Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
441/10.5TBOHP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 04/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OLIVEIRA DO HOSPITAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 712.º N.º 1 ALS. A), B) E C) DO CPC
Sumário: Foi correctamente julgada a matéria de facto que figura nos quesitos 4.º, 5.º, 6.º, 35.º, 36.º e 37.º.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

A... L.da instaurou, na comarca de Oliveira do Hospital, a presente acção declarativa, com processo sumário, contra B..., pedindo a condenação desta a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o prédio urbano com o n.º ...da Rua ..., Travanca de Lagoa, Oliveira do Hospital, inscrita na respectiva matriz predial com o n.º x (...) e descrita na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Hospital em seu favor pela ficha n.º y (...)/20091223 e, em consequência, a restituir o referido imóvel, livre de devoluto de pessoas e bens sob a cominação de uma sanção pecuniária compulsória de € 100,00 por dia, bem como no pagamento dos encargos suportados com a restituição desse bem e os relativos a este processo, a apurar em liquidação de sentença.

Pede, subsidiariamente, que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na alínea d) do n.º 2 do art.1083.º do Código Civil e a ré condenada a restituir o prédio, livre de devoluto de pessoas e bens.

Alega, em síntese, que em Dezembro de 2009 adquiriu, por escritura pública, o prédio urbano com o n.º ...da Rua ..., Travanca de Lagoa, Oliveira do Hospital, tendo registado o seu direito de propriedade sobre o mencionado imóvel na Conservatória do Registo Predial.

Mais alega que a ré se recusa a entrega do imóvel alegando ser sua arrendatária, por transmissão por morte do marido em 1986. Nesse caso, afirma a autora que a ré não paga renda e não possui ali residência desde pelo menos 2004, vivendo em casa da sua filha.

A ré contestou dizendo, em suma, que existe de um contrato verbal de arrendamento para habitação, celebrado a 2 de Julho de 1972, pelo seu marido e os ante-proprietários do imóvel, por seis meses renováveis automaticamente, mediante o pagamento da renda mensal de 100$00, no local arrendado. O seu marido faleceu a 4 de Julho de 1986, tendo, então, o direito ao arrendamento sido transmitido para si. Desde 1972 que se mantém no gozo do arrendado, ali mantendo a sua habitação própria e permanente e ali instalando o seu centro de vida, muito embora, por segurança e prescrição médica, pernoite em casa de uma sua filha.

A autora respondeu reafirmando desconhecer a existência do alegado contrato de arrendamento.

Foi proferido saneador, fixaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória.

Realizou-se julgamento e proferiu-se sentença em que se decidiu:

"Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo improcedente o primeiro pedido (principal) formulado pela autora e melhor concretizado nas alíneas a) a d) do petitório, por não provado, e procedente o seu pedido subsidiário (alínea e) e f), por provado, e em consequência declaro resolvido o contrato de arrendamento transmitido à ré, por óbito do primitivo arrendatário, referente ao n.º ...da Rua ..., Travanca de Lagoa, Oliveira do Hospital, inscrita na respectiva matriz predial com o n.º x (...) e descrita na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Hospital a favor da autora pela ficha n.º y (...)/20091223, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 1083 do Código Civil, e a restituir á autora o locado livre e devoluto de pessoas e bens."

Inconformada com tal decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Pelo despacho da folha 429 o efeito do recurso foi modificado para suspensivo, dado o disposto no artigo 692.º n.º 3 b) do Código de Processo Civil[1].

A motivação do recurso finda com as seguintes conclusões:

1) – Em 31/08/2010, intentou a autora, ora recorrida acção declarativa de condenação, sob a forma do processo sumário, contra a ré, ora recorrente, B..., pedindo, a título principal, a condenação desta a reconhecer o direito de propriedade daquela, relativamente ao prédio urbano, sito na Rua ..., n.º ..., lugar e freguesia de Travanca de Lagos, e a sua condenação a restituir o referido prédio, livre e devoluto de pessoas e bens, ou, caso assim se não entendesse e se viesse a comprovar a qualidade de arrendatária da ré, pediu a autora, a título subsidiário, que fosse declarada a resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na al. d) do n.º 2 do Art.º 1083.º do Código Civil e aquela condenada a entregar o referido prédio, livre e devoluto;

2) – Por, aliás, douta sentença, proferida pelo Tribunal recorrido, foi julgado improcedente o pedido principal deduzido pela autora e procedente o seu pedido subsidiário, declarando-se, em consequência, resolvido o contrato de arrendamento transmitido à ré, referente ao prédio identificado supra, e esta condenada a restitui-lo àquela, livre e devoluto de pessoas e bens;

3) – Entende, porém, a recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal a quo julgou incorrectamente os quesitos 4.º, 5.º, 6.º, 35.º, 36.º e 37.º da Base Instrutória, impugnando-se, assim, a decisão proferida sobre a matéria de facto;

4) – Com efeito, pretende a recorrente que este Venerando Tribunal proceda à reapreciação da prova gravada e à alteração das respostas dadas pelo Tribunal recorrido aos referidos quesitos da BI, - Art.º 712.º n.º 1, als. a) e b) do C. Processo Civil;

5) – Impendia sobre a autora o ónus de provar que a ré não usava o locado há mais de um ano, factualismo este quesitado, designadamente, nos pontos 4.º, 5.º e 6.º da Base Instrutória - Art.ºs 342.º n.º 1 e 1083.º n.º 2, al. d) do C. Civil;

6) – Para tanto, a autora arrolou como testemunhas C..., D... E..., que depuseram aos referidos quesitos 4.º, 5.º e 6.º da BI, conforme ficou a constar da acta de audiência de julgamento do dia 11/05/2011;

7) – O Tribunal recorrido considerou “provados” os aludidos quesitos 4.º, 5.º e 6.º da BI, fazendo assentar a sua convicção nos depoimentos das testemunhas C..., - cujas declarações ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal – Rotação 00:00:00 até 00:52:50, cfr. acta de audiência de julgamento do dia 11/05/2011, e D... - cujas declarações ficaram também gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal – Rotação 00:00:00 até 00:29:06, cfr. acta de audiência de julgamento do dia 11/05/2011, - e, outrossim, nos documentos de fls. 132 a 221 dos autos, correspondentes a facturas de electricidade;

