Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
586/09.4IDAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: SENTENÇA
REMISSÃO
DECISÃO INSTRUTÓRIA
ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
CONDIÇÃO OBJECTIVA DE PUNIBILIDADE
OBRIGAÇÃO DECLARATIVA DE RENDIMENTOS E DO IRS RETIDO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 374.º E 410.º, N.º 2, AL. A), DO CPP; ART. 119.º DO CIRS; ART. 186.º DA LEI N.º 66-B/2012, DE 31-12 (LEI DO ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2013), QUE CONFERIU NOVA REDAÇÃO AO ART. 119.º DO CIRS; ART. 105.º, N.ºS 1 E 4.º, AL. B), DO RGIT (REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS) - REDACÇÃO DA LEI N.º 53-A/2006, DE 29-12.
Sumário: I - Apesar de a sentença ter por base a acusação ou pronúncia, a sua amplitude, definida pelo artigo 374.º do CPP, é muito mais vasta; não obstante, o conhecimento de questões que extravasam o âmbito daquele normativo, ainda que nele possam influir, pode ser feito por remissão para o decidido na decisão instrutória.

II - Uma coisa é a obrigação de declaração referida no artigo 119.º do CIRS (Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) e outra distinta é a obrigação de pagamento das quantias retidas a título de imposto.

III - Em relação a impostos relativos a datas anteriores à da entrada em vigor do artigo 186.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31-12 (Lei do Orçamento do Estado para 2013), que alterou a previsão do artigo 119.º do CIRS, apenas existia a obrigação de declaração anual dos rendimentos e respectivas retenções de IRS; diversamente, no domínio de aplicação do referido diploma, é obrigatória a entrega de declaração mensal, nos termos fixados no n.º 1, al. c) i), dos rendimentos e do imposto retido.

IV - A declaração, ainda que apresentada fora do prazo legal, determina seja feita a notificação prevista na al. b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias) - redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29-12.

V - Na pendência de processo penal, a falta daquela notificação configura insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, vício previsto na al. a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.

Decisão Texto Integral:

 Acordam, em conferência, na 5ª secção, criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

 

I – Relatório

No processo referido supra foram os arguidos A... , S.A. e B... , completamente identificados nos autos, submetido a julgamento, vindo a final a ser proferida a ser condenados nos seguintes termos:

A arguida A... , S.A. pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelos art.s 105º, n.ºs 1 a 5, e 7º, n.º 1,ambos do RGIT, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de € 100 (cem euros), o que perfaz € 40.000 (quarenta mil euros).

         O arguido B... pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelos art.s 105º, n.ºs 1 a 5, 6º, n.º 1, e 7º, n.º 3, todos do RGIT, na pena de 1 (um) ano de prisão, substituída por 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 20 (vinte euros), o que perfaz € 5.000 (cinco mil euros).

*

Desagradados com o assim decidido, vieram os arguidos interpor recurso, despedindo a respectiva motivação com as seguintes

Conclusões:
1. ª) O presente recurso vem do Acórdão de fls. 1697 a 1746 dos autos, proferido em 11/03/2014 e depositado na secretaria em 12/03/2014.
2. ª) Desde 28 de Dezembro de 2009 que se encontram integralmente pagos todos os valores de imposto referidos nos autos, bem como todos os respectivos acréscimos legais devidos.
3. ª) No Acórdão recorrido, depois de se referir que “é um facto que, de acordo com os elementos disponíveis nos autos, não foi efetuada a notificação a que alude a al. b) do n.º 4 do art. 105º do RGIT, em relação a qualquer dos meses em apreço”, os Mmºs Juízes do Tribunal a quo concluíram não se lhes afigurar que essa notificação “devesse ter sido feita nem que, consequentemente, a sua omissão” acarretasse o não preenchimento da condição de punibilidade prevista naquela norma.
4. ª) Todavia, para que assim pudesse ter concluído, impunha-se que o Acórdão recorrido se pronunciasse fundamentadamente sobre a questão, suscitada pelos arguidos, da inexistência, no caso dos autos, de uma obrigação legal de declaração, autónoma da obrigação de pagamento, o que não sucedeu.
5. ª) Na verdade, o Acórdão recorrido, em lugar de conhecer e decidir essa concreta questão suscitada pelos arguidos, limitou-se a remeter para a decisão instrutória, alegando “que nada de substancialmente novo” havia a “acrescentar” ao que havia sido decidido “em sede de instrução”.
6. ª) Ora, fazendo o Acórdão recorrido referência às “declarações periódicas de IRS”, deveria o Tribunal a quo, tendo em consideração que os arguidos sustentavam a inexistência de uma obrigação de declaração das retenções na fonte autónoma da obrigação de pagamento, ter desde logo referido em que concretas normas é que, no quadro normativo vigente na data em que deveriam ter sido pagas as importâncias de retenções na fonte de IRS nele indicadas, se encontrava prevista essa alegada obrigação de entrega das “declarações periódicas de IRS”, e deveria ter demonstrado que, nesse mesmo quadro normativo, existia uma obrigação legal de entrega de tais “declarações periódicas de IRS” com menção da totalidade dos valores retidos, ainda que a sociedade arguida não efectuasse a entrega do imposto retido na fonte.
7. ª) O que era controvertido não era se a obrigação de notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT existia quando não fosse cumprida a obrigação de comunicação à AT das importâncias retidas, mas antes se, no caso, existia ou não essa obrigação de comunicação mensal, e, não existindo ela (como foi sustentado pelos arguidos), se aquela notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT teria ou não de ser feita.
8. ª) O que importaria decidir era, pois, se, no caso dos autos, a arguida devia e, em termos práticos, podia entregar declarações de pagamento/guia de retenções na fonte por montante diferente daquele que através dessa declaração/guia iria pagar, e se, no caso de inexistir uma obrigação declarativa, mensal, de retenções na fonte, ou de, existindo a mesma, não ser, em termos práticos, possível dar-lhe cumprimento, tinha ou não de ser feita a notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT.
9. ª) Tendo sido demonstrado nos autos que a arguida havia dado efectivo cumprimento à obrigação de entrega das declarações anuais de rendimentos pagos e de retenções efectuadas prevista no art. 119º-1/c do CIRS, importaria que o Tribunal a quo se pronunciasse também sobre a relevância da entrega dessas declarações para efeitos de aplicação da norma do art. 105º-4/b do RGIT.
10. ª) Quanto a esta questão, no Acórdão recorrido não foi feita uma única referência, não obstante a inequívoca prova documental e testemunhal produzida no sentido de que tais declarações foram entregues, e que são essas as declarações mais relevantes em termos de exercício dos poderes de controlo e fiscalização por parte da AT.
11. ª) Importaria, pois, que, ao contrário do que sucedeu, o Tribunal a quo tivesse dado resposta às seguintes questões: 1ª) Se, no caso concreto, existia ou não uma obrigação declarativa, mensal, autónoma da obrigação do pagamento, ou seja, se a arguida tinha de entregar cada declaração de pagamento/guia de retenções na fonte, por montante diferente daquele que através dessa declaração/guia iria pagar; 2ª) Em caso de a resposta a essa primeira questão ser afirmativa, se, em termos práticos, podia ser cumprida a obrigação de entrega de declaração de pagamento/guia de retenções na fonte, e efectuar o pagamento de valor inferior ao que era feito constar nessa declaração/guia; 3ª) Se, no caso de inexistir uma obrigação declarativa, mensal, de retenções na fonte, ou de, existindo a mesma, não ser, em termos práticos, possível dar-lhe cumprimento, tinha ou não de ser feita a notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT, e 4ª) Qual a relevância, para efeitos dessa norma do art. 105º-4/b do RGIT, do efectivo cumprimento, por parte da arguida, da obrigação de entrega da declaração anual dos rendimentos pagos e das retenções efectuadas prevista no art. 119º-1/c do CIRS, embora esse cumprimento tenha sido feito fora dos prazos legalmente estabelecidos, mas muito antes da data em terminou a acção inspectiva, bem como da data em que foi levantado o auto de notícia.
12. ª) Se quanto àquelas três primeiras questões o Tribunal a quo se limitou a remeter para decisão instrutória, quanto à quarta e última nem sequer se pronunciou sobre ela, a ponto de não ter integrado no elenco da matéria julgada provada o facto de que a arguida havia apresentado as declarações anuais dos rendimentos pagos e das retenções efectuadas (cfr. art. 119º-1/c do CIRS), respeitantes aos anos de 2006 e 2007, e que, por isso e por considerar que os valores declarados não padeciam de quaisquer erros ou omissões com relevância material, a AT os aceitou como bons, e não teve, por isso, de fazer qualquer liquidação oficiosa.
13. ª) A lei não permite (de forma diferente do que sucede com a decisão instrutória - cfr. art. 307º-1 do CPP), que a sentença possa remeter a fundamentação das questões nela decididas para a fundamentação constante noutras peças processuais, pelo que o Acórdão recorrido, ao ter decidido a três primeiras questões acima referidas através da remissão para as razões de facto e de direito enunciadas no despacho de pronúncia, incorreu na nulidade prevista na primeira parte do art. 379º-1/c-2 do CPP.
14. ª) Tal é evidente, desde logo, tendo em consideração que a finalidade e a natureza dessa fase processual de instrução, bem como os constrangimentos temporais que lhe são próprios (cfr. arts. 286º-1, 291º-1-3, 308º-1 e 306º do CPP), são diversos daqueles que regem a fase de julgamento, acrescendo, de todo o modo, que, na fase de instrução, não puderam ser levados em consideração os argumentos invocados pelos arguidos em sede de Contestação, nem a prova produzida em sede de audiência de julgamento.
15. ª) O Acórdão recorrido incorreu igualmente em nulidade, por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre a questão da relevância, para efeitos da norma do art. 105º-4/b do RGIT, do efectivo cumprimento, por parte da arguida, da obrigação de entrega da declaração anual dos rendimentos pagos e das retenções efectuadas prevista no art. 119º-1/c do CIRS.
16. ª) O Acórdão recorrido é, pois, nulo, por omissão de pronúncia (cfr. art. 379º-1/c-2 do CPP).

Sem conceder,
17. ª) Na data a que se reportam as retenções na fonte referidas no Acórdão recorrido, inexistia uma obrigação legal declarativa autónoma da obrigação de pagamento do imposto retido, pelo que a arguida sociedade não estava obrigada a declarar à AT, mensalmente, importâncias de valor superior àquelas de que dispunha e que efectivamente entregava.
18. ª) Tal obrigação declarativa autónoma da obrigação de entrega das importâncias retidas só foi criada pelo legislador através da redacção que ao art. 119º-1/c do CIRS foi dada pelo art. 186º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2013), que entrou em vigor em 01/01/2013.
19. ª) Assim, não vigorando, nas datas em que ocorreram os factos descritos nos autos, uma obrigação declarativa autónoma da obrigação de pagamento do imposto retido, sempre deveria ter sido dado cumprimento (desde que a arguida tivesse importâncias em dívida) à notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT, como forma de preencher a respectiva condição objectiva de punibilidade, o que não sucedeu.
20. ª) Porém, o Acórdão recorrido assentou no pressuposto de que as importâncias retidas na fonte pela sociedade arguida a título de IRS tinham de por ela ser fiscalmente declaradas até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que as mesmas foram deduzidas, ainda que essas importâncias não fossem entregues juntamente com essa declaração, e que, por não ter sido efectuada essa declaração pela sociedade arguida, não haveria lugar à notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT.
21. ª) Tal entendimento encontra-se enfermo de erro, por não ter sido levado em consideração, designadamente, que, no que concerne às retenções na fonte em questão nos autos (respeitantes a rendimentos das categorias A e B do IRS), inexistia uma obrigação de declaração que fosse autónoma da obrigação de entrega das importâncias retidas, e, dessa forma, que devesse ter sido cumprida, ainda que não tivesse sido cumprida a obrigação de entrega da totalidade das quantias que a arguida sociedade estava legalmente obrigada a reter a título de IRS.
22. ª) Aliás, e em consequência, não existia qualquer sanção para a falta de comunicação (mensal) das importâncias retidas a título de IRS, mas apenas para a falta de entrega dessas quantias.
23. ª) Relativamente aos montantes de IRS retidos na fonte, até à entrada em vigor da alteração introduzida ao art. 119º-1/c do CIRS pelo art. 186º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12 (ou seja, até 31/12/2012), a lei não previa que, no prazo de entrega do imposto retido (na fonte) ao substituído, o substituto tivesse de declarar os montantes deduzidos, ainda que não procedesse à sua entrega.
24. ª) Isto, diversamente do que sucedia, v.g., com as contribuições para a Segurança Social, em que, ao longo dos sucessivos regimes, e conforme resulta do disposto no art. 4º do DL nº 103/80, de 09/05, e no art. 40º do Código Contributivo, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16/09, sempre existiu uma obrigação declarativa autónoma da obrigação de pagamento prevista no art. 5º do DL nº 103/80 e no art. 42º do Código Contributivo, bem como quanto às verbas cobradas, a título de IVA, pelos sujeitos passivos desse imposto, em que desde sempre existiu uma obrigação declarativa autónoma (cfr. arts. 29º-1/c e 41º-1/a/b do CIVA) da respectiva obrigação de pagamento (cfr. art. 27º-1 do CIVA), sendo concomitantemente sancionadas quer a falta de apresentação da declaração quer a falta de pagamento da importância de imposto declarada ou a declarar.
25. ª) Veja-se que, no preâmbulo da Portaria n.º 6/2013, de 10/01 (que aprovou “a Declaração Mensal de Remunerações - AT, e respetivas instruções de preenchimento /…/ para cumprimento da obrigação declarativa prevista no artigo 119.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código do IRS”), se refere que “A Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, alterou o artigo 119.º do Código do IRS, determinando que as entidades devedoras de rendimentos do trabalho dependente passam a estar obrigadas a entregar mensalmente uma declaração de modelo oficial, referente àqueles rendimentos e respectivas retenções de imposto, de contribuições obrigatórias para regimes de proteção social e subsistemas legais de saúde, bem como de quotizações sindicais relativas ao mês anterior”.
26. ª) Sobre as entidades devedoras de rendimentos do trabalho, só passou, pois, a recair uma autónoma obrigação de entrega mensal de “uma declaração de modelo oficial, referente àqueles rendimentos e respectivas retenções de imposto, de contribuições obrigatórias para regimes de proteção social e subsistemas legais de saúde, bem como de quotizações sindicais relativas ao mês anterior”, a partir da entrada em vigor da alteração feita ao 119º-1/c do CIRS pelo art. 186º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, ou seja, a partir de 01/01/2013.
27. ª) Como resulta evidente da comparação da redacção do art. 119º-1/c do CIRS, em vigor nos anos de 2006 e 2007 com a redacção que a essa norma foi dada pelo art. 186º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, a obrigação agora prevista em i) da alínea c) do nº 1 do art. 119º do CIRS não existia na data a que se reportam as retenções na fonte referidas nos autos (de Janeiro de 2006 a Dezembro de 2007).
28. ª) O teor do regulamento que regia a forma de cumprimento daquela obrigação prevista no art. 119º-1/c do CIRS (Portaria nº 523/2003, de 04/07), estabelecendo a forma de entrega das importâncias de IRS retidas na fonte, configurava a declaração nela prevista como uma declaração de pagamento ou guia de pagamento, e como não uma declaração das retenções na fonte efectuadas a título de IRS, que pudesse ser “submetida” independentemente de ser paga a importância nela referida.
29. ª) No art. 8º daquela Portaria nº 523/2003 refere-se que “A obrigatoriedade de utilização do novo modelo é aplicável às entregas de importâncias retidas na fonte de IRS ou de IRC e de pagamento do imposto do selo efectuadas a partir de 1 de Janeiro de 2004, independentemente do período a que se reportem”.
30. ª) A contrario, esse novo modelo de declaração não era aplicável se não fosse feita a entrega das importâncias retidas na fonte, sendo certo que se essa norma fosse interpretada no sentido de ser obrigatória a entrega da declaração independentemente de ser ou não pago o valor nela referido, o valor das dívidas registadas no sistema informático da AT seria errado.
31. ª) Se, com referência a rendimentos da Cat. A do CIRS, um devedor de rendimentos da Cat. A do IRS, num determinado mês do ano de 2006 ou 2007, efectuasse retenções na fonte no valor de €20.000,00, mas apenas dispusesse para entrega de €10.000,00, seguindo o entendimento vertido no Acórdão recorrido (por remissão para o despacho de pronúncia), esse devedor teria de submeter uma declaração pelo valor de €20.000,00, mas, como essa declaração não lhe permitia entregar os €10.000,00 que tinha disponíveis, teria de “submeter” uma outra declaração de pagamento pelo valor de €10.000,00, para que pudesse entregar esses €10.000,00, a qual, todavia, não anulava nem substituía aquela outra inicial de €20.000,00.
32. ª) Seguindo esse procedimento, no sistema informático da AT ficaria registado que, nesse período, o valor das retenções na fonte de IRS se cifrava em €30.000,00 (€20.000,00 + €10.000,00), e que, no caso de a arguida ter pago a segunda guia de retenções na fonte, no valor de €10.000,00, se encontravam em dívida €20.000,00 (correspondentes à guia inicial), apesar de o valor real das retenções na fonte efectuadas ser de €20.000,00, e de o valor em dívida ser de €10.000,00.
33. ª) Ora, esse procedimento que está pressuposto no Acórdão recorrido, para além de ilegal, seria nocivo à fidedignidade dos valores de retenção na fonte e dos valores em dívida registados no sistema informático da AT, bem como de tudo o que a partir deste fosse informado.
34. ª) Não é correcto dizer-se (como se diz na decisão instrutória adoptada nessa parte pelo Acórdão recorrido), que a nova Declaração Mensal de Remunerações (DMR) prevista no art. 119º-1/c/i do CIRS e regulada na Portaria n.º 6/2013, de 10/01, “na prática é uma espécie de Declaração Modelo 10 que já existia mas de natureza mensal, e não anual”, porquanto o âmbito dos dois tipos de declaração é completamente diferente, conforme resulta, desde logo, dos pontos i) e ii) da alínea c) do nº 1 do art. 119º do CIRS, conjugados com as normas que regulamentam essas duas disposições (cfr. Portaria n.º 6/2013, de 10/01, e Portaria n.º 363/2013, de 20/12, respectivamente).
35. ª) É que, enquanto aquela DMR se destina a declarar os rendimentos do trabalho dependente sujeitos a IRS (ou seja, de rendimentos que se integram na Categoria A do CIRS), ainda que deles isentos, pagos ou colocados à disposição e respectivas retenções de IRS, bem como os que se encontrem excluídos de tributação, nos termos dos arts. 2º e 12º do CIRS, de contribuições obrigatórias para regimes de protecção social e subsistemas legais de saúde, bem como de quotizações sindicais (cfr. art. 119º-1/c/i do CIRS e art. 1º-2 da Portaria n.º 6/2013, de 10/01), já a Declaração Modelo 10 se destina a declarar os restantes rendimentos do ano anterior, auferidos pelos sujeitos passivos de IRS ou de IRC, residentes em território nacional, bem como as respectivas retenções na fonte (cfr. art. 119º-1/c/ii do CIRS).
36. ª) É, pois, incorrecto o entendimento ínsito na decisão recorrida segundo o qual, para além da obrigação declarativa de entrega da denominada declaração Modelo 10, bem como da nova “Declaração Mensal de Remunerações (AT)”, existiria ainda a “declaração periódica de IRS prevista de IRS definida no artigo 98 n.º 3 do CIRS e na Portaria 513/2003, de 4 de Julho [terá pretendido fazer-se referência à Portaria n.º 523/2003, de 04/07]”, porquanto esta não era uma declaração de montantes retidos na fonte, mas sim de uma declaração de pagamento desses montantes, ou seja, de uma guia de pagamento.
37. ª) Encontra-se assim enfermo de erro o Acórdão recorrido quando, ao referir que a arguida optou “/…/por comunicar à administração fiscal apenas as quantias que tinha disponibilidade para pagar, omitindo a declarações dos restantes valores, bem sabendo que os valores declarados e entregues ao Estado eram inferiores aos valores efetivamente retidos nas remunerações pagas aos trabalhadores”, pressupôs que ela poderia ter efectuado declarações de pagamento indicando montantes superiores àqueles que tinha disponíveis para pagar, porquanto, não existindo uma obrigação de pagamento autónoma da obrigação declarativa, só podia ser efectuada a declaração de pagamento, se o pagamento fosse efectuado em simultâneo, e pelo valor declarado.
38. ª) A declaração/guia de pagamento mensal vigente na data dos factos nem sequer permitia satisfazer o interesse da AT no controle entre os valores declarados como retidos pelo substituto e os declarados pelo substituído para efeitos de liquidação de IRS, uma vez que, naquelas declarações/guias mensais, apenas se referiam valores globais, e não valores discriminados por sujeito passivo de IRS, discriminação essa que apenas era feita na declaração anual prevista no art. 119º-1/c do CIRS (Modelo 10), e na declaração que, em cumprimento do previsto no art. 119º-1/b do CIRS, era entregue pelo substituto ao substituído até ao dia 20 Janeiro de cada ano, com referência às importâncias que lhe fossem devidas, bem como às que lhe tivessem sido retidas na fonte, no ano anterior.
39. ª) No caso dos autos, não existe então uma dupla violação de obrigações por parte da sociedade arguida, ou seja, uma violação resultante da omissão da entrega de declaração a que legalmente estivesse obrigada, e uma outra violação resultante de não ter sido efectuado o pagamento do valor apurado nessa declaração – hipótese para a qual o legislador previu que não houvesse lugar à notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT, por o contribuinte ter violado, quer a obrigação tributária principal (entrega do imposto), quer a obrigação tributária acessória (entrega da declaração).
40. ª) O que, no Acórdão recorrido, inapropriadamente se designa por “declaração adicional”, são efectivamente guias de pagamento de valores retidos na fonte, através das quais a arguida, depois de ter “submetido” e pago uma guia de pagamento com o valor que tinha disponível, veio posteriormente a “submeter” e pagar uma nova guia de pagamento.
41. ª) A sociedade arguida não omitiu qualquer obrigação declarativa, tendo entregado à AT todas as declarações a que legalmente estava obrigada (o mesmo acontecendo relativamente às declarações que estava obrigada a entregar em cumprimento do disposto no art. 119º-1/b do CIRS), através das quais revelou à AT a sua situação de incumprimento, para todos os efeitos legais.
42. ª) Posto isto, tendo em consideração o estabelecido na norma do art. 105º-4/b do RGIT, para que se pudesse ter concluído pela verificação de uma omissão de declaração dos valores retidos até ao dia 20 do mês seguinte ao da dedução, e pela consequente desnecessidade, atendendo ao teor daquele art. 105º-4/b do RGIT, da efectivação da notificação aí prevista, sempre a correspondente obrigação declarativa teria de existir autonomamente, isto é, não ser consumida pela própria obrigação de entrega do imposto deduzido – o que, como supra se demonstrou, não sucedia no caso dos autos.
43. ª) Apesar de, na norma do 105º-4/b do RGIT, se fazer referência à comunicação à AT através da correspondente declaração, no tatbestand dessa norma incluem-se não apenas os casos em que a lei preveja que a prestação tributária deva ser comunicada à AT através da correspondente declaração (ainda que essa prestação não seja total ou parcialmente paga), mas também todos aqueles – como o presente – em que, por inexistência de obrigação acessória de declaração mensal autónoma da declaração/guia de entrega do imposto, esses valores de imposto a entregar mensalmente ao Estado não tenham sido objecto de uma tal declaração mensal, sendo este o sentido ínsito na mens legis da referida norma.
44. ª) Não faria sentido que o legislador tratasse de forma diferente os casos em que existe uma obrigação declarativa autónoma da obrigação de pagamento, e o sujeito passivo cumprisse a obrigação declarativa, daqueles casos em que, não existindo essa autonomia da obrigação declarativa relativamente à de pagamento, o sujeito passivo cumprisse a obrigação declarativa no mesmo momento que a lei determina, ou seja, no momento do pagamento.
45. ª) Por conseguinte, não tendo sido feitas aos arguidos as notificações a que alude o art. 105º-4/b do RGIT – nem podendo sequer essas notificações alguma vez ser efectuadas, por já não existirem quaisquer verbas para cujo pagamento os arguidos pudessem ser notificados –, não se verificou a condição objectiva de punibilidade aí estabelecida, pelo que, por falta de verificação dessa condição objectiva de punibilidade, os arguidos deveriam ter sido absolvidos.
46. ª) Termos em que o Acórdão recorrido, ao considerar que “não tinha a administração fiscal que proceder à notificação a que alude a al. b) do n.º 4 do art. 105º do RGIT”, violou o disposto nessa mesma norma, pelo que deverá o mesmo ser revogado e substituído por decisão que absolva os Recorrentes da prática do ilícito por que foram condenados.

Sem conceder,
47. ª) Ainda que se viesse a entender que, na falta da obrigatoriedade de declaração mensal, sempre se exigiria, para que pudesse ter lugar a notificação prevista no art. 105º-4/b do RGIT, o cumprimento da obrigação declarativa prevista no art. 119º-1/c do CIRS na redacção vigente à data dos factos (ou seja, a declaração Modelo 10), a verdade é que, embora nunca a falta de cumprimento dessa obrigação tenha sido invocada ao longo dos autos como razão para não ter sido feita a referida notificação, a sociedade arguida cumpriu aquela obrigação declarativa, ainda que fora de prazo, mas, ainda assim, muito antes de ter terminado a acção inspectiva, facto que sempre relevaria para os presentes autos.
48. ª) A arguida entregou à então denominada Direcção-Geral dos Impostos a declaração, de modelo oficial (Modelo 10) referente aos rendimentos e respectivas retenções de imposto, de contribuições obrigatórias para regimes de protecção social e subsistemas legais de saúde, bem como de quotizações sindicais, com referência aos anos de 2006 e 2007, em 04/08/2009 e em 27/07/2009, respectivamente.
49. ª) Assim, o Acórdão recorrido não podia deixar de dar relevo a esses factos e de os integrar no elenco dos factos provados, quer com base no próprio “Auto de Notícia” e no “Parecer” elaborado pelo NIC da Direcção de Finanças de Aveiro, ao abrigo do art. 42º do RGIT, quer com base nas declarações prestadas pelo Autuante em sede de audiência de julgamento.
50. ª) É que, em virtude de a arguida ter cumprido essa obrigação declarativa, a AT não efectuou à arguida qualquer liquidação oficiosa ou, sequer, qualquer notificação para pagamento de valores de retenções na fonte de IRS em dívida, contrariamente ao que sucederia se ela não tivesse cumprido aquela obrigação declarativa, caso em que teria de ser efectuada e notificada pela AT quer uma liquidação oficiosa de imposto quer uma liquidação de juros compensatórios (cfr. arts. 36º a 39º do CPPT e 35º-1 da LGT).
51. ª) O Acórdão recorrido não podia, pois, ter deixado de dar como provado que a sociedade arguida entregou as declarações anuais de rendimentos e de retenções de IRS na fonte a que se referia o art. 119º-1/c do CIRS (Modelo 10), bem como as datas em que as mesmas foram entregues, sendo que essa prova (documental e testemunhal) foi produzida nos autos, e que, por os valores apurados pela AT em sede de acto inspectivo à escrita da arguida terem sido por ela considerados, salvo pequenas diferenças sem relevância material, coerentes com os valores inscritos no quadro resumo dos Mod. 10 / Anexos J, não foi efectuada qualquer liquidação oficiosa.
52. ª) E nem se diga que tal facto não teria relevância, por tais declarações não terem sido apresentadas dentro do prazo legal, pois uma tal ilação, para além de ilegal, contrariaria, desde logo, o que foi decidido num dos Acórdãos citados pelo próprio Acórdão recorrido em abono da decisão nele tomada (concretamente no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 06/11/2007, nos autos do Processo 2210/07-1).
53. ª) Se, também como se refere naquele Acórdão do TRE, a “nova condição à criminalização da conduta” prevista no art. 105º-4/b do RGIT não se aplica aos “casos em que ocorre ocultação, ou seja, quando não houve declaração do montante devido”, verificando-se no caso terem sido apresentadas as referidas declarações anuais de rendimentos e de retenções na fonte, e que nunca houve por parte dos arguidos qualquer intenção de ocultação, sempre teria de ser aplicada aquela “condição à criminalização da conduta”, ou seja, sempre teria de ser feita a notificação prevista naquela norma, enquanto condição objectiva de punibilidade, com as legais consequências.
54. ª) Por todo o exposto, a condição objectiva de punibilidade prevista na norma do art. 105º-4/b do RGIT era aplicável ao caso dos autos.
55. ª) Ao assim não ter decidido, o Acórdão recorrido violou o disposto na norma em que se encontra prevista a aludida notificação para efeitos de preenchimento da condição objectiva de punibilidade (cfr. art. 105º-4/b do RGIT), e uma vez que, conforme se encontra demonstrado nos autos e foi reconhecido pelo Acórdão recorrido, já desde 28/12/2009 se encontram pagos todos os valores devidos, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por decisão que absolva os Recorrentes da prática do ilícito por que foram condenados.

Sem conceder,
56. ª) O douto Acórdão recorrido encontra-se enfermo de diversas contradições, que deverão determinar a sua revogação.
57. ª) Com efeito, tendo sido julgado provado (i) que a arguida sociedade enfrentava dificuldades financeiras e não dispunha de capacidade financeira para solver todas as suas obrigações, o que levou a que não tivesse entregado ao Estado a totalidade das importâncias de IRS mencionadas nos autos, antes tendo entregado apenas os montantes de que conseguia dispor; (ii) que ela efectuava o pagamento de parte das remunerações devidas aos seus trabalhadores (sobretudo as percentagens de pesca) através de cheques emitidos com datas posteriores àquelas em que eram entregues aos referidos trabalhadores; e (iii) que só após a venda do pescado e recebimento do respectivo preço a arguida dispunha de meios financeiros para pagar esses cheques destinados ao pagamento dessas remunerações, em data posterior à do respectivo processamento, forçoso se tornaria concluir que a sociedade, aquando do processamento e pagamento (fraccionado) de tais remunerações, não havia efectivamente deduzido e retido sobre as mesmas os montantes de IRS processados em cada um dos meses a título de retenção na fonte, os quais ficavam documentados nos correspondentes recibos de vencimento, e nos elementos de contabilidade daquela.
58. ª) Da matéria de facto julgada provada e feita constar nos respectivos pontos 42., 43., 47. e 48 resulta exactamente o oposto do vertido nos pontos 5. e 6. da mesma matéria de facto julgada provada, a saber: (i) que, por não dispor de meios financeiros para, proceder ao pagamento da totalidade das retribuições devidas aos seus trabalhadores, a arguida fraccionava e diferia por vários meses o respectivo pagamento; (ii) que esses pagamentos fraccionados e diferidos eram efectuados através de cheques emitidos com datas posteriores àquelas em que esses mesmos cheques eram preenchidos e entregues aos trabalhadores; (iii) que só à medida que a arguida vendia e recebia o preço do pescado capturado é que tinha meios para pagar esses cheques.
59. ª) Ora, se a arguida não tinha condições financeiras para pagar as remunerações dos seus trabalhadores nas datas em que as mesmas eram liquidadas (pontos 42., 43., 47. e 48), é evidente que não tinha ela também meios financeiros para, nas datas em que essas retribuições eram processadas, deduzir, reter e entregar ao Estado os montantes de imposto (IRS) sobre as mesmas incidentes (pontos 5. e 6.), e que constituiriam parte dessas mesmas retribuições.
60. ª) Verifica-se, pois, uma flagrante contradição na fundamentação da decisão recorrida, designadamente entre, por um lado, a matéria de facto julgada provada nos pontos 5. e 6., e, por outro lado, a matéria de facto julgada provada e vertida nos pontos 42., 43., 47. e 48.
61. ª) Por outro lado, tendo sido incluída entre a «MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA» a matéria de facto, alegada na Contestação, no sentido de que «A arguida suportou elevadas despensas [ter-se-á pretendido referir “despesas”] inerentes às reparações necessárias ao regresso à atividade dos seus referidos navios, após longa inatividade dos mesmos.»), os Recorrentes não entendem como pode tal matéria ter sido julgada não provada, uma vez que, contraditória e simultaneamente, na decisão recorrida foi julgado provado, designadamente, que «Nos anos de 2006 e 2007, a arguida efetuou elevados gastos com a manutenção, reparação e reestruturação dos seus navios, concretamente, em 2006, obras no valor de mais de € 290.000, e, em 2007, obras no valor de mais de € 375.000.», e que «No ano de 2006, a arguida encomendou fornecimentos de cabos e aprestos no valor de cerca de € 275.000, tendo em 2007 essas encomendas ascendido a mais de € 300.000.».
62. ª) Ora, tendo sido julgado provado, designadamente: (i) que nos anos de 2006 e 2007, a arguida havia efectuado elevados gastos com a manutenção, reparação e reestruturação dos seus navios, tendo efectuado obras no valor de mais de €290.000,00 em 2006, e de mais de €375.000,00 em 2007; (ii) que em 2006 encomendou o fornecimento de cabos e aprestos no valor de cerca de € 275.000,00, tendo em 2007 essas encomendas ascendido a mais de € 300.000,00, a inclusão entre a matéria de facto não provada dos factos acima reproduzidos, no sentido de que a arguida havia suportado «elevadas despensas inerentes às reparações necessárias ao regresso à atividade dos seus referidos navios, após longa inatividade dos mesmos», é frontalmente contraditória com a que foi feita constar nos aludidos pontos 38. e 39. dos factos provados.
63. ª) Termos nos quais, tendo em consideração as aludidas contradições insanáveis da fundamentação do Acórdão recorrido, deverá o mesmo ser revogado, com os efeitos legais (cfr. art. 410º-2/b do CPP).

Sem conceder,
64. ª) Foram incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo os seguintes pontos de facto, incluídos entre a «MATÉRIA DE FACTO PROVADA»: ponto 4., ponto 5., ponto 6., ponto 7., ponto 8., ponto 10., ponto 11., ponto 12 e ponto 14.
65. ª) Os Recorrentes consideram ainda ter sido incorrectamente julgado pelo Tribunal a quo o seguinte ponto de facto, incluído entre a «MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA»: «A arguida suportou elevadas despensas inerentes às reparações necessárias ao regresso à atividade dos seus referidos navios, após longa inatividade dos mesmos.».
66. ª) As concretas provas consubstanciadas nos depoimentos do arguido B... ; nos depoimentos das testemunhas Dr. C... , Dr. D... , E... , F... , G... , H... e J... ; bem como nos documentos de fls. 455-459, 1110, 1111, 1112, 1216 a 1541, impunham decisão diversa da recorrida, e, designadamente, deveriam ter levado o Tribunal a quo a considerar não provada a matéria de facto vertida nos pontos 4., 5., 6., 7., 8., 10., 11., 12. e 14 da «MATÉRIA DE FACTO PROVADA», e a considerar provada a matéria inclusa no acima referido 2º parágrafo da «MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA».
67. ª) Ao contrário do concluído no ponto 4. dos factos julgados provados no Acórdão recorrido, do conjunto da prova produzida nos autos não resulta ter ficado provado que as remunerações dos trabalhadores que prestavam trabalho sob as ordens e direcção da sociedade arguida «eram pagas mensalmente».
68. ª) Na verdade, os trabalhadores da arguida, sobretudo no que se refere às percentagens de pesca que tinham direito a auferir após o fim de cada campanha de pesca (cfr. arts. 30º/d, 32º-4-5 e 33º do IRCT aplicável), não recebiam essas remunerações mensalmente, quando as mesmas eram devidas e era efectuado o respectivo processamento, antes sendo o pagamento dessas retribuições fraccionado e diferido ao longo de vários meses, através da entrega de cheques a que eram apostas datas posteriores àquelas em que os mesmos eram entregues aos trabalhadores, e que só à medida que a arguida vendia e recebia o preço do pescado capturado em cada campanha de pesca é que tinha meios para pagar esses cheques.
69. ª) Da prova produzida resulta não existirem nos autos elementos probatórios bastantes que permitissem concluir pela verificação da matéria de facto vertida no referido ponto 4. da matéria julgada provada, porquanto ex abundanti foi demonstrado que os pagamentos das retribuições devidas aos tripulantes da arguida não eram efectuados nos meses a que diziam respeito, mas fraccionadamente, nos meses seguintes.
70. ª) Ficou cabalmente demonstrado que os títulos de crédito (cheques e pagarés) que a arguida emitia e entregava aos seus trabalhadores para pagamento fraccionado ou em prestações dos respectivos salários, não eram, na realidade, pagáveis à vista, pois neles era aposta uma data de vencimento concordante com a data de vencimento de cada uma das prestações acordadas, e, caso, fossem apresentados a pagamento antes das datas neles apostas, não seriam pagos.
71. ª) Aliás, da própria matéria de facto inserta no ponto 48. da «MATÉRIA DE FACTO PROVADA» resulta que, na data em que esses títulos de crédito eram entregues aos trabalhadores, a arguida sociedade não dispunha de meios financeiros que permitissem a sua boa cobrança, se apresentados a pagamento.
72. ª) Tendo em consideração o que foi referido em audiência de julgamento, não se aceita a tese de que a colocação à disposição das retribuições aos trabalhadores da arguida correspondia à data em que eram assinados os recibos de vencimento e da entrega aos trabalhadores dos cheques pós-datados emitidos como meios de pagamento das prestações acordadas, com o fundamento de que, sendo o cheque um meio de pagamento à vista, a arguida com a entrega dos cheques estaria «a colocar as remunerações ao dispor dos seus trabalhadores», os quais não estariam «impedidos de apresentar imediatamente os cheques a pagamento».
73. ª) Da prova produzida resulta inequivocamente (a) que os cheques eram entregues a cada trabalhador no âmbito de um acordo de pagamento em prestações; (b) que os trabalhadores respeitavam esse acordo, não apresentado os cheques a pagamento antes das datas neles apostas; (c) que, ainda que fossem apresentados a pagamento antes das datas neles apostas, os cheques não obteriam boa cobrança, desde logo, (i) porque a sociedade só à medida que ia vendendo o pescado capturado e recebendo o respectivo preço é que ia tendo meios financeiros que lhe iam permitindo pagar as retribuições devidas aos trabalhadores; e, de todo o modo, (ii) porque caso os cheques fossem apresentados a pagamento antes das datas neles apostas, também não seriam pagos, pois a conta sobre a qual os cheques eram sacados não tinha fundos, e era provisionada diariamente apenas com os fundos necessários ao pagamento dos cheques apresentados, sendo que, antes de a arguida fazer transferência para essa conta dos valores que pretendia pagar, tinha acesso a uma listagem de todos os cheques a pagamento em cada dia, e mandava devolver os cheques que tivessem sido apresentados a pagamento em dia anterior ao neles aposto.
74. ª) Assim, não se aceita que possa considerar-se como datas do pagamento ou da colocação à disposição das retribuições processadas aos trabalhadores (e, portanto como «momento relevante para efeitos de retenção do IRS na fonte e da sua entrega ao Estado»), nem as datas do processamento dos salários, nem as datas de assinatura pelos trabalhadores das respectivas folhas de vencimento ou recibos, nem as datas das entregas dos cheques emitidos como meio de pagamento das prestações acordadas entre a sociedade e os trabalhadores (sendo que esses três momentos, em regra, correspondiam à mesma data), mas antes as datas em que tais prestações eram efectivamente pagas ou postas à disposição, nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 2º-1 e 99º-1 do CIRS e no art. 2-A do DL n.º 42/91, de 22/01, datas essas que, como vem de ser demonstrado, eram as datas pelas quais os referidos títulos de crédito eram emitidos, ou seja, as datas neles apostas.
75. ª) Assim, tendo em consideração as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas Dr. D... , E... , F... , G... , H... e J... e o documento de fls. 1112, deveria ter sido proferida decisão diversa da recorrida, e, designadamente, deveria ter o Tribunal a quo julgado não provada a matéria de facto vertida no ponto 4. da «MATÉRIA DE FACTO PROVADA».
76. ª) Os Recorrentes impugnam a decisão proferida sobre matéria de facto no que respeita ao vertido no ponto 5. dos factos julgados provados no Acórdão recorrido, pois, ao contrário do que se concluiu na decisão recorrida, da prova produzida resulta evidente que a sociedade arguida não dispunha de meios financeiros para, quando processava as retribuições devidas aos seus trabalhadores marítimos (que constituem o grosso da massa salarial a cargo daquela), e sobretudo no que respeita à retribuição variável referente às percentagens de pesca a liquidar a cada tripulante após cada campanha de pesca, pagar as quantias apuradas como sendo devidas aos seus funcionários e reter as correspondentes importâncias a entregar ao Estado a título de retenções de IRS.
77. ª) Quando eram processadas ou calculadas as remunerações devidas aos trabalhadores da sociedade, em cada uma das respectivas folhas de vencimento, era também levado em consideração o valor das retenções na fonte de IRS a que o pagamento desses rendimentos daria lugar, não obstante a arguida não dispusesse, nem na data em que esse processamento era efectuado, nem na data em que devia fazer entrega dos valores de retenções assim contabilizados ou apurados, de disponibilidades financeiras que lhe permitissem fazer esse pagamento.
78. ª) Não faz sentido sequer que se tenha concluído que o processamento das remunerações era efectuado no momento do seu pagamento, porque, conforme resulta da impugnação feita ao ponto 4. da matéria de facto julgada provada, claramente o pagamento das retribuições devidas aos trabalhadores era feita fraccionadamente ou em prestações, que se podiam prolongar por vários meses.
79. ª) Por esse motivo, nunca poderia estar correcta a matéria de facto fixada, na parte em que se refere que, «aquando do processamento e pagamento de tais remunerações, a sociedade arguida retinha /…/».
80. ª) Conforme resulta da prova produzida – e, aliás, foi feito constar no ponto 42. dos factos considerados provados –, a sociedade não dispunha de meios financeiros que lhe permitissem, após o processamento ou apuramento dos valores de remunerações devidos aos seus trabalhadores, efectuar o pagamento dessas retribuições (que por esse motivo eram pagas em diversas prestações), pelo que também não dispunha de meios financeiros para, uma vez feito o apuramento dos valores de retenções na fonte a título de IRS a que o pagamento ou colocação à disposição desses trabalhadores desses iria dar origem, entregar esse valor ao Estado.
81. ª) Por conseguinte, também nunca poderia estar correcta a matéria de facto fixada, na parte em que se refere que, em simultâneo com o processamento e o pagamento das remunerações devidas aos seus trabalhadores, a arguida «retinha sobre as mesmas o Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS) devido, o que ficava documentado, quer nos correspondentes recibos de vencimento, quer nos elementos de contabilidade daquela».
82. ª) As provas consubstanciadas nas declarações do arguido e nos depoimentos das testemunhas Dr. D... , E... , F... , G... , H... e J... e no documento de fls. 1112, impunham, pois, decisão diversa da recorrida, e, designadamente, que o Tribunal a quo tivesse julgado não provada a matéria de facto vertida no ponto 5. da «MATÉRIA DE FACTO PROVADA».
83. ª) Os Recorrentes consideram ter sido proferida decisão incorrecta no que respeita à matéria de facto vertida nos pontos 6., 7., 8. e 10. dos factos julgados provados no Acórdão recorrido.
84. ª) Desde logo, ao contrário do que foi referido no ponto. 6 da «MATÉRIA DE FACTO PROVADA», os rendimentos dos «titulares de órgãos sociais» não são enquadráveis na categoria B do IRS, mas sim na categoria A desse imposto, conforme expressamente resulta do disposto nos arts. 1º-1 e 2º-1-3/a do CIRS.
85. ª) Os Recorrentes discordam, em concreto, das menções que naqueles pontos 6., 7., 8. e 10. dos factos julgados provados no Acórdão recorrido são feitas, essencialmente quando desses trechos do Acórdão resulta: (a) Por um lado, que o arguido B... havia decidido deixar de entregar nos cofres do Estado a maior parte dos valores de IRS deduzidos e retidos nos rendimentos pagos aos trabalhadores, aos colaboradores e aos titulares de órgãos sociais da arguida sociedade e voltar a pagá-los pela totalidade quando tal lhe parecesse conveniente (cfr. ponto 6.); (b) Por outro lado, que o arguido B... havia decidido não fazer constar nas correspondentes declarações periódicas a parte de tais valores que pretendia não pagar, e por essa razão, determinou ao contabilista da arguida os valores pelos quais devia preencher tais declarações e os valores dos pagamentos a realizar, sempre em valor inferior ao devido (cfr. pontos 7. e 8.); e ainda que (c) Tendo a sociedade arguida sido sujeita a acção inspectiva, o arguido B... em face da mesma, havia determinado que o contabilista da empresa remetesse aos serviços tributários “declarações adicionais” relativamente a alguns dos períodos contributivos, bem como os correspectivos meios de pagamento, ainda assim em valor inferior ao devido (cfr. ponto 10.).
86. ª) Quando a ter sido julgado provado que o arguido B... havia decidido deixar de entregar nos cofres do Estado a maior parte dos valores de IRS «deduzidos e retidos» e «voltar a pagá-los pela totalidade quando tal lhe parecesse conveniente», essa decisão quanto à matéria de facto olvida que, na realidade, tal como foi considerado provado no ponto 42., a sociedade não dispunha de «capacidade financeira para solver todas as suas obrigações».
87. ª) Por esse motivo, quando processava as retribuições devidas aos seus trabalhadores (sobretudo no que respeita à retribuição variável referente às percentagens de pesca a liquidar a cada tripulante após cada campanha de pesca), a empresa não dispunha de meios financeiros que lhe permitissem pagar as quantias apuradas como sendo devidas aos seus funcionários e reter as importâncias a entregar ao Estado a título de retenções de IRS.
88. ª) A sociedade emitia as guias de pagamento pelo valor que efectivamente conseguia pagar uma vez que ela não tinha liquidez para efectuar a totalidade das retenções que constavam das folhas de vencimento processadas.
89. ª) Caso a arguida tivesse uma real e efectiva possibilidade de decisão quanto à entrega ou não entrega do imposto (cfr. ponto 6.), e pudesse optar pelo momento em que fazia o pagamento (cfr. ponto 42.), então certamente não teria optado por pagar o valor que pagou, na data em que o fez, mas teria, v.g., efectuado o pagamento dos montantes em dívida ao abrigo do Regime Excepcional previsto no DL n.º 151-A/2013, de 31/10, com o que teria poupado os €115.973,51, e teria obtido um benefício financeiro decorrente da detenção do montante total das quantias pagas (€761.081,11) durante um período de cerca de 4 anos (desde Dezembro de 2009 até Dezembro de 2013).
90. ª) Inexistiu, pois, qualquer intenção de, sonegando quaisquer verbas ao Estado, integrar as mesmas no património da arguida, aumentando a sua liquidez.
91. ª) Se a empresa não dispunha de meios financeiros para efectuar o pagamento das retribuições dos seus trabalhadores logo na sequência do processamento, não tendo as entregas dos valores de retenções apurados tendo sido feitas «por falta de dinheiro» ou por «impossibilidade de pagar ao Estado nos prazos que estavam previstos», como referiu o TOC da empresa, sendo que chegava a acontecer alguns trabalhadores da arguida, receberem depois do Estado (conforme aquele TOC também referiu), ou o pagamento da percentagem de pesca de uma viagem a um tripulante acumular-se com o de uma viagem anterior (como referiu E... ), ou um capitão ter saído da empresa praticamente há um ano e ainda estar a receber cheques (como referiu F... ), então a conclusão a retirar dessa prova não podia ser a de que o arguido B... havia decidido deixar de entregar nos cofres do Estado a maior parte dos valores de IRS deduzidos e retidos nos rendimentos dos seus trabalhadores, colaboradores e titulares de órgãos sociais e voltar a pagá-los pela totalidade quando tal lhe parecesse conveniente.
92. ª) Pelo contrário, a sociedade enfrentava uma impossibilidade de facto, por insuficiência de meios financeiros (ou, mais prosaicamente, por «falta de dinheiro», como referiu o seu TOC) para pagar as retenções de IRS que havia apurado, sendo todavia certo que era sua intenção pagar todos os valores liquidados, como efectivamente pagou.
93. ª) Tratando agora da matéria julgada provada, quanto a alegadamente o arguido ter decidido não fazer constar nas correspondentes declarações periódicas a parte de tais valores que pretendia não pagar, e por essa razão, ter determinado ao contabilista da arguida os valores pelos quais devia preencher tais declarações e os valores dos pagamentos a realizar, sempre em valor inferior ao devido (cfr. pontos 7. e 8.), e quanto a, alegadamente, tendo a sociedade arguida sido sujeita a acção inspectiva, o arguido ter determinado que o contabilista remetesse aos serviços tributários “declarações adicionais” relativamente a alguns dos períodos contributivos, bem como os correspectivos meios de pagamento, ainda assim em valor inferior ao devido (cfr. ponto 10.), cumpre referir que tal matéria não só não encontra qualquer fundamento probatório, como é até claramente infirmada pela prova produzida.
94. ª) Antes de mais, quem decidia que declarações apresentar, quando, e por que valores, não era o arguido, mas o TOC da empresa ( D... ), conforme ele próprio declarou, o que foi confirmado pela testemunha E... e pelas declarações do arguido.
95. ª) O referido contabilista, tinha toda a autonomia para decidir sobre a apresentação das declarações que entendia perante a AT, bem como sobre o conteúdo dessas declarações (designadamente os valores nelas inscritos), e sobre as datas da sua apresentação, não recebendo (nem obedecendo) a quaisquer ordens do arguido quanto a tais matérias.
96. ª) Acontece que era convicção do TOC da empresa que, à luz da legislação em vigor à data dos factos dos autos, não existia uma obrigação declarativa do imposto com autonomia relativamente à obrigação da sua entrega (até porque o documento apresentado pelo TOC tinha funções de guia de pagamento, não sendo aceite na Tesouraria do Serviço de Finanças pagamento de valor diverso do feito constar nesse documento), e que ele só podia, enquanto TOC da arguida, declarar à AT os valores que a sociedade tivesse disponíveis para entregar ao Estado.
97. ª) Assim, não devia ter sido julgado provado que o arguido havia decidido não fazer constar nas correspondentes declarações periódicas a parte de tais valores que pretendia não pagar, e por essa razão, tinha determinado ao contabilista da arguida os valores pelos quais devia preencher tais declarações e os valores dos pagamentos a realizar, sempre em valor inferior ao devido (cfr. pontos 7. e 8.).
98. ª) Por outro lado, também tendo em conta a prova produzida (particularmente as declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas D... e E... ), aquilo que no Acórdão recorrido erroneamente é referido como sendo «declarações adicionais» correspondiam ao meio de que o TOC da sociedade dispunha (ou de todo o modo, ao meio de que ele pensava dispor) para proceder ao pagamento dos valores de retenções na fonte de IRS que haviam sido apurados na contabilidade da arguida, à medida que esta ia dispondo de meios financeiros para proceder a esse pagamento, impugnando-se por infundada probatoriamente a conclusão que, sem sentido diverso, foi levada à matéria de facto provada (cfr. ponto 10.).
99. ª) Das provas carreadas para os autos resulta, pois, evidente, não corresponder à verdade ter o arguido decidido deixar de entregar nos cofres do Estado a maior parte dos valores de IRS deduzidos e retidos nos rendimentos pagos aos trabalhadores, aos colaboradores e aos titulares de órgãos sociais da arguida sociedade e voltar a pagá-los pela totalidade quando tal lhe parecesse conveniente, uma vez que o pagamento não foi efectuado na totalidade porque a sociedade não dispunha de meios financeiros (ou de «dinheiro», como referiu o seu TOC) para entregar nos cofres do Estado a totalidade dos valores de retenções na fonte de IRS apurados pelo seu departamento de contabilidade, sendo que a incapacidade financeira da arguida foi considerada até julgada provada no aludido ponto 42.
100. ª) Mais deveria ter sido considerado provado que o contabilista da empresa tinha toda a autonomia para decidir sobre a apresentação das declarações que entendia perante a AT, bem como sobre o conteúdo dessas declarações (designadamente os valores nelas inscritos), e sobre as datas da sua apresentação, e que não foi o arguido a determinar o comportamento do TOC da empresa.
101. ª) Deveria ainda ter sido levado em consideração, através da inclusão nos factos julgados provados, que a convicção do contabilista era a de que não podia comunicar à AT valores de retenções na fonte de IRS superiores àqueles que, em cada momento, a sociedade podia pagar (mediante informação prestada pelo respectivo departamento financeiro), sendo convicção essa alicerçada, designadamente, (i) no teor das normas aplicáveis; (ii) na designação dada aos documentos através dos quais era comunicado o montante a entregar ao Estado a título de retenções na fonte de IRS; (iii) nas práticas correntes nos Serviços de Finanças e nas Tesourarias da Fazenda Pública, onde não era admitido fazer o pagamento apenas do valor que a sociedade tivesse disponível, após a emissão de uma guia pelo valor da totalidade das retenções na fonte de IRS contabilizadas; (iv) no entendimento dos Técnicos Oficiais de Contas colegas do TOC da arguida, que tinham entendimento idêntico ao deste; (v) no facto de, mesmo tendo a sociedade sido submetida a vários actos inspectivos nunca ter sequer sido referida qualquer irregularidade decorrente do não cumprimento de uma eventual obrigação declarativa das retenções contabilizadas, ainda que a sociedade não dispusesse de meios financeiros para proceder ao pagamento da totalidade dessas retenções; e (vi) no facto de nunca tinha sido levantado qualquer auto de contra-ordenação por essa alegada omissão de declaração da totalidade dos valores apurados de retenções na fonte de IRS (o que, na convicção do TOC, sempre teria sucedido caso estivesse consagrada legalmente uma tal obrigação declarativa com autonomia relativamente à obrigação de entrega nos cofres do Estado dos valores retidos a título de IRS).
102. ª) Por tais razões, o contabilista da sociedade, que inicialmente comunicava à AT, através das emissão do que ele designava por “guias de pagamento”, apenas os valores de retenções na fonte de IRS que a arguida podia nesse momento entregar nos cofres do Estado, e posteriormente ia procedendo ao pagamento dos demais valores que haviam sido apurados na contabilidade da arguida, à medida que esta ia dispondo de meios financeiros para proceder a esse pagamento
103. ª) Nesses termos, levando em consideração as concretas provas que vêm de ser invocadas, deveria ter sido proferida decisão no sentido de não ser julgada provada a matéria constante nos pontos 6., 7., 8. e 10. da matéria de facto provada.
104. ª) Atenta a prova produzida, também nunca poderiam ter sido julgados provados os factos vertidos nas 24 alíneas [de a) a x)] do ponto 11. da matéria de facto provada (cfr. fls. 1703 a 1714).
105. ª) Os valores feitos constar naquele ponto 11. como correspondendo aos valores de IRS retido pela arguida sobre as remunerações por si pagas não foram os valores por ela efectivamente deduzidos ou retidos, pois as datas que foram levadas em consideração no Acórdão recorrido como tendo sido as do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos aos respectivos titulares (que, no entender do Mm.º Tribunal a quo foram as datas em que as retribuições foram processados contabilisticamente), não correspondem às datas em que a arguida efectivamente pagou ou pôs à disposição esses rendimentos aos respectivos titulares.
106. ª) Como supra já se mencionou, a arguida, quando processava, ou seja, quando fazia o cálculo, das retribuições devidas aos seus trabalhadores, e sobretudo no que respeita à retribuição variável referente às percentagens de pesca a liquidar a cada tripulante após cada campanha de pesca, não dispunha de meios financeiros para pagar as quantias apuradas como sendo devidas aos seus funcionários e reter as importâncias a entregar ao Estado a título de retenções de IRS.
107. ª) Essa incapacidade financeira era mais significativa sobretudo nos meses em que terminassem as campanhas de mais de um navio, e em que, consequentemente, o montante global de retribuições processadas aos respectivos tripulantes atingia picos de valor (como sucedeu, v.g., no mês de Junho de 2007).
108. ª) Em razão dessa incapacidade financeira, a sociedade não pagou nem colocou à disposição dos titulares desses rendimentos a totalidade das remunerações a que estes tinham direito, no mesmo mês do processamento (apuramento do valor) dessas remunerações – isso, não obstante essas retenções ficarem documentadas, quer nas folhas de vencimento ou recibos de vencimento respeitantes a cada um dos trabalhadores da arguida, que, após serem emitidos, eram assinados por esses trabalhadores, quer em outros elementos da contabilidade da sociedade.
109. ª) Embora as remunerações das percentagens de pesca dos tripulantes dos navios fossem processadas após a descarga do pescado capturado em cada viagem, a arguida só à medida que ia vendendo o pescado capturado e, de acordo com as condições de pagamento acordadas com os seus clientes, recebendo o respectivo preço, é que ia dispondo de meios financeiros para efectuar o pagamento de tais retribuições.
110. ª) Os valores das remunerações eram, por acordo entre a arguida e os seus trabalhadores, fraccionados em várias prestações, sendo o respectivo pagamento diferido por vários meses, à medida que a arguida ia conseguindo vender o pescado e cobrar o respectivo preço (ou seja, à medida que ela ia obtendo meios financeiros que lhe vão então permitindo pagar os valores de remunerações processados e devidos aos seus trabalhadores), sendo entregues a estes títulos de crédito (designadamente cheques ou pagarés), a que eram apostas as datas correspondentes às do vencimento daquelas prestações.
111. ª) Tal acordo de pagamento em prestações era da conveniência de ambas as partes, porquanto, os trabalhadores bem sabiam que, aquando do processamento das referidas retribuições, o pescado capturado pelos navios da arguida ainda não tinha sido vendido e esta arguida não dispunha de fundos para pagamento das remunerações devidas e calculadas com base numa estimativa do valor das capturas.
112. ª) A entrega imediata dos meios de pagamento (cheques ou pagarés) que titulavam essas prestações era feita para evitar que os trabalhadores ou os seus familiares tivessem de deslocar-se às instalações da arguida para receber o valor das prestações acordadas, e os prazos acordados para o vencimento dessas prestações eram respeitados, pelo que os cheques ou pagarés não eram apresentados a pagamento antes das datas neles apostas.
113. ª) Os pagarés não são títulos pagáveis à vista, mas apenas ocorrida a data estipulada para o vencimento da obrigação.
114. ª) Por outro lado, os cheques entregues aos trabalhadores, se fossem apresentados a pagamento antes das datas neles apostas, não obteriam boa cobrança, pois, para além de a arguida não dispor de meios financeiros para tal, os cheques, como demonstrou o arguido, eram sacados sobre uma conta que não tinha fundos, e só após era provisionada em cada dia após a sociedade ter acesso a uma listagem de todos os efeitos apresentados a pagamento, sendo o banco instruído sobre que cheques deveria devolver antes de serem transferidos para tal conta os fundos necessários para o pagamento dos cheques que ela aceitava pagar.
115. ª) Desconsiderando estes factos, que deveriam ter sido julgados provados, no Acórdão recorrido foi considerado que a arguida colocou à disposição dos seus trabalhadores as remunerações quando lhe entregou os cheques pós-datados, não obstante ter sido ter demonstrado à saciedade que a sociedade e os seus trabalhadores haviam acordado no pagamento das retribuições em prestações, que essas prestações eram desde logo tituladas por cheques pós-datados e que esses cheques nunca seriam pagos se fossem apresentados a pagamento antes das respectivas datas neles apostas.
116. ª) Todavia, das normas do arts. 2º-1 e 99º-1 do CIRS e 2º-A do Decreto-Lei nº 42/91, de 22/01, decorre que, para que as remunerações do trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado sejam consideradas rendimentos do trabalho dependente, as mesmas têm de ser pagas ou postas à disposição do seu titular, e que as entidades devedoras entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente são obrigadas a reter o imposto na fonte no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares, pelo que foi em violação do determinado naquelas normