Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
85/11.4TBSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: SERVIDÃO DE VISTAS
AGRAVAMENTO
Data do Acordão: 02/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - SERTÃ - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1287º, 1360º E 1362º Nº 1 DO CC
Sumário: I – Correspondendo o conteúdo de uma servidão de vistas à mera circunstância de se manter uma obra (porta, janela, varanda, terraço) em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho, o seu exercício não se mede pela utilização dada à porta, janela ou varanda e pelo efectivo gozo das vistas que ela proporciona, mas sim, em termos objectivos, pela extensão das vistas e da devassa do prédio vizinho que a obra propicia.

II – Daí que apenas se possa falar em agravamento da servidão de vistas quando, por força de determinada alteração, a obra passa a propiciar maiores vistas ou maior possibilidade de devassa sobre o prédio vizinho, sendo irrelevante, para esse efeito, a mera circunstância de, a partir de dado momento, a obra passar a ter uma maior utilização ou a circunstância de, por força de alterações efectuadas, ser retirada aos ocupantes do prédio serviente a possibilidade de terem a percepção de que os ocupantes do prédio dominante estão a ver e a olhar para o seu prédio e para quem nele se encontre.

III – Assim, tendo sido constituída uma servidão de vistas relativamente a uma varanda aberta que deitava directamente sobre o prédio vizinho, a circunstância de essa varanda ser tapada com janelas de correr assentes em calhas de alumínio paralelas – não permitindo maiores vistas ou maior devassa sobre o prédio vizinho do que aquelas que eram permitidas pela varanda aberta – não corresponde a qualquer agravamento da servidão, razão pela qual se mantém, com referência a esta nova realidade, a servidão de vistas que se havia constituído anteriormente.

IV – O mesmo acontece com um terraço no qual foi colocado um murete com 0,75m de altura no local onde antes existia um pequeno muro e um varão de metal fixo em pilares de cimento; essa obra não alterou e não agravou o modo e a extensão das vistas que até aí eram proporcionados pelo terraço e, porque a obra existente após a referida alteração não é substancialmente diversa da que existia anteriormente, a sua fruição não corresponde a uma posse autónoma e diferente da que anteriormente era exercida, designadamente para efeitos de contagem dos prazos para a usucapião.

Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


I.
A... e B... , residentes na Av. (...) , Coimbra, instauraram a presente acção contra C... e D... , residentes na Rua (...) , Cernache do Bonjardim, alegando, em síntese: que são proprietários de um prédio urbano que confina com um prédio pertencente aos Réus, onde existia um terraço com varanda que deita directamente para o prédio dos Autores, varanda essa que se encontra coberta por uma cobertura de placas de acrílico; que, há cerca de dois ou três anos, os Réus colocaram, em toda a extensão dessa varanda, uma janela dividida em seis partes, com vidros transparentes, janela essa que é ilegal por tornar mais onerosas as vistas sobre o prédio dos Autores; que os Réus canalizaram todas as águas pluviais do seu prédio para o prédio dos Autores; que toda essa situação causou aos Autores danos morais e que, ao beneficiarem de vistas sobre o prédio dos Autores de modo diferente do que antes beneficiavam, os Réus enriquecem-se à custa dos Autores, porquanto, tendo o terraço sido transformado numa divisão, isso aumenta o valor locativo do prédio dos Réus.
Com estes fundamentos, concluem pedindo a condenação dos Réus a reconhecer os Autores como legítimos donos e proprietários do prédio identificado no artigo 1.º da P.I. (a); a retirar a ou as janelas que colocaram no seu terraço/varanda e aludidas no artigo 11º da P.I. (b); a pagar aos autores a indemnização diária de 5,00€ desde 27/09/2010 até que a ou as janelas aludidas no artigo 11.º sejam retiradas pelos Réus, quantia essa acrescida de juros de mora à taxa legal desde o seu vencimento até efectivo e integral pagamento (c); a indemnizar os Autores na quantia de 2.500€, a título de danos morais (d) e a retirar do prédio dos Autores as águas pluviais, resultantes das obras aludidas no artigo 41ºda P.I. (e).

Os Réus contestaram, alegando, em suma: que o prédio de que são proprietários tem implantado no 1º andar – desde a sua construção, há mais de 80 anos – um terraço que está delimitado por paredes de todos os lados, com excepção do lado sul em que confina com o prédio dos Autores e onde é vedado com murete com altura de 76 cm; que tal terraço está coberto, há mais de 40 anos, com telha acrílica apoiada em estrutura de metal amovível, encontrando-se constituída, por usucapião, uma servidão de vistas a favor do prédio dos Réus e sobre o prédio dos Autores; que também se encontra constituída, por usucapião, uma servidão de estilicídio a favor do seu prédio e sobre o prédio dos Autores por via da caleira que está colocada na cobertura do aludido terraço e por via da qual as águas pluviais são encaminhadas para o logradouro do prédio dos Autores; que, naquele terraço apenas foi colocada uma caixilharia de alumínio branco com oito janelas de correr que não determinaram qualquer alteração das condições em que as vistas eram exercidas antes da colocação dessas janelas, janelas essas que, aliás, já lá se encontravam quando os Autores adquiriram o prédio e foram colocadas com o conhecimento dos anteriores proprietários.
Concluem pedindo a improcedência da acção e, em reconvenção, pedem:
1. Que se declare que os Réus/reconvintes são donos e legítimos proprietários e possuidores do prédio urbano descrito em 4º, 5º e 6º da contestação, condenando os Autores a reconhecer tal direito;
2. Que se declare que se encontra constituída sobre o prédio dos Autores e a favor do prédio dos Réus servidões de vistas ar e luz relativamente ao terraço situado no 1º andar do prédio dos Réus;
3. Que se declare que se encontra constituída sobre o prédio dos Autores e a favor do prédio dos Réus servidão de vistas relativamente ao terraço situado no 2º andar do prédio dos Réus;
4. Que se declare que se encontra constituída sobre o prédio dos Autores e a favor do prédio dos Réus servidão de estilicídio relativamente às águas pluviais que tombam e escorrem do telhado que é a cobertura de terraço situado no 1º andar do prédio dos Réus para o prédio dos Autores;
5. Que os Autores sejam condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos perturbadores do exercício dos direitos de servidão de vistas, luz e ar e estilicídio que beneficiam o prédio dos Réus, nomeadamente de nele executar obras que prejudiquem ou violem aqueles direitos de servidão.

Os Autores apresentaram réplica, impugnando alguns dos factos alegados pelos Réus e reafirmando a posição assumida na petição inicial, alegando, em suma, que, com as obras que efectuaram, os Réus agravaram as servidões que eventualmente existissem e, ampliando o pedido inicialmente formulado, pedem agora que os Réus sejam condenados: a retirar do prédio dos Autores as águas pluviais resultantes das obras aludidas no artigo 41.º da PI e todas as executadas após a compra em 1998, melhor discriminadas nos artigos 104 a 182 da réplica; a tapar a varanda existente no 1.º andar do prédio identificado nos artigos 4.º, 5.º e 6.º da contestação; a tapar o terraço existente no 2.º andar do prédio identificado nos artigos 4.º, 5.º e 6.º da contestação ou in minime, caso assim se não entenda, a demolir parte do murete nesse existente na parte que confronta directamente com o prédio dos autores, repondo a situação anterior a tal construção e descrita nos artigos 88.º da réplica e a demolir parte do telhado e caleira existente sobre a varanda do 1.º andar na parte que invade o espaço aéreo do prédio dos Autores.

Os Réus apresentaram tréplica, impugnando os factos alegados pelos Autores, mantendo tudo o que haviam alegado na contestação e concluindo pela improcedência dos pedidos formulados.

Foi proferido despacho saneador e foi admitida a reconvenção, bem como a ampliação do pedido.
Foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente e julgando totalmente procedente a reconvenção, decidiu nos seguintes termos:
A) Julgo parcialmente improcedente a presente acção e, em consequência, reconheço aos autores A... e B... a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio descrito no ponto 1 do elenco dos factos provados, condenando os réus C... e D... a reconhecer tal direito e absolvendo-os dos demais pedidos formulados;
B) Julgo totalmente procedente a reconvenção e, em consequência:
i) Reconheço aos réus/reconvintes C... e D... a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio urbano descrito no ponto 3 do elenco de factos provados, condenando os autores/reconvindos A... e B... a reconhecer tal direito;
ii) Declaro que se encontra constituída sobre o prédio descrito no ponto 1 dos factos provados e a favor do prédio descrito no ponto 3 uma servidão de vistas relativamente à varanda situada no 1º andar daquele prédio e também relativamente ao terraço situado no 2º andar do mesmo prédio;
iii) Declaro que se encontra constituída sobre o prédio descrito no ponto 1 dos factos provados e a favor do prédio descrito no ponto 3 uma servidão de estilicídio relativamente às águas pluviais que tombam e escorrem do telhado/telheiro que serve de cobertura à varanda situada no 1º andar do prédio descrito em 3;
iv) Condeno os reconvindos a reconhecerem a existência de tais servidões e a absterem-se da prática de quaisquer actos perturbadores do exercício dos respectivos direitos a elas inerentes, nomeadamente de executar no prédio descrito em 1 obras que prejudiquem ou violem aqueles direitos de servidão”.