8) – O certo é que, ambas as testemunhas revelaram não conhecer directa, efectiva e presencialmente a ré, a sua vivência no arrendado e os seus hábitos e rotinas diárias, ou seja, em suma, a realidade objectivamente quesitada, até porque, não residem na localidade de Travanca de Lagos (cfr. com acta da audiência de julgamento do dia 11/05/2011), visitaram a casa por uma única vez, no ano de 2009, e, a testemunha C... não passou sequer da zona da porta de entrada, cfr. com a fundamentação da decisão da matéria de facto;

9) – Limitaram-se, assim, estas testemunhas, na audiência de julgamento, a conjecturar hipotéticos cenários e a transmitir sensações e convicções, conforme emana do depoimento de C...: “A sensação total, pronto, era que de facto ali já não havia ocupação há algum tempo” (Início de gravação: 34:35 – Fim de gravação: 34:42) ; “Era também de que não estaria ocupado. É a minha convicção.” (Início de gravação: 51:24 – Fim de gravação: 51:30) e, outrossim, do depoimento de D...: “… a sensação que eu tive era que, pronto, não estava a ser utilizada a casa, pelo menos no último mês…” Início de gravação 07:40 – Fim de gravação: 07:46) ; “Claro, claro, eu só lá fui desta vez, somente estou a transmitir as sensações que tive quando fui ao local.” (Início de gravação 12:42 – Fim de gravação: 12:50);

10) – Em relação ao quesito formulado no ponto n.º 4.º da BI, destinado a aferir se a recorrente pernoitava no locado desde 2004, a testemunha C... respondeu o seguinte: “De modo algum, enfim, não tinha sequer, não havia, não me lembro de ver, é assim, não posso também com pormenor o que é que ainda se encontrava dentro de casa, mas nada que permitisse em condições normais alguém habitar ali.” (Início de gravação 18:44 – Fim de gravação: 19:03); e, a testemunha D... respondeu o seguinte: “Ah, uns anos antes, a casa estava como, praticamente como se eu tivesse saído um dia e depois não consegui lá ir mais durante meses.” (Início de gravação 06:43 – Fim de gravação: 06:52);

11) – No que concerne ao quesito 5.º da BI, quando questionados se a recorrente tomava refeições no locado, a testemunha C... respondeu o seguinte “Não, não me parece de modo algum.” (Início de gravação 21:15 – Fim de gravação: 21:20), e, a testemunha D... respondeu o seguinte: “Isso agora, isso agora é mais difícil, estou-me a tentar recordar da cozinha, isso é mais difícil de dar essa informação, mas a sensação que eu tive era que, pronto, não estava a ser utilizada a casa, pelo menos no último mês, mesmo até no chão as areias, os pós, pronto, notava-se que até o cheiro quando abrimos, que, pronto, não estava a ser utilizada, naquele momento que a gente lá foi, não havia vestígios de ter sido habitada um mês anterior, nem cozinhado, pelo que eu…” (Início de gravação 07:27 – Fim de gravação: 08:10);

12) - Quanto ao ponto 6.º da BI, no qual se questionava se a recorrente recebia visitas no locado, a testemunha C... referiu o seguinte: “De modo algum, não vejo, não vejo que isso…” ; “… em condições normais não, só por qualquer circunstância.” (Início de gravação 23:13 – Fim de gravação: 23:38); e, a testemunha D... respondeu o seguinte: “Eu julgo que não.” (Início de gravação 09:10 – Fim de gravação: 09:22);

13) – O carácter opinativo destes depoimentos transparece por demais evidente das respostas que as testemunhas deram aos quesitos 4.º, 5.º e 6.º da BI, em relação aos quais apenas se limitaram a referir: “Não me lembro de ver” ; “Nada que permitisse em condições normais” ; “Não me parece de modo algum” ; “a sensação que eu tive era que” ; “Eu julgo que não.”;

14) – Acresce que, nenhuma das testemunhas conseguiu sequer precisar ao Tribunal há quanto tempo é que não era usado o locado. A este propósito, referiu a testemunha D... o seguinte: “Claro, claro, eu só lá fui desta vez, somente estou a transmitir as sensações que tive quando fui ao local.” (Início de gravação das declarações ora transcritas: 12:38 – Fim de gravação: 12:50);

15) – E, ao contrário do que é referido na fundamentação da decisão da matéria de facto, no dia em que prestou depoimento (11/05/2011), a testemunha D... também não pôde precisar a data em que visitou o locado, referindo apenas tê-lo feito há um ano e tal, dois anos: “Julgo que já foi há um ano e tal, dois anos, julgo eu. Também para mim é um bocado difícil.” (Início de gravação das declarações ora transcritas 02:25 – Fim de gravação: 02:48), concluindo-se, assim, que a visita aconteceu, necessariamente, a partir de Maio de 2009 (e não em Fevereiro de 2009);

16) – O Tribunal recorrido estribou a sua convicção no facto da testemunha D... aludir à existência de pós, areias e de um vidro partido, mas, o certo é que, esta testemunha resume o interior da casa da seguinte forma: “É o que eu digo, a casa, a nível interior, ela estava praticamente montada como se estivesse lá a viver alguém, não é, mas como se tivesse saído há um mês ou dois ou três atrás e depois não teve hipóteses de voltar.” (Início de gravação 15:28 – Fim de gravação: 15:42); “Nota-se que aquela casa para estar outra vez funcional era entrar, limpar tudo, arranjar no máximo aquele vidro, pronto.” (Início de gravação das declarações ora transcritas 16:17 – Fim de gravação: 16:26);

17) – Todavia, a testemunha E..., explicou ao Tribunal a razão de existirem pós e areias na casa: “É uma casa já muito antiga e aquilo é uma casa de campo” ; “Uma casa de campo tem sempre que haver mais lixo que uma casa no povo” ; “Aquilo é uma casa, pronto, está ali a terra, está tudo, o pó a gente até a andar o pó levanta para ir para dentro de casa.” (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal – Rotação 00:00:01 até 00:02:50 e 00:00:00 até 00:46:55, cfr. acta de audiência de julgamento do dia 11/05/2011 – Início de gravação das declarações ora transcritas 23:36 – Fim de gravação: 24:20);

18) – E, em abono da verdade, não se poderá ignorar, como fez o Tribunal recorrido, que se trata de uma casa antiga, inserida em meio rural, que apresenta sinais visíveis de degradação, conforme ilustra a fotografia junta ao processo (cfr. acta de audiência de julgamento do dia 11/05/2011), sem água canalizada (al. G) dos Factos Assentes) e sem casa de banho;

19) - Além da aludida prova testemunhal, o Tribunal a quo baseou a sua convicção, atinente ao não uso do locado por mais de um ano, nos documentos de fls. 132 a 221, porém, mais uma vez, errou na análise e apreciação da prova, pois, na verdade, a escassez ou inexistência de consumos de electricidade não é resultado do não uso do locado, mas sim das razões infra expostas:

20) – Conforme resultou provado no Ponto 3.1.36 dos Factos Provados (artigo 39.º da BI), a recorrente é pessoa idosa e de saúde débil, razão por que opta por pernoitar em casa da filha S..., e daí, durante a noite, não existe consumo de electricidade no locado;

21) - Durante o dia, considerando que o locado dispõe de janelas em todas as divisões, conforme resulta da fotografia junta aos autos pela recorrida (cfr. acta de audiência de julgamento do dia 11/05/2011), não se justifica existirem lâmpadas acesas;

22) – Ademais, da inspecção realizada ao local (cfr. acta de audiência de julgamento do dia 15/06/2011), resultou provado que “a casa objecto de litígio tem como electrodomésticos um fogão a gás, um frigorífico que não se encontrava em funcionamento e uma televisão a electricidade e a bateria de 12 V (volts), que não se encontra ligada à electricidade nem à bateria.”

23) – Por conseguinte, também não poderia o Tribunal a quo recorrer às regras da experiência para concluir, em face dos documentos de fls. 132 a 221, que o locado não é o centro da vida familiar da ré, “não sendo o local onde a mesma recebe os amigos e cozinha refeições”, e, muito menos, que não o é desde o ano de 2007, pois, nenhuma das referidas actividades (receber amigos e confeccionar e tomar refeições) exige a utilização de energia eléctrica, tanto mais tendo resultado provado que as refeições são confeccionadas em fogão a gás (artigo 43.º da BI);

24) - E, assim, uma vez que as facturas da EDP não são sequer documentos autênticos, não poderá ser extraída delas qualquer presunção legal de que resulte a inversão do ónus da prova, competindo, pois, à autora a prova do não uso do locado, o que não fez, - Art.º 342.º n.º 1 do C. Civil e Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/05/1991 (Processo n.º 0043612), de 03/12/1991 (Processo n.º 0048141) e de 07/05/1996 (Processo n.º 0090871), e do Tribunal da Relação do Porto, de 06/01/1992 (Processo n.º 0124274), todos disponíveis em “www.dgsi.pt”;

25) – Em suma, não logrou a recorrida provar, como se lhe impunha, através dos meios probatórios referidos, designadamente dos depoimentos das testemunhas C... e D... e dos documentos de fls. 132 a 221, a factualidade quesitada nos pontos 4.º, 5.º e 6.º da BI, atinente ao não uso do locado por mais de um ano, razão pela qual deverá este Venerando Tribunal alterar a resposta dada a tais quesitos, considerando-os “não provados”.

26) – Também os pontos 35.º, 36.º e 37.º da BI foram incorrectamente julgados pelo Tribunal recorrido, ao tê-los considerado “não provados”;

27) – Em relação ao ponto 35.º da BI, o Tribunal considerou que a recorrente não toma refeições no arrendado, o que não se aceita, pois, tendo resultado provado que esta dispõe aí de um fogão, a gás, para confeccionar algumas refeições (artigo 43.º da BI), é compatível com as regras da experiência que esta também tome aí algumas refeições - pelo menos, as que confecciona - impondo-se, com efeito, alterar a resposta dada a este quesito, o qual deverá considerar-se “provado”;

28) – No que concerne ao ponto 36.º da BI, o Tribunal a quo não analisou e apreciou acertadamente o depoimento das testemunhas G... e H... , as quais depuseram de forma credível e conhecedora quanto à questão em apreço, referindo que a recorrente recebe no arrendado a visita de pessoas familiares e amigos;

29) – Assim, a testemunha G..., - cujas declarações ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal – Rotação 00:00:00 até 00:35:40, cfr. acta de audiência de julgamento do dia 15/06/2011, - declarou ao Tribunal recorrido ter visitado a recorrente no locado, por diversas vezes, tendo a última vez acontecido há cerca de 1 ano atrás: (Início de gravação 02:00 – Fim de gravação: 03:00 // Início de gravação: 27:12 – Fim de gravação: 28:26);

30) – Este depoimento foi corroborado pelo da testemunha H..., vizinha da recorrente, cujas declarações ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal – Rotação 00:00:00 até 01:11:49, cfr. acta de audiência de julgamento do dia 15/06/2011 - Início de gravação 13:48 – Fim de gravação: 14:24.

31) – Por conseguinte, deverá este Venerando alterar a resposta dada ao ponto 36.º da BI, considerando-o “provado”;

32) – Impõe-se, por fim, considerar “provado” o ponto 37.º da BI, porquanto, existe no processo prova documental idónea e bastante, conforme a recorrente recebe no arrendado, sito na Rua ..., n.º ..., em Travanca de Lagos, a sua correspondência, designadamente: a carta registada, com AR, datada de 12/10/2010, Ref.ª 632170, expedida pela secretaria do Tribunal recorrido, destinada à citação daquela, a qual foi enviada para a referida morada e nela recebida; as cartas/facturas da EDP juntas aos autos (documentos de fls. 132 a 221), e, outrossim, a correspondência da Segurança Social, designadamente, o deferimento do pedido de protecção jurídica;

33) – Acresce que, a própria testemunha H..., corrobora a prova documental indicada no parágrafo precedente, referindo que a recorrente tem uma caixa de correio, em seu nome, onde recebe a correspondência: “Tem-na ao cimo, ao cimo do caminho, que é uma descida para baixo e tem lá uma com o nome dela, para onde vai a correspondência, assim como os outros vizinhos lá têm.” (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal – Rotação 00:00:00 até 01:11:49, cfr. acta de audiência de julgamento do dia 15/06/2011 - Início de gravação das declarações ora transcritas 14:40 – Fim de gravação: 14:55).

34) – Sem prescindir, ainda não sejam alteradas as respostas aos pontos 4.º, 5.º, 6.º, 35.º, 36.º e 37.º da BI, o que só por mera hipótese se concebe, ante a factualidade apurada, a solução de direito sempre implicaria a improcedência da acção;

35) – Na verdade, verifica-se, no caso sub judice, a existência de duas residências permanentes alternadas, fruto da avançada idade e precária saúde da recorrente (vide ponto 39.º da BI): na residência da filha, aquela pernoita, toma refeições e recebe visitas; no arrendado, confecciona e toma algumas refeições, aquece-se na lareira, recebe visitas, a correspondência e guarda mobílias, utensílios domésticos, roupas e demais objectos pessoais;

36) – O certo é que, ambas as residências servem alternadamente, de forma duradoura e habitual, como centro da vida doméstica da recorrente, sendo, aliás, tal realidade, consentânea com o disposto no Art.º 82.º n.º 1 do Código Civil;

37) – Concluiu-se, assim, nos exactos termos em que concluiu o douto acórdão de 04/06/2002, do Tribunal da Relação de Lisboa, disponível na CJ 2002, Tomo 3, página 90 e seguintes, do qual se ousa transcrever um excerto do sumário: “I – Continua a ter residência permanente no locado a arrendatária que, devido à sua saúde precária e à avançada idade, passou a dormir num lar de idosos, onde também toma banho e as refeições, mas mantém no locado o centro da sua vida. II – Assim acontece quando o resto do tempo é passado na casa arrendada, onde a arrendatária toma a merenda e recebe a visita de familiares e vizinhos, mantém as suas mobílias, roupas e utensílios domésticos, lava a roupa e vê televisão.”

38) – Pelo exposto, deverá improceder o pedido de resolução do contrato de arrendamento, com fundamento no não uso do locado por mais de um ano;

39) – Ao não entender assim, a sentença recorrida violou, ignorou ou interpretou incorrectamente os Art.ºs 82.º n.º 1, 342.º n.º 1 e 1083.º, n.ºs 1 e 2, al. d), todos do Código Civil; o Art.º 516.º do C. Processo Civil e o Art.º 65.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

Termina pedindo que a sentença recorrida seja "revogada e substituída por Acórdão que julgue improcedente o pedido de resolução de contrato de arrendamento".

A autora contra-alegou sustentando que deve "ser negado provimento ao recurso".

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:

a) há erro no julgamento da matéria de facto dos quesitos 4.º, 5.º, 6.º, 35.º, 36.º e 37.º;

b) "deverá improceder o pedido de resolução do contrato de arrendamento, com fundamento no não uso do locado por mais de um ano"[2].


II

1.º


A ré sustenta que, no que se refere ao julgamento da matéria de facto dos quesitos 4.º, 5.º, 6.º, 35.º, 36.º e 37.º, a prova dos autos conduz a conclusões diferentes das extraídas pelo tribunal a quo.

Estes quesitos têm o seguinte teor:

"4.º A ré não pernoita no local referido em A[3] desde 2004?

5.º Não toma aí as suas refeições desde essa data?

6.º Não recebe aí os familiares e amigos?

35.º É no prédio identificado em A que toma refeições?

36.º Recebe a visita de familiares e amigos?

37.º A sua correspondência?"

A estes quesitos o Meritíssimo Juiz respondeu:

"Facto 4.º: Provado apenas que a ré não pernoita no local referido em A pelo menos desde 2007.

Facto 5.º: Provado que não toma aí as suas refeições pelo menos desde 2007.

Facto 6.º: Provado;

Facto 34.º a 37.º: Não provados".

O Meritíssimo Juiz fundamentou então a sua decisão afirmando:

"O Tribunal considerou os seguintes elementos de prova, de forma crítica:

- documentos de fls. 132 a 221, correspondentes às facturas de electricidade da casa em questão, correspondentes ao consumo de electricidade medido desde o ano de 2001 até Novembro de 2010, de onde resulta claramente um consumo nulo de electricidade desde Fevereiro de 2007 até ao presente, vista a distinção que nas facturas é feita entre o consumo estimado e o medido. Deste modo, e tendo em conta a existência de consumos até àquela data, embora já muito incipiente é contrário às regras da experiência que alguém que possui electricidade, e que já fez uso dela, conforme atestam os documentos, esteja a viver numa casa a partir do momento em que esta não regista qualquer consumo, por menor que seja. A mesma consideração das regras da experiência, face à evidência dos documentos, permite afirmar que pelo menos desde o mesmo ano de 2007 esta casa não é o centro da vida familiar da ré, não sendo o local onde a mesma recebe os amigos, dorme e cozinha refeições.

No mesmo sentido, teve-se em conta o depoimento credível de D..., que referiu ter ido por uma vez à referida casa, em Fevereiro de 2009, para fazer um levantamento para efeitos de IMI, tendo-se aí deslocado com a testemunha C... e, tendo percorrido toda a habitação, apercebeu-se que exteriormente se encontrava degradada e que no interior não se encontrava habitada há bastantes meses. Para sustentar tal afirmação recorda-se que havia pós e areias no chão, bem como nas mesas e cadeiras, e que tal não se devia à falta de higiene de uma determinada pessoa, mas à falta de uso. Reparou ainda numa janela partida e em sinais de animais que teriam entrado e deixado alguns dejectos e restos de comida, que não se encontravam limpos.

Tudo isto comprovado também pelas regras da experiência, que nos dizem que em tais condições não existia ali pessoa com carácter regular e permanente.

A testemunha C... pronunciou-se no mesmo sentido, embora apenas se tenha podido referir quanto à zona da casa perto da entrada, de onde não saiu.

A testemunha E... referiu-se de modo credível relativamente aos factos 22.º a 30.º, no modo como foram dados como provados.

Relativamente à restante matéria, revelou apenas saber que a ré dormia na casa da filha pelo que se ouvia dizer na terra, não revelando conhecimento directo dos factos.

Teve-se em conta o depoimento de F..., que revelou conhecer bem a ré e as suas rotinas, e que depôs no sentido de que esta nunca mais viveu sozinha desde que fez uma cirurgia a uma anca. Visitou por diversas vezes a casa da filha da ré, quer de dia, quer de noite, encontrando sempre aí a ré, e onde a vê a tomar as refeições.

Por outro lado, não dorme nem toma quaisquer refeições na casa em questão, que se encontra completamente abandonada.

Diferentemente, todas as testemunhas arroladas pela ré depuseram de forma parcial quanto à presença da ré na casa em questão.

A filha desta, S... teve dois momentos durante o seu depoimento. Num primeiro momento, referiu-se de modo credível e afirmativo quanto aos factos 12.º a 33.º, tendo sido considerado.

Relativamente aos factos 4.º a 8.º e 34.º a 43.º toda a sua postura se alterou, passando a dar respostas hesitantes e a assumir um olhar cabisbaixo, comprometido, tendo deposto de um modo que não se considerou credível face à prova anteriormente referida e considerada credível, não tendo logrado o convencimento do tribunal. Além disso, nesta parte do depoimento revelaram-se várias contradições: referiu que a ré passou a dormir na sua casa desde o princípio de Inverno de 2010, porque o médico, fruto da tensão baixa da sua mãe, lhe recomendou não a deixar sozinha, por causa de eventuais desmaios. Refere que a sua mãe vive na referida casa praticamente sem acender a luz, não tendo logrado explicar a razão pela qual o consumo de luz desde 2007 ser de zero. Mais disse que por vezes a sua mãe se desloca à casa dela, pela manhã, a pé, ou é a própria testemunha que a leva de carro, e que na vinda, à noite, o modo de transporte é o mesmo.

De modo contraditório, a testemunha H..., que se apresentou bastante nervosa e depôs de modo parcial, disse que a ré se desloca à casa da filha para aí dormir há dois anos, e não apenas desde o inverno de 2010. Para esta testemunha, por vezes leva a ré da casa da filha para a casa da ré e outras vezes vai a pé, ao contrário do referido pela filha da ré, segundo a qual esta é que a levava. Por outro lado, apesar das vezes que diz ter estado na casa que a ré habita, nunca lá terá visto luzes acesas, não logrando explicar como é que, dali saindo à noite, como referiu já ter acontecido, o lograva fazer sem haver qualquer luz acesa. Note-se, ainda, que a certo momento deste depoimento a testemunha referiu que a ré tem um frigorífico que se encontra avariado (que efectivamente existe no local em estado de não funcionamento), tendo dito “acho que ainda está lá”. Ora, tal afirmação não é compatível com todo o circunstancialismo que esta testemunha pretendeu dar de proximidade com a ré e de visita regular à casa em questão. Por fim, esta testemunha revelou ainda que a ré não dorme em permanência na casa da filha, contrariando o que por aquela foi dito. Deste modo, de todo o conjunto do depoimento desta testemunha e da filha da ré apenas ficou patente que a ré não desenvolve o seu quotidiano na casa sita na Rua ..., n.º ..., em Travanca de Lagos.

A testemunha I... depôs igualmente de forma comprometida, não tendo o seu depoimento sido considerado. Afirmou que a ré por vezes dorme na casa da filha, mas mais na sua própria casa (contradizendo o que foi referido pela filha) e que já a visitou nessa casa, onde inclusivamente a viu fazer refeições, na lareira, e onde pensa não existir fogão (apesar deste existir no local e de mais nenhuma das testemunhas ter referido que a ré cozinha na lareira, em vez do fogão). Disse ainda ter perguntado à ré se tinha o frigorífico avariado, mas não logrou explicar a razão de lhe ter feito tal pergunta, afirmação que não logrou convencer o tribunal.

A testemunha G... depôs de forma segura quanto aos factos 13.º, 14.º, 16.º, 18.º, 20.º a 33.º, tendo sido considerada nesta parte. Quanto ao facto 9.º, sobre o qual respondeu, fê-lo de modo muito hesitante, revelando apenas ter visitado a casa da, por uma ocasião, depois desta ter sido operada, e esta se encontrar lá, não tendo logrado explicar a razão de ciência da sua afirmação de que a ré se encontra a dormir na casa da filha há cerca de dois anos (em contradição, como referido supra, com o que foi dito pela filha da ré).

O tribunal teve em conta os documentos constantes de fls. 43 a 72, referentes aos recibos de rendas pagas pela casa sita na Rua ..., n.º ..., em Travanca de Lagos, entre 1972 e 2003.

Teve-se ainda em conta os documentos de fls. 74, 76, e 77 (este relativo ao depósito de rendas do ano de 2004 a 2009).

Quanto à matéria de facto não provada, nenhuma prova se produziu."

Segundo a ré devia-se ter respondido não provado aos quesitos 4.º, 5.º e 6.º e provado aos quesitos 35.º, 36.º e 37.º.

Ouvidos os depoimentos prestados e examinados os documentos juntos aos autos regista-se que se subscreve a posição do Meritíssimo Juiz quanto aos factos em apreço, pelo que se procurará não cair em repetições.

Como bem salienta o Meritíssimo Juiz, da prova documental junta aos autos "resulta claramente um consumo nulo de electricidade desde Fevereiro de 2007 até ao presente" na casa em causa nos autos, quando é certo que antes dessa data existia consumo de electricidade. A ausência de consumo de electricidade a partir de certo momento é, segundo as regras da normalidade, um fortíssimo indício de que a casa não é habitada, pois, seria tremendo o esforço necessário para a não consumir, por muito pouco que fosse, quando estão reunidas todas as condições técnicas para o poder fazer. Basta ligar uma lâmpada por alguns minutos para já haver consumo, por ligeiro que seja.

E, considerando o que a ré afirma na conclusão 24.ª, importa dizer não há qualquer dúvida de que "as facturas da EDP não são sequer documentos autênticos", mas lembra-se que delas não se extraiu "qualquer presunção legal de que resulte a inversão do ónus da prova", pelo que é efectivamente à autora que cabe o ónus da "prova do não uso do locado".

Por outro lado, a testemunha C...[4], que depôs de forma serena, objectiva, desinteressada, com conhecimento directo dos factos que relatou e sem uma ligação aos interesses em causa neste processo, foi clara ao considerar que, após ver o exterior e parte do interior da casa em questão, ali não vivia ninguém há algum tempo; "quem diria que já aqui viveu gente." A casa tinha um ar de abandonada e não havia condições para preparar refeições, ou receber pessoas, pese embora a testemunha reconheça que não entrou mais do que 1 m dentro da habitação. Perguntado se alguém ali dormia respondeu "de modo algum". Deu conta de que havia um "estado de degradação muito geral". Por outro lado, referiu que a ré não se encontrava no local e foi uma vizinha quem lhe abriu a porta da casa. Essa vizinha tinha pedido a chave à ré. Fica, assim, por perceber por que razão é que, se a ré habitava a casa, foi necessário entregar as chaves a uma vizinha para lá se poder ir.

D...[5] também depôs de forma serena, credível e imparcial, com conhecimento directo dos factos que relatou e sem uma ligação aos interesses em causa neste processo. Também foi peremptório ao considerar que ninguém habitava a casa. O aspecto exterior era de degradação ao nível da pintura e no interior notava-se que não habitavam ali pessoas "regularmente". As cortinas tinham pó, havia um vidro de uma janela partido, não havia limpeza, havia pó no chão e o cheiro também indicava que a casa não era usada.

Nesse sentido depuseram também as testemunhas E...[6] e F...[7]. Aquela referiu que a ré vive em casa de uma filha há anos, desde que foi operada à anca. Afirma por várias vezes que não sabe exactamente há quanto tempo a ré vive com a filha, mas chega a mencionar que isso acontece "há 3/4 anos". O seu depoimento, face a algumas hesitações e pequenas contradições, não é tão convincente como o daqueles dois primeiros.

F... relatou que a ré vive na casa da filha há mais de oito anos; desde que fez uma cirurgia à anca. Vai visitar a ré muitas vezes. Mencionou que quando a neta era mais pequena a ré dormia no quarto com ela. Mas depois arranjaram um quarto para a ré. Disse que a ré não usa a casa arrendada. O seu depoimento foi coerente e credível.

S...[8] depôs de forma manifestamente parcial e pouco credível. A propósito de não haver consumo de electricidade na casa arrendada à ré disse que não havia necessidade de ter luz acesa, pois a casa tem janelas em todas as divisões. O frigorífico está avariado e não é necessário comprar outro, pois a vizinha tem um. Não vê televisão e deita-se cedo e por isso não necessita de ligar a luz.

Deu conta de que a ré vai dormir a sua casa desde o início do inverno de 2010 e que isso se deve a razões médicas, pois foi aconselhada a não estar sozinha.

Sendo-lhe perguntado por que é que desde 2007 não há qualquer consumo de electricidade na casa, respondeu "não sei".

I...[9] também prestou um depoimento parcial e sem credibilidade. Começa por dizer que "actualmente" a ré dorme na sua casa, depois afirma que "agora não tenho conhecimento se pernoita lá" e mais adiante refere que aquela dorme na casa da filha desde "mais ou menos" 2004. Acha normal que a ré não tenha nenhum consumo de electricidade, pois há um poste de iluminação pública próximo da casa que "possivelmente" ilumina o interior da habitação e que esta, mesmo no inverno, recebe claridade suficiente em virtude de ter janelas grandes[10]. É por isso que a ré nunca acende luz.

G...[11] prestou um depoimento ambíguo, pouco convincente e revelou não conhecer alguns factos. Deixa a ideia de que não vai à casa em questão há muito tempo; diz que não sabe há quanto tempo não se desloca lá. Menciona que tem conhecimento por uma vizinha que a ré está na casa dela "mas não posso afirmar isso por que durante a semana estou em casa".

Perguntada se a ré dorme há dois anos na casa da filha respondeu "talvez, talvez".

H...[12] depôs também de forma parcial e pouco convincente. Afirma inicialmente que a ré dorme na casa da filha há dois anos e depois já diz que a ré de vez em quando dorme na sua (da ré) casa. Ao ser-lhe perguntado por que razão a ré desde 2007 não tem necessidade de ligar uma lâmpada respondeu "não sei" e à pergunta se isso é normal a resposta voltou a ser "não sei". Deixa também a ideia de que o poste de iluminação pública pode iluminar uma parte da casa, para assim explicar o facto de a ré não acender uma lâmpada, pois "não lhe vejo a luz acesa". Este depoimento também não merece credibilidade, pois não só não é razoável esta ideia de normalidade que transmite quanto à ausência de consumo de electricidade e como também contém algumas contradições.

A testemunha T...[13] não mostrou conhecer suficientes factos para terem relevo para o que está aqui em discussão.

Assim, tal como já se deixou dito, subscreve-se o juízo formulado pelo tribunal a quo quanto ao julgamento da matéria de facto dos quesitos 4.º, 5.º, 6.º, 35.º, 36.º e 37.º, pelo que se mantém a resposta que a eles foi dada, o que significa que não existe qualquer modificação nos factos provados.


2.º

Estão provados os seguintes factos:

3.1.1. A Autora é proprietária e dona do prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., em Travanca de Lagos, concelho de Oliveira do Hospital, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo x (...), descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira do Hospital sob o n.º y (...)/20091223 da freguesia de Travanca de Lagos, inscrito a seu favor pela inscrição G-1 (Ap. 10/681104), composto de habitação com um piso (facto assente em A).

3.1.2. A autora adquiriu a propriedade do imóvel referido em A) – 3.1.1. – aos anteriores proprietários do referido prédio, por escritura de compra e venda, realizada no dia 18 de Dezembro de 2009, no Cartório Notarial de Oliveira do Hospital, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais (facto assente em B).

3.1.3. B... casou com O... no regime de comunhão geral de bens a 02.08.1959, na Igreja Paroquial de Travanca de Lagos, concelho de Oliveira do Hospital. (facto assente em C).

3.1.4. O... faleceu no estado de casado com B..., a 04.07.1986 (facto assente em D).

3.1.5. No dia 08.10.2010 a ré depositou a quantia de 168,30 € na Caixa Geral de Depósitos, na conta n.º ..., ali se mencionando que o depósito se refere às rendas devidas pelo arrendamento do locado, relativos aos anos de 2004 a 2009, no valor de 112,20 €, que o valor anual da renda é de 18,70 € e que o valor de 56,10 € corresponde à indemnização, igual a 50% do que é devido, o que faz por mera cautela, pese embora não se considere em mora. (facto assente em E).

3.1.6. No dia 08.10.2010 a ré depositou a quantia de 28,05 € na Caixa Geral de Depósitos, na conta n.º ..., ali se mencionando que ao valor de renda, de 18,70 €, acresce o valor de 9,35€, correspondente à indemnização, no total de 28,05, conforme documento junto aos autos a fls. 78, que aqui se dá por reproduzido. (facto assente em F).

3.1.7. O prédio referido em A) não dispõe de água canalizada, sendo abastecido de água proveniente de dois poços, captada e conduzida manualmente. (facto assente em G).

3.1.8. A ré actualmente pernoita em casa da sua filha S.... (facto assente em H).

3.1.9. A ré não paga quaisquer rendas pela ocupação do imóvel desde 2004 (art.3 da BI).

3.1.10. A ré não pernoita no local referido em A) desde 2007 (art.4 da BI).

3.1.11. E não toma aí, desde então, as suas refeições (art.5 da BI).

3.1.12. Não recebe aí os familiares e amigos (art.6 da BI).

3.1.13. A ré não consume electricidade no local referido em A) desde 2007 (art.8 da BI).

3.1.14. E vive desde então na casa de uma filha (art.9 da BI).

3.1.15. Aí toma as suas refeições e recebe familiares e amigos (art.10 e 11 da BI).

3.1.16. J... e L..., M... e N...., na qualidade de proprietários do prédio referido em A), declararam ceder o gozo de tal prédio, por forma verbal, a O..., contra o pagamento da quantia mensal de 100$00, a pagar no local referido em A) (art.13 e 14 da BI).

3.1.17. A cedência referida em 14) da BI.

3.1.16. Destinava-se à habitação (art.16 da BI).

3.1.18. Tal cedência teve início em 1972 (art.17 da BI).

3.1.19. As pessoas referidas em 13) da BI – 31.1.16 – não tinham residência habitual na freguesia de Travanca de Lago (art.18 da BI).

3.1.20. Tendo como representantes locais, inicialmente, P... (art.19 da BI).

3.1.21. E, alguns anos mais tarde, R... (art.20 da BI).

3.1.22. Entre os anos de 1972 e 1987, eram as pessoas referidas em 19) – 3.1.20 - e 20) da BI.

3.1.21 que recebiam as rendas da ré e emitiam e assinavam os respectivos recibos (art.21 da BI).

3.1.23. A partir do ano de 1988 e até ao ano de 2003, os recibos passaram a ser emitidos pelo J..., e visados com a sua assinatura (art.22 da BI).

3.1.24. Este entregava a R...os recibos (art.23 da BI).

3.1.25. Que, por sua vez, recebia da ré as rendas e lhe entregava os respectivos recibos (art.24 da BI).

3.1.26. Após o óbito de O..., marido da ré, esta sempre foi tratada e reconhecida pelas pessoas referidas em 13) da BI como arrendatária do prédio referido em A) [(art.25 da BI)].

3.1.27. A ré passou então a pagar as rendas a R...(art.26 da BI).

3.1.28. Que lhe entregava os correspondentes recibos (art.27 da BI).

3.1.29. A partir de 2004, R...deixou de cobrar rendas (art.28 da BI).

3.1.30. A ré, por diversas vezes, abordou R..., bem como se deslocou à sua residência, com o intuito de entregar as rendas (art.29 da BI).

3.1.31. Este, a partir daquele ano, não mais as recebeu (art.30 da BI).

3.1.32. A ré, em virtude desta recusa, reteve as rendas desde 2004 (art.31 da BI).

3.1.33. Aguardando que os senhorios, por si ou através de um seu representante, solicitassem as correspondentes quantias, o que até esta data não fizeram (art.32 da BI).

3.1.34. No ano de 2003 o valor da renda foi de 18,70 € (art.33 da BI).

3.1.35. A ré guarda no prédio referido em A) as mobílias, utensílios domésticos, roupas e demais objectos pessoais (art.34 da BI).

3.1.36. A ré é pessoa idosa e de saúde débil, razão por que opta por pernoitar em casa da filha S...(art.39 da BI).

3.1.37. A casa referida em A) está equipada com uma lareira, para aquecimento, e um pequeno fogão a gás – para confeccionar refeições – (art.42 e 43 da BI).


3.º

Na sentença recorrida afirma-se que no "ano de 1972 J... e L..., M...e N..., na qualidade de ante-proprietários, deram verbalmente de arrendamento ao falecido marido da ré, O..., contra o pagamento de uma quantia mensal de 100$00, a liquidar no locado, o imóvel em questão (art.13 e 14 da BI), destinado à sua habitação," pelo que não há dúvidas de que o "contrato de arrendamento verbal alegado [pela ré] foi celebrado em 1972"

E mais se disse que face à legislação vigente em Julho de 1986 "o arrendamento por morte do primitivo arrendatário[14] não caducava se lhe sobreviesse cônjuge não separado de pessoas e bens ou de facto, ou parentes na linha recta, descendente do primitivo arrendatário, verificadas que fossem as demais condições impostas na lei, designadamente que vivessem com o arrendatário e transmissário há pelo menos um ano. É este o caso dos autos."

Nestes termos, considerou-se nessa decisão que a ré é arrendatária do prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., em Travanca de Lagos, concelho de Oliveira do Hospital, composto de habitação com um piso e que esse arrendamento tem por fim a habitação desta e que "pode a senhoria resolver o contrato de arrendamento por se mostrar verificado o fundamento de resolução consagrado no art. 1083.º n.º 2 al. d) do Código Civil, se não se verificar qualquer circunstância impeditiva".

Estes pressupostos não foram colocados em crise no presente recurso, pelo que os temos que ter por assentes.

Perante este pano de fundo, a ré sustenta que (mesmo) dos factos dados como provados pelo tribunal a quo, "verifica-se, no caso sub judice, a existência de duas residências permanentes alternadas, fruto da avançada idade e precária saúde da recorrente (vide ponto 39.º da BI): na residência da filha, aquela pernoita, toma refeições e recebe visitas; no arrendado, confecciona e toma algumas refeições, aquece-se na lareira, recebe visitas, a correspondência e guarda mobílias, utensílios domésticos, roupas e demais objectos pessoais; o certo é que, ambas as residências servem alternadamente, de forma duradoura e habitual, como centro da vida doméstica da recorrente, sendo, aliás, tal realidade, consentânea com o disposto no Art.º 82.º n.º 1 do Código Civ."[15], motivo por que "deverá improceder o pedido de resolução do contrato de arrendamento, com fundamento no não uso do locado por mais de um ano".[16]

É certo que, como salienta a ré, provou-se que ela "é pessoa idosa e de saúde débil, razão por que opta por pernoitar em casa da filha S...."

Mas também se provou que:

- a ré não pernoita no local referido arrendado desde 2007.

- e não toma aí, desde então, as suas refeições.

- não recebe aí os familiares e amigos.

- e vive desde então na casa de uma filha.

- aí toma as suas refeições e recebe familiares e amigos.

Porém, já não se provou que "no arrendado [a ré], confecciona e toma algumas refeições, aquece-se na lareira[17], recebe visitas, a correspondência." Estes são, sim, os factos[18] que a ré, pela via da impugnação do julgamento da matéria de facto, defendeu que se deviam dar como provados, o que, no entanto, não aconteceu.

Assim, salvo melhor juízo, não se demonstrou a realidade em que a ré funda a tese da "existência de duas residências permanentes alternadas", que na sua perspectiva conduzia à conclusão de que "o pedido de resolução do contrato de arrendamento, com fundamento no não uso do locado por mais de um ano" deveria ser julgado improcedente.

Permanece, deste modo, plenamente válida a afirmação do Meritíssimo Juiz de que "é evidente que se mostra preenchido o requisito de falta de residência permanente[19] por parte da ré, porquanto a realidade adquirida e provada não se coaduna com a estabilidade, habitualidade e centralidade da vida doméstica no local arrendado, nos termos já definidos", visto que se mantêm os pressupostos de facto em que ela assenta.

Então, facilmente se percebe que, se as pretensões da ré radicam num pressuposto que não se verifica, é evidente que qualquer pedido que nele se alicerce tem que naufragar.


III

Com fundamento no atrás exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a sentença recorrida.

Custas pela ré.

Extraia certidão deste acórdão e remeta ao Ministério Público para que, assim entendendo, se averigúe se as testemunhas I... e H... cometeram um crime de falsas declarações, pois é essa a ideia que fica, nomeadamente quando chegam ao ponto de, para sustentar que a ré vive na casa em causa nos autos e conciliarem esse facto com a circunstância de nessa habitação não haver qualquer consumo de electricidade desde 2007, dizem, aquele com mais segurança do que esta, que a ré não acende a luz da sua sala por que tem um poste de iluminação pública próximo que dá luz para aquela divisão.

Mais informe o Ministério Público que os depoimentos se encontram gravados no sistema Habilus.

                                                           António Beça Pereira (Relator)

                                                               Nunes Ribeiro

                                                              Hélder Almeida


[1] São do Código de Processo Civil, na sua versão posterior ao Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto, todos os artigos adiante citados sem qualquer outra menção.
[2] Cfr. conclusão 38.ª.
[3] O "local referido em A" é o prédio urbano sito na Rua ..., nº ..., em Travanca de Lagos, concelho de Oliveira do Hospital, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo x (...), descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira do Hospital sob o n.º y (...)/20091223 da freguesia de Travanca de Lagos, inscrito a seu favor pela inscrição G-1 (Ap. 10/681104), composto de habitação com um piso.
[4] Exerce a actividade de solicitador e esteve na casa em Fevereiro de 2009 com um técnico (a testemunha D...) para este fazer medições que eram necessárias para a documentação relativa ao IMI do imóvel, documentação essa que visava possibilitar a realização da venda do prédio.
[5] Trabalha em projectos de construção civil e esteve na casa da ré, "há 1/2 anos", contratado pela testemunha C... e com este, para fazer medições do local para "fins de IMI".
[6] Trabalhou para o anterior proprietário do imóvel, o Sr. V..., e conhece a ré há muito anos.
[7] É amiga da ré.
[8] É filha da ré e é na sua casa que se diz que esta habita.
[9] É genro do marido da ré, já falecido, por ser casado com uma filha do primeiro casamento deste.
[10] Esta ideia de que a ré não acende a luz da sua sala por que tem um poste de iluminação pública próximo que dá luz para aquela divisão não tem a menor credibilidade.
[11] É amiga da ré. Conhece-a há mais de 30 anos.
[12] É vizinha da ré e conhece-a há 41 anos.
[13] É filho dos "proprietários" da autora.
[14] Importa lembrar que se provou que " O... faleceu no estado de casado com B..., a 04.07.1986."
[15] Cfr. conclusões 35.ª e 36.ª.
[16] Cfr. conclusão 38.ª.
[17] O facto que se provou é que "a casa referida em A) está equipada com uma lareira, para aquecimento"; não se provou que a ré "aquece-se na lareira". Trata-se de dois factos diferentes.
[18] Com excepção do relativo a que a ré se aquece na lareira.
[19] O conceito de residência permanente encontra-se bem fundamentado e definido na sentença.