Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3301/20.8T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA MELO
Descritores: DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA GRAVE
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 662.º, N.º 2, AL.ª D), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 494.º E 496.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – O dever da Relação, no caso de não estar devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para a casa, de determinar, mesmo oficiosamente, que  o tribunal da 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados (artº 662º, nº 2, alínea d) do CPC), deve ser guardado para os casos em que, além dos factos serem efetivamente relevantes, não possa a falta de fundamentação ser colmatada através do exercício autónomo do poder de reapreciação dos meios de prova.

II – O dever de fundamentação não exige que se indique a cada facto qual o meio de prova que, em concreto, justificou a decisão.

III – A ausência/deficiência de fundamentação relativamente a uma questão concreta, não determina a baixa do processo para melhor fundamentação, pois este recurso está reservado para os casos de deficiente motivação da decisão de facto (e não para a deficiente motivação da matéria de direito), conforme resulta da alusão na alínea d) do artº 661º, nº 2 do CPC, à necessidade da 1ª instância completar a fundamentação deficiente, tendo em conta os depoimentos gravados e registados.

IV – O dano biológico vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais.

V – Tendo o lesado ficado afetado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 35,1 pontos,  mantendo a diminuição da acuidade visual do olho direito (1/10), dor do tipo picada no local da incisão, ptose da pálpebra superior ligeira, dor na incisão, parestesia da face direita, que se repercute necessariamente na sua capacidade de trabalho e funcional, necessitando de mais esforço para realizar determinadas tarefas e estando incapaz de realizar outras, deixando de poder exercer as funções que até então vinha exercendo, mostra-se adequada uma indemnização no montante de 50.000,00.

VI – Considerando que em resultado da agressão de que foi alvo, o A. sofreu período de doença fixado em 194 dias com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional, perda quase total da visão à direita (<1/10), assimetria facial por afundamento do globo ocular direito com ligeira ptose da pálpebra superior, ligeiro desvio da pirâmide nasal para a direita,  cicatrizes na cabeça, região mentoniana, cotovelo esquerdo e tronco,  afetação permanente e de maneira grave do sentido da visão, da capacidade de trabalho e desfiguração grave, determinando dano estético permanente de grau 6 (importante) numa escala de 7 e um quantum  doloris em 5 pontos, numa escala de 1 a 7, foi submetido a 5 operações ao olho afetado, tendo o A. vivido momentos de grande angústia, desgosto e tristeza resultantes dos períodos em que se encontrou internado, pelas intervenções cirúrgicas a que foi submetido e por não saber em que estado físico ficaria, após a consolidação das lesões sofridas, sentimentos que ainda hoje perduram resultantes do facto das lesões sofridas não terem sido debeladas e da necessidade de realizar mais consultas e exames médicos, mostra-se adequada uma indemnização no montante de 55.000,00 euros.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

Relatora: Helena Melo
1.º Adjunto: José Avelino Gonçalves
2.º Adjunto: Arlindo Oliveira

Processo 3301/20. 8T8CBR.C1

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA instaurou contra BB, ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, tendo formulado os seguintes pedidos:

a) – Reconhecer que o R praticou os factos descritos no artº 10 da petição inicial e que esta sua conduta foi ilícita e dolosa, nos precisos termos em que foi sancionada no Processo Comum Coletivo nº1560/17.... cujos termos correram pelo Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., e teve como consequência direta e necessária, os danos patrimoniais e não patrimoniais descritos ao longo da PI,

b) – Consequentemente, reconhecer a inteira responsabilidade do R. pelo seu ressarcimento/reparação e condená-lo a:

c) – Pagar ao A. a indemnização de 30.000,00€ a titulo de indemnização pelos danos não patrimoniais descritos nos arºs 38 a 42 supra,

d) 25.000,00€ a título de dano estético,

e) – Pagar ao A. o montante de 50.000,00€ a título de dano biológico,

f) - Pagar ao A. o montante de 5.871,20€ por perdas salariais do A, contabilizadas até à presente data e 540,00€ pelas despesas de deslocação tidas,

g) – Reconhecer que são da sua responsabilidade o pagamento de todos os cuidados médicos, medicamentosos, protésicos (óculos/lentes), hospitalares e tratamentos que o A. possa no futuro ter que efetuar, em resultado das lesões sofridas com as agressões sofridas;

h) – Reconhecer ao A. o direito de no futuro escolher os médicos, instituições que o assistirão e operarão, caso se mostre necessário, aos quais competirá a escolha do material a aplicar em tal ou tais intervenções, e dos tratamentos a seguir;

i) – Indemnizar o A. pelos danos que se venham a determinar resultantes e eventualmente apurados nas intervenções cirúrgicas a sofrer;

j) – em juros moratórios à taxa legal contados desde a citação, até efetivo pagamento;

k) – em custas e procuradoria.

Para tanto alega, em síntese, que foi fisicamente agredido pelo ora Réu, tendo este último provocado ainda diversos danos no seu veículo, o que lhe determinou os danos patrimoniais e não patrimoniais que descreve.

Devidamente citado o R. contestou e, aceitando embora a responsabilidade, concluiu pela total improcedência da ação e deduziu reconvenção.

Teve lugar a audiência prévia onde não foi admitida a reconvenção, foi proferido despacho saneador, onde foi julgada improcedente a exceção de incompetência material suscitada (ainda que não expressamente) pelo réu, determinado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova sem quaisquer reclamações.

Procedeu-se a julgamento e após foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em conformidade, condenou o réu a pagar ao autor:

1- A quantia a quantia de € 6.051,20, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data da citação até integral pagamento;

2- A quantia de € 50.000,00 a título de indemnização pelo dano biológico e 55.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data da decisão até integral pagamento; e,

3 – Absolveu o réu do resto do pedido.

O R. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

1. Os art. 607.º n.º 3 e 4 e 154.º do Código Processo Civil impõe aos Tribunais o dever de fundamentação de todas as decisões por si proferidas;

2. O dever de fundamentação das decisões judiciais é um corolário do princípio constitucionalmente consagrado do acesso à Justiça e da tutela efetiva, previsto no art. 205.º da Constituição da República Portuguesa;

3. Por força deste dever, o Tribunal a quo na Douta Sentença de que agora se recorre, encontrava-se vinculado à obrigação de (i) apresentar, de forma clara, objetiva e discriminada, toda a matéria de facto provada e não provada, (ii) indicar todos os meios de prova que levam a essa decisão e (iii) apresentar a fundamentação da convicção do julgador.

4. Na Douta Sentença o Tribunal a quo violou o dever de fundamentação plasmado nos artigos 607.º n.º 3 e 4 e 154.º do Código Processo Civil e 205.º da Constituição da República.

5. A Douta Sentença padece de uma fundamentação genérica, vaga, incompleta e insuficiente que coloca em crise o direito do Réu ao recurso isto é, ao acesso à Justiça e tutela efetiva.

6. Com efeito, na Douta sentença, no que respeita à motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo limitou-se a indicar toda a prova documental junta aos autos e a transcrever as declarações de parte do Autor e os depoimentos das testemunhas, ficando por esclarecer qual prova deu origem à convicção do Tribunal para indicar os Factos Provados como Factos Provados e qual prova (ou falta dela) motivou a convicção do Tribunal no tocante aos Factos Não Provados.

7. Não respeita a fundamentação das decisões judiciais a Douta Sentença porquanto não basta ao Tribunal indicar os concretos meios de prova que estiveram na base da formação da convicção do julgador.

8. É igualmente necessário entender por que lhes foi atribuída certa relevância e credibilidade para a prova de certos factos e também o ‘’peso’’ que tiveram na formação da convicção.

9. Ao Tribunal a quo cabia o dever não só de relevar os meios de prova, mas também o dever de indicar os fundamentos que foram decisivos para a  formação da sua convicção, i.e., indicar as razões pelas quais o seu espírito acolheu e deu mais credibilidade a certo meio de prova e menos a outro, levando-o a proferir determinada decisão sobre a matéria de facto.