Inconformados com essa decisão, os Autores vieram interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1º O Tribunal a quo cometeu erro de julgamento, lavrando em erro na apreciação da prova produzida, bem como na interpretação e aplicação do Direito.
2º Confundiu realidade físicas, arquitectónicas e jurídicas diferentes, tratando varandas, terraços e janelas, como se da mesma realidade se tratassem, quando é a própria Lei (art. 1360º e ss do Cód. Civil) que as diferencia.
3º Assim, sem para já se colocar em crise parte dos factos constantes da reconvenção, que foram dados como provados e que deviam ter sido dados como não provados, e factos constantes da petição inicial e replica que foram dados como não provados e que deveriam ter sido dados como provados. Resulta dos factos dados como provados que a acção deveria ter sido dada totalmente como procedente e o pedido reconvencional (para além do reconhecimento dos RR. como proprietários do prédio identificado em 3), como improcedente.
4º Ora, resulta provado entre outros factos que por volta de 2009 (sendo que a acção entrou em Juízo em 2011), no local onde havia uma varanda com um comprimento de 7,22 metros e um parapeito com 76 cm de altura, e coberta com um telhado que dista na vertical 1,67 metros desde o parapeito até à parte interior/exterior do mesmo telhado – na parte em que tal construção dos RR. confronta com o prédio dos AA. (Factos Provado em 40., 41., 43.); foram colocadas pelos RR. janelas em toda a extensão da varanda (Facto Provado em 8.).
5º Janelas, essas, divididas em oito partes continuas, com vidros transparentes (Facto Provado 12., 59.), estando a menos de metro e meio de distância do prédio dos AA e a menos de um metro e meio de altura do piso do terraço do prédio dos RR. (Facto Provado 13.), tendo cada uma das janelas colocadas no comprimento da varanda 0,95 metros de largura e 2,25 e 1,65 metros de altura (Facto Provado em 14.), sendo possível abrir 4 dessas 8 janelas em simultâneo (Facto Provado 59.).
6º Assim, desde 2009, que não existe uma varanda/terraço no prédio dos RR., mas sim uma nova divisão coberta e tapada por janelas, vulgarmente designada por marquise.
7º Ora, uma varanda/terraço é uma plataforma aberta de um edifício, com a qual se comunica por uma porta, que é limitada por parapeito ou por grade ou balaústre.
8º Enquanto que, uma janela é uma abertura num elemento de vedação arquitectónica, como uma parede.
9º Resulta dos factos provados, que desde 2009, não existe mais qualquer varanda/terraço, no prédio dos RR. ao nível do 1º andar. Pois, no local que servia de varanda/terraço coberto, foram colocadas 8 janelas.
10º Assim, não existindo desde 2009, no prédio dos RR., qualquer realidade física, arquitectónica ou jurídica, que se classifique como varanda/terraço. E sendo que o pedido reconvencional dos RR., teve por objecto o reconhecimento da servidão de vistas das janelas colocadas onde antes existia uma varanda/terraço, devia ter sido julgado improcedente a decisão nas alíneas B) ii) iv).
11º Pois, desde 2009, não existe qualquer varanda/terraço ao nível do 1º andar do prédio dos RR. Pois, estes transformaram tal varanda/terraço, em divisão fechada, colocando 8 janelas onde antes existia tal varanda.
12º Por outro lado, mesmo que se considere por absurdo que tal varanda/terraço ainda existe, apesar da colocação no seu local de 8 janelas.
A colocação de tais janelas, consiste num agravamento da servidão de vistas (a existirem), que oneram o prédio dos AA.
13º Assim, deu o Tribunal a quo como provados os seguintes factos, neste ponto: - Que com a luz do sol ao incidir sobre os vidros das janelas referidas no ponto 8, os mesmos ficam com efeito espelhado, dificultando quem quer que esteja no logradouro do prédio identificado no ponto 1 de saber se alguém no interior dessas janelas os está a observar, situação essa que se pode agravar com a colocação de cortinas. (Facto provado 15); - Que com a colocação das janelas referidas nos pontos 8 e 12 a 14, os réus ou quem quer que habite o prédio identificado no ponto 3 podem, com maior facilidade, estar na varanda a observar, sem serem vistos, o prédio identificado no ponto 1 e quem se encontre no respectivo quintal. (Facto provado 16); Que após a colocação das janelas, a forma ou modo de utilização da varanda por parte dos réus ou de quem esteja no prédio identificado no prédio descrito no ponto 3 aumentou. (Facto provado 17); Que por causa da colocação das janelas referidas, tal varanda, com cerca de 15,00 m2, passou a poder ter utilização permanente, mesmo em tempo de chuva e frio. (Facto provado 18); Que a existência das janelas leva a que os autores não se sintam à vontade no seu quintal, por não saberem se alguém está por detrás das janelas. (Facto provado 19)
14º Sendo entendimento jurisprudencial, que mesmo que existisse, a servidão de vistas reclamada pelos AA., era-lhes vedado transformar uma varanda e marquise, com a colocação na mesma de janelas, transformado, por essa via uma varanda numa divisão interna, numa marquise.
15º A saber: Ac. Rel. do Porto, Proc. 0121662, nº Convencional JTRP 00032117; Ac. Rel. de Coimbra de 29/2/2000 in Col. Jur. 2000 – I- 35; Ac. R. de Coimbra, de 16/06/87, in Col. 87 – III – 42; Ac. Relação de Coimbra de 05/01/1988, in Col. Jur. I, pág. 51; Ac. Rel. de Coimbra de 10/02/1987, in C.J., I, pág. 52; Sentença de 12 de Janeiro de 1977, do Juiz da Comarca de Mangualde, in CJ, pág. 1083; Ac. STJ de 29/11/1994, BMJ 441 – pág. 413; Ac. do STJ no Proc. 02A1992, in www.dgsi.pt:
16º Sucede que o prédio dos R.R. em causa, é habitado e habitável.
Sendo habitado actualmente por inquilinos dos R.R. As oito janelas deitam vistas directamente para o quintal/pátio do prédio dos A.A..
17º Com a construção e colocação de tal ou tais janelas, os R.R. tornaram mais onerosas as vistas sobre o prédio dos A.A..
18º Pois, os R.R. ou quem quer que esteja ou habite no prédio dos R.R., actualmente podem estar no terraço a observar, sem serem vistos o prédio dos A.A. e quem se encontre no respectivo quintal/pátio.
19º O que leva a que os A.A. se sintam reprimidos no gozo do seu direito de propriedade, e não andem à vontade no seu quintal/pátio. Pois, não sabem se estão a ser observados ou não, por alguém que esteja por de trás da ou das janelas. Sendo que, caso tal ou tais janelas não estivessem colocadas, os A.A. teriam a plena percepção se estão ou não a ser observados. (Factos provados em 15, 16, 17, 18, 19)
20º Por outro lado, com a colocação de tal ou tais janelas, a utilização de tal varanda por parte dos R.R. ou de quem quer que esteja em tal prédio, e a forma de utilização da mesma, aumentou. Pois, tais varanda/terraço foi transformada agora numa divisão, que tem ou pode ter utilização permanente. Mesmo em tempo de chuva, de vento e de frio.
21º O que antes de tal obra não sucedia. Pois, que estivesse na varanda/terraço, estava sujeito às intempéries, que como é publico e notório, condicionavam tal utilização.
22º Quando, antes da colocação das janelas, a varanda/terraço, era um espaço aberto onde entrava a chuva, o frio, o vento e o calor.
23º Pelo que com a colocação de tais janelas, uma verdadeira montra para o prédio dos AA., com 7,22 metros de comprimento, aumentou a devassa sobre o prédio dos AA.
24º Com a colocação de janelas na varanda, foi transformada com tal obra, uma varanda numa divisão, numa “marquise”. O uso dado a tal varanda passou a ser diferente. Pois, passou a ser uma divisão interior da casa dos RR.
25º Mais, com a luz do sol ao incidir sobre os vidros das janelas dos RR., os mesmos ficam espelhados, impossibilitando quem quer que esteja no logradouro do prédio dos AA. de saber se alguém no interior dessas janelas os está a observar.
26º Situação, essa, que se pode agravar com a normal colocação de cortinas em tais janelas, que aliás se verificou na pendência da acção – fotografia fls. 195.
27º É o próprio Tribunal a quo, que inclusive considera na “ III.2 - Motivação da matéria de facto” que “(…) resulta das mais elementares regras da experiência que um espaço que tanto permite a entrada de ar e luz, como pode estar fechado e abrigado do frio e da chuva, proporciona uma utilização mais frequente e alargada (…)”
28º Ora, sendo mais utilizado, implica uma mais devassa do prédio dos AA.. Devassa, essa, ainda mais agravada pelo facto do sol bater nas vidraças das janelas e pela colocação de cortinas, que impossibilitam quem quer que esteja no logradouro do prédio dos AA. de saber se alguém no interior dessas janelas os está a observar.
29º Andou mal o Tribunal a quo, ao condenar o reconhecimento de servidão de vistas de uma realidade (varanda/terraço) que não existe. Pois, o que existe é uma nova divisão com 8 janelas no local onde antes existia uma varanda/terraço. Sendo que, os RR., pediram a condenação dos AA., na servidão de vistas dessa nova realidade (janelas) e não da realidade anterior.
30º Porém, mesmo que tivessem pedido, tal servidão de vistas dessa realidade anterior (varanda), devia ser sido julgado procedente o pedido dos AA., da retirada de tais janelas, como adiante se exporá.
31º Pelo que, em todo o caso, andou mal o Tribunal a quo.
32º Devendo, mesmo atendendo à matéria de facto dada como provada, em observância com a lei aplicável, ter sido julgado procedente o pedido dos AA., e os RR. serem condenados a tapar a suas expensas a varanda/terraço, ou in minime, serem condenados a retirar a suas expensas as janelas aí colocadas.
33º No que toca à varanda/terraço situada na cobertura do prédio dos RR., mais uma vez, o Tribunal a quo, decidiu contra a matéria de facto dada como provada neste ponto.
34º Assim, deu o Tribunal a quo como provado que os réus, entre finais e 1998 e 1999, realizaram obras ao nível da cobertura do prédio identificado no ponto 3. (Facto Provado 20); que antes dos réus realizarem tais obras, o prédio identificado no ponto 3, na parte poente, era coberto por um telhado com três águas, no qual se localizava uma chaminé e um pequeno terraço. (Facto Provado 21); que tal terraço estava ladeado, nos seus limites, com o prédio identificado no ponto 1 com um pequeno muro e com um varão de metal fixo em pilares de cimento (Facto Provado 31); que com as obras realizadas pelos réus, tal terraço passou a ter, na parte que confronta directamente com o prédio identificado no ponto 1, um murete com 0,75 metros de altura e uma extensão de 4,40 metros (Facto Provado 32); que tal murete serve de parapeito, permitindo as pessoas debruçarem-se. (Facto Provado 33); que tal murete oculta em parte as pessoas que se encontram nesse terraço, só sendo visíveis quando estejam junto a esse murete. (Facto Provado 34)
34º Assim, mais uma vez resulta dos factos provados que o murete construído em tal terraço, onera mais a servidão de vistas sobre o prédio dos AA. Pois, por um lado o murete construído em 1998/1999, permite por um lado que as pessoas se debrucem sobre o prédio dos AA., servido de parapeito. Por outro lado, tal tal murete oculta em parte as pessoas que se encontram nesse terraço, só sendo visíveis quando estejam junto a esse murete.
35º Sendo que por via dessa obra, até foi transformado um terraço numa varanda. Ou seja, numa realidade arquitectónica e jurídica diferente.
Pelo que, devia o Tribunal a quo ter ordenado que tal varanda fosse tapada, ou in minime, ter ordenado a demolição de tal murete, nos termos do pedido deduzido.
36º Por outro lado, o Tribunal a quo, contrariamente à prova produzida, deu como provados factos que não foram provados. Bem como, dá como não provados factos que efectivamente foram provados. Tudo com a agravante de ter dado como provados factos que estão em manifesta oposição com os não provados.
39º Assim, os Factos Provados 45., 46., 47., 48., 49., referentes à varanda/terraço ao nível do primeiro andar do prédio dos RR deviam ter sido dados como não provados, pois, foi provado que a mesma já não existe desde meados de 2009 (Facto Provado 11., 12., 13., 14., 58., 59., 60.).
Tendo sido, então transformada em divisão com a colocação de oito janelas ao longo de toda a sua extensão com o prédio dos AA.
40º Não tendo o Tribunal a quo, tirado as consequências arquitectónicas e jurídicas da colocação de tais janelas, na sentença que proferiu.
41º Por outro lado, a causa de pedir do pedido reconvencional, reporta-se à situação fáctica, existente à data em que o mesmo foi deduzido (2011), com vista à manutenção das 8 janelas e respectiva servidão de vistas.
42º Ora, provado ficou, que desde meados de 2009, não existe ao nível do 1º andar do prédio dos RR., qualquer varanda/terraço. Pois, a mesma foi transformada em divisão (marquise) com a colocação de 8 janelas. (ver fotos de fls. 181 – doc. 13, fls. 195 – doc. 23). Sucede que, o pedido reconvencional dos RR., tem em conta tal nova realidade (as janelas e sua manutenção) existente desde meados de 2009 e não, já se vê, uma varanda/terraço, que já há muito (desde 2009) não existe.
43º Pois, tais factos, referem-se a uma varanda/balcão/terraço, que não existia à data da dedução do pedido reconvencional, bem como à data da audiência de julgamento. Ora, não existindo desde meados de 2009 a dita varanda/balcão/terraço, tais factos controvertidos deviam ter sido dados como não provados.
44º Em todo o caso, a parte do Facto Provado 47. referente a “o que sempre fizeram quer no exterior do mesmo”, deve ser dado como não provado. Pois, nenhuma testemunha ouvida em audiência de julgamento, declarou tal. Como se pode constatar, da audição de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, e gravados pelos sistema de gravação existentes no Tribunal, a saber: - Testemunha E..., sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 10h53m15s e termo às 11h50m53s; - Testemunha F... , sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 11h52m15s e termo às 12h14m00s; - Testemunha G... , sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 12h15m46s e termo às 12h39m20s; - Testemunha H... , sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 12h40m32s e termo às 12h52m59s; - Testemunha I... , sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 12h53m59 e termo às 13h18m47s; - Testemunha J... , sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 14h38m47s e termo às 15h21m29s; - Testemunha L... , sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 15h25m46s e termo às 15h51m47s; - Testemunha M... , sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 15h52m52s e termo às 16h03m56s;- Testemunha N... , sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 16h04m53s e termo às 16h37m26s; - Testemunha O... , sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 16h38m22s e termo às 17h17m05s; - Testemunha P... , sessão de 12/02/2015, depoimento gravado com inicio às 10h02m05s e termo às 10h48m43s; - Testemunha Q... , sessão de 12/02/2015, depoimento gravado com inicio às 10h50m09s e termo às 11h49m05s; - Testemunha R... , sessão de 12/02/2015, depoimento gravado com inicio às 11h51m05s e termo às 11h58m19s; - Testemunha S... , sessão de 12/02/2015, depoimento gravado com inicio às 12h01m12s e termo às 12h26m35s; - Testemunha T... , sessão de 12/02/2015, depoimento gravado com inicio às 12h28m45s e termo às 12h31m42s; - Testemunha U... , sessão de 12/02/2015, depoimento gravado com inicio às 12h33m15s e termo às 13h08m05s; - Testemunha V... , sessão de 12/02/2015, depoimento gravado com inicio às 14h33m52s e termo às 15h06m29s; - Testemunha X... , sessão de 12/02/2015, depoimento gravado com inicio às 15h07m44s e termo às 16h00m16s; - Testemunha Z... , sessão de 12/02/2015, depoimento gravado com inicio às 16h48m38s e termo às 15h58m09s; - Testemunha K... , sessão de 08/04/2015, depoimento gravado com inicio às 15h48m38s e termo às 15h58m09s.
45º Também, da audição de tais depoimentos, resulta que devia ter sido dada como não provado o Facto Provado 39. na parte “desde que tal imóvel foi construído”. Pois, nenhuma testemunha declarou tal.
46º Os Factos Provados 50., 57. devem ser dados como não provados.
47º Pois, dos depoimentos das testemunhas retro aludido e 45º, nenhuma depôs sobre o modo, a convicção e o unimus com que os RR (desde 1998, ano em que compraram o imóvel em questão) e antes destes os respectivos antepossuidores, agiram nos termos descritos nos pontos 45 a 48! Mais uma vez, foi cometido um erro de julgamento. Sendo que por outro lado, tal conduta dos RR, sempre teve a oposição dos AA. (doc. 9 da P.I. e Facto Provado 6.).
48º Os Factos Provados 52., 53. devem ser dados como não provados, pois, nenhuma prova foi produzida nesse sentido, como se pode constatar da audição das declarações das testemunhas indicadas no retro art. 45º.
49º Pois, dos depoimentos das testemunhas retro aludido, nenhuma depôs sobre o modo, a convicção e o animus com que os RR (desde 1998, ano em que compraram o imóvel em questão) e antes destes os respectivos antepossuidores, agiram nos termos descritos no ponto 50.!
50º Aliás, inclusive o modo de como os RR., expressamente alegaram de como se fazia tal escoamento (através de caleira e tubo), nem sequer foi dado como provado.
51º Os Factos Provados 52., 53. devem ser dados como não provados, pois, nenhuma prova foi produzida nesse sentido, como se pode constatar da audição das declarações das testemunhas indicadas no retro art. 45º.
52º Os Factos Provados 58. devem ser dados como não provados, pois, nenhuma prova foi produzida nesse sentido, como se pode constatar da audição das declarações das testemunhas indicadas no retro art. 45º, em especial da testemunha K... .
53º Os Factos Provados 62. devem ser dados como não provados, pois, nenhuma prova foi produzida nesse sentido, como se pode constatar da audição das declarações das testemunhas indicadas no retro art. 45º, e da demais prova documental e pericial junta aos autos.
54º Assim, quanto aos Factos não Provados, o Tribunal a quo, continuou a cometer erro de julgamento, no que toca à apreciação da prova.
Dando como não provados, factos, cuja prova se produziu em audiência de julgamento.
55º Assim, o Facto não Provado A., deve ser dado como provado, pelo menos restritivamente, com a seguinte redação:
“Se as janelas não estivessem colocadas, os autores teriam maior percepção se estavam ou não a ser observados.”
56º Atendendo ao Factos Provados em 15., 16., 17., 18., 19., e ao normal suceder.
57º Os Factos não Provados B., C., D., E., devem ser dado como provados, atendendo à prova pericial, documental e testemunha produzida, embora com respostas restritivas.
58º Desde logo o Tribunal a quo deu como Facto Provado 19.
59º Por outro lado, no que interessa para tais factos foi produzida a seguinte prova: - Testemunha E... , sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 10h53m15s e termo às 11h50m53s; - Testemunha F... , sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 11h52m15s e termo às 12h14m00s; - Testemunha L... , sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 15h25m46s e termo às 15h51m47s; - Testemunha N... , sessão de 10/02/2015, depoimento gravado com inicio às 16h04m53s e termo às 16h37m26s; - Testemunha X... , sessão de 12/02/2015, depoimento gravado com inicio às 15h07m44s e termo às 16h00m16s;
60º Devia, pois, ter sido dado como provado que
B. Os autores não dão utilização devida ao pátio, pois sentem-se incomodados, estando sempre a olhar para as janelas a fim de tentar ver se alguém os está a observar.”
C. Os autores sentem-se tristes e revoltados com a conduta dos R.R. (Pois, atendendo à prova produzida e ao normal acontecer, se se sentem incomodados e coibidos de utilizar o pateio, pelo facto de estarem a ser observados por detrás das janelas em causa, e em consequência reclamaram tal situação junto dos RR e deram entrada da presente acção em Tribunal. Tendo condicionado a obra então em curso. É publico e notório, que têm sentimentos de tristeza e de revolta.)
D. Os autores não usufruem do pateo identificado como podiam fazer, sentindo-se coibidos de estar no pátio do prédio identificado no ponto I . (Pois, atendendo à prova produzida e ao normal acontecer, se se sentem observados e incomodados, tendo condicionado parte das obras que realizaram, à existência e características de tais janelas, estando coibidos de utilizar o pateio na sua plenitude, pelo facto de estarem a ser observados por detrás das janelas em causa, e em consequência até deram entrada da presente acção em Tribunal. É publico e notório, que não usufruem do pátio identificado como podiam fazer).
E. Os autores pretendem fazer obras de reconstrução do prédio identificado no ponto I, estando a extensão de tais obras condicionada à retirada das janelas.”
Tal resultou provado do depoimento da testemunha Arquitecta L... , que diz que as obras da casa dos AA., no que toca à cozinha, arranjos exteriores e piscina, foi condicionada pela existência de tais janelas.
Resultado das peças da arquitectura da obra dos AA., a fls. 333 o projecto inicial sem piscina, e a fls. 335, as telas finais com piscina.
Piscina, essa, cuja construção e implantação, de acordo com o depoimento da testemunha Arquitecta L... , foi condicionada à existências das janelas dos RR.
61º O Facto não Provado M. deve ser dado como provado, atendendo à prova documental produzida (fotografia de fls. 161 (doc. 3 )
62º O Facto não Provado S, deve ser dado como provado, devem ser dados como provados, atendendo à prova pericial, documental e testemunha produzida.
63º Pois, encontram-se juntas aos autos, diversas fotografias tiradas ao prédio dos RR., ao longo dos tempos, e que retratam a cobertura do prédio dos RR., no sentido poente/nascente e nascente poente, a saber: fls. 162, 163; fls. 164, 165, 166; fls. 167, 168; fls. 169, 170, 171; fls. 172, 173; fls. 174, 175, 176; fls. 177, 178; fls. 179, 180; fls. 181; fls. 182; fls. 185; fls. 194; fls. 196, 197; fls. 425; fls. 426; fls. 425.
64º Resultam de tais fotografias, o estado e características desse terraço, antes dos RR., realizarem obras ao nível dessa cobertura.
65º Fotos, essas, que retratam de forma cabal que na parte em que tal terraço confrontava com o prédio dos AA., era ladeado por um muro de pequena altura, equivalente a uma fiada de tijolo (tendo como referência o tanque de lavar a roupa colocado nesse terraço), e tinha sobre tal muro pilares, unidos por um varão. (fotografias fls. 169, 170, 171, 177, 178, 164, 165, 166)
66º Resulta de fls. 179, 180, 181, 182, 185, o estado e características desse terraço/varanda, após os RR., realizarem obras ao nível dessa cobertura. O muro de pequena altura, os pilares e o varão, foram substituídos por um muro/parapeito, com 0,75 m de altura.
67º Ora, é publico e notório, que um pequeno muro, pilares e varão, ocultam incomensuravelmente menos, que um muro com 0,75 m de altura.
E se mesmo assim, duvidas existam, basta comparar a situação retratada antes de tais obras a fls. 169, 1709, 171, e a situação retratada depois das obras a fls. 179, 180.
68º Sendo publico e notório, que após tais obras, ou seja na situação actual, é possível debruçar-se com mais segurança, por via desse parapeito com 0,75 m, sobre o prédio dos AA..
69º Sendo igualmente publico e notório que, antes com o terraço aberto, isto é, só vedado por um varão e pilares, era possível do prédio dos AA., visualizar se alguém se aproximava desse varão. O que agora é impossível constatar. De acordo com o Facto Provado 34.
70º No que toca à Servidão de estilicídio, fundamentaram o seu pedido de servidão de estilicídio, no Facto não Provado T.
71º Ora, tal facto suportava o pedido de servidão de estilicídio que onerava o prédio dos AA., a favor do prédio dos RR. Sendo o modo, de como as águas provenientes do prédio dos RR., escoavam sobre o prédio dos AA., nos termos da reclamada servidão de estilicídio.
72º Porém, os RR., não lograram provar tal facto, tendo o mesmo sido dado como Facto não Provado. Assim, não tendo sido dado como provados os elementos constitutivos dessa servidão de estilicídio, não se provando esse modo de alegada servidão, é manifestamente ilegal a parte da decisão, B) – iii)
73º O Tribunal a quo confundiu realidades jurídicas distintas, confundindo varanda com janelas e confundiu terraço com varanda!
74º Assim, no prédio dos RR., ao nível do 1º andar na parte que confronta com o prédio dos AA., existiu, desde data incerta até meados de 2009, uma varanda com 7,22 metros de cumprimento, servida por um parapeito com 0,76 metros de altura (Facto Provado 10., 11., 12, 40.)
75º Em meados de 2009, tal varanda foi transformada em divisão interna da casa dos RR. Pois, a mesma foi vedada com 8 janelas de vidro transparente, que permitem serem abertas, tendo sido colocadas cortinas nas mesmas. Ou seja, actualmente existe qual “montra” para o prédio dos AA., com 7,22 metros de comprimento, tendo cada uma das janelas colocadas no comprimento da varanda 0,95 metros de largura e 2,45 e 1,65 metros de altura. Convenhamos que já vimos “montras” de menores dimensões. (Factos Provados, 8., 12., 14.). Estando tais janelas localizadas a menos de 1,50 metros de distância do prédio dos AA e a menos de 1,50 metros de altura do piso do terraço do prédio dos RR. (Facto Provado 13.)
Por outro lado, com a luz do sol ao incidir sobre os vidros das janelas referidas no ponto 8, os mesmos ficam com efeito espelhado, dificultando quem quer que esteja no logradouro do prédio identificado no ponto 1 de saber se alguém no interior dessas janelas os está a observar, situação essa que se pode agravar com a colocação de cortinas. (Facto Provado 15.). Bem como, com a colocação das janelas referidas nos pontos 8 e 12 a 14, os RR. ou quem quer que habite o prédio identificado no ponto 3 podem, com maior facilidade, estar na varanda a observar, sem serem vistos, o prédio identificado no ponto 1 e quem se encontre no respectivo quintal. (Facto Provado 16). Sendo que, após a colocação das janelas, a forma ou modo de utilização da varanda por parte dos RR. ou de quem esteja no prédio identificado no prédio descrito no ponto 3 aumentou. (Facto Provado 17).
Por causa da colocação das janelas referidas, tal varanda, com cerca de 15,00 m2, passou a poder ter utilização permanente, mesmo em tempo de chuva e frio. (Facto Provado 18) A existência das janelas leva a que os AA. não se sintam à vontade no seu quintal, por não saberem se alguém está por detrás das janelas. (Facto Provado 19). Bem como atendendo, aos factos – caso não se considere os anteriores bastantes – que apesar de terem sido dados como não provados, devem, atendendo à prova produzida serem dados como provados.
A saber:
A. Se as janelas não estivessem colocadas, os autores teriam maior percepção se estavam ou não a ser observados.”
B. Os autores não dão utilização devida ao pátio, pois sentem-se incomodados, estando sempre a olhar para as janelas a fim de tentar ver se alguém os está a observar.”
C. Os autores sentem-se tristes e revoltados com a conduta dos R.R.
D. Os autores não usufruem do pateo identificado como podiam fazer, sentindo-se coibidos de estar no pátio do prédio identificado no ponto I .
E. Os autores pretendem fazer obras de reconstrução do prédio identificado no ponto I, estando a extensão de tais obras condicionada à retirada das janelas.”
76º Ora, como ficou provado, o prédio dos RR., ao nível do 1º andar, na parte onde confronta directamente com o prédio dos AA., tinha uma varanda com 7,22 metros de cumprimento. Tendo os RR., em 2009, tapado tal varanda em toda a sua extensão, com 8 janelas, que se abrem, com vidro transparente. Transformaram tal varanda em marquise, ou seja numa divisão interna desse prédio.
77º A existir servidão de vistas, seria para uma varanda aberta, e não para uma marquise/divisão interna, com 8 janelas com um comprimento total de 7,22 metros.
78º Tais janelas, como resulta da prova produzida e das sentenças retro indicadas, tornaram mais onerosa, tal servidão de vistas (a existirem), sobre o prédio dos AA.
79º Pois, os R.R. ou quem quer que esteja ou habite no prédio dos R.R., actualmente podem estar no terraço a observar, sem serem vistos o prédio dos A.A. e quem se encontre no respectivo quintal/pátio.
80º O que leva a que os A.A. se sintam reprimidos no gozo do seu direito de propriedade, e não andem à vontade no seu quintal/pátio. Pois, não sabem se estão a ser observados ou não, por alguém que esteja por de trás da ou das janelas. Sendo que, caso tal ou tais janelas não estivessem colocadas, os A.A. teriam uma melhor percepção se estão ou não a ser observados. (Factos provados em 15, 16, 17, 18, 19)
81º Por outro lado, com a colocação de tal ou tais janelas, a utilização de tal varanda por parte dos R.R. ou de quem quer que esteja em tal prédio, e a forma de utilização da mesma, aumentou.
82º Pois, tal varanda foi transformada numa divisão, com um uso diferente – já se vê, como divisão interna que é - que tem ou pode ter utilização permanente. Mesmo em tempo de chuva, de vento e de frio. O que antes de tal obra não sucedia. Pois, quem estivesse na varanda/terraço, estava sujeito às intempéries, que como é público e notório, condicionavam tal utilização.
83º Quando, antes da colocação das janelas, a varanda, era um espaço aberto, coberto, onde entrava a chuva, o frio, o vento e o calor.
84º Com a luz do sol ao incidir sobre os vidros das janelas dos RR., os mesmos ficam espelhados, impossibilitando quem quer que esteja no logradouro do prédio dos AA. de saber se alguém no interior dessas janelas os está a observar.
85º Situação, essa, que se pode agravar com a normal colocação de cortinas em tais janelas.
86º Ora, sendo mais utilizada tal divisão, implica uma maior devassa do prédio dos AA.. Devassa, essa, ainda mais agravada pelo facto do sol bater nas vidraças das janelas e pela colocação de cortinas, que impossibilitam quem quer que esteja no logradouro do prédio dos AA. De saber se alguém no interior dessas janelas os está a observar.
87º Assim, por um lado, andou mal o Tribunal a quo ao condenar o reconhecimento de servidão de vistas de uma realidade (varanda/terraço) que não existe. Pois, o que existe é uma nova divisão com 8 janelas no local onde antes existia uma varanda/terraço. Sendo que, os RR., pediram a condenação dos AA., na servidão de vistas dessa nova realidade (janelas) e não da realidade anterior, referente a varanda. E a decisão refere a varanda como se de uma situação actual fosse.
88º Por outro lado, a causa de pedir do pedido reconvencional, reporta-se à situação fáctica, existente à data em que o mesmo foi deduzido (2011), com vista à manutenção das 8 janelas. Ora, provado ficou, que desde meados de 2009, não existe ao nível do 1º andar do prédio dos RR., qualquer varanda/terraço. Pois, a mesma foi transformada em divisão (marquise) com a colocação de 8 janelas. (ver fotos de fls. 195). Sucede que, o pedido reconvencional dos RR., tem em conta tal nova realidade (as janelas e sua manutenção) existente desde meados de 2009. E não, já se vê, uma varanda/terraço, que já há muito (desde 2009) não existe. Existindo, contradição entre o pedido reconvencional e a causa de pedir do mesmo.
Pelo que, mesmo por esse motivo, devia ter sido julgado improcedente tal pedido.
89º Pois, pede-se a constituição de servidão de vistas de uma varanda, que desde 2009 já não existe.
90º Indo ao ponto, o Tribunal a quo, condenar no reconhecimento de numa servidão de vistas de uma varanda que não existe.
91º Em todo o caso, os RR., nem sequer lograram provar, como retro exposto, os elementos subjectivos – animus – referente à constituição de tal servidão de vistas da varanda sobre o prédio dos AA..
92º No que toca à varanda existente ao nível da cobertura do prédio dos RR., na parte que confronta directamente com o prédio dos AA., resultou provado, que os RR., em finais de 1998, 1999, construíram no mesmo um muro/parapeito com 0,75 metros de altura. Colocando tal muro/parapeito, num local, onde antes só existia um pequeno murete (de uma fiada de tijolo), pilares e um varão.
93º Ora, é publico e notório, que um pequeno muro, pilares e varão, ocultam incomensuravelmente menos, que um muro com 0,75 m de altura.
94º Sendo publico e notório, que após tais obras, ou seja na situação actual, é possível debruçar-se com mais segurança, por via desse parapeito com 0,75 metros, sobre o prédio dos AA.. Tendo sido transformado, por tal obra, um terraço numa varanda.
95º Sendo igualmente público e notório que, antes com o terraço aberto, isto é, só vedado por um varão e pilares, era possível do prédio dos AA., visualizar se alguém se aproximava desse varão. O que agora é impossível constatar. Pois, de acordo com a resposta da peritagem, e o Facto Provado 34. “Tal murete oculta em parte as pessoas que se encontram nesse terraço, só sendo visíveis quando estejam junto a esse murete.”
96º Pelo que, as vistas sobre o prédio dos AA., e a sua devassa, com tal varanda, tornou-se maior, por via dessa obra, da realidade anterior, referente a um terraço.
97º Por outro lado, a causa de pedir do pedido reconvencional, reporta-se à situação fáctica, existente à data em que o mesmo foi deduzido (2011), com vista à manutenção de tal terraço tal como se encontrava à data. Ora, provado ficou, que a situação, actualmente existente, reporta-se a finais de 1998, 1999. Sucede que, o pedido reconvencional dos RR., tem em conta tal nova realidade, varanda com murete/parapeito com 0,75 metros, existente desde finais de 1998, 1999. E não, já se vê, um terraço com as características anteriores a essa data. Ora, desde finais de 1998, 1999, até a data da acção em juízo, em 2011, nos termos do art. 1362º do Cód. Civil, ainda não decorreu o tempo necessário e bastante para que tal varanda tenha constituída uma servidão de vistas sobre o prédio dos AA.
98º No que toca a servidão de estilicídio, os RR., fundamentaram o seu pedido de servidão de estilicídio, no seguinte Facto não Provado T.
99º Tal facto suportava o pedido de servidão de estilicídio que onerava o prédio dos AA., a favor do prédio dos RR., referente ao modo de como as águas pluviais escoavam sobre o prédio dos AA. Sendo que, as mesmas segundo os RR., escoavam para o prédio dos AA., conduzidas por uma caleira para um tubo.
100º Porém, os RR., não lograram provar tal facto, tendo o mesmo sido dado como Facto não Provado.
101º Assim, não tendo sido dado como provados os elementos constitutivos dessa servidão de estilicídio, não se provando esse modo de alegada servidão invocada pelos RR., de como se fazia tal servidão, é manifestamente ilegal a decisão que reconheceu a constituição de tal servidão de estilicídio sobre o prédio dos AA., não atendendo a tal modo de escoamento, expressamente alegado pelos RR, e que era a causa de pedir e suportava o pedido dos RR.
102º Assim, a decisão recorrida violou entre outros o disposto nos arts., 1360º, 1362º, 1365º, todos do Código Civil, pelo que deve ser revogada em conformidade.
103º Destas ilegalidades resultaram danos para os AA., que pela sua gravidade, carecem de indemnização.
104º Efectivamente, de acordo com a prova produzida, em consequência da devassa a que o seu prédio e as suas vidas estão a ser sujeitos desde pelo menos 27/08/2010 (data em que os AA., reclamaram junto dos RR., por carta registada – por estes recebida – a retirada das janelas (Facto Provado 6.), a vida destes é condicionada por tais janelas e varanda. Sentindo-se observados e incomodados. Tudo com a agravante de não saberem se em concreto estão ou não a ser observados. Pois, as janelas (com 7,22 metros de comprimento), e as cortinas nelas colocadas, impedem constatar se alguém e quem os está a observar. Permitindo tais janelas, que os AA., sejam observados por quem não é visto. Caso, as janelas não estivessem colocadas, os autores teriam maior percepção se estavam ou não a ser observados. Os AA. não dão utilização devida ao pátio, pois sentem-se incomodados, estando sempre a olhar para as janelas a fim de tentar ver se alguém os está a observar. Os autores sentem-se tristes e revoltados com a conduta dos R.R.. Os AA não usufruem do pateo identificado como podiam fazer, sentindo-se coibidos de estar no pátio do prédio identificado no ponto I. Os AA. pretendem fazer obras de reconstrução do prédio identificado no ponto I, estando a extensão de tais obras condicionada à retirada das janelas. Tendo condicionado as obras realizadas em função de tais janelas.
105º Ora, toda esta situação, já se arrasta há cinco anos!
106º Isto enquanto, por via de tal ilegalidade, os RR., beneficiam de uma maior fruição do seu espaço, do seu prédio, à custa de uma maior devassa do prédio dos AA., atendendo ao Facto Provado 17., 18.
107º Por um lado, estes danos sofridos pelos AA., que impedem que os AA., usufruam o seu prédio. Por outro lado, obtendo os RR., benefícios de tais ilegalidades com cometeram – com uma maior utilização do espaço anteriormente destinado a varanda, a utilização permanente do espaço anteriormente destinado a varanda - à custa do direito de propriedade dos AA., bem como dos seus direitos de personalidade, carecem de indemnização, nos termos dos arts. 483º e ss. do Código Civil.
108º Pelo que, deviam ter sido julgados procedentes os pedidos deduzidos em c) e d) da Replica.
109º Bem como, atendendo a todo o retro exposto, à prova produzida e ao direito aplicável, deviam todos os pedidos deduzidos da réplica, terem sido julgados procedentes por provados. Bem como, todos os pedidos reconvencionais, sido julgados improcedentes por não provados.
110º Ao ter decidido em contrario, cometeu o Tribunal a quo erro de julgamento, que na apreciação da prova efectivamente produzida, que na aplicação do Direito.
111º Em consequência, atendendo à revogação da decisão, com procedência da acção e improcedência da reconvenção, deve ser ainda revogada a decisão quanto às custas. Devendo os RR., serem condenados no pagamento das custas judiciais, nos termos previstos no artigo 527º nº 1 do Código Processo Civil.
Assim, concluem, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a sentença recorrida, devendo ser julgado procedente o pedido deduzido contra os RR., na P.I e ampliado em sede de Replica e ser julgado improcedente, o pedido reconvencial.
Mais, deverá, em conformidade ser revogada a decisão referente às custas judiciais.

Os Réus, apresentaram contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso e a confirmação da sentença.
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II.
Questões a apreciar:
Atendendo às conclusões das alegações dos Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
• Saber se existiu erro na apreciação da prova e se, em função disso, importa ou não alterar – e em que termos – a decisão proferida sobre a matéria de facto;
• Saber se deve ser reconhecida, por se ter constituído por usucapião, uma servidão de vistas relativamente à varanda existente no 1º andar do prédio dos Réus e determinar se o facto de essa varanda (antes aberta) ter sido tapada com janelas de correr determina um agravamento da servidão eventualmente existente;
• Saber se estão reunidos os pressupostos de que depende a procedência do pedido de indemnização formulado pelos Autores referentes aos danos alegadamente sofridos por força da colocação das ditas janelas;
• Saber se deve ser reconhecida, por se ter constituído por usucapião, uma servidão de vistas relativamente ao terraço/varanda existente no 2º andar do prédio dos Réus e determinar se as alterações aí efectuadas determinam um agravamento da servidão eventualmente existente;
• Saber se deve ser reconhecida, por se ter constituído por usucapião, uma servidão de estilicídio relativamente às águas pluviais que tombam e escorrem do telhado/telheiro que serve de cobertura à varanda situada no 1º andar do prédio dos Réus.
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III.
Na 1ª instância, considerou-se provada a seguinte matéria de facto (que tentamos reorganizar, na medida do possível, por ordem lógica e cronológica com indicação – na parte final – da letra ou número pelo qual cada um dos factos estava enunciado na sentença):
1. O direito de propriedade do prédio urbano, composto por casa de habitação e quintal anexo, sito na Rua (...) , concelho da Sertã, inscrito sob o artigo 4364-P, descrito sob o nº 3863/20020128, encontra-se inscrito a favor de A... e B... , através da Ap. 1165, de 2010.07.20 (1).
2. Em 20 de Julho de 2010, na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, A... e B... declararam comprar a K... , o qual declarou comprar, o prédio referido no ponto 1, sendo este o seu anterior dono e possuidor (2).
3. O direito de propriedade do prédio urbano, sito na (...) , concelho da Sertã, inscrito sob o artigo 1487, descrito sob o nº 993/19910820, encontra-se inscrito a favor de C... e D... , através da Ap. 3 de 1998.09.16 (3).
4. Os réus, por si e antepossuidores, vêm agindo sobre o prédio identificado no ponto 3 como seus donos e legítimos possuidores desde há pelo menos 30 anos, fazendo obras de ampliação, conservação e melhoramento, pintando paredes, substituindo portas e janelas, reparando os telhados, substituindo canalização de água e instalação eléctrica, pagando as contribuições pelo mesmo devidas, dando o mesmo de arrendamento a terceiros, para comércio e habitação onde estes exercem actividades lucrativas, onde dormem, confeccionam e tomam as refeições, recebem amigos e familiares e aceitam a correspondência, pagando em contrapartida aos réus as correspondentes rendas, que assim as recebem e fazem suas, a título de rendimento (35).
5. Os réus têm ainda ali mantido e guardado móveis, roupas utensílios e outros bens, designadamente nos espaços daquele prédio urbano não arrendados, praticando todos os demais actos afectos à utilização de um prédio com a natureza do apontado (36).
6. Todos os actos acima referidos foram praticados pelos réus e antepossuidores durante mais de 30 anos, de forma continuada, mantendo-se ao presente, sem interrupção temporal, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, sempre convictos do exercício de um direito próprio e absoluto, o de propriedade, e de não lesarem direitos de terceiros (37).
7. O prédio identificado no ponto 3 é habitável e habitado por inquilinos dos réus (5).
8. O prédio referido no ponto 1 confronta do lado norte/nordeste com o prédio referido no ponto 3 (9).
9. O prédio referido no ponto 3 confronta com o prédio referido no ponto 1 pelos seus lados sul e poente (38).
10. No prédio referido no ponto 3, ao nível do primeiro andar, existe um terraço com varanda que deita vistas directamente para o prédio referido no ponto 1 (4).
11. A varanda referida no ponto 4 (agora 10) tem 7,22 metros de comprimento, encontrando-se coberta por placas de acrílico, que se situam, relativamente ao piso da varanda, a 2,45 metros de altura na parte mais baixa e 2,88 metros na parte mais alta (10).
12. O compartimento referido no ponto 4 (10 na actual numeração) não tinha qualquer janela na parte que confronta com o prédio referido no ponto 1 (11).
13. A varanda identificada no ponto 4 (10 na actual numeração) está ali implantada há mais de 30 anos, desde que aquele imóvel foi construído (39).
14. Esta varanda está delimitada por todos os lados por paredes e pelo próprio corpo do imóvel, com excepção do lado sul/poente, na parte aí confinante com o prédio identificado no ponto 1, onde aquele terraço é vedado em toda extensão por um murete em alvenaria de tijolo e reboco pintado, com 76 cm de altura, fazendo um parapeito com cerca de 23 cm de largura/espessura (40).
15. Este terraço/varanda encontra-se há mais de 30 anos coberto com telhado em telha acrílica, apoiada em estrutura de ferro chumbada à parede, que dista na vertical 1,67 cm desde o parapeito até à parte inferior/exterior do mesmo telhado (41).
16. No interior do prédio identificado no ponto 3, esse telhado dista 2,45 cm desde o piso da divisória que no local configura o dito terraço/varanda até ao plano superior desse telhado (42).
17. Desde a face interior do murete dotado de parapeito, ao nível do piso, até à parte mais recuada da varanda para o interior do prédio identificado no ponto 3 distam 2,10 metros, sendo a largura da varanda ao longo do seu parapeito no comprimento total de cerca de 7,22 metros (43).
18. Desde a face superior do parapeito pelo exterior da varanda até ao solo do prédio identificado no ponto 1, que no local configura área descoberta ou logradouro, distam 4,70 metros, em altura (44).
19. Deste terraço/varanda, durante mais de 30 anos, os réus e antepossuidores, por si ou à sua ordem e nome, puderam receber e usufruir de luz e ar no seu prédio, particularmente na parte habitacional daquele situada no primeiro andar, da qual faz parte aquele terraço/varanda e ao qual acedem pelo interior daquele fogo (45).
20. Durante mais de 30 anos sempre ali acederam pessoas, assomando-se no respectivo balcão/varanda, com vistas directamente para o prédio identificado no ponto 1 e para área deste não coberta, sem qualquer distância intermédia, desfrutando das vistas para esse prédio, observando daí a paisagem, o ambiente, o clima, etc., sem que para esse lado, designadamente no prédio identificado no ponto 1, existisse algum obstáculo que o impedisse (46).
21. Nessa varanda os réus e antepossuidores colocaram estendal em corda para secagem de roupas, o que fizeram quer no exterior do mesmo, quer no seu interior, entretanto coberto para o mesmo fim nos períodos de chuva (47).
22. Durante mais de 30 anos os réus e antepossuidores, por si só ou em seu nome, puderam olhar e observar as redondezas, recebendo luz e ar naquele imóvel e expor-se ao sol naquele local (48).
23. Nunca o prédio identificado no ponto 1 ali foi vedado ou tapado (49).
24. Os réus e antepossuidores agiram nos termos descritos nos pontos 45 a 48 (19 a 22 na actual numeração) na convicção de estarem a exercer um direito próprio e legítimo, o de servidão de vistas, sempre de forma pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, incluindo os autores e antepossuidores do prédio identificado no ponto 1, fazendo-o de forma contínua e sem interrupção temporal, durante mais de 30 anos (50).
25. No terraço identificado no ponto 4 (10 na actual numeração), os réus colocaram, em toda a extensão da varanda, janelas (8).
26. As janelas referidas no ponto 8 (25 na actual numeração) foram colocadas por volta do ano de 2009, sendo divididas em seis partes contínuas, com vidros transparentes (12).
27. Com o conhecimento dos antepossuidores do prédio identificado no ponto 1, os réus, por volta do ano de 2009, colocaram na varanda situada ao nível do primeiro andar, entre o parapeito e o telhado em acrílico, uma caixilharia de alumínio branco, também amovível, que está recuada da face exterior do parapeito existente para o interior do prédio identificada no ponto 3 cerca de 11cms (58).
28. Ali colocaram 8 janelas de correr, assentes em calhas de alumínio paralelas, com vidro transparente, que permitem a continuação, para além das vistas, da entrada de luz e ar para o prédio identificado no ponto 3, apenas sendo possível abrir 4 das 8 janelas em simultâneo, permanecendo as outras 4 fechadas (59).
29. O vidro das janelas é transparente (60).
30. Tais janelas estão localizadas a menos de um metro e meio de distância do prédio identificado no ponto 1 e a menos de um metro e meio de altura do piso do terraço do prédio identificado no ponto 3 (13).
31. Cada uma das janelas colocadas no comprimento da varanda tem 0,95 metros de largura e 2,45 e 1,65 metros de altura (14).
32. Com a luz do sol ao incidir sobre os vidros das janelas referidas no ponto 8 (25 na actual numeração), os mesmos ficam com efeito espelhado, dificultando quem quer que esteja no logradouro do prédio identificado no ponto 1 de saber se alguém no interior dessas janelas os está a observar, situação essa que se pode agravar com a colocação de cortinas (15).
33. Com a colocação das janelas referidas nos pontos 8 e 12 a 14 (25, 26, 30 e 31 na actual numeração), os réus ou quem quer que habite o prédio identificado no ponto 3 podem, com maior facilidade, estar na varanda a observar, sem serem vistos, o prédio identificado no ponto 1 e quem se encontre no respectivo quintal (16).
34. Após a colocação das janelas, a forma ou modo de utilização da varanda por parte dos réus ou de quem esteja no prédio identificado no prédio descrito no ponto 3 aumentou (17).
35. Por causa da colocação das janelas referidas, tal varanda, com cerca de 15,00 m2, passou a poder ter utilização permanente, mesmo em tempo de chuva e frio (18).
36. Os réus já utilizavam tal espaço quando chovia (61).
37. As janelas referidas no ponto 8 (25 na actual numeração) já estavam colocadas aquando da aquisição do prédio identificado no ponto 1 pelos autores (63).
38. A existência das janelas leva a que os autores não se sintam à vontade no seu quintal, por não saberem se alguém está por detrás das janelas (19).
39. Os réus, entre finais de 1998 e 1999, realizaram obras ao nível da cobertura do prédio identificado no ponto 3 (20).
40. Antes dos réus realizarem tais obras, o prédio identificado no ponto 3, composto por 2 pisos na parte poente, era coberto por um telhado com três águas, no qual se localizava uma chaminé e um pequeno terraço (21).
41. Tal telhado, na sua parte norte, deitava águas sobre o prédio localizado a norte daquele, enquanto na parte poente e sul, deitava águas sobre o terraço (22).
42. Do lado nascente, o prédio identificado no ponto 3 tem três pisos (23).
43. O telhado do lado nascente era e é composto por duas águas, tendo uma parte voltada para poente, na qual as águas vertiam sobre o telhado referido nos pontos 21 e 22 (40 e 41 na actual numeração) (telhado de três águas) (24).
44. Ao verter sobre aquele telhado, as águas eram divididas, correndo parte delas para o prédio localizado a norte do prédio identificado no ponto 3 e outra parte para o terraço (25).
45. Por sua vez, as águas que caiam sobre esse terraço escorriam, numa parte, para o logradouro do prédio identificado no ponto 3 localizado a poente de tal terraço e noutra parte para o telhado de telha de acrílico que cobre a varanda referida no ponto 4 (10 na actual numeração), daí escorrendo para o prédio identificado no ponto 1 (26).
46. O telhado referido no ponto 41 (15 na actual numeração) tem vertente ou inclinação para sul, prolongando-se para o exterior da parede sul, sobre o prédio identificado no ponto 1 em toda a sua extensão, em cerca de 15 cm (51).
47. Durante mais de 30 anos os réus e antepossuidores mantiveram ali aquele telhado, escoando livremente as águas, sem qualquer obstáculo ou desvio, na convicção de que exercem um direito próprio e legítimo o de servidão de estilicídio, em benefício do prédio identificado no ponto 3 e à custa do prédio referido no ponto 1 (52).
48. Tais actos foram sempre praticados de forma pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, incluindo os antepossuidores do prédio identificado no ponto 1, de forma contínua e sem interrupção temporal, mantendo-se ao presente (53).
49. Entre finais de 1998 e 1999, os réus demoliram uma chaminé e o telhado que existia na parte poente do prédio identificado no ponto 3, construindo um telhado, com cerca de 10 metros, só com uma água, inclinado para o terraço daquele prédio, deitando sobre este as suas águas (27).
50. Ao nível do terraço situado no último piso do prédio descrito em 3, estão colocados cinco tubos (28).
51. Os réus, ao realizarem obras ao nível da cobertura do seu prédio, alteraram a mesma, na parte que confronta mais a poente com o prédio identificado no ponto 1 (29).
52. Anteriormente, ao nível da cobertura do prédio identificado no ponto 3 existia um terraço (30).
53. Tal terraço estava ladeado, nos seus limites, com o prédio identificado no ponto 1 com um pequeno muro e com um varão de metal fixo em pilares de cimento (31).
54. Com as obras realizadas pelos réus, tal terraço passou a ter, na parte que confronta directamente com o prédio identificado no ponto 1, um murete com 0,75 metros de altura e uma extensão de 4,40 metros (32).
55. Tal murete serve de parapeito, permitindo as pessoas debruçarem-se (33).
56. Tal murete oculta em parte as pessoas que se encontram nesse terraço, só sendo visíveis quando estejam junto a esse murete (34).
57. O prédio identificado no ponto 3, ao nível do segundo andar e águas furtadas, desde há mais de 30 anos tem também aí implantado terraço descoberto, com o comprimento de 4,40 metros no lado confinante com o prédio identificado no ponto 1, sem qualquer intervalo entre ambos (54).
58. Tal terraço encontra-se ladeado e delimitado naquela confinação, ou seja a sul, por murete com parapeito, com altura de 75 cm, onde os réus, arrendatários e antepossuidores, desde sempre se assomam, o que lhes permite ver o prédio identificado no ponto 1, designadamente, no enfiamento, a área deste ultimo imóvel que no local também é descoberta (55).
59. Desde sempre que os réus e antepossuidores ali se expõem à luz solar, desfrutando das vistas, olhando e observando as redondezas, sem nenhum obstáculo que se lhe opusesse ou oponha (56).
60. Durante mais de 30 anos que os réus, seus antepossuidores e arrendatários daquele imóvel puderam desfrutar, sem interrupção no tempo, das referidas vistas por intermédio daquele terraço descoberto no segundo andar, na convicção de exercer um direito próprio e legítimo, o de servidão de vistas, sempre o fazendo de forma pacífica e pública, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, incluindo os autores e antepossuidores do prédio identificado no ponto 1 (57).
61. Aquando da aquisição do prédio identificado no ponto 1, os autores eram conhecedores dos factos referidos em 45 a 50 e 52 a 59 (19 a 24, 47, 48, 57 a 60, 27 e 28 na actual numeração) - (62).
62. Os autores remeteram aos réus a carta datada de 17.08.2010, que se mostra junta a fls. 28, cujo teor se dá por reproduzido, que a recepcionaram a 27.08.2010, pedindo que sejam retiradas as janelas situadas a menos de um metro e meio do prédio identificado no ponto 1, o que os réus recusaram a fazer (6).
63. A 9.8.1999, os réus deram entrada, na Câmara Municipal da Sertã, de pedido de licenciamento para realizar pintura ou limpeza exterior e reparação e/ou limpeza do telhado, sendo concedida tal licença para aquele fim, tendo inclusive sido objecto de prorrogação até 11/9/1999, dando-se por reproduzido o demais teor de fls. 92 a 95 (7).

E consideraram-se como não provados os seguintes factos:
A) Se as janelas não estivessem colocadas, os autores teriam percepção se estavam ou não a ser observados.
B) Os autores não dão utilização ao pátio, estando sempre a olhar para as janelas a fim de tentar ver se alguém os está a observar.
C) Os autores sentem-se tristes e revoltados com a conduta dos réus,
D) Os autores não usufruem do prédio identificado como podiam fazer, sentindo-se coibidos de estar no pátio do prédio identificado no ponto 1 e de o ajardinar convenientemente.
E) Os autores pretendem fazer obras de reconstrução do prédio identificado no ponto 1, estando a extensão de tais obras condicionada à retirada das janelas.
F) Em virtude da colocação das janelas referidas no ponto 8 o valor locativo do prédio identificado no ponto 3 aumentou.
G) Há 2 ou 3 anos, os réus canalizaram todas as águas pluviais do prédio identificado no ponto 3 para o prédio identificado no ponto 1.
H) Antes das obras referidas no ponto 25, tal telhado tinha um comprimento de cerca de 7 metros.
I) Ao nível do telhado da parte do prédio que se localiza a nascente, por via da colocação de uma caleira e de um tubo, por parte dos réus, todas as águas de tal telhado são conduzidas para o terraço do prédio identificado no ponto 3.
J) Desse terraço escorre grande parte dessas águas pluviais para o telheiro existente sobre a varanda do prédio identificado no ponto 3 e deste para o prédio identificado no ponto 1 em virtude do tubo existente para escoamento de águas pluviais para o logradouro do prédio identificado no ponto 3 não ser suficiente para escoar todas essas águas.
K) Três dos tubos referidos no ponto 27 têm cerca de 10 cm de diâmetro cada um e fazem a descarga da água dos telhados e do terraço existente por cima do 1.º piso para o telheiro existente sobre a varanda do 1.º piso, escorrendo, por sua vez, por tal telheiro, as águas pluviais, para o prédio identificado no ponto 1.
L) Antes de tais obras existiam só dois tubos de escoamento de tais águas pluviais do terraço que cobre o 1.º piso, no máximo com 3 cm de diâmetro.
M) Anteriormente, o terraço/varanda identificado no ponto 4 não tinha qualquer telhado ou telheiro.
N) Foram os anteriores proprietários do prédio identificado no ponto 3 que colocaram um telhado/telheiro a cobrir tal terraço.
O) Face às relações de boa vizinhança, solicitaram autorização aos anteriores proprietários do prédio identificado no ponto 1 para que fosse colocada uma caleira sobre tal telheiro, naquele prédio, bem como para que parte desse telhado invadisse tal prédio, ao que os então proprietários do referido prédio acederam, face às relações de boa vizinhança, com o compromisso de parte dos então proprietários do prédio identificado no ponto 3 retirarem tal telhado e caleira, na parte que invadia o prédio identificado no ponto 1 quando tal fosse solicitado.
P) Tal autorização foi igualmente pedida e concedida aos antigos proprietários do prédio quando pretenderam construir a varanda existente no prédio identificado no ponto 3, com o compromisso, por parte dos então proprietários desse prédio taparem tal varanda, quando lhes fosse exigido.
Q) O terraço referido no ponto 45 foi construído com a autorização dos antigos proprietários do prédio identificado no ponto 1 na condição de ser fechado com parede superior a 1,80 m de altura, quando os proprietários daquele prédio assim o pretendessem.
R) O muro referido em 29, que ladeava o terraço, não tinha mais que 20 cm de altura.
S) Antes das obras referidas no ponto 31, os factos descritos nos pontos 33 e 34 não se verificavam.
T) No telhado referido no ponto 49 está colocada uma caleira de recolha e encaminhamento das águas pluviais há mais de 30 anos, protegendo o terraço das águas pluviais e encaminhando-as para um tubo, que as escoa para o logradouro do prédio identificado no ponto 1, o que sempre se manteve desde então ao presente.
U) As janelas referidas no ponto 57 e 58 permitem sempre que quem está no prédio identificado no ponto 1 possa ver quem está na varanda do 1º andar do prédio identificado no ponto 3.
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IV.
Além de invocarem questões de natureza jurídica, os Apelantes também invocam questões de facto para fundamentar a sua discordância relativamente à sentença recorrida, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que toca aos pontos 39, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 52, 53, 55, 56, 57, 58 e 62 enunciados como provados (que, na numeração adoptada no presente acórdão, correspondem aos números 13, 19 a 24, 47, 48, 58, 59, 60, 27 e 61) e relativamente às alíneas A, B, C, D, E, M e S da matéria de facto enunciada como não provada.
As questões de facto têm, naturalmente, prioridade lógica sobre as demais questões, já que, como é evidente, a aplicação das normas jurídicas pressupõe o prévio apuramento dos factos.
A verdade é que os factos sobre os quais incide essa impugnação são, na sua maioria, totalmente irrelevantes para a decisão da causa, razão pela qual – e por facilidade de exposição e argumentação – optamos por analisar a impugnação deduzida sobre cada um desses factos conjuntamente com a análise das demais questões e no momento em que seja pertinente verificar a relevância (ou irrelevância) desses factos.

Varanda/janelas do 1º andar
Os Apelantes começam por sustentar que, ao reconhecer a existência de uma servidão de vistas relativamente à varanda situada no 1ºandar (julgando procedente o pedido que, nesse sentido, havia sido formulado pelos Réus) a sentença recorrida confundiu realidades físicas, arquitectónicas e jurídicas diferentes, tratando varandas, terraços e janelas, como se da mesma realidade se tratassem, já que, a partir de 2009 e por força das alterações efectuadas pelos Réus, deixou de existir ali uma varanda/terraço e passou a existir uma nova divisão coberta e tapada por janelas (vulgarmente designada por marquise). E, dizem os Apelantes, não existindo já qualquer varanda/terraço ao nível do 1º andar, por força das aludidas alterações, não deveriam ter sido considerados provados os factos enunciados sob os nºs 45, 46, 47, 48 e 49 – que correspondem, na actual numeração, aos nºs 19 a 23 – (no que se refere à existência da varanda) e não poderia ter sido reconhecida a aludida servidão de vistas.
De qualquer forma – sustentam os Apelantes – ainda que se considere que tal varanda/terraço ainda existe, a colocação das janelas determina um agravamento dessa servidão, porquanto, além de tais janelas terem potenciado um aumento da utilização desse espaço (aumentando, consequentemente, a devassa do prédio dos Autores), as mesmas também permitem que os Réus possam agora observar o prédio dos Autores e quem nele se encontre sem que sejam vistos (na medida em que os vidros e eventuais cortinas que ali sejam colocadas impedem os Autores de ter a percepção de estarem a ser observados).
Ainda no que toca à aludida varanda, os Apelantes impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto relativamente ao ponto 47 – 21 na actual numeração – (na parte em que refere “…o que sempre fizeram quer no exterior do mesmo”), relativamente ao ponto 39 – 13 na actual numeração – (na parte em que refere “desde que tal imóvel foi construído”, relativamente ao ponto 50 – 24 na actual numeração – (na parte em que se refere à convicção e animus com que os Réus praticaram esses factos) e relativamente aos pontos 58 e 62 – 27 e 61 na actual numeração –, sustentando que tais factos não deveriam ter sido considerados provados, porquanto não foram confirmados por nenhuma das testemunhas inquiridas e sustentando ainda, no que toca ao ponto 50 (24 na actual numeração), que essa conduta sempre teve a oposição dos autores, como resulta do doc. 9, junto com a p.i. e do facto provado 6 (62 na actual numeração).
Ainda com referência a esta varanda, impugnam a decisão proferida sobre os factos constantes das alíneas A), B), C), D), E), M) sustentando, com base nos elementos probatórios que invocam, que os mesmos deveriam ter sido considerados provados nos termos que sugerem.
Analisemos, então, essas questões.

Refira-se, em primeiro lugar, que nenhuma razão encontramos para alterar a decisão proferida sobre os pontos 45 a 49 (19 a 23 na actual numeração), na parte em que aludem à existência de um terraço/varanda.
Com efeito, a enunciação dos factos provados descreve com pormenor a varanda que existia e a utilização que lhe tem sido dada ao longo de mais de trinta anos, tal como descreve as alterações que lhe foram introduzidas em 2009. Importa notar que os citados pontos de facto não se reportam apenas à situação que existia à data em que foi formulada a reconvenção; tais pontos reportam-se à situação existente desde há mais de trinta anos, abrangendo também o período anterior a 2009 (data em que foram colocadas as janelas) durante o qual era evidente que a realidade existente tinha que ser qualificada como terraço ou varanda e tais factos são, naturalmente, relevantes para apurar se os Réus haviam ou não adquirido alguma servidão de vistas relativamente a essa varanda, na certeza de que, caso isso tenha acontecido, esse direito teria que ser reconhecido e apenas se impunha apurar se a alteração ocorrida em 2009 implicou ou não um agravamento dessa servidão.
A realidade física e arquitectónica que existia antes de 2009 e aquela que passou a existir a partir dessa data está descrita, em pormenor, na matéria de facto – sem que seja, aliás, questionada pelos Apelante – sem qualquer necessidade de introduzir qualquer alteração aos citados pontos de facto.

Resulta da matéria de facto provada (que, nessa parte, não foi objecto de impugnação) que existia, no prédio dos Réus e ao nível do 1º andar, um terraço com varanda com as dimensões e as características que estão descritas na matéria de facto (e que nos dispensamos de reproduzir). Mais resultou provado que essa varanda deita directamente para o prédio dos Autores, sendo, nessa parte, servida de parapeito com altura de 76 cm, sendo, por isso, indiscutível que tal varanda se encontrava em contravenção ao disposto no art. 1360º do Código Civil Diploma a que se reportam as demais disposições legais que venham a ser citadas sem menção de origem..
Dispõe, no entanto, o art. 1362º do citado diploma que “A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião”.
E, tal como se considerou na sentença recorrida, foi isso que aconteceu no caso em análise.
A usucapião é – como sabemos – um modo de aquisição do direito de propriedade e outros direitos reais de gozo, sendo que, conforme dispõe o art. 1287º, “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação; é o que se chama usucapião”.
A usucapião é, assim, constituída por dois elementos: a posse e o decurso do tempo, variando o segundo em harmonia com as circunstâncias que o primeiro pode revestir e conforme elas induzem uma maior ou menor probabilidade da existência do direito naquele que o exerce, ou uma maior publicidade do estado de facto. De facto, a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade ou de outro direito real pressupõe a posse do direito durante um determinado lapso de tempo, que varia em função das características da posse (relevando, para este efeito, o facto de a posse ser ou não titulada e registada e o facto de a posse ser de boa fé ou má fé). A posse que é susceptível de conduzir à aquisição do direito por usucapião tem que ser uma posse pública e pacífica (já que, como decorre do disposto no art. 1297º do C.C., os prazos para a usucapião não correm enquanto a posse for violenta ou oculta) e tem que ser uma posse efectiva (que corresponde, segundo o disposto no art. 1251º, ao poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real) e não uma detenção ou posse precária.
Importando notar que, como resulta do art. 1293º, não podem ser adquiridas por usucapião as servidões prediais não aparentes, considerando-se como tal as que não se revelam por sinais visíveis e permanentes (art. 1548º nº 2), importa também esclarecer que a mera existência de porta, janela, varanda ou obra semelhante em contravenção ao disposto na lei, além de corresponder a um sinal revelador da servidão, também consubstancia, só por si, o exercício do poder de facto correspondente ao exercício de uma servidão de vistas.
Com efeito, e como referem Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed. Revista e Actualizada (Reimpressão), pág. 219, quando falamos em servidão de vistas “o objecto da restrição não é propriamente a visita sobre o prédio vizinho, mas a existência da porta, da janela, da varanda, do terraço, do eirado ou de obra semelhante, que deite sobre o prédio nas condições previstas no artigo 1360º. Não se exerce a servidão com o facto de se disfrutarem as vistas sobre o prédio, mas mantendo-se a obra em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho. Pode a janela ou porta estar fechada, desde que o não seja, definitivamente, com pedra e cal, que a servidão não deixa de ser exercida”. No mesmo sentido, afirma José Luís Santos Servidões Prediais, 2ª ed. Aumentada, 1983, pág. 55. que o conteúdo da servidão legal de vistas “…reside no próprio facto de ter a janela, porta, beirado ou varanda a deitar sobre o prédio serviente e não no facto de gozar ou disfrutar as vistas. Daí que se entenda razoavelmente, que se adquire essa servidão por usucapião, desde que essas obras existam pelo espaço de tempo necessário, independente de ter ou não, o seu proprietário gozado as vistas, que por meio delas poderia disfrutar”.
Assim, a existência da porta, janela ou varanda, ao mesmo tempo que constitui um sinal visível e permanente revelador da servidão (sem o qual não poderia haver lugar à respectiva aquisição por usucapião), constitui também suporte bastante para que se afirme a existência do corpus da posse correspondente ao seu exercício, independentemente da prática de quaisquer outros actos materiais reveladores do seu exercício.
É, por isso, totalmente irrelevante a alteração que os Apelantes pretendiam ver introduzida relativamente ao ponto 47 (21 na actual numeração), já que, como é evidente, a mera circunstância de se considerar como não provado que os Réus colocassem, no exterior da varanda, estendal para secagem de roupas, não tinha qualquer relevância para infirmar a existência do corpus da posse correspondente ao direito de servidão de vistas.
É certo, no entanto, que a existência de posse não se basta com a actuação ou poder de facto (corpus) correspondente ao exercício do direito, já que, para que se possa falar em posse, será ainda necessário que exista a intenção de actuar como titular de um direito real sobre a coisa (o animus). De facto, é a existência deste elemento subjectivo (animus) que distingue o possuidor do mero detentor ou possuidor precário, já que, apesar de ambos exercerem sobre a coisa o poder de facto que corresponde ao corpus da posse, o primeiro exerce esse poder com a convicção e a intenção de actuar como titular do direito real correspondente, enquanto que o segundo actua sem essa intenção e com a convicção de que o direito não lhe pertence e que apenas actua por tolerância ou permissão do titular do direito e, portanto, em nome deste (cfr. art. 1253º).
Também esse elemento subjectivo foi considerado provado (cfr. ponto 24), sustentando, no entanto, os Apelantes que essa matéria não poderia ter sido considerada provada, na medida em que nenhuma testemunha depôs sobre o modo, a convicção e o animus com que os Réus e antecessores agiram nos termos descritos nos pontos 45 a 48 (19 a 22 na actual numeração).
A sentença recorrida fundamentou a decisão de considerar provado esse facto nos depoimentos prestados pelas testemunhas, N... , U... , V... e X... e, no que toca ao animus, é verdade que pouco dizem de concreto e relevante.
Importa não esquecer, no entanto, que está em causa um facto do foro interno que se prende com uma eventual intenção que não é facilmente percepcionada por terceiros e, nessa medida, não será provável que esse facto (intenção) seja evidenciado, de modo profuso e directo, pela prova produzida; daí que, sob pena de essa prova se tornar impossível, seja necessário recorrer a presunções judiciais decorrentes do senso comum e das regras de experiência para concluir, em função de factos ou circunstâncias conhecidas, pela existência daquele facto.
Ora, sabendo-se – como resulta dos aludidos depoimentos – que a aludida varanda existe há mais de trinta anos, sabendo-se que ela faz parte integrante de determinado prédio (o prédio dos Réus) a partir do qual é livremente acessível, facultando aos respectivos ocupantes todas as utilidades que ela pode propiciar, parece seguro concluir, em termos de razoabilidade, que os proprietários do prédio – por si ou por intermédio das pessoas a quem facultam a sua utilização – mantêm aquela varanda com a convicção de que, sendo a mesma parte integrante do seu prédio, também são proprietários da varanda e de que o uso que dela fazem corresponde ao exercício de um direito próprio (aí se incluindo o direito correspondente a uma servidão de vistas que aquela varanda propicia).
Parece-nos, portanto, ser de concluir – tendo em conta as regras de experiência e senso comum – que, por regra e em princípio, quem mantém uma varanda/terraço num prédio de sua propriedade ao longo de vários anos a deitar directamente sobre um prédio vizinho – sem que seja manifestada qualquer oposição – o faz na convicção de estar a exercer um direito próprio (correspondente a uma servidão de vistas), salvo se existirem factos ou razões concretas que apontem noutro sentido ou que, de algum modo, façam duvidar da existência de tal convicção.
Ora, no caso sub judice, nada foi alegado – e nada resultou dos depoimentos prestados – que, de alguma forma, nos faça duvidar daquilo que, face às regras de experiência, entendemos ser o normal e que corresponde, como se disse, ao facto de que o proprietário que mantém uma varanda no seu prédio, nas sobreditas condições, o faz com a convicção de estar a exercer um direito próprio.
É isso, aliás, que, de alguma forma, também declaram as testemunhas, U... e X... .
Com efeito, a primeira testemunha, quando lhe é perguntado como sabia que eles estavam convencidos de que exerciam um direito próprio, diz “aquilo era dele, era o dono…se eram donos…não têm direito?”, declarando a segunda testemunha (arrendatária do prédio) que sempre utilizou a varanda e nunca ninguém questionou esse facto, sentindo-se no direito de a usar.
Entendemos, por isso, não se justificar qualquer alteração ao citado ponto de facto.
Refira-se, aliás, que, ainda que se julgasse não provada a referida convicção dos Réus e antepossuidores, essa circunstância não iria interferir com a decisão da causa, porquanto, ainda que não se provasse, sempre o aludido animus se deveria presumir, cabendo aos Autores o ónus de ilidir essa presunção.
Veja-se, a este propósito, o Acórdão do STJ de 14/05/1996 Proc. nº 085204, disponível em http://www.dgsi.pt. que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”.
Veja-se ainda o Acórdão do STJ de 14/02/1991 Proc. 078945, disponível em http://www.dgsi.pt. , em cujo sumário se lê:
I - Adquire servidão de vistas por usucapião o proprietario de predio rustico que mantem varanda, ha mais de 50 anos, existente em muro, deitando directamente sobre o predio vizinho, com intenção de exercer aquele direito.
II - O animus, elemento da posse, deve presumir-se, nos termos do artigo 481 paragrafo 1 do Codigo Civil de 1867 e do artigo 1252 n. 2 do actual Codigo Civil, cabendo a parte contraria ilidir essa presunção”.
E veja-se ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 05/12/2015 Proc. nº 517/10.9TVLSB.L1-2, disponível em http://www.dgsi.pt. , em cujo sumário se lê: “Tendo em conta a presunção resultante do nº 2 do art. 1252 do CC, presume-se o «animus» de quem efectuou e manteve aquela obra - o “corpus” implica a presunção do “animus” e, face ao art. 350 do CC, quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar (e, logo, de alegar) o facto que a ela conduz”.
Ora, os Apelantes não ilidiram tal presunção (porquanto nada alegaram no sentido de contrariar a existência desse animus); daí que, ainda que procedesse a impugnação que deduziram à decisão proferida sobre a matéria de facto na parte em que aí se considerou provado o animus, sempre se devesse considerar que os Réus tinham uma posse relevante para efeitos de aquisição do direito por usucapião.

Assim, estando provado que a aludida varanda está ali implantada há mais de 30 anos (sendo totalmente irrelevante o facto de tal acontecer ou não desde que o imóvel foi construído, razão pela qual também é totalmente inócua a impugnação que os Apelantes dirigem ao ponto 39 – 13 na actual numeração –, na parte em que aí se diz que a varanda existe desde que o prédio foi construído), parece seguro concluir que, à data em que foram colocadas as janelas nessa varanda (2009), os Réus já haviam exercido uma posse pública e pacífica, revelada por sinais visíveis e aparentes, durante o prazo necessário para a usucapião, na medida em que o prazo máximo que a lei prevê para o efeito é de vinte anos.
Refira-se que, no âmbito da impugnação que deduziram à decisão proferida sobre o facto constante do ponto 50 (24 na actual numeração), os Apelantes também sustentam que não poderia ter sido considerado que aquela actuação dos Réus não tivesse a oposição de ninguém, invocando, para o efeito, a carta que constitui o doc. 9 da petição inicial (facto provado 62) e que comprovaria a oposição dos Autores.
A verdade é que a pretensa oposição dos Autores – consubstanciada na aludida carta – é totalmente inócua e não interfere com as sobreditas conclusões, na medida em que tal oposição, além de ser posterior a 2009, nem sequer se reporta à existência da varanda, mas sim às janelas que nela foram colocadas.
É certo, portanto, que, antes da colocação das janelas (em 2009), já havia sido adquirida, por usucapião, a servidão de vistas em benefício do prédio dos Réus, com referência à varanda ali existente.

Assente, portanto, que se havia constituído a servidão de vistas, com referência à varanda – nos termos em que ela existia antes da colocação das janelas –, ao abrigo do disposto no art. 1362º, nº 1, o que importa agora saber é se a alteração efectuada em 2009 (colocação das ditas janelas) é ou não legítima, o que equivale a saber se implicou uma alteração no modo de exercício da servidão que a tornasse mais onerosa ou gravosa para o prédio serviente.
Refira-se, no entanto, que, ainda que assim se considerasse, tal não implicaria – ao contrário do que pretendem os Apelantes – que devesse ser julgado improcedente o pedido formulado pelos Réus no sentido de ver reconhecida a existência da servidão (que, como vimos, se havia constituído por usucapião); isso implicaria apenas a procedência do pedido formulado pelos Autores no sentido de os Réus serem condenados a retirar aquelas janelas para que a servidão de vistas continuasse a ser exercida nos moldes em que se havia constituído e, portanto, através da varanda (aberta e sem janelas) tal como se encontrava antes daquela alteração.

Vejamos, portanto, se a colocação daquelas janelas alterou ou não o modo de exercício da servidão, tornando-se mais gravosa e onerosa para o prédio dos Autores (prédio serviente).
Os Apelantes sustentam que isso implicou um agravamento da servidão invocando, fundamentalmente, duas razões. Em primeiro lugar, porque, com a colocação das janelas, a utilização da varanda – e, consequentemente, a devassa do prédio – aumentou, não só porque deixou de ficar sujeita às condições atmosféricas que, anteriormente, condicionavam e limitavam a sua utilização, mas também porque foi transformada numa divisão da casa com uma utilização diferente e que tem ou pode ter uma utilização permanente. E, em segundo lugar, porque a colocação das janelas permite que os R.R. ou quem quer que esteja ou habite no seu prédio possam estar no terraço a observar, sem serem vistos, o prédio dos A.A. e quem se encontre no respectivo quintal/pátio, pois que os vidros impossibilitam a quem quer que esteja no logradouro do prédio dos AA. saber se alguém no interior dessas janelas os está a observar, situação que se pode agravar com a colocação de cortinas nessas janelas.
Em relação ao primeiro argumento dos Apelantes, parece-nos evidente que ele não poderá ser utilizado para concluir pelo agravamento da servidão, já que o exercício da servidão de vistas não se mede pela utilização dada à porta, janela ou varanda e pelo efectivo gozo das vistas que ela propicia. Com efeito, tal como já assinalámos supra, citando Pires de Lima e Antunes Varela e José Luís Santos, a servidão não se exerce com o facto de se disfrutarem as vistas sobre o prédio, mas mantendo-se a obra em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho; a porta, janela ou varanda poderão até estar fechadas e não ter qualquer utilização, sem que, por essa razão, se possa afirmar que a servidão não está a ser exercida e sem que se possa concluir pelo agravamento da servidão com base na circunstância de, a partir de dado momento, essa porta, janela ou varanda passar a ter uma utilização maior ou mais frequente do que a que tinha até então; a servidão exerce-se mantendo-se a obra (porta, janela ou varanda) em condições de poder ver e devassar o prédio vizinho e, portanto, a mera circunstância de, a partir de determinado momento, a varanda passar a ter uma maior utilização não corresponde a qualquer agravamento da servidão. O modo de exercício da servidão de vistas mede-se, portanto, em termos objectivos, pelas vistas e devassa do prédio vizinho que a obra propicia e, nessa medida, apenas se poderá falar em agravamento da servidão se, por força de alterações que lhe tenham sido introduzidas, a obra passar a possibilitar maiores vistas ou uma maior devassa do prédio vizinho.
Ora, a alteração efectuada na varanda não possibilita maiores vistas ou maior devassa do prédio dos Autores, já que, a colocação dos vidros ou janelas nessa varanda não permite maiores vistas ou maior devassa do prédio vizinho do que aquela que era permitida pela varanda quando estava aberta. Aliás, em bom rigor, a colocação daqueles vidros até reduz a possibilidade de devassa do prédio dos Autores, já que, ao contrário do que acontece agora, a varanda aberta permitia com maior facilidade e até por descuido (por não ser necessário abrir qualquer janela) a queda de objectos daquela varanda e permitia que um maior número de pessoas de debruçassem no parapeito em simultâneo (já que, como decorre da matéria de facto, as janelas correm em calhas paralelas e, portanto, o espaço que agora pode permanecer aberto, em simultâneo, corresponde a metade do espaço que anteriormente estava sempre aberto).
Analisemos o segundo argumento invocado pelos Apelantes, segundo o qual a colocação das janelas permite que os R.R. ou quem quer que esteja ou habite no seu prédio possam estar no terraço a observar, sem serem vistos, o prédio dos A.A. e quem se encontre no respectivo quintal/pátio, pois que os vidros impossibilitam a quem quer que esteja no logradouro do prédio dos AA. saber se alguém no interior dessas janelas os está a observar, situação que se pode agravar com a colocação de cortinas nessas janelas.
Embora se concorde que esses vidros possam dificultar aos proprietários do prédio vizinho (no caso, os Autores) ter a percepção se estão ou não a ser observados através daqueles vidros, parece-nos que essa circunstância é irrelevante para efeitos de alteração do modo de exercício da servidão.
É certo que, como referem os Apelantes, existe jurisprudência que conclui pelo agravamento da servidão com base nessa argumentação, como é o caso do Acórdão da Relação do Porto de 11/12/2001 Proc.nº 0121662, disponível em http://www.dgsi.pt. e dos Acórdãos da Relação de Coimbra de 16/06/1987 e 05/01/1988 Disponíveis na Colectânea de Jurisprudência, Ano XII, tomo 3, pág. 41 e Ano XIII, tomo 1, pág. 51, respectivamente..
Mas, salvo o devido respeito, não concordamos com esse entendimento.
E não concordamos porque – reafirmamos – o modo de exercício da servidão mede-se apenas pela concreta possibilidade de ver e devassar o prédio vizinho que é facultada pela obra existente e, portanto, a servidão apenas será agravada se, por força de alguma alteração, a obra passar a permitir maiores vistas ou maior devassa. Ora, a verdade é que a mera circunstância de os ocupantes do prédio dominante poderem ver o prédio vizinho e quem nele se encontre sem que estes tenham a percepção desse facto não aumenta, em termos objectivos, a devassa do prédio; a devassa é a mesma; aquilo que os ocupantes do prédio dominante podem ver (através dos vidros) é o mesmo que podiam ver sem os vidros; o que muda é apenas a possibilidade de os ocupantes do prédio serviente terem a percepção de que os ocupantes do prédio dominante estão a ver e a olhar para o seu prédio e para quem nele se encontre. Mas, salvo o devido respeito, a lei não atribui aos donos do prédio serviente a faculdade ou o direito de ser avisados de que alguém, no exercício de um direito legítimo decorrente de uma servidão de vistas, está a olhar para o seu prédio e não impõe aos donos do prédio dominante que exerçam essas vistas sob o olhar de quem se encontre no prédio vizinho. Os donos do prédio dominante não poderiam impedir, quando a varanda se encontrava aberta, que os Réus – ou quem se encontrasse no seu prédio – estivessem permanentemente à varanda a olhar para o logradouro do prédio, tal como não poderiam impedir que estes, querendo ver sem ser vistos, se escondessem naquela varanda por qualquer forma para não serem vistos pelos Autores e, portanto, a possibilidade de os donos do prédio dominante poderem (ou não) ter a percepção de que alguém está a olhar é uma circunstância que não se inclui no modo de exercício da servidão e que, como tal, é irrelevante para concluir pelo seu agravamento.
Concordamos, portanto, com a sentença recorrida quando nela se diz o seguinte:
No âmbito de protecção destas normas reguladoras do exercício da servidão de vistas não existe, assim, a favor de quem está onerado com aquela, qualquer direito de controlo ou fiscalização da fruição das utilidades proporcionadas pela servidão, já que não é esse o objecto nem o fim da mesma.
Daí que, ao defenderem que a colocação das janelas aumenta a devassa sobre o seu prédio porque em determinadas alturas do dia provocam um efeito espelhado que os impede de saber se estão a ser observados, estão os autores, a nosso ver, a confundir conceitos jurídicos, pretendendo exercer um direito que não lhes é conferido por qualquer norma reguladora das relações de propriedade nem decorre de qualquer outra sua posição jurídica.
Com efeito, as alterações efectuadas pelos réus na varanda situada no 1.º andar do prédio dos réus não agravam minimamente o encargo decorrente para o prédio vizinho da servidão constituída a seu favor, já que a extensão e dimensão da entrada de ar e luz mantém-se, com a única diferença de a abertura da varanda ter sido “tapada” com janelas, o que obviamente não permite uma invasão da privacidade do prédio dos autores maior do que aquela que já existia.
É que, ao contrário do que pretendem os autores, a dimensão da devassa mede-se em função da proximidade ou do tamanho da abertura (seja ela uma janela, uma varanda, um terraço ou eirado), não aumentando, pois, aquela devassa pelo facto de os autores terem agora menos possibilidades de saber se estão ou não a ser vistos, sendo certo que o conteúdo da servidão se mantém, permanecendo a varanda edificada no mesmo local e com as mesmas dimensões anteriormente existentes”.
A alteração efectuada pelos Réus resumiu-se à colocação de uma caixilharia de alumínio onde colocaram oito janelas de correr, sendo que tal caixilharia foi colocada entre o parapeito da varanda que já existia e o telhado em acrílico que já cobria esta varanda. A colocação destas janelas não interferiu com a distância a que a varanda se encontrava relativamente ao prédio dos Autores (a distância é a mesma) e tais janelas não têm, no seu conjunto, uma dimensão superior àquela que era a dimensão da abertura da varanda e, portanto, as vistas e a devassa que estas janelas possibilitam não é superior às que eram facultadas pela varanda aberta, razão pela qual não será possível afirmar que a colocação dessas janelas agravou a servidão de vistas que já se havia constituído relativamente à varanda aberta.
De facto, se alguma alteração existiu relativamente ao modo de exercício da servidão, foi no sentido do seu desagravamento já que, reproduzindo o que dissemos supra, ao contrário do que acontece agora, a varanda aberta permitia com maior facilidade e até por descuido (por não ser necessário abrir qualquer janela) a queda de objectos daquela varanda e permitia que um maior número de pessoas de debruçassem no parapeito em simultâneo (na medida em que, como decorre da matéria de facto, as janelas correm em calhas paralelas e, portanto, o espaço que agora pode permanecer aberto, em simultâneo, corresponde a metade do espaço que anteriormente estava sempre aberto).
A este propósito, dizia Cunha Gonçalves Tratado de Direito Civil, Vol. XII, pág. 87., que a servidão não pode ser agravada sem o expresso consentimento do dono do prédio serviente, mas pode ser diminuída sem tal consentimento e, exemplificando, dizia que “O proprietário que havia construído abusivamente uma varanda aberta, pode tapar esta, deixando ficar apenas algumas janelas”. Refira-se também o Acórdão do STJ de 10/12/2009 Proc.nº 39/06.2TCFUN.S1, disponível em http://www.dgsi.pt. que, a propósito de uma situação semelhante (em que um alpendre foi fechado com uma armação de alumínio e vidro acastanhado), se concluiu que “…com a construção da “marquise” não houve qualquer alteração substancial das condições em que a autora exercia a devassa sobre esse prédio”.
Concluímos, portanto, em face do exposto, que a colocação daquelas janelas não agravou a servidão de vistas que se havia constituído relativamente à varanda, improcedendo, nesta parte, a argumentação dos Apelantes.

Refira-se que a eventual alteração do ponto 58 da matéria de facto – 27 na actual numeração – que era peticionada pelos Autores (apenas dirigida ao segmento em que ali se refere o conhecimento dos antepossuidores) não tinha qualquer idoneidade para alterar as sobreditas conclusões, já que a circunstância de a obra em causa ter sido feita (ou não) com o conhecimento dos anteriores proprietários do prédio dos Autores não assume aqui qualquer relevância. Refira-se, aliás, que os Apelantes nem sequer retiram quaisquer consequências práticas da alteração que pretendiam ver efectuada ao citado ponto de facto e, por essa razão, não apreciamos a impugnação que lhe foi deduzida.
O mesmo acontece com o facto enunciado como não provado sob a alínea M), porquanto não vislumbramos qual seja a relevância desse facto para a decisão da causa. Refira-se, aliás, que o aludido facto nem sequer está devidamente concretizado por não reportar a data ou momento a que se refere a expressão “anteriormente”. Anteriormente a quê ou a que data? Note-se que está provado – e, nesse ponto, não é impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto – que a varanda está coberta com o telhado há mais de trinta anos e a questão de saber se, antes dessa data (há mais de 31, 32 anos) o telhado não existia é totalmente irrelevante para a decisão da causa.

Assim, em face do exposto, impõe-se confirmar a sentença, na parte em que declarou constituída a aludida servidão de vistas relativamente à varanda situada no 1º andar do prédio dos Réus e na parte em que julgou improcedente o pedido que os Autores haviam formulado no sentido de os Réus serem condenados a tapar a aludida varanda ou a retirar as janelas que nela colocaram.
Refira-se que, ao contrário do que sustentam os Apelantes, não nos parece que seja relevante a qualificação da realidade física e arquitectónica actualmente existente como varanda ou janelas. Com efeito, a realidade física que existia e aquela que existe actualmente está devidamente retratada na matéria de facto e, independentemente do facto de a realidade actualmente existente ser ainda qualificada como varanda ou dever ser qualificada como janelas, a verdade é que, como referimos, a alteração efectuada não agravou o modo de exercício da servidão de vistas que já se havia constituído e, portanto, tal servidão continua a manter-se com referência à realidade actualmente existente.
De todo o modo, convém esclarecer – na parte decisória – a actual realidade à qual se reporta a servidão de vistas reconhecida, até porque, podendo entender-se que a colocação das janelas corresponde a uma redução do modo de exercício da servidão (e inclinamo-nos a considerar que sim), isso poderá vir a condicionar ou impedir, no futuro, a retirada das janelas e reabertura da varanda.

E, sendo reconhecida a aludida servidão de vistas, é evidente que também terá que improceder o pedido de indemnização que os Autores/Apelantes haviam formulado e que se reportava aos danos que, alegadamente, haviam sofrido por força da devassa a que o seu prédio está sujeito decorrente daquela varanda e da colocação das janelas, razão pela qual fica prejudicada – por ser totalmente inútil – a apreciação da impugnação deduzida sobre a decisão da matéria de facto relativamente aos factos enunciados como não provados sob as alíneas A), B), C), D) e E).

Terraço/varanda existente no 2ºandar/cobertura
A sentença recorrida declarou que se encontra constituída, sobre o prédio dos Autores e a favor do prédio dos Réus, uma servidão de vistas relativamente ao terraço situado no 2º andar deste prédio.
Os Apelantes discordam dessa decisão com os seguintes fundamentos:
- Por via da obra realizada em 1998/1999, o terraço que até então existia foi transformado numa varanda, por via da colocação de um murete, transformando, portanto, o terraço numa realidade arquitectónica e jurídica diferente;
- A colocação desse murete agrava a servidão de vistas existente, na medida em que permite que as pessoas se debrucem e oculta em parte as pessoas que se encontram nesse espaço e que só são visíveis quando se encontram junto ao mesmo;
- Reportando-se a causa de pedir do pedido reconvencional à situação fáctica, existente à data em que o mesmo foi deduzido (2011), com vista à manutenção de tal terraço tal como se encontrava à data, tal situação apenas existe desde finais de 1998, 1999 e desde essa data até à dada da entrada da acção não decorreu o tempo necessário e bastante para que tal varanda tenha constituída uma servidão de vistas sobre o prédio dos AA.
- Ainda a propósito desta varanda/terraço impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto relativamente aos pontos 55, 56 e 57 da matéria de facto provada (58, 59 e 60 na actual numeração) e alínea S) da matéria de facto considerada não provada.

No que toca a esta matéria, está provado que, ao nível da cobertura, o prédio dos Réus tinha um terraço que estava ladeado, nos seus limites com o prédio dos Autores, com um pequeno muro e com um varão de metal fixo em pilares de cimento, sendo que, entre finais de 1998 e 1999, por força de obras executadas pelos Réus, tal terraço passou a ter, na parte que confronta directamente com o prédio dos Autores, um murete com 0,75 metros de altura e uma extensão de 4,40 metros, que serve de parapeito e permite que as pessoas se debrucem.
Sendo irrelevante a qualificação da obra descrita como varanda ou terraço, já que a lei não trata essas situações de modo diferente, é indiscutível que a obra em questão estava (antes de 1998) e continua a estar (depois das obras realizadas) em contravenção ao disposto no art.1360º do CC, porquanto, deitando directamente sobre o prédio vizinho, era servido (antes de 1998) – e continua a sê-lo depois das obras – de parapeito com altura inferior a metro e meio.
Mas, estando em contravenção ao disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição de uma servidão de vistas por usucapião.
E, portanto, o que importa saber é se tal servidão se constituiu.
Remetendo para o que dissemos supra a propósito dos pressupostos de aquisição do direito por usucapião, importa saber se os Réus tiveram e exerceram a posse desse direito pelo período temporal necessário à aquisição por usucapião.
Na perspectiva dos Apelantes, isso não aconteceu, na medida em que a varanda actualmente existente corresponde a uma realidade física e jurídica diferente da que existia antes de 1998 e, portanto, o prazo para a usucapião apenas se contaria a partir desta data, não tendo ainda decorrido.
Mas, salvo o devido respeito, não lhes asiste razão, porquanto a obra actualmente existente não é substancialmente diversa da que existia anteriormente em termos de justificar uma posse autónoma e diferente para efeitos de usucapião, não podendo considerar-se, ao contrário do que pretendem os Apelantes, que a obra efectuada em 1998/1999 tenha agravado as vistas e a devassa que, anteriormente, eram exercidas sobre o seu prédio.
Com efeito, a obra efectuada limitou-se à colocação de um murete com 0,75m de altura no local onde antes existia um pequeno muro e um varão de metal fixo em pilares de cimento e essa obra não alterou e não agravou o modo e a extensão das vistas que até aí era proporcionado pelo terraço.
Dizem os Apelantes – e com esse fundamento impugnam a decisão que, sob a alínea S), considerou não provado o facto de, antes das obras referidas no ponto 31, os factos descritos nos pontos 33 e 34 não se verificarem – que, ao contrário do que acontecia anteriormente, o murete agora existente permite que as pessoas se debrucem e oculta as pessoas que aí se encontrem, a não ser que se encontrem muito próximas dele, circunstâncias que, na sua perspectiva, agravam a devassa e as vistas a que o seu prédio estava sujeito.
Relativamente ao facto de o murete actualmente existente ocultar as pessoas que aí se encontrem, importa referir que esse facto é totalmente irrelevante, já que, remetendo para as considerações supra efectuadas a propósito da varanda do 1ºandar, ele não tem qualquer influência no modo de exercício da servidão de vistas e não integra o seu conteúdo, porquanto a medida e a extensão deste exercício apenas se mede, em termos objectivos, pelo grau e extensão das vistas e devassa do prédio vizinho que a obra propicia, sendo, para o efeito, irrelevante que os donos ou ocupantes do prédio serviente tenham ou não a possibilidade de ver quem se encontre na obra (no caso, o terraço) que propicia as vistas. E a verdade é que a extensão e o modo de exercício das vistas que o terraço proporcionava não mudou pelo simples facto de nele se ter colocado um murete no local onde antes existia um muro mais pequeno e um varão de metal.
Dizem também os Apelantes que o murete agora existente permite que as pessoas se debrucem, ao contrário do que acontecia anteriormente, circunstância que agrava a devassa do seu prédio.
Está provado que o actual murete permite que as pessoas se debrucem, mas não se considerou provado que isso não fosse possível antes da obra executada.
Sustentam, no entanto, os Apelantes que este facto deveria considerar-se provado, com base nas diversas fotografias que identificam e que se encontram juntas aos autos e das quais resulta que o terraço, antes das obras, era ladeado por um muro de altura equivalente a uma fiada de tijolo, sobre o qual existiam pilares unidos por varão.
Mas, o que se confirma pelas aludidas fotografias é, em rigor, aquilo que já se encontra provado, dali se extraindo também que o varão em metal ali existente estaria a uma altura sensivelmente idêntica à do actual murete, permitindo, do mesmo modo, que as pessoas nele se apoiassem para se debruçar sobre o prédio vizinho.
E, portanto, inexistindo razões que imponham aquela alteração à decisão de matéria de facto, parece-nos ser de concluir pela inexistência de qualquer agravamento das vistas ou devassa do prédio dos Apelantes por efeito da obra realizada, já que o varão anteriormente existente também permitia – como permite agora o murete – que as pessoas se debrucem sobre o prédio vizinho.
Concluímos, portanto, que o terraço ou varanda actualmente existente não corresponde a uma obra substancialmente diversa da que existia anteriormente, na medida em que as vistas e a devassa que possibilita são idênticas às que a obra sempre proporcionou desde a sua construção inicial há mais de trinta anos.
Assim, estando provado que o aludido terraço existe há mais de trinta anos, permitindo que os Réus, seus antepossuidores e arrendatários daquele imóvel desfrutassem, sem interrupção no tempo, das referidas vistas que o mesmo lhe proporcionava, o que sempre fizeram de forma pacífica e pública, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, incluindo os autores e antepossuidores do prédio identificado no ponto 1, é seguro concluir que os Réus, por si e antepossuidores, exerceram, durante mais de trinta anos, o corpus da posse correspondente ao direito de servidão de vistas, corpus que, aliás – como supra se referiu a propósito da varanda do 1º andar – se basta com a existência da obra, independentemente da prática de quaisquer outros actos materiais.
Refira-se, neste momento, a total irrelevância da impugnação deduzida pelos Apelantes relativamente aos pontos 55 e 56 da matéria de facto (58 e 59 na actual numeração), na parte em que aí se alude à expressão “desde sempre”, dizendo, para o efeito, que ninguém declarou tal e que, para que isso fosse verdade, era necessário que a casa dos Réus fosse contemporânea com a Criação do Mundo.
Com efeito, estando provado que os aludidos actos são praticados há mais de trinta anos, sempre seria irrelevante (porque desnecessário para a aquisição por usucapião) que aqueles actos perdurassem há mais tempo e, eventualmente, como dizem os Apelantes, desde a Criação do Mundo. De qualquer forma, sempre se dirá que, quando ali se alude à expressão “desde sempre”, o que se quer dizer – evidentemente – é “desde que o terraço existe”, sem que seja necessário introduzir, de modo expresso, qualquer alteração aos citados pontos de facto.
Concluindo-se, como concluímos, pelo exercício, durante mais de trinta anos, do corpus da posse correspondente ao direito de servidão de vistas, resta saber se também existe o respectivo animus, facto que também será necessário para que se possa falar em posse.
Não obstante estar provada a existência do animus, os Apelantes impugnam, nesse ponto, a decisão proferida sobre a matéria de facto (ponto 57 – 60 na actual numeração), sendo certo, porém, que nada dizem de concreto no sentido de justificar essa alteração. Refira-se que os Apelantes impugnam este ponto de facto conjuntamente com o ponto 50 (24 na actual numeração), mas na respectiva argumentação apenas dizem que nenhuma das testemunhas depôs sobre o modo, a convicção e o animus com que os RR (desde 1998, ano em que compraram o imóvel em questão) e antes destes os respectivos ante possuidores, agiram nos termos descritos nos pontos 45 a 48. Ora, estes pontos 45 a 48 não se reportavam ao ponto 57, mas apenas ao ponto 50.
De qualquer forma, ainda que esse facto não tivesse resultado da prova produzida, sempre o mesmo se deveria presumir, tendo em conta as considerações supra efectuadas a propósito da varanda do 1º andar e para as quais remetemos.
Impõe-se, portanto, concluir que os Réus exerceram, durante mais de trinta anos, a posse correspondente ao direito de servidão de vistas relativamente ao referido terraço/varanda, sem que tivesse ocorrido, durante esse período, qualquer alteração relevante no que respeita ao modo e extensão do seu exercício (não obstante a alteração efectuada em 1998/1999). E, estando em causa uma posse pública e pacífica, revelada por sinais visíveis e aparentes, exercida durante o prazo necessário para a usucapião, na medida em que o prazo máximo que a lei prevê para o efeito é de vinte anos, resta concluir que os Réus adquiriram, efectivamente, por usucapião, aquele direito de servidão.
Mantém-se, portanto, a decisão que reconheceu esse direito, improcedendo, nesta parte, o recurso.

Servidão de estilicídio
A sentença recorrida declarou ainda que se encontra constituída sobre o prédio dos Autores/Apelantes e a favor do prédio dos Réus, uma servidão de estilicídio relativamente às águas pluviais que tombam e escorrem do telhado/telheiro que serve de cobertura à varanda situada no 1º andar deste último prédio.
Os Apelantes insurgem-se contra esta decisão, impugnando a decisão proferida relativamente aos pontos 52 e 53 – 47 e 48 na actual numeração – (dizendo que nenhuma das testemunhas depôs sobre a convicção e o animus com que os Réus e seus antepossuidores praticavam aqueles actos) e sustentando que os RR., fundamentaram esse pedido no facto que, sob a alínea T), veio a ser considerado como não provado e que, não tendo ficado provado esse facto constitutivo do direito que era invocado, não poderia ter sido reconhecida a existência dessa servidão.
Relativamente à impugnação deduzida aos pontos 52 e 53 (47 e 48 na actual numeração), remetemos para o que dissemos supra a propósito da prova da convicção ou animus dos Réus, reafirmando que a prova dessa convicção ou animus – ainda que não afirmada expressamente pelas testemunhas por ser um facto do foro interno dos Réus que não será facilmente perceptível – sempre se poderá extrair dos actos materiais que, ao longo dos anos, os Réus praticavam dentro do seu prédio e que, de acordo com as regras de experiência e senso comum, fazem supor pela existência da aludida convicção, sempre que não existam razões concretas que apontem ou indiciem a inexistência de tal intenção. Por outro lado, e como também referimos supra, demonstrada a existência do corpus da posse, tem-se como presumido o respectivo animus e, portanto, sempre seria irrelevante que sobre o mesmo não tivesse feita prova efectiva, na medida em que caberia aos Autores ilidir essa presunção, o que não fizeram.
Relativamente à demais argumentação dos Apelantes, cabe dizer o seguinte:
É verdade que não se provou que estivesse colocada no telhado, há mais de trinta anos, uma caleira de recolha e encaminhamento das águas pluviais, protegendo o terraço das águas pluviais e encaminhando-as para um tubo, que as escoa para o logradouro do prédio identificado no ponto 1, o que sempre se manteve desde então ao presente.
Mas a mera circunstância de não se ter provado a existência dessa caleira não nos permite afirmar que não estão provados os factos constitutivos da servidão de estilicídio que era invocada pelos Réus e que não se fundamentava exclusivamente naquela caleira.
A verdade é que está provado que o terraço/varanda do 1º andar está coberto há mais de 30 anos com telhado de telha acrílica e que esse telhado tem inclinação para sul e prolonga-se para o exterior da parede sobre o prédio dos Autores; está provado que para esse telhado escorre pelo menos uma parte das águas que caem no terraço situado ao nível do 2ºandar, daí escorrendo para o prédio dos Autores; está provado que, durante mais de 30 anos os réus e antepossuidores mantiveram ali aquele telhado, escoando livremente as águas, sem qualquer obstáculo ou desvio, na convicção de que exercem um direito próprio e legítimo o de servidão de estilicídio, em benefício do seu prédio identificado e à custa do prédio dos Autores; e está provado que tais actos foram sempre praticados de forma pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, incluindo os antepossuidores do prédio dos Autores, de forma contínua e sem interrupção temporal, mantendo-se ao presente.
Tendo em conta esses factos e tendo em conta as considerações já efectuadas a propósito da varanda (para onde remetemos) resta concluir pela verificação de todos os factos de que depende a aquisição por usucapião da aludida servidão de estilicídio, já que os Réus, por si e antepossuidores, exerceram, durante mais de trinta anos, a posse – pública e pacífica – correspondente a esse direito.
É certo que os Autores/Apelantes invocavam que, com as obras efectuadas e com a colocação da caleira aludida em T), os Réus haviam agravado aquela servidão de estilicídio, canalizando todas as águas pluviais do seu prédio para o prédio dos Autores e, com esse fundamento, pediam a retirada da caleira e a retirada das águas pluviais que caiam no seu prédio por força das obras efectuadas.
Mas, como se considerou na sentença recorrida, a aludida caleira já não se encontrava no local (apesar de se ter constatado a sua existência em momento anterior), razão pela qual o pedido de retirada da caleira havia perdido qualquer utilidade (sendo certo que qualquer agravamento da servidão que decorresse dessa caleira havia sido eliminado); por outro lado – considerou-se ainda na sentença recorrida – ainda que os Réus tenham efectuado obras em 1998/1999 por força das quais o telhado passou a ter uma única água inclinada para o terraço para onde passaram a correr todas as águas (ao contrário do que acontecia anteriormente), não ficou provado que todas essas águas escorram para o prédio dos Autores e que, como tal, tenha existido agravamento da servidão. E, importa notar, os Apelantes nem sequer contestam no presente recurso tais conclusões, sendo certo que não se reportam a qualquer agravamento da servidão decorrente dessas obras.
Assim, também nesta parte, improcede o recurso.

Importa ainda fazer uma breve referência à impugnação que os Apelantes deduziram à decisão da matéria de facto relativamente ao ponto 62 – 61 na actual numeração – (único ponto ao qual ainda não nos referimos ao longo da exposição efectuada) e apenas para dizer que esse facto é irrelevante para a apreciação da causa, sendo, por isso, inútil a apreciação da impugnação que lhe foi deduzida.
Com efeito, e como se viu, a circunstância de os Autores serem conhecedores dos aludidos factos aquando da aquisição do prédio não era decisiva – e não tinha qualquer relevância – para a decisão das questões suscitadas e, portanto, a eliminação desse facto em nada alteraria a decisão proferida.

Improcede, portanto, o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):
I – Correspondendo o conteúdo de uma servidão de vistas à mera circunstância de se manter uma obra (porta, janela, varanda, terraço) em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho, o seu exercício não se mede pela utilização dada à porta, janela ou varanda e pelo efectivo gozo das vistas que ela proporciona, mas sim, em termos objectivos, pela extensão das vistas e da devassa do prédio vizinho que a obra propicia.
II – Daí que apenas se possa falar em agravamento da servidão de vistas quando, por força de determinada alteração, a obra passa a propiciar maiores vistas ou maior possibilidade de devassa sobre o prédio vizinho, sendo irrelevante, para esse efeito, a mera circunstância de, a partir de dado momento, a obra passar a ter uma maior utilização ou a circunstância de, por força de alterações efectuadas, ser retirada aos ocupantes do prédio serviente a possibilidade de terem a percepção de que os ocupantes do prédio dominante estão a ver e a olhar para o seu prédio e para quem nele se encontre.
III – Assim, tendo sido constituída uma servidão de vistas relativamente a uma varanda aberta que deitava directamente sobre o prédio vizinho, a circunstância de essa varanda ser tapada com janelas de correr assentes em calhas de alumínio paralelas – não permitindo maiores vistas ou maior devassa sobre o prédio vizinho do que aquelas que eram permitidas pela varanda aberta – não corresponde a qualquer agravamento da servidão, razão pela qual se mantém, com referência a esta nova realidade, a servidão de vistas que se havia constituído anteriormente.
IV – O mesmo acontece com um terraço no qual foi colocado um murete com 0,75m de altura no local onde antes existia um pequeno muro e um varão de metal fixo em pilares de cimento; essa obra não alterou e não agravou o modo e a extensão das vistas que até aí eram proporcionados pelo terraço e, porque a obra existente após a referida alteração não é substancialmente diversa da que existia anteriormente, a sua fruição não corresponde a uma posse autónoma e diferente da que anteriormente era exercida, designadamente para efeitos de contagem dos prazos para a usucapião.
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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida, apenas se esclarecendo o ponto B) ii) da decisão que passará a ter a seguinte redacção:
Declaro que se encontra constituída sobre o prédio descrito no ponto 1 dos factos provados e a favor do prédio descrito no ponto 3 uma servidão de vistas relativamente à varanda situada no 1º andar daquele prédio (varanda antes aberta e que, a partir de 2009, foi tapada, em toda a sua extensão – na parte em que confina com o prédio referido em 1 – com 8 janelas de correr, assentes em calhas de alumínio paralelas, com vidro transparente, apenas sendo possível abrir 4 das 8 janelas em simultâneo, permanecendo as outras 4 fechadas) e também relativamente ao terraço situado no 2º andar do mesmo prédio.
Custas a cargo dos Apelantes.
Notifique.


Maria Catarina Gonçalves (Relatora)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida