Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
228/05.7TBMIR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: RECURSO
CONCLUSÕES
ALTERAÇÃO DE FACTO
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MIRA - TRIBUNAL JUDICIAL ( EXTINTO ) - SECÇÃO ÚNICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.690º, E 712º DO CPC/61
Sumário: 1. O tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objecto do recurso, sendo que, tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada no respectivo corpo.

2. A Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os elementos fornecidos pelo processo (a prova produzida) ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 712º, do CPC de 1961, na redacção conferida pela reforma de 1995/96).

Decisão Texto Integral:            
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

I. Em 23.6.2005, E (…) e mulher, M (…), instauraram a presente acção ordinária contra C (…)[1] e mulher, M (…), pedindo a condenação dos Réus a executarem as obras necessárias à reparação das fissuras, bem como a eliminarem todas as eflorescências causadas pela humidade, e a pintarem as paredes e os tectos danificados da fracção autónoma dos AA. indicada na petição inicial (p. i.), assim como a aplicarem caleira na cobertura da marquise dos Réus ou a executarem um beiral na mesma, por forma a eliminar a queda de água sobre a guarda da varanda dos AA., procedendo também à reparação de todas as deteriorações causadas na fracção dos AA., repondo-a nas condições em que se encontrava anteriormente, fixando-se o prazo de 90 dias para a prestação do facto e o pagamento de € 30 por cada dia de incumprimento, a título de cláusula compulsória, ou a pagarem os Réus o custo dessas mesmas obras, estimado em € 7 500, e os juros de mora, à taxa legal, desde a citação [a)]; e, ainda, a condenação dos Réus a pagarem-lhes a importância de € 3 000 a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, e em quantia a liquidar pelos danos não patrimoniais que continuarão a sofrer, a partir da data da propositura da acção e até à reparação do apartamento [b)].

            Alegaram, em síntese: são donos e possuidores da fracção autónoma melhor identificada na p. i., sendo os Réus donos e possuidores da fracção autónoma situada imediatamente acima da dos AA.; os Réus procederam à execução de obras no interior do seu apartamento, originando fissuras nas paredes e nas lajes do tecto da fracção dos AA.; em virtude das mesmas obras e das alterações introduzidas, passou a haver uma forte transmissão de sons de percussão, por diminuição significativa do isolamento acústico, tornando-se insuportável para os AA. o ruído provocado por impacto no solo do apartamento por cima do seu; na mesma ocasião, os Réus construíram, na varanda a poente, uma cobertura de vidro da marquise que descarrega águas pluviais sobre a guarda da varanda dos AA., por falta de caleira ou por não ter avançado o beiral relativamente àquela guarda da varanda, facto que origina a queda de água, mesmo quando não chove, sobretudo à noite, por efeito da condensação, deteriorando a guarda da varanda dos AA.; devido à deficiente estanquicidade das ligações das tubagens dos esgotos domésticos entre si e aos aparelhos sanitários particulares do andar dos Réus, houve contínuas infiltrações de água nas casas de banho do apartamento dos AA., originando o aparecimento de eflorescências do tipo fúngico e de decomposição química do betão e argamassas, por causa da humidade quase permanente nas áreas onde se manifestaram, conforme melhor se refere na p. i.; estimaram em cerca de € 7 500 o custo da reparação e eliminação dos identificados danos; sofreram danos não patrimoniais com a perturbação do seu sono, saúde e bem-estar, tal como a sensação de revolta e angústia sofrida por causa dos referidos danos.

Os Réus contestaram dizendo, em resumo: as fracções em causa foram construídas cerca do ano de 1970; os AA. e os seus antepossuidores nunca repararam a fracção de que são proprietários, tão-pouco se preocupando minimamente com as partes comuns do prédio; as mencionadas obras levadas a cabo pelos Réus foram efectuadas na altura em que estes adquiriram o apartamento em causa, há mais de sete anos, não havendo nunca quaisquer reclamações por banda dos AA.; os elencados defeitos não podem ser consequência de tais obras; carecendo o prédio da realização de obras nas partes comuns – obras essas a que os AA. sempre se esquivaram –, e tratando-se o apartamento dos AA. de local no qual apenas se encontram alguns dias por ano, durante a época balnear, não podem ser os contestantes responsabilizados pelos custos de uma realidade que apenas tem origem na deterioração das partes comuns do edifício e no desmazelo a que os AA. votaram o seu apartamento ao longo de décadas. Concluíram pela total improcedência da acção.

Foi proferido o despacho saneador (tabelar) e seleccionou-se a matéria de facto (assente e controvertida), não reclamada.

Realizadas as diligências instrutórias (perícias de fls. 149, 157 e 222) e transcorridos mais de 3 (três) anos e meio com as sucessivas suspensões da instância (cf. fls. 269, 295, 398, 418 e 436), iniciou-se então a audiência de discussão e julgamento com a realização de uma inspecção judicial (fls. 482).

Concluída a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal, por sentença de 27.6.2013, julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré M (…) a, no prazo de 90 (noventa) dias a contar do trânsito da presente sentença, aplicar uma caleira na cobertura ou a executar um beiral na marquise da sua fracção (…), por forma a eliminar a queda de água sobre a guarda da varanda da fracção dos demandantes; fixou-se a título de sanção pecuniária compulsória a impender sobre a Ré a quantia de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso da mesma no cumprimento da referida obrigação; absolveu-se a Ré do demais peticionado.

Inconformados, pugnando pela procedência integral do pedido, os AA. interpuseram a presente apelação formulando as seguintes conclusões:

1ª - Deve alterar-se a resposta ao quesito 2º da base instrutória (b. i.) passando a dar-se como provado que a execução das obras referidas em E) e 1º provocaram fissuras nas paredes e nas lajes do apartamento dos Autores, designadamente, no átrio, na sala principal, corredor e quarto poente, com excepção da fissura longitudinal existente ao nível do rés-do-chão.

2ª - Deve alterar-se as respostas aos quesitos 12º e 14º da b. i. passando a dar-se os mesmos como provados.

3ª - Deve alterar-se a resposta ao quesito 16º da b. i. passando a dar-se o mesmo como não provado.

4ª - O Tribunal a quo, na decisão de tais quesitos fez uma apreciação restritiva, não analisando correcta e criticamente as provas carreadas nos autos.

5ª - É facto notório e do senso comum que os AA. sofrem danos indemnizáveis pelo ruído causado e que esse ruído é ampliado pela substituição da madeira pela tijoleira cerâmica.

6ª - As decisões recorridas violam, entre outras, as disposições dos art.ºs 653º, n.º 2, última parte, 668º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código do Processo Civil (CPC), na sua redacção anterior, e dos art.ºs 483º, n.º 1, 562º e 564º, do Código Civil (CC).

            A Ré não respondeu à alegação de recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar e decidir, principalmente[2]: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito, sobretudo no tocante à pretendida compensação por alegados danos não patrimoniais decorrentes da actuação da Ré.


*

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

a) Os AA. são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma designada pela letra “C”, destinada a habitação, correspondente ao 1º andar com vestíbulo, seis compartimentos, casa de banho e varandas, anterior e posterior, sito no bloco norte do prédio urbano situado no lugar e freguesia de Praia de Mira, submetido ao regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de Mira sob o n.º 103 da dita freguesia, e inscrito na respectiva matriz predial pelo art.º 813. (A)

b) Os AA. adquiriram o apartamento referido em II. 1. a) por doação que lhes fizeram (…), estando a aquisição registada a favor daqueles pela inscrição “G-3”. (B)

c) A Ré é legítima proprietária e possuidora da fracção autónoma designada pela letra “D”, destinada a habitação, correspondente ao 2º andar com vestíbulo, seis compartimentos, casa de banho e varandas, anterior e posterior, sito no bloco norte do mesmo prédio urbano. (C)

d) O apartamento dito em II. 1. c) situa-se imediatamente acima da fracção dos AA. descrita em II. 1. a). (D)

e) A Ré e o seu falecido marido procederam à execução de obras no interior do seu apartamento. (E)

f) A Ré e o seu falecido marido, ao procederem às obras referidas em II. 1. e), substituíram o revestimento dos pisos – que era em tacos de madeira de pinho nos quartos e em tijoleira no corredor, na sala e na varanda – por um novo revestimento em grés cerâmico vitrificado. (resposta ao art.º 1º)

g) Existem fissuras nas paredes e nas lajes do apartamento dos AA., designadamente no átrio, na sala principal, no corredor e nos quartos a poente, sendo que algumas das fissuras apresentam um deslocamento pronunciado do revestimento onde está aplicada a pintura. (resposta ao art.º 2º; 3º)

h) Não existe isolamento acústico adequado entre as várias fracções que compõem o prédio urbano aludido em II. 1. a), tornando-se audíveis, entre essas mesmas fracções, diversos ruídos (sobretudo os provocados por impacto no solo). (resposta ao art.º 4º)

i) A Ré e o seu falecido marido construíram, na varanda a poente, uma cobertura em placas modulares de tipo policarbonato celular da marquise, que descarrega as águas pluviais directamente sobre a guarda da varanda dos AA., por falta de caleira e por não ter avançado o beiral relativamente àquela guarda de varanda, o que origina a queda de água, deteriorando a guarda da varanda dos AA.. (resposta aos art.ºs 5º e 6º)

j) Devido à deficiente estanquicidade na prumada dos tubos de queda das instalações sanitárias do apartamento da Ré houve infiltrações de águas nas casas de banho do apartamento dos AA., o que originou o aparecimento de eflorescências do tipo fúngico e de decomposição química do betão e argamassas. (resposta ao art.º 7º; 8º)

k) A deficiente estanquicidade dita em II. 1. j) causou infiltrações de água no quarto de banho dos AA., adjacente à empena norte do prédio. (resposta ao art.º 9º)

l) As eflorescências também são visíveis na caixa de escada comum do prédio, na parede contígua à casa de banho do andar superior e na parede daquela casa de banho contígua com o exterior. (10º)

m) Na reparação e eliminação dos prejuízos referidos em II. 1. i) a l), os AA. terão de despender quantia não concretamente apurada. (resposta ao art.º 11º)

n) As humidades e eflorescências (bolor) e a deficiência do isolamento acústico atentam à saúde dos AA. e à sua comodidade habitacional. (14º)

o) As fracções aludidas em II. 1. a) e c) foram construídas cerca do ano de 1968. (resposta ao art.º 15º)

p) Os AA. e os seus antecessores no apartamento mencionado em II. 1. a) nunca repararam ou efectuaram obras de conservação nesse mesmo apartamento, nem quiseram contribuir para a realização de quaisquer obras nas partes comuns do prédio. (resposta ao art.º 16º)

q) As obras referidas em II. 1. e), além de serem de reparação, já têm mais de sete anos, altura em que a Ré e o seu falecido marido adquiriram o apartamento. (17º)

r) O prédio total (bloco norte), que é composto por três fracções, tem um exterior diferente a meio, correspondente à fracção dos AA.. (20º)

s) Os AA. vêm à fracção aludida em II. 1. a) essencialmente no Verão, embora também ali acedam durante alguns fins-de-semana ao longo do resto do ano. (resposta ao art.º 21º)

t) A mesma fracção encontra-se deteriorada, interior e exteriormente. (22º)

u) O estado de deterioração interior e exterior desta fracção vai-se agravando cada vez mais – e para além dos factos referidos em II. 1. i) a k) – igualmente devido à falta de obras de reparação e conservação ao longo já de cerca de 40 anos, assim como a problemas de estanquicidade na cobertura do prédio e de drenagem de águas pluviais, a problemas de funcionamento do sistema de drenagem de águas residuais do edifício, e ainda ao estado de degradação cada vez maior da envolvente externa construída (fachadas do prédio). (resposta ao art.º 23º)

v) As paredes, tubagens e canalizações comuns necessitam de substituição, além de conservação e reparação. (24º)

w) Os AA. ainda não estiveram de acordo com a Ré e o seu então marido (falecido) nem com a dona do apartamento situado no rés-do-chão do prédio na realização das obras mencionadas em II. 1. v). (resposta ao art.º 25º)

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Tratando-se de decisão final proferida antes de 01.9.2013 e respeitando a acção instaurada antes de 01.01.2008, o presente recurso segue o regime anterior ao DL 303/07, de 24.8 (cf. art.ºs 5º e 7º, da Lei n.º 41/2013, de 26.6).[3]

 3. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (art.º 690º, n.º 1, do Código Processo Civil/CPC de 1961[4], na redacção anterior à introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24.8), ou seja, ao ónus de alegar acresce o ónus de concluir, indicando quais os fundamentos do recurso – as razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, importando que a alegação feche pela indicação resumida das razões por que se pede o provimento do recurso (a alteração ou a anulação da decisão).

Ora, o tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objecto do recurso; só deve conhecer, pois, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objectiva que haja sido dada ao recurso, no corpo da alegação[5], sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada no respectivo corpo.[6]

Assim, perante o aludido enquadramento normativo, esta Relação considerará, apenas, as concretas questões agora suscitadas que respeitem aquelas exigências e relevem para a (re)ponderação e o desfecho da lide, razão pela qual, independentemente de outras discrepâncias ou incongruências, não se poderá conhecer, por exemplo, de qualquer pretenso erro na apreciação da prova no tocante à resposta ao art.º 4º da b. i. [problemática não levada às “conclusões”, sendo que nenhuma consequência ou “alteração” foi depois mencionada no arrazoado da “FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO” da mesma alegação/cf. fls. 634 e 635] ou de quaisquer causas de nulidade da sentença [das mencionadas na última conclusão da alegação de recurso (cf. ponto I, supra e art.º 668º), ou de quaisquer outras, porquanto tal matéria não se encontra minimamente explanada na “alegação” propriamente dita].

4. a) Reportando-se, apenas, à prova documental produzida nos autos, os recorrentes pugnam por respostas diversas relativamente à matéria incluída nos art.ºs 2º, 12º, 14º e 16º da b. i..

Colocada em crise a factualidade do art.º 14º - onde se perguntava se “as humidades e eflorescências (bolor) e a deficiência do isolamento acústico atentam à saúde dos Autores e à comodidade habitacional?” -, matéria que obteve do Tribunal a quo a resposta provado (e que vai de encontro à posição dos AA./recorrentes…/cf. fls. 49, 601 verso e 610), apenas se poderá/deverá concluir que o explanado e requerido no recurso (maxime, que se responda afirmativamente a tal matéria) é obviamente contraditório e, sem quebra do respeito sempre devido, revela manifesta falta de cuidado na apresentação dos respectivos fundamentos.

Resta, pois, o eventual erro na apreciação da prova relativamente à factualidade dos art.ºs 2º, 12º e 16º da b. i..

Perguntava-se em tais art.ºs:

- A execução das obras referidas em E) e 1º provocaram fissuras nas paredes e nas lajes do apartamento dos Autores, designadamente, no átrio, na sala principal, corredor e quarto poente? (2º)

- O aparecimento das fissuras, manchas de humidade e deficiente isolamento acústico tem causado a perturbação do sono dos Autores e do seu bem-estar? (12º)

- Os Autores e os seus antepossuidores nunca repararam ou efectuaram obras de conservação na fracção de que são proprietários, e tão pouco se preocuparam com as partes comuns do prédio? (16º)

O Tribunal a quo considerou provada, apenas, a factualidade mencionada em II. 1. alíneas g) e p), supra, e não provada a matéria do art.º 12º, pugnando os recorrentes para que se dê como integralmente provada a factualidade deste art.º, como não provada a factualidade do art.º 16º e que, relativamente ao art.ºs 2º, se dê como provado que a execução das obras referidas em E) e 1º provocaram fissuras nas paredes e nas lajes do apartamento dos Autores, designadamente, no átrio, na sala principal, corredor e quarto poente, com excepção da fissura longitudinal existente ao nível do rés-do-chão.

b) Salvo o devido respeito por diferente entendimento, afigura-se que nada justifica a introdução de quaisquer modificações à decisão de facto, como se explicitará de seguida.

Afastada ou ignorada a prova pessoal produzida em audiência de discussão e julgamento e, assim, não se podendo sequer apreciar as demais circunstâncias, aqui em apreço, sobre a residência dos AA. no apartamento em causa [relevando, tão-somente, quanto ao quando, a matéria vertida em II. 1. s), supra], não vemos como seja possível responder afirmativamente à factualidade incluída no art.º 12º da b. i., sendo que, admitindo-se que “o ruído perturba o descanso e a comodidade e as humidades e bolores atentam contra a saúde dos residentes, sendo, por isso, atentatórios do bem-estar e da comodidade habitacional”, no caso vertente  - independentemente das demais questões relevantes para o desfecho da lide (atinentes, sobretudo, à problemática do nexo de causalidade e da imputação dos factos ao agente e/ou, por exemplo, a imóvel que lhe cumpra vigiar ou preservar) -, sempre se imporia indagar, e demonstrar, se e em que medida os AA. terão/teriam sido concretamente afectados por tal estado de coisas.

Ora, a prova produzida e a reapreciar (ou susceptível de reapreciação) não permite ou impõe resposta diversa da que veio a ser dada pelo Mm.º Juiz a quo, sem prejuízo, naturalmente, de eventuais inferências (factuais) com relevância para o desfecho da lide.

c) No que concerne aos demais aspectos da factualidade objecto de impugnação, os elementos disponíveis (documentos) também não apontam para a existência de qualquer erro na decisão.

Na verdade, e pela ordem da sua apresentação nos autos, resulta, nomeadamente:

A - Em Janeiro de 2005, “exteriormente o edifício apresenta-se com um aspecto ´envelhecido` para o que naturalmente contribui a forte corrosão marítima a que está sujeito e também ao facto de previsivelmente não se terem verificado obras de repintura e de conservação nos últimos anos”.

(Relatório técnico apresentado, pelos AA., a fls. 13);

B - As fissuras podem ter origem diversa, nomeadamente: a) Quando surgem ao longo da junção entre materiais diferentes, revestidos em continuidade, devem-se à diferença de características dos dois materiais (módulo de elasticidade, coeficiente de dilatação térmica,…), que implicam deformações diferentes, quando sujeitos a acções térmicas, higrométricas e de carregamento; b) Quando surgem nos ângulos dos vãos são devidas à concentração de tensões nessas zonas; c) Devido à fendilhação do suporte; d) Devido a acções dinâmicas ou estáticas que actuam sobre os elementos construtivos;

- A demolição/remoção com recurso a martelos demolidores implica a introdução de acções de impacto e de vibração nos elementos construtivos onde incide, podendo ser[7] a causa do aparecimento de algumas fissuras (Assim, caso se tenha usado este tipo de equipamento é provável que tenha sido a causa de fissuração de elementos construtivos nas outras habitações). No entanto, observou-se ao nível das lajes de pavimento o desenvolvimento de uma fissura longitudinal com cerca de 1,5 mm de abertura que, não só existe ao nível da laje de tecto da sala e quartos (a poente) do 1º andar, mas também ao nível da laje de tecto (dos mesmos compartimentos) do rés-do-chão, exactamente no mesmo local, e que é consequência da deformação por fluência e rotação das lajes maciças em consola, pelo que não se atribui a origem desta fissura às obras de reabilitação efectuadas no 2º andar.

(Relatório pericial da Secção Autónoma de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro de fls. 149, complementado pelos “esclarecimentos” de fls. 196)

C - Observou-se ao nível das lajes de pavimento o desenvolvimento de uma fissura longitudinal com cerca de 1,5 mm de abertura que, não só existe ao nível da laje de tecto da sala e quartos (a poente) do 1º piso, mas também ao nível da laje de tecto (dos mesmos compartimentos) do rés-do-chão, exactamente no mesmo local. Pela análise efectuada aos elementos fornecidos relativos ao projecto de estabilidade, pode-se concluir que a zona fissurada é consequência da deformação por fluência e rotação das lajes maciças em consola. Apesar de não se ter efectuado nenhuma sondagem local, é muito sugestivo que esta área seja de transição entre a laje maciça e a laje aligeirada indicada em projecto. Não se atribui a origem desta fissura às obras de execução da marquise do 2º andar feita com uma estrutura leve em alumínio, pela repetitividade da fissura ao nível dos pavimentos em consola do alçado principal.

- Observa-se um elevado nível de degradação da envolvente exterior construída, devido à inexistência de qualquer acção de manutenção e conservação da mesma, por parte dos moradores.

- Pelo facto de não se ter observado a forma como foram removidos os revestimentos existentes nas paredes e pavimentos do 2º andar, nada se pode concluir sobre a transmissão de vibrações nocivas que pudessem induzir danos, nomeadamente fissuras e destacamentos, no andar subjacente.

- Perante a degradação verificada, devem os moradores proceder a uma inspecção e reabilitação que envolva a totalidade da cobertura, incluindo a impermeabilização de zonas de remate e a substituição da rede de drenagem de águas pluviais.

(Parecer técnico do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro de fls.157)

d) A inspecção judicial permitiu corroborar o que resultava dos mencionados relatórios periciais (fls. 483 e 484).

e) Afigura-se assim correcto, designadamente, o afirmado nos seguintes excertos da fundamentação da decisão de facto (no que tange à materialidade ora questionada):

“ (…) a ida do Tribunal ao local permitiu a constatação da globalidade dos trabalhos efectuados na fracção da Ré e qualidade dos mesmos, a realidade interior da fracção dos AA., e o estado geral (interior e exterior) verdadeiramente lastimoso do prédio no qual se integram aquelas duas fracções (bem como a fracção existente no rés-do-chão) (…).

Complementarmente (´rectius`, quase que primacialmente) ao acabado de referir, notar-se-á que os relatórios periciais (…) juntos nos autos (…), foram também algo de decisivo para efeitos da formação da convicção acima expressa, pois (…) a questão é esta: (…) o conteúdo dos relatórios periciais em questão assumiu-se como um elemento nuclear para a percepção daquilo que se refere aos aspectos “visíveis” e técnicos das obras levadas a cabo pela Ré e seu falecido marido bem como, do mesmo modo, ao estado geral de um prédio cuja falta de cuidado geral ao longo de cerca de 40 anos se fez sentir de modo efectivo e indisfarçável. Daí que somente alguns dos aspectos focados na base instrutória possam, no entender do Tribunal, ser tidos como “confirmados” pelos ditos elementos periciais (…) pois que quanto a outros só um exercício especulativo e sem estruturação bastante na prova produzida poderia servir de base a uma imputação ´tout court` das obras realizadas pela Ré e seu falecido marido ao aparecimento das fissuras no interior da fracção dos demandantes. É que, conforme se referiu em alguns dos elementos periciais em questão, não esqueçamos que lidamos com uma realidade predial que conta com cerca de 40 anos (…), sem obras de manutenção ou reparação, fustigada por um meio ambiente (zona marítima) exigente (…), e que, portanto, determinou um estado de coisas irreversível ao longo de décadas, sendo, no mínimo, temerário dizer que o mau estado das paredes interiores da fracção dos AA. se deve, sem mais, às obras efectuadas no apartamento da Ré. (…)”

f) Ademais, os documentos de fls. 640 e 641, juntos ao abrigo do disposto no art.º 524º, n.º 1, pouco ou nada acrescentam no sentido da eventual modificação da resposta à matéria da 1ª parte do art.º 16º da b. i., desde logo, em face da reduzida importância do seu (aparente) conteúdo e que, de resto, sempre deveria ser conjugado com os demais meios probatórios, possibilidade liminarmente afastada pela forma como os AA. decidiram impugnar a decisão sobre a matéria de facto (pois, além do mais, “prescindiram” da prova pessoal produzida na audiência de discussão e julgamento…, cuja invocação, de resto, sempre teria de respeitar os ónus previstos no art.º 690º-A).

Quanto à 2ª parte do mesmo art.º, dir-se-á que com o documento de fls. 645 (“Acta n.º 1”) apenas se poderá provar o que dele consta, designadamente, que no dia 09.12.2011 teve lugar uma reunião da assembleia de condóminos do “Prédio sito no Largo da Igreja – Bloco Norte, n.º 18, na Praia de Mora”, com a “ordem de trabalhos” e as “deliberações” de fls. 645 e 648 e seguinte, respectivamente, após o que terá sido apresentado aos respectivos condóminos o “Relatório de Patologias” reproduzido a fls. 563, sendo evidente que todo este procedimento, com a intervenção/participação das partes e da testemunha M (...), em nada releva para a resposta àquela matéria [veja-se que, por exemplo, os articulados da acção foram apresentados em Junho e Setembro de 2005 e a audiência de discussão e julgamento iniciou-se a 08.3.2012/cf. fls. 482], indiciando, apenas, que os condóminos terão finalmente decidido seguir “o melhor caminho”…

g) Ante o exposto, vista a materialidade dada como assente, ou que deixou de ser controvertida, e ponderada a prova produzida nos autos, afigura-se que se deverão manter as supra referidas respostas, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que o Mm.º Juiz a quo não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou.

Ao contrário do afirmado pelos recorrentes, o Mm.º Juiz analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não se mostrando violados quaisquer normas ou critérios segundo a previsão dos art.ºs 653º, n.º 2 e 659º, n.ºs 2 e 3, sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os elementos fornecidos pelo processo (a prova produzida) ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 712º).

Soçobra, pois, a pretensão dos apelantes de verem modificada a decisão de facto.

5. Em sede de impugnação da decisão de mérito é irrecusável que os AA., se, por um lado, almejavam que outra pudesse ser a resposta a dar em razão da pretendida modificação da decisão de facto, não atendida, por outro lado, limitam-se a dizer que é “facto notório e do senso comum que os AA. sofrem danos indemnizáveis pelo ruído causado e que esse ruído é ampliado pela substituição da madeira pela tijoleira cerâmica”, razão pela qual reafirmam o pedido de condenação da Ré no pagamento de uma compensação por danos não patrimoniais.

Ora, face ao explanado em II. 4. b), supra, e à consequente manutenção da factualidade provada, a que acresce a circunstância de não ser possível ligar o apurado em II. 1. h), supra, às obras realizadas na fracção da Ré, dir-se-á, como na sentença recorrida, que não ficou demonstrada factualidade bastante para alicerçar uma ideia de causalidade adequada entre as obras efectuadas pela Ré (e falecido marido), ou qualquer outro facto da responsabilidade da Ré, e o estado do apartamento dos AA., excepto quanto à cobertura da varanda da Ré, com as consequências atendidas na sentença.

6. Soçobram, desta forma, as demais “conclusões” da alegação de recurso, sendo evidente, considerando, nomeadamente, o preceituado nos art.ºs 483º, n.º 1, 487º, n.º 1 e 493º, do Código Civil, a improcedência do pedido de condenação da Ré “a executar as obras necessárias à reparação das fissuras emergentes das obras, bem como à eliminação dos ruídos, das eflorescências causadas pela humidade, e ao pagamento de indemnização a liquidar”.


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            III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas da apelação pelos AA./apelantes.


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17.12.2014


 

Fonte Ramos ( Relator )

Inês Moura

Fernando Monteiro


[1] Falecido na pendência da causa, tendo sido habilitados os respectivos herdeiros por sentença de 19.01.2010 – a Ré M (…)e V (…) (fls. 347 e 364).
   Porém, por sentença de 04.7.2011, a Ré foi declarada habilitada para apenas com ela na posição de R. prosseguir a acção (cf. o apenso B de habilitação de adquirente).
[2] Levando ainda em conta o enquadramento normativo mencionado em II. 2., infra.
[3] Vide, neste sentido, entre outros, A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 15.
[4] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[5] Vide, entre outros, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, 1984, págs. 308 e segs. e 358 e segs.; J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 33 e os acórdãos do STJ de 21.10.1993 e 12.01.1995, in CJ-STJ, I, 3, 84 e III, 1, 19, respectivamente.
[6] Cf. o citado acórdão do STJ de 12.01.1995.
[7] Sublinhado nosso, como os demais a incluir no texto.