do n.C.P.Civil [ao dispor que o despacho de indeferimento liminar apenas se justifica quando na presença de pedidos manifestamente improcedentes, ou na presença, evidente, de exceções], devem os tribunais devem fazer uso prudente e cauteloso do poder que lhes é conferido de proferir despacho liminar de indeferimento.

O que tudo serve para dizer que só existiria fundamento para o despacho proferido se, com segurança, se pudesse concluir pela extemporaneidade dos embargos, o que não era nem é o caso!

Nestes termos logo procedendo o recurso em resposta a esta primeira questão recursiva.

                                                           *

4.2 – Questão (subsidiária) de que deveria ter sido endereçado convite ao Embargante no sentido de aperfeiçoar a PI ao abrigo do disposto no art. 590º/3 e 4 do mesmo n.C.P.Civil

            Cremos que esta questão final se encontra prejudicada pelo precedentemente decidido.

            Ainda assim vamos apreciá-la brevemente, porquanto ela introduz aspetos que convém não descartar liminarmente.

Senão vejamos.

            Já se deixou expresso o entendimento de que o Requerente alegou de forma suficiente o núcleo factual para efeitos de se aferir liminarmente a tempestividade dos embargos.

Mas caso assim se não entenda, isto é, a subsistir o entendimento de que a exposição desse circunstancialismo factual pelo Requerente, na sua petição inicial, estava deficientemente efetuado ou era equívoco, então a solução que se impõe é a de convidar o Requerente a completar ou corrigir o respetivo articulado (cf. art. 590º, nº4 do n.C.P.Civil).

Na verdade, isso corresponde a um dever vinculado do julgador no atual quadro processual[6], donde a sua omissão poder gerar, só por si, uma nulidade.

Sendo certo que a arguição desta se tem de ter por tempestiva[7], na medida em que ao ter sido coberta pela decisão judicial, a questão deixou de ter o tratamento das nulidades, para passar a seguir o regime do erro de julgamento[8].

Nesta linha também é de dar procedência a esta questão recursiva, com o correspondente acolhimento no dispositivo da presente decisão.

                                                           *

(…)

*

6 – DISPOSITIVO

            Pelo exposto, decide-se a final, na procedência da apelação, revogar a decisão recorrida, devendo o tribunal recorrido em despacho liminar ordenar a tramitação processual subsequente dos autos em ordem ao subsequente recebimento ou rejeição dos embargos, sem prejuízo de preliminar convite ao Requerente no sentido de completar ou corrigir a respetiva petição quanto ao aspeto da sua tempestividade, sendo disso caso.

            Custas do recurso a atender, a final, pela parte que resulte vencida (tabela I-B).

                                                                       *

                        Coimbra, 26 de abril de 2022   

                                                        Luís Filipe Cravo

                                                      Fernando Monteiro

                                                         Carlos Moreira




[1] Relator: Des. Luís Cravo
   1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
   2º Adjunto: Des. Carlos Moreira

[2] Aliás, de forma idêntica à do art. 353º, nº 2 do precedente C.P.Civil (isto é, na redação anterior à reforma do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06)…
[3] Cf. neste sentido o acórdão do STJ de 30/11/2006, proferido no proc. nº 06B4244, acessível em  www.dgsi.pt/jstj.

[4] Cfr. o acórdão do TRL de 08.02.2018, proferido no proc. nº 2768/15.0T8CSC-A.L1-6, acessível em www.dgsi.pt/jtrl, aliás, citado nas alegações recursivas.
[5] Assim por SALVADOR DA COSTA, in “Os Incidentes da Instância”, 5ª Edição, Actualizada e Ampliada, Livª Almedina, Coimbra, 2008, a págs. 225-226.
[6] Por contraposição ao anterior, em que correspondia a um poder-dever funcional (cf. nº 3 do art. 508º do C.P.Civil), cuja omissão não gerava qualquer nulidade.
[7]Atente-se que à luz do regime geral dos arts. 149º, nº1 e 199º, nº1, ambos do n.C.P.Civil, o prazo de reclamação/arguição da nulidade seria o de 10 dias…
[8] Neste sentido A. ABRANTES GERALDES, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Livª Almedina, 2013, a págs. 23.