10. Também no que respeita à motivação de direito o Tribunal a quo na Douta Sentença

violou o dever de fundamentação, designadamente, por violação do constante no n.º 2 do art. 154.º do Código Processo Civil.

11. Nos termos desse preceito legal, não pode a fundamentação/justificação das decisões

judiciais consistir ‘’numa simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento e na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a comparte não tenha apresentado oposição ao pedido seja de manifesta simplicidade’’.

12. Verifica-se, porém, na Douta Sentença em crise que a fundamentação de direito para

fixação do quantum indemnizatório a título de dano biológico é ipsis verbis o que consta do artigo 37.º da petição inicial.

13. Uma reprodução integral de um artigo da petição inicial não pode servir de fundamento para proferir uma decisão judicial.

14. In casu, o Tribunal a quo não interpretou e aplicou as normas jurídicas correspondentes ao caso, limitou-se a reproduzir a petição inicial do Autor, fazendo das palavras daquele, as suas próprias palavras.

15. Tal circunstância impossibilitou o Réu de compreender, a final, qual a fundamentação

de direito de tal decisão judicial, vendo comprometido o seu direito a contra ela poder reagir, conforme direito que lhe é constitucionalmente garantido pelo artigo 205.º da ...

16. Neste caso, pese embora não se trate de um caso de total omissão da fundamentação da sentença que provoque a sua nulidade nos termos do artigo 615.º n.º 1 al. b), trata-se de um caso em que a fundamentação da mesma é deficiente, incompleta e inexata pelo que será de aplicar o art. 662.º n.º 2 d) do Código Processo Civil.

Sem prescindir

17. Mesmo que assim não se entenda, o Réu não aceita, por ser excessiva e abusiva, a quantia arbitrada pelo Tribunal a quo a título de indemnização por dano biológico sofrido pelo Autor.

18. A Douta Sentença em crise, para fixação do quantum indemnizatório a título de dano

biológico ‘’justifica’’ o seguinte: ‘’o dano biológico, na vertente de afetação permanente e de maneira grave do sentido da visão (perda quase total da visão direito, enoflalmia, ptose palperal e desvio nasal), não pode deixar de ser ressarcido.

Atendendo à idade do A. à data do acidente (47 anos), às lesões sofridas, suas sequelas, défice funcional da integridade físico-psíquica de que padece (35,1 pontos), ao esforço/penosidade acrescida que o A. suportará ao longo da vida para realizar as tarefas do dia a dia e desempenhar qualquer atividade profissional, a desvalorização profissional do demandante e a perda da capacidade de ganho, por não mais poder exercer a sua profissão de manobrador de empilhadores, afigura-se justo e equitativo o arbitramento, a este título, no mínimo, da indemnização peticionada de 50.000,00€.

19. O que significa que um dos fundamentos para fixação do quantum indemnizatório a título de dano biológico foi ‘’ a desvalorização profissional do demandante e a perda da capacidade de ganho, por não mais poder exercer a sua profissão de manobrador de empilhadores’’.

20. No entanto, andou mal o Tribunal a quo considerando estes fundamentos uma vez que

o Autor não perdeu a sua capacidade de ganho por força das agressões que sofreu.

21. Com efeito, pese embora o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica

com um grau de 35.1 pontos e a incapacidade permanente absoluta para desempenhar as funções de operário fabril desempenhava até à data dos acontecimentos – manobrador de empilhadores – o autor não ficou incapacitado para trabalhar, podendo fazê-lo noutras áreas, como aconteceu.

22. Prova disso é a reconversão do posto de trabalho do Autor na empresa ‘’Campoaves

– A..., S.A.’’ conforme declaração junta aos Autos.

23. Facto que foi dado como provado – Facto 18.º dos Factos Provados parte final.

24. Se atualmente refere que já não mais desempenha essas mesmas funções que lhe foram confiadas na Empresa onde já anteriormente laborava, não é em virtude de se encontrar incapaz ou limitado.

25. É sim, em virtude de se sentir humilhado, vexado e desanimado com as funções que

desempenha.

26. Circunstância essa que é descrita pelo Autor na sua petição inicial e corroborada em

sede de audiência de discussão em julgamento pelas declarações prestada pelo Autor e pelo depoimento da testemunha CC.

27. Gravações constantes do sistema H@bilus Media Studio, respetivamente no dia 13-

01-2022 das 10h:22min às 10h58min e 13-01-2022 das 11h:20mi às 11h:36min. O Autor refere que se sente ‘’transtornado’’ e ‘’infeliz’’ e a testemunha CC refere que ‘’Depois do ‘’acidente’’ foi exercer funções como porteiro. Sente-se envergonhado, perdeu autoestima. Ficou revoltado.’’

28. Assim, andou mal o Tribunal a quo ao dar como não provado o artigo 31.º da petição

inicial considerando, dessa forma, que o Autor sofreu desvalorização profissional e perda de capacidade de ganho.

29. Por força do exposto, deve ser a Sentença revogada nos exatos termos apresentados

e, consequentemente, ser fixada a quantia de 20.000,00€ a título de indemnização por dano biológico.

30. O Réu não pode igualmente aceitar, por ser excessiva e abusiva, a quantia arbitrada

pelo Tribunal a quo a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo

Autor.

31. O critério que preside à fixação da quantia indemnizatória a título de danos não patrimoniais é o critério da equidade nos termos dos artigos 494.º e 496.º n.º 4, ambos do Código Civil.

32. O critério da equidade prevê que o Tribunal, na aplicação na sua aplicação atenda às

seguintes circunstâncias: a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias relevantes para os factos.

33. O Tribunal a quo ao fixar uma indemnização de 30.000,00€ a título de danos não patrimoniais não só não atendeu como desconsiderou totalmente a situação económica do lesante, aqui Réu.

34. Uma vez que, sendo certo que o valor que se fixa a título de indemnização deva funcionar, para o lesante, como uma punição, correção e sensibilização no sentido de daquele ganhar uma consciencialização da gravidade da sua conduta, não a repetindo e assumindo, ao longo da sua restante vida, uma posição conforme ao Direito, não pode o pode deixar numa fragilidade económica tal que aquele não consiga, sequer, fazer face, SEQUER, às despesas inerentes à sua sobrevivência.

35. O Réu encontra-se desempregado sem qualquer perspetiva de encontrar um emprego

para fazer face às suas despesas.

36. Tem a seu cargo duas filhas, que ainda vivem consigo e de que dependem, totalmente,

de si.

37. A sua companheira, à data da propositura da ação, auferia somente o subsídio de desemprego na ordem dos 526,00€ mensais.

38. Vive modestamente, sem qualquer luxo e todos os meses pouco ou nenhum dinheiro

lhe resta depois de fazer face às suas despesas mensais fixas.

39. Desta forma, Douto Tribunal violou a aplicação do critério da equidade uma vez que

não respeitou a situação económica do lesante.

40. Por outro lado, ainda dentro dos danos não patrimoniais, mas relativamente à quantia

arbitrada pelo Douto Tribunal a título de dano estético – 25.000,00€ - importa referir que o Réu, ora recorrente não aceita a mesma por excessiva; e não colhendo nenhuma fundamentação legal.

41. O Douto Tribunal considera totalmente procedente o pedido do Autor relativamente

à indemnização por dano estético com o seguinte fundamento ‘’o autor sofreu desfiguração e as cicatriz das quais se envergonha, determinam um dano estético permanente de grau 6 /importante) numa escala de 7…’’ e ‘’configuram tal dano estético… danos não patrimoniais .. tendo-se como adequada… a peticionada indemnização no valor de 55.000€ a título de indemnização pelos restantes danos não patrimoniais em consequência das descritas agressões.’’

42. Na esteira da jurisprudência, designadamente do Acórdão do Tribunal da Relação

de Coimbra, proc. n.º 53/10.3PBPNH.C1, datado 10-12-2013 com o relator Henrique Antunes, entende-se que ‘’como dano estético pode ser considerado o dano corporal ou dano da integridade física, independentemente de qualquer repercussão funcional, laboral ou social, que afeta a beleza e a harmonia biológica da pessoa.’’.

43. A valoração deste dano deve revelar fundamentalmente da aplicação de critérios objetivos, repita-se, a localização, a dimensão e a característica da sequela provocada pela lesão, sendo certo que in casu parece ter sido crucial para o Douto Tribunal o sentimento de vergonha sentido pelo Autor por força da desfiguração que sofreu e das cicatrizes que tem, fruto da agressão.

44. Não significa isto que não se possam considerar certos fatores como idade e sexo do

lesado, a sua personalidade, e até as repercussões a nível familiar e social.

45. Não podem é esses ser considerados como determinantes na quantia a arbitrar a título

de indemnização o que parece ter acontecido e, por isso, andou mal o Tribunal a quo.

46. Por força do exposto, deve ser a Sentença revogada nos exatos termos apresentados e, consequentemente, ser fixada a quantia de 27.500,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Impõe-se assim que este Venerando Tribunal revogue a sentença ora em crise, substituindo-a por outra, que condene a Réu, aqui Recorrente, a pagar ao Autor a título de danos não patrimoniais e dano biológico, não a quantia de €105,000.00, mas sim a quantia de 47 500,00€.

O A. contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…).

II – Objeto do recurso

De acordo com as conclusões do apelante, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a conhecer são as seguintes:

. se decisão recorrida relativamente à matéria de facto se encontra deficientemente fundamentada, devendo os autos ser remetidos à 1ª instância, ao abrigo do disposto no artº 662º, nº 2, alínea d) do CPC para melhor fundamentação;

. se a questão relativa ao dano biológico se encontra igualmente deficientemente fundamentada;

. se o tribunal deveria ter dado como provados os factos alegados no artº 31º da petição inicial, com fundamento nas declarações do A. e no depoimento da testemunha CC;

. se a quantia atribuída ao A. a título de dano biológico deve ser diminuída de 50.000,00 para 20.000,00; e,

. se a quantia atribuída a título de danos morais deve ser diminuída de 55.000,00, para 27.500,00.

III – Fundamentação

Na primeira instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

Factos provados

1º O Autor nasceu em .../.../1968 [art1pi].

2º No Processo Comum Coletivo nº 1560/17.... cujos termos correram pelo Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., pelo mui douto Acórdão proferido e transitado em julgado, foi o ora R. condenado nos seguintes termos [art4pi]:

“ - Condena-se o mesmo arguido BB, como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. no art. 144º-a) e

b) C.P., na pena de 4 (quatro) anos de prisão;” …

“- Condena-se o mesmo arguido BB, como autor material de um crime de dano, p. e p. no art. 212º/n.º 1 C.P., na pena de 1 (um) ano de prisão;

- Operando-se o cúmulo jurídico pertinente, de acordo com os critérios dos arts. 30º/n.º 1 e 77º/n.os 1 e 2 C.P. (tomando-se em conta, em conjunto, os factos e a personalidade revelada pelo mesmo), condena-se o arguido BB na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão;

- Condena-se ainda o arguido nas custas do processo (presente parte-crime), com 4 U.C. a título de taxa de justiça.

*

Nos termos dos arts. 50º, 51º/n.º 1-c), 52º/n.º 1-b) e 53º, todos C.P., esperando-se (pelos fundamentos acima enunciados) que a ameaça de prisão o afaste da prática de novos ilícitos criminais, decide-se suspender a execução da pena de prisão definida ao arguido BB pelo período de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, acompanhada de um regime de prova assente em plano individual de reinserção social especialmente dirigido à continuação do seu acompanhamento psiquiátrico [e nos moldes a definir oportunamente mediante plano a elaborar pelos serviços de reinserção social e a aprovar pelo Tribunal; para tais efeitos, deve ainda o arguido apresentar-se e(ou) responder a todas as convocatórias que lhe venham a ser dirigidas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social, e sem prejuízo de o plano de reinserção poder vir a ser completado posteriormente pelos referidos serviços]; fica também a suspensão dependente da condição de o arguido comprovar nos autos, no termo do prazo de 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado da presente decisão, que procedeu à entrega da quantia de 1.000 (mil euros) à instituição particular de solidariedade social “Acreditar” -Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro.” (Sic)

3º No mencionado acórdão foram dados como provados os seguintes factos [art10pi]:

“FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Após a audiência de discussão e julgamento, entende-se provado, com relevância para a decisão a proferir (e sem menção a formulações conclusivas ou juízos meramente de valor), o seguinte conjunto de factos:

1 - no dia 8 de Outubro de 2017, próximo das 4 horas, o arguido e o assistente AA encontravam-se a jogar snooker no interior do café “K...”, sito na Rua ..., ..., ..., F...:

2 - a dado momento, e por motivos não concretamente apurados, ocorreu um desentendimento entre eles, fazendo ambos menção de se envolverem fisicamente, o que na altura não se concretizou dado terem sido separados por terceiras pessoas que ali também se encontravam, designadamente a testemunha DD;

3 - a fim de que não se passasse nada de mais grave entre o assistente e o arguido, o primeiro foi até ao exterior do referido café “K... “, onde restou na rua, perto da porta de entrada, durante alguns minutos, acompanhado pela testemunha EE, a qual voltou depois para o interior do café;

4 - o assistente, por seu turno, continuou na rua, nas proximidades da porta do aludido “K...”;

5 - quando eram cerca de 4 horas, o arguido saiu então para a rua e dirigiu-se até ao assistente, trocando ambos entre si alguns socos, até serem separados pela testemunha DD;

6 - assim que separou o assistente e o arguido, a testemunha DD acompanhou o primeiro até ao automóvel daquele mesmo assistente (“...” de matrícula ..-..-AD), que se encontrava estacionado nas proximidades, do outro lado da estrada ali existente, enquanto o arguido se dirigiu ao interior do “K... “;

7 - logo de seguida, e quando o assistente se preparava para entrar no seu automóvel, o arguido saiu de dentro das instalações do referido café, munido com o pedaço de um taco de snooker, e acercou-se do assistente;

8 - de imediato, e por várias vezes, atingiu o arguido com o mencionado pedaço de um taco de snooker a cabeça, a face e a zona do olho direito do assistente;

9 - seguidamente, o arguido bateu também com o dito pedaço de um taco de snooker no automóvel do assistente, partindo o vidro do lado do condutor e causando diversas amolgadelas ao veículo;

10 - na sequência dos factos acabados de descrever, o assistente foi transportado aos Serviços de Urgência do Hospital ..., de onde, após ter sido observado e suturado aos ferimentos que ostentava na cabeça, foi enviado, nesse mesmo dia, para os Serviços de Urgência ...;

11 - no Centro Hospitalar e Universitário ..., foi o assistente submetido a exames radiográficos, os quais revelaram fratura do nariz e das paredes da órbita do olho direito, com descolamento da retina, ficando consequentemente internado no Serviço de ... de tal entidade hospitalar;

12 - no dia 17 de Outubro de 2017, foi submetido a cirurgia do vítreo e da retina direita, sendo também observado pelo Serviço de ..., que optou por não reduzir e reconstruir a órbita no mesmo tempo operatório da cirurgia oftalmológica, dado não estarem reunidas condições de estabilidade do globo ocular para uma sua possível manipulação;

13 - em 20 de Outubro de 2017, foi novamente submetido a cirurgia ao olho esquerdo, sendo-lhe concedida alta no dia 23 desses mesmos mês e ano e passando a ser seguido em regime de consulta externa;

14 - em 6 de Novembro de 2017, 23 de Janeiro de 2018 e 3 de Setembro de 2019, foi sujeito a outras três intervenções cirúrgicas;

15 - para além dos já referidos períodos de internamento e cirurgia, o assistente foi igualmente submetido a episódios de consulta em 27 e 31 de Outubro de 2017, 17 e 22 de Novembro de 2017, 9 de Fevereiro de 2018, 8 de Junho de 2018 e 14 de Setembro de 2018, sendo-lhe ainda realizado um exame imagiológico em 4 de Setembro de 2018;

16 - em consequência do acima descrito comportamento do arguido, sofreu o assistente as seguintes lesões:

a) no crânio, ferimento estendendo-se longitudinalmente na linha média da região frontoparietal, medindo 7 centímetros de comprimento;

b) na face, hematoma peri-orbitário e exoftalmia à direita, luxação posterior do cristalino, ferida da esclera no quadrante temporal superior a aproximadamente 6 milímetros do limbo, com 90º de extensão; descolamento de retina e hemovítreo; descolamento hemorrágico da coroide, múltiplas fraturas das paredes da órbita direita e fractura dos ossos próprios do nariz e ferimento na região mentoniana à esquerda em forma de “Y” de abertura inferior, medindo o ramo maior 3,50 centímetros de comprimento e o menor 2 centímetros de comprimento;

c) no tronco, três ferimentos no terço distal da face posterolateral esquerda do tronco, medindo o maior 8 centímetros por 2,50 centímetros e o menor 4 centímetros por 2,50 centímetros;

d) no membro superior esquerdo, ferimento no cotovelo, medindo 1,50 centímetros por 0,70 centímetros;

17- as lesões acabas de descrever determinaram um período de doença de 194 dias, todos com afetação da capacidade de trabalho geral ou profissional do assistente;

18 - do evento resultaram consequências permanentes para o assistente, nomeadamente a perda quase total da visão direita (< 1/10) com assimetria facial por afundamento do globo ocular direito com ligeira ptose da pálpebra superior, ligeiro desvio da pirâmide nasal para a direita, e ainda cicatrizes na cabeça (região mentoniana), cotovelo esquerdo e tronco, as quais afetam de forma grave o sentido da visão e a capacidade de trabalho do assistente e o desfiguram de forma grave;

19 - poderá o assistente ter de sujeitar-se a novas operações cirúrgicas na especialidade de cirurgia, em resultado das sequelas inerentes às lesões que vêm sendo referidas;

20 - o arguido agiu no propósito, conseguido, de molestar o assistente na respetiva integridade física e de lhe provocar dores e mal-estar físico;

21 - colocou igualmente o arguido a si próprio a hipótese de, ao atingir o assistente com o pedaço de um taco de snooker, nas descritas circunstâncias, poder desfigurá-lo de forma grave e para sempre, bem como privá-lo do seu sentido da visão no olho direito, hipótese com a qual o arguido se conformou e não o impediu de levar a sua conduta por diante;

22 - o arguido pensou igualmente que, com a utilização do mencionado pedaço de um taco de snooker, dificultaria a defesa do assistente;

23 - os estragos no veículo automóvel do assistente, perpetrados pelo arguido, ascenderam a € 762,60;

24 - o arguido agiu também com o propósito, concretizado, de estragar e partir o aludido veículo automóvel, e de assim impossibilitar ou dificultar que o mesmo continuasse a servir para o fim a que o assistente normalmente o destinava, bem sabendo o arguido que tal veículo não lhe pertencia e atuava contra a vontade do respetivo dono;

25 - o arguido agiu, em todas as atrás aludidas circunstâncias, livre, voluntária e conscientemente;

26 - mais sabia que todas as suas descritas atuações lhe traziam responsabilidade criminal;

40 - com os tratamentos médico-hospitalares dispensados ao assistente em consequência dos factos acima descritos, perpetrados pelo arguido, teve o H..., E.P.E. a despesa de € 297,14;

41 - por seu turno, com os tratamentos médico-hospitalares dispensados ao assistente em consequência dos factos acima descritos, praticados pelo arguido, teve o Centro Hospitalar ...,E, a despesa de € 5.776,35.”

4º O A, em consequência da referida agressão, sofreu um traumatismo ocular contuso grave à direita do qual resultaram as seguintes lesões [art15pi]:

- hematoma peri-orbitário e exoftalmia à direita,

- luxação posterior do cristalino,

- ferida da esclera no quadrante temporal superior a aproximadamente 6mm do limbo com 90º de extensão,

- descolamento da retina e hemovítreo,

- descolamento hemorrágico da coroide,

- múltiplas fraturas das paredes da órbita direita, com deiscência do conteúdo orbitário e da parede interna e fratura dos ossos próprios do nariz,

- feridas no couro cabeludo, mento e cotovelo esquerdo,

- dor torácica à esquerda e dispneia, densificação do conteúdo ocular (hemorragia intraocular), redução dimensional e irregularidade do globo ocular.

5º O A. ficou internado no Serviço de ..., tendo sido submetido a cirurgia do vítreo e retina – vitrectomia posterior via pars plana e facofagia, no dia 17.10.2017 [art16pi].

6º Observado pela Cirurgia Maxilo-Facial, esta optou por não reduzir e reconstituir a orbita no mesmo tempo operatório da cirurgia oftalmológica, dado não estarem reunidas condições de estabilidade do globo ocular para que fosse manipulado [art17pi].

7º Em 20.10.2017, foi submetido a nova cirurgia para tamponamento interno com ar/SF6 [art18pi].

8º Em 6.11.2017, realizou outra cirurgia, vitrectomia posterior via pars plana, retinotomias e tamponamento interno com óleo de silicon [art19pi].

9º Em 23.01.2018, fez extração de óleo de silicone [art20pi].

10º O A teve alta hospitalar a 23.10.2017, passando a ser seguido em consultas externas de oftalmologia e cirurgia maxilo-facial [art22pi].

11º Foi consultado nas seguintes datas pela cirurgia maxilo-facial: 17.11.2017, 22- 11.2017, apresentando diminuição marcada da acuidade visual do olho direito, sem diplopia, ptose da pálpebra superior que dificultava a avaliação de enoftalmia [art23pi].

12º Teve novas consultas desta especialidade em 09.02.2018, 08.06.2018 e 14.09.2018 [art24pi].

13º Em 15.11.2017, 26.01.2018, 23.02.2018 e 20.04.2018, teve consultas de oftalmologia [art25pi].

14º As consequências diretas da agressão no A foram as seguintes [art26pi]:

a - data da consolidação das lesões: 20.04.2018 (data de consulta de oftalmologia).

b - período de doença fixado em 194 dias com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.

c - perda quase total da visão à direita (<1/10), assimetria facial por afundamento do globo ocular direito com ligeira ptose da pálpebra superior, ligeiro desvio da pirâmide nasal para a direita,

d - cicatrizes na cabeça, região mentoniana, cotovelo esquerdo e tronco,

d - ráquis: sem limitação das mobilidades da coluna lombar com ligeira dor referida nos últimos graus de flexão, sem contratura da musculatura paravertebral.

e - afetação permanente e de maneira grave do sentido da visão, da capacidade de trabalho e desfiguração grave.

15º Em 03.09.2019, o A foi novamente submetido a cirurgia para reconstrução do pavimento da orbita do olho direito com malha de titânio 3F3P com incisão subciliar baixa [art27pi].

16º Em consulta de 09.01.2020, mantinha, com mantêm hoje a diminuição da acuidade visual do olho direito, dor do tipo picada no local da incisão, ptose da pálpebra superior ligeira, dor na incisão, parestesia da face direita, não vê ou conta dedos com o olho direito [art28pi].

17º O A. faz medicação para a dor, perante a parestesia da face direita que ao longo dos meses não melhorou [art29pi].

18º Se mantiver queixas é de ponderar retirar a malha de osteossíntese [art29pi].

19º O A. que à data das agressões trabalhava com empilhadoras (manobrador de empilhadoras), deixou de poder exercer esta sua profissão, atenta a perda de visão quase total à direita), atualmente efetua o registo manual das saídas e entradas dos veículos e das mercadorias da empresa onde trabalha [art30pi].

20º O A. esteve de baixa médica nos seguintes períodos, indicando-se os valores recebidos por cada período [art33pi]:

- 8.10.2017 a 22.11.2017 – ( 1,5 mês ) recebeu 496,16€

- 26.11.2017 a 22.12.2017 – ( 1 mês ) recebeu 406,62€

- 23.12.2017 a 21.01.2018 – ( 1 mês ) recebeu 492, 90€

- 22.01.2018 a 20.02.2018 – ( 1 mês ) recebeu 492,90€

- 21.02.2018 a 22.03.2018 – ( 1 mês ) recebeu 575,10€

- 23.03.2018 a 21.04.2018 – ( 1 mês ) recebeu 575,10€

- 22.04.2018 a 21.05.2018 – ( 1 mês ) recebeu 575,10€

- 22.05.2020 a 20.06.2018 – ( 1 mês ) recebeu 575,10€

- 21.06.2018 a 20.07.2018 – ( 1 mês ) recebeu 575,10€

- 26.08.2019 a 19.12.2019 – ( 4 meses ) recebeu 1.597,50€ + 588,00€

- 20.12.2019 a 18.01.2020 - ( 1 mês ) recebeu 685,80€

- 19.01.2020 a 17.02.2020 – ( 1 mês ) recebeu 685,80€

- 18.02.2020 a 18.03.2020 – ( 1 mês ) recebeu 685,80€

- 19.03.2020 a 17.04.20020 – ( 1 mês ) recebeu 685,80€

- 18.04.2020 a 17.05.2020 – ( 1 mês ) recebeu 685,80€

- 18.05.2020 a 17.06.2020 – ( 1 mês ) recebeu 685,80€

- 18.06.2020 a 17.07.2020 – ( 1 mês ) recebeu 685,80€

-18.07.2020 a 17.08.2020 – ( 1 mês ) recebeu 685,80€

21º Ora o A, enquanto manobrador de empilhadores, auferia, à data da agressão, mensalmente o salário líquido médio de 850,00€ [art34pi].

22º As sequelas referidas na al. c) do artigo 26º anterior, conferem ao A um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (Incapacidade Permanente Geral) fixável em 35,1 pontos [art36pi].

23º A desfiguração e as cicatrizes referidas na al. c e e) do anterior artigo 26 e das quais o A se envergonha, determinam um dano estético permanente de grau 6 (importante) numa escala de 7 [art37pi].

24º As lesões sofridas pelo A. lhe causaram dores [art39pi].

25º Não deixa, contudo, o mesmo de alegar que sofreu dores imediatamente após a agressão, que se prolongaram por muitos meses e ainda hoje se verificam [art40pi].

26º O quantum doloris fixa-se em 5 pontos, numa escala de 1 a 7 [art40pi].

27º Viveu momentos de grande angústia, desgosto e tristeza resultantes dos períodos em que se encontrou internado, pelas intervenções cirúrgicas a que foi submetido e por não saber em que estado físico ficaria, após a consolidação das lesões sofridas [art41pi].

28º Angústia, desgosto e tristeza que ainda hoje perduram resultantes do facto das lesões sofridas não terem sido debeladas, da necessidade de realizar mais consultas, exames médicos [art41pi].

29º O A teve de deslocar-se ao ... para ser consultado e intervencionado cirurgicamente (artigos nºs 19 a 25, 28 e 29 supra) 14 vezes, teve de deslocar-se ao IML de ..., 4 vezes, pelo que em deslocações (ida e volta) e despende cerca de dez euros em cada deslocação (ida e volta) [art45pi].

30º A conduta do R, ao bater com o pedaço de taco de snooker no automóvel do A, partiu o vidro do lado do condutor e causou diversas amolgadelas na carroçaria [art46pi].

31º Os estragos provocados pelo R no veículo do A ascendem ao valor de 762,60€ [art47pi].

32º O A., no futuro, necessitará de tratamento e acompanhamento regular pelas especialidades de oftalmologia e de cirurgia maxilo-facial [art48pi].

FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram os seguintes factos: o mais alegado em 29º, o alegado em 31º, o mais alegado em 38º, o mais alegado em 40º, o mais alegado em 42º, o mais alegado em 48º da petição inicial.

Inexistem outros factos articulados pelas partes suscetíveis de inclusão entre os factos provados e não provados, quer por encerrarem matéria conclusiva e/ou de direito quer por traduzirem mera impugnação da matéria alegada na petição inicial ou instrumental para a apreciação da causa.

Da deficiente fundamentação/motivação da matéria de facto considerada provada e não provada

O tribunal a quo motivou do seguinte modo a decisão quanto aos factos provados e não provados:

“A convicção do tribunal no que concerne à factualidade que foi dada como provada e não provada, alicerçou-se na análise da globalidade da prova produzida, quer documental, quer testemunhal, quer de acordo com a prova produzida na sua conjugação com as regras da normalidade das coisas e da experiência da vida comum na inferência que se extrai dos factos objetivos para chegar à conclusão quanto aos factos probandos.

No que respeita às lesões sofridas pelo autor e sequelas das agressões atendeu-se ao conjunto dos elementos clínicos juntos aos autos, concretamente, 02-09-2020 - <b>Atestado médico</b> [Doc. 8], 02-09-2020 - <b>Relatório pericial</b> [Doc. 9], 02-09-2020 - <b>Relatório pericial</b> [Doc. 10], 02-09-2020 - <b>Relatório pericial</b> [Doc. 11], 02-09-2020 - <b>Relatório pericial</b> [Doc. 12], 02-09-2020 - <b>Relatório pericial</b> [Doc. 13], 02-09-2020 - <b>Relatório médico</b> [Doc. 14].

O documento junto em 02-09-2020 - <b>Declaração</b> [Doc. 15] confirma a reconversão do autor no posto de trabalho que atualmente ocupa.

Apresentada em 02-09-2020 - <b>Informação</b> [Doc. 16] revela os períodos em que o autor recebeu subsídio de doença e o que recebeu a esse título.

Apresentados em 02-09-2020 - <b>Recibo de vencimento</b> [Doc. 17 a 21] evidenciam os salários que o autor auferia sendo que o réu aceita o salário médio de € 850,00 como base de cálculo das perdas salarias (cf. artigo 12º da contestação).

Os documentos apresentados em 03-09-2020 - <b>Outro</b> [Doc. 1 a 4] evidenciam os danos no automóvel e o apresentado em 03-09-2020 - <b>Orçamento</b> [Doc. 6] o montante necessário para a respetiva reparação.

Quanto ao mais o tribunal teve em consideração os depoimentos prestados na parte em que estes se revelaram importantes ao esclarecimento dos factos na sua consonância com os demais elementos documentais juntos aos autos” e seguidamente indicou o nome de todos os que depuseram e sintetizou o que cada um relatou ao tribunal, concluindo que:

“É assim na conjugação e valoração de todos os elementos probatórios acima referidos, que firmada a convicção do tribunal, foram considerados como provados e não provados os factos acima elencados, sendo que quanto a estes últimos, a sua resposta assentou na ausência de prova suficiente ou consistente sobre a matéria atinente aos mesmos, bem como da prova feita em sentido inverso, nos termos acima escalpelizados.”

O apelante entende que na sentença recorria não se observou o dever de fundamentação das decisões que impende sobre os tribunais, pois que a fundamentação é vaga, genérica, incompleta e insuficiente. Relativamente à motivação da decisão de facto,  o tribunal limitou-se  indicar toda a prova documental junta aos Autos e a transcrever as declarações de parte do Autor e os depoimentos das testemunhas, não especificando em que medida a produção de prova auxiliou a convicção do Tribunal a quo a considerar como provados certos factos alegados e como não provados outros factos.

Ao invés, a fundamentação da prova carecia de ter sido realizada separadamente para cada facto. O que é uma atuação contra legem por parte do Tribunal a quo uma vez que não basta àquele Tribunal indicar os concretos meios de prova que estiveram na base da formação da convicção do julgador, é necessário mais do que isso.

Para além dessa indicação, é ainda necessário especificar as razões por que lhes foi atribuída certa relevância ou credibilidade e o ‘’peso’’ que tiveram na formação da sua convicção.

Por outras palavras, o Tribunal deve não só revelar os meios de prova, mas também indicar os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, isto é, indicar as razões pelas quais o seu espírito acolheu e deu maior credibilidade a certo meio de prova e menos a outro, levando-o, consequentemente, a proferir determinada decisão sobre a matéria de facto. E na fundamentação da matéria de facto não provada limitou-se a referir os factos que não se provaram, acabando o Réu sem saber se essa falta de prova se deve a ausência total de prova ou, por outro lado, por insuficiência ou por contrariedade com a restante prova.

Assim, o Réu foi, privado de poder usufruir plenamente do seu direito a recurso.

O apelado, nas contra-alegações,  veio defender que um leitor atento da sentença recorrida, identificaria perfeitamente o iter motivacional do Tribunal a quo.  A única prova produzida foi produzida pelo  Recorrido, tendo o Tribunal assente e explicado a sua convicção:

- quanto aos factos provados nºs 1 a 24, 26, 30 e 31, na vasta prova documental, e

- quanto aos factos provados 25, 27,28,29 e 32, nos depoimentos prestados na parte em que estes se revelaram importantes aos esclarecimento dos factos, na consonância com os demais elementos documentais juntos aos autos, tendo ainda feito um resumo dos esclarecimentos prestados por cada uma das testemunhas.

- Quanto aos factos não provados, o Tribunal a quo também relatou a sua motivação.

Efetivamente as decisões devem ser fundamentadas. A exigência de fundamentação tem consagração constitucional (artº 205º, nº 1) e também ao nível do direito infra constitucional (artº 154º do CPC). Bem se compreende esta imposição. Só conhecendo os fundamentos da decisão poderá a parte a quem a decisão for desfavorável, decidir se deve ou não conformar-se com a mesma. E também o Tribunal de recurso tem de conhecer esses fundamentos para aferir se a mesma se mostra ou não correta.

Como é entendimento uniforme, apenas a total ausência de fundamentos de facto e/ou de direito constitui causa de nulidade. A deficiente fundamentação poderá conduzir à revogação da sentença, mas não a fere de nulidade.

No caso de não estar devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para a casa, a Relação, deve, mesmo oficiosamente, determinar que  o tribunal da 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados (artº 662º, nº 2, alínea d) do CPC).

Este dever, contudo, deve ser guardado para os casos em que, além dos factos serem efetivamente relevantes, não possa a falta de fundamentação ser colmatada através do exercício autónomo do poder de reapreciação dos meios de prova.[1]

No caso, o apelante não indica quaisquer factos em concreto cuja fundamentação considere insuficiente, limitando-se a efetuar uma crítica em bloco à motivação apresentada na sua totalidade.

O dever de fundamentação apenas exige que da mesma se retire a razão que levou o julgador a concluir pela ocorrência ou não ocorrência de cada um dos factos, mas já não impõe que se indique, especificadamente, qual o meio de prova que, em concreto, justificou a decisão sobre cada facto (cfr. se defende no Ac. do STJ de 20.03.2014, proferido no proc. 1052/08....).

Sendo certo que a motivação da matéria de facto não se deve cingir à mera transcrição das declarações, por síntese, do que as testemunhas disseram, mas a uma apreciação conjugada de toda a prova, especificando, quando é caso disso, ou seja quando há depoimentos em sentidos divergentes, porque razão o tribunal optou por uma versão em detrimento da outra, ou não optou por nenhuma,  no caso tal opção do julgador não se mostrava necessária. Conforme resulta da leitura das matérias sobre as quais as testemunhas se pronunciaram e do que referiram, não se verifica que tenha havido depoimentos que tenham posto em causa outros depoimentos, em sentido divergente. Note-se que no presente caso, as testemunhas inquiridas só foram arroladas pelo A..

Relativamente aos factos não provados, o apelante refere que o tribunal se limita  a referir que  ‘’não se provaram…’’ acabando o Réu sem saber se essa falta de prova se deve a ausência total de prova ou, por outro lado, por insuficiência ou por contrariedade com a restante prova.

No entanto, não lhe assiste razão. O tribunal, ao contrário do que refere o apelante, explicou, de modo breve é certo, a razão para a não prova de determinados factos, consignando que “sendo que quanto a estes últimos, a sua resposta assentou na ausência de prova suficiente ou consistente sobre a matéria atinente aos mesmos, bem como da prova feita em sentido inverso, nos termos acima escalpelizados.”

             

Não se impõe assim a remessa dos autos à 1ª instância, ao abrigo do disposto no artº 662º, nº 2, alínea d) do CC.

           

Da falta de fundamentação relativamente à fixação de indemnização a título de dano biológico

Refere o apelante que a fundamentação da decisão judicial não “pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento e na oposição [entenda-se petição inicial e contestação], salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade’’.

Em seu entender, o Tribunal a quo no que concerne à fundamentação de direito para fixação do  quantum indemnizatório do dano biológico, não só aderiu aos fundamentos alegados na petição inicial, como se limitou a fazer uma cópia integral do art. 37.º daquele articulado. Uma reprodução integral de um artigo da petição inicial não pode servir de fundamento para motivar uma decisão judicial de um Tribunal.

O Tribunal a quo não apresenta qualquer fundamentação para justificar a fixação do quantum indemnizatório do dano biológico, limitando-se  tão somente a reproduzir a petição do Autor, fazendo das palavras daquele, as suas próprias palavras.

Tal circunstância impossibilita o Réu de compreender, com total esclarecimento, a fundamentação de tal decisão judicial e, consequentemente, contra ela poder reagir  conforme garantia de tutela efetiva que lhe é assegurada pelo art. 205.º da Constituição da República Portuguesa.

O apelado, por sua vez, veio dizer que o  Tribunal a quo inicia a fundamentação da sua decisão na análise do instituto da responsabilidade extracontratual, debruçando-se sobre os seus pressupostos individualmente considerados.

Posteriormente, alude à matéria dada como provada, consubstanciadora das agressões perpetradas pelo ora Recorrente na pessoa do Recorrido e nos danos causados no seu veiculo e à imputação de tais factos ao Recorrente à titulo de dolo. E faz ainda  expressa menção em nota de rodapé ao artº 623 do CPC nos seguintes termos: “, a condenação definitiva proferida em processo penal sobre matéria penal é, em relação a terceiros (ou seja, os não intervenientes no processo penal), presunção iuris tantum no tocante à existência dos factos que integram pressupostos de punição e os elementos do tipo legal e, ainda, as formas do crime, em ações civis conexas com os factos apurados no processo penal. Quanto aos que intervieram na ação penal ( arguidos, ofendidos e partes civis na ação penal) a decisão penal tem eficácia absoluta quanto aos factos constitutivos da infração ( e do ilícito civil) bem como os relativos à culpa, em termos de não mais os poderem discutir, nem dentro nem fora do processo (caso julgado formal e material ). Vide RC, 29/4/2004, processo 171/04-2, relator Des. Bernardo Domingos, http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/- /8D4AC24E7CA8BA4480257DE1005746C0

Face à toda a fundamentação elencada na douta Sentença recorrida, com remissão expressa para a matéria de facto provada, afigura-se que a transcrição do artº 37º da PI não viola o disposto no artº 154 nº 2 do CPC, porquanto não consiste na simples adesão aos fundamentos alegados pelo então Autor na Petição Inicial.

Há que ter presente que a decisão recorrida começa a sua análise por aludir com desenvolvimento aos diversos pressupostos da responsabilidade civil, passando seguidamente a concretizar quais as regras a observar na fixação da indemnização.

No que toca concretamente à apreciação do dano biológico, a sentença recorrida não se limitou a reproduzir o teor do artº 37º da pi fazendo ainda constar que “O dano biológico provocado no A. é o dano in natura por ele sofrido com repercussões a nível patrimonial e não patrimonial. Este dano traduzido na perda substancial da disponibilidade e uso do corpo para os normais afazeres do dia a dia, que não os profissionais, e fixados numa incapacidade geral ou anátonomo–funcional fisiológica não se confunde com o dano de perda de rendimento por diminuição da capacidade de trabalho e como tal deve ser indemnizado de forma autónoma em relação a este último dano. Como se conclui no já citado acórdão do TRC, de 19/5/2015, “Uma diminuição funcional e somático-psíquica relevante do lesado, com uma repercussão pessoal – ainda que tenha implicada qualquer perda da capacidade aquisitiva - resolve-se num dano autonomamente reparável, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial e não patrimonial”.

Assim nem a fundamentação se limita à reprodução do alegado pelo A. no artº 37º, nem se vislumbra como é que o apelante não descortina os fundamentos da decisão recorrida quanto à fixação da indemnização a título de dano biológico, pois que nela estão expressamente referidas, não só as considerações genéricas sobre a obrigação de indemnizar, como concretamente e relativamente ao dano biológico, a decisão recorrida refere quais os parâmetros a que atendeu: a idade do A. à data do acidente, as lesões que sofreu em consequência da agressão,  as sequelas que resultaram da mesma, o elevado défice funcional com que ficou, os esforços acrescidos que vai ter de desenvolver por comparação com alguém sem as lesões e sequelas que o A. passou a ter,  a desvalorização profissional e a perda de capacidade de ganho, uma vez que deixou de poder exercer as funções de empilhador que, até então, desempenhava.

Não se verifica assim ausência de fundamentação, a qual a existir não determinaria a baixa do processo para melhor fundamentação, situação que está reservada para os casos de deficiente motivação da decisão de facto (e não para a deficiente motivação da matéria de direito), conforme resulta da alusão na alínea d) do artº 661º, nº 2 do CPC, à necessidade da 1ª instância completar a fundamentação deficiente, tendo em conta os depoimentos gravados e registados.

 

Da impugnação da matéria de facto

A Relação pode alterar a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa (artº 662º, nº 1 do CPC).

Defende o apelante que devem ser dados como provados parte dos factos alegados pelo A. na sua petição inicial no artº 31º que não foram considerados provados pelo tribunal, fundamentando-se nas declarações prestadas pelo A. e no depoimento da testemunha CC.

Nos artigo 30º da p.i.[2] e 31º da p.i. o A. alegou que:

.30º O A. que à data das agressões trabalhava com empilhadoras ( manobrador de empilhadoras ), deixou de poder exercer esta sua profissão, atenta a perda de visão quase total à direita), atualmente efetua o registo manual das saídas e entradas dos veículos e das mercadorias da empresa onde trabalha.

.31º Tal situação cria-lhe uma profunda frustração e insatisfação profissional, uma vez que o demandante nunca foi dado a tratar de papeis, sentindo-se deprimido e questionando a sua utilidade profissional”.  

No ponto 19 dos factos provados deu como provados os factos constantes do artigo 30º da petição.

Não se vê nem o apelante o refere qual a relevância destes factos para a decisão da causa. A impugnação só deverá ser apreciada se os factos que se pretendem introduzir possam ter influência na decisão a proferir, a fim de evitar atividade inútil.

A  inclusão como provado de que o A. em função da alteração da sua situação profissional, sente uma profunda frustração e insatisfação profissional, uma vez que o demandante nunca foi dado a tratar de papéis, sentindo-se deprimido e questionando a sua utilidade profissional, nenhuma influência tem na fixação da indemnização a título de dano biológico.[3]

O dano biológico  vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais. É um prejuízo com reflexo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, capaz de afetar o seu dia em diferentes vertentes, designadamente nas  vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais e recreativas.

Determina perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado. Poderá exigir do lesado, esforços acrescidos, conduzindo-o a uma posição de inferioridade no mercado de trabalho.

Tem-se discutido se este dano biológico é patrimonial ou não patrimonial, havendo entendimentos, no sentido de que o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral; tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais, dependendo “da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar” (cfr. se defende no Ac. do STJ de 96/18.9T8PVZ.P1.S1, de 21.04.2022, de onde se retirou o extrato entre aspas).

Independentemente do seu enquadramento como dano patrimonial ou como dano não patrimonial, certo é que é sempre ressarcível, como dano autónomo. E é indemnizável, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos.

Assim, tendo em conta o dano que se pretende compensar com a atribuição de uma indemnização pelo dano biológico sofrido – compensar o défice funcional permanente da integridade física do lesado -  a matéria de facto que o apelante pretende que seja dada como provada nenhuma relevância tem para a fixação do seu quantum, razão pela qual não se procede à sua análise.

Diversos entendimentos têm sido propostos para compensar o dano biológico, designadamente, como se defende no Ac. do TRG, de 16.04.2009 a “…a ponderação dos casos análogos tratados pela jurisprudência, satisfazendo assim um desiderato de justiça que aos tribunais cumpre assegurar” ( proferido no Proc. nº 197/2002 e no mesmo sentido o Ac. do STJ já citado de 2022) e assegurando a igualdade dos cidadãos.

Na situação presente, o apelado por causa das ofensas corporais que lhe foram infligidas pelo apelante, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 35,1% (ponto 22 dos factos provados), mantendo a diminuição da acuidade visual do olho direito, dor do tipo picada no local da incisão, ptose da pálpebra superior ligeira, dor na incisão, parestesia da face direita e não vê ou conta dedos com o olho direito. A perda quase total da visão do olho direito repercute-se necessariamente na sua capacidade de trabalho e funcional, necessitando de mais esforço para realizar determinadas tarefas e estando incapaz de realizar outras, pelo que deixou de poder exercer as funções que até então vinha exercendo.

Na sentença recorrida foi  fixada indemnização no montante de 50.000,00.

Vejamos outros casos em que o lesado foi afetado de défice permanente de integridade física  aproximado. Assim:

.no Ac. do TRG de 10.07.2019, processo nº 3335/17.0T8VCT.G1[4], de 10.07.2019, considerou-se equitativos os valores de € 120.000,00 a título de danos patrimoniais futuros e de € 50.000,00 pelos danos não patrimoniais  para um lesado que à data do acidente tinha 21 anos de idade, que, em consequência do acidente, sofreu traumatismo crânio encefálico, com cegueira do olho esquerdo, traumatismo de costelas, com perfuração dos pulmões, e traumatismo dos ombros e braços, que esteve internado e em coma durante oito dias, que sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3, bem como que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 30 pontos, sendo que as sequelas de que padece são compatíveis com a atividade profissional, mas implicam esforços suplementares, exerce a profissão de canalizador e auferia, à data do sinistro, a retribuição anual de € 8.997,30.


. no  Ac. do STJ de 6 de Dezembro de 2017, entendeu-se  ser de atribuir ao A. que “à data do acidente, contava com pouco mais de 59 anos de idade e que em consequência das lesões sofridas pelo acidente em causa, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 25,6 pontos percentuais, a partir da alta médica em 14-03-2012, défice esse que o obriga a um relevante acréscimo de esforço na sua atividade profissional, uma indemnização no montante de 100.000,00.”

. No acórdão do TRG de 8 de Fevereiro de 2018 foi atribuído à A que à data à data do atropelamento de que foi vítima, tinha 38 anos de idade, ficou afetada por Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 23 pontos e viu limitadas as hipóteses de ascensão na carreira profissional; embora a  incapacidade não a impedisse  do exercício da atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, a quantia de 50.000 €.

.No Ac. do TRG de 07.06.2018  considerou-se equitativa a indemnização fixada pelo tribunal a quo no montante de 45.000,00 à A. que tinha à data do acidente 52 anos, pelo que teria, pelo menos, mais 13, 15 anos de vida ativa, uma esperança de vida de 83 anos, que em consequência do acidente ficou com um défice funcional permanente de 17 pontos, sendo as sequelas sofridas compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares e que auferia um rendimento anual líquido de cerca de € 9.400,00 como assistente técnica numa unidade de saúde familiar.

Assim,  partindo destes casos decididos pela jurisprudência, e tendo presente a situação particular dos autos, porque se visa a justiça do caso concreto, podemos afirmar que não encontramos qualquer erro na decisão da primeira instância, não se mostrando exagerada a indemnizada arbitrada.

Indemnização por danos morais

Na sentença recorrida, a propósito dos danos não patrimoniais, escreveu-se: “o art. 496.º n.º 1 do C.Civ., manda atender, na fixação da indemnização, aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito’’ e ‘’o autor sofreu desfiguração e as cicatrizes das quais se envergonha, determinam um dano estético permanente de grau 6 (importante) numa escala de 1 a 7, viveu momentos de grande angústia, desgosto e tristeza resultantes dos períodos em que se encontrou internado, pelas intervenções cirúrgicas a que foi submetido e por não saber em que estado físico ficaria, após a consolidação das lesões sofridas, sentimentos que ainda hoje perduram resultantes do facto das lesões sofridas não terem sido debeladas, da necessidade de realizar mais consultas, exames médicos.

Configuram tal dano estético, dores, angústia, desgosto e tristeza, danos não patrimoniais (art. 496.º do Cód. Civil), tendo-se como adequada, no mínimo, considerando o grau de culpa do demandado, a situação económica deste e as circunstâncias em que ocorreram os factos (art. 494.º do Cód. Cvivil) a peticionada indemnização no valor de € 55.000 a título de indemnização pelos restantes danos não patrimoniais em consequência das descritas agressões’’.

O apelante entende que o tribunal sobrevalorizou o dano estético, atribuindo uma indemnização de 25.000,00 e que, no caso, se verificou ainda uma violação do critério de equidade que preside à fixação do quantum indemnizatório, uma vez que não foi tido em conta pelo tribunal a situação económica do Réu BB. A indemnização atribuída deixa o lesante numa situação económica de fragilidade, impedindo-o, até ao fim dos seus dias, de fazer face às despesas inerentes à sua sobrevivência para pagar ao Autor o ressarcimento dos danos sofridos por este. O Réu encontra-se desempregado sem qualquer perspetiva de encontrar um  emprego para fazer face às suas despesas. Não porque assim o deseja, ou porque não procura, mas sim porque, face à crise económica e energética que atravessamos, pouca ou nenhuma oferta há. Tem a seu cargo duas filhas, que ainda vivem consigo e de que dependem, totalmente, de si. À data da propositura da ação, as despesas mensais diárias como água, luz, gás, educação das suas duas filhas menores, etc., eram suportadas pela sua companheira que auferia o subsídio de desemprego na ordem dos €526.00 mensais e €6.321,60 anuais. Vive modestamente, sem qualquer luxo e todos os meses pouco ou nenhum dinheiro lhe resta depois de fazer face às suas despesas mensais fixas.

Pede que a indemnização seja diminuída para metade, fixando-se em 27.500,00 euros.

O apelado alega que a situação económica do apelante não consta dos factos provados, pelo que não pode ser considerada nos termos por este pretendidos e face à desfiguração infligida pelo apelante ao apelado que o acompanhará pelo resto da vida, entende que se mostra adequada a indemnização fixada pelo tribunal a quo.

A lei não fornece uma definição do que deve entender-se por danos não patrimoniais, mas tem-se entendido que danos não patrimoniais “são os que afetam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insuscetíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente(…)”(como se refere no Ac. do STJ de 25.11.2009, proferido no proc.397/03.Neste acórdão são referidos diversos  acórdãos do STJ, onde se discutiram montantes indemnizatórios).

Para  Dario Martins de Almeida (Manual de Acidentes de Viação, 2ª edição, Coimbra: Almedina, 1980, p. 267), «dano não patrimonial é todo aquele que afecta a personalidade moral, nos seus valores específicos».

O dano não patrimonial assume vários modos de expressão: o chamado quantum  doloris, que se reporta às dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, no qual ter-se-á que considerar a extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; o “dano estético” que simboliza o prejuízo anátomo-funcional e que se refere às deformidades e aleijões que perduraram para além do processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de distração ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a atividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”; o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil  que afeta os sinistrados muito jovens que ficam privados das alegrias próprias da sua idade; o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os atos correntes da vida diária.

Como tem sido entendido pela jurisprudência a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.

O montante da indemnização deverá ser “proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”(cfr. defendem Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 501).

Alega o apelante que o tribunal atribui uma sobrevalorização ao dano estético, atribuindo uma indemnização de 25.000,00. No entanto, o tribunal atribuiu a indemnização de  55.000,00 globalmente, sem referir que destes, 25.000,00 se destinavam a compensar o dano estético.

Para a fixação da indemnização, há que ter presente que o A foi atingido pelo R. usando um  pedaço de um taco de snooker na cabeça, no tronco, na face, designadamente,  na zona do olho direito.

Foi submetido a cinco cirurgias ao olho esquerdo, tendo três das cirurgias sido realizadas num curto espaço de tempo, entre 17.10.2017 e 6.11.2017.

As consequências diretas da agressão no A foram as seguintes:

 - data da consolidação das lesões: 20.04.2018 (data de consulta de oftalmologia).

 - período de doença fixado em 194 dias com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.

 - perda quase total da visão à direita (<1/10), assimetria facial por afundamento do globo ocular direito com ligeira ptose da pálpebra superior, ligeiro desvio da pirâmide nasal para a direita,

- cicatrizes na cabeça, região mentoniana, cotovelo esquerdo e tronco,

- ráquis: sem limitação das mobilidades da coluna lombar com ligeira dor referida nos últimos graus de flexão, sem contratura da musculatura paravertebral. e

- afetação permanente e de maneira grave do sentido da visão, da capacidade de trabalho e desfiguração grave.

A desfiguração e as cicatrizes de que o A. se envergonha determinam um dano estético permanente de grau 6 (importante) numa escala de 7.

As lesões sofridas pelo A. causaram-lhe dores, fixando-se o quantum  doloris em 5 pontos, numa escala de 1 a 7.

Viveu momentos de grande angústia, desgosto e tristeza resultantes dos períodos em que se encontrou internado, pelas intervenções cirúrgicas a que foi submetido e por não saber em que estado físico ficaria, após a consolidação das lesões sofridas. Angústia, desgosto e tristeza que ainda hoje perduram resultantes do facto das lesões sofridas não terem sido debeladas e da necessidade de realizar mais consultas e exames médicos .

No caso desconhece-se a atual situação económica do lesante que o apelante não invocou na contestação, não tendo sido produzida prova. 

Não se desconhece que a indemnização fixada é um valor elevado a pagar por uma pessoa singular com rendimentos baixos ou mesmo médios, por referência aos ordenados  em média auferidos pelos portugueses.

No entanto, tendo em conta a factualidade descrita, em especial a perda da visão quase completamente no olho direito, que impediu o A. de continuar a trabalhar na área que até então trabalhava e o dano estético por si sofrido, com o qual se tem de confrontar diariamente e lidar com as reações dos outros à sua deformação, pois que, tratando-se da face não é possível cobri-la de modo a que as consequências não sejam visíveis, o elevado dano estético, a gravidade do quantum doloris, considera-se que o valor atribuído pela 1ª instância se mostra equitativamente fixado. A decisão recorrida considerou os critérios de avaliação dos danos não patrimoniais que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados, tendo citado diversos acórdãos e ponderou, como devia, as circunstâncias do caso e, em especial, a extensão dos danos, que pela sua gravidade  devem merecer do julgador um maior significado em termos indemnizatórios, enquanto reconhecimento da  dignidade e proteção da integridade físico-psíquica do lesado.

.Sumário:

(…).

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Notifique.

Coimbra, 28 de fevereiro de 2023

           





[1] Cfr. defende Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1, Almedina, 2019-reimpressão, pag.798.
[2] Transcreve-se o artº 30º, porquanto o artº 31º alude à situação referida no artº 30º.
[3] Estes factos em nada podem contribuir para a diminuição da indemnização, só reforçando o que foi dado como provado e que fundamentou a indemnização atribuída pela 1ª instância.
[4] Onde igualmente se encontram citados os acórdãos que a seguir se mencionam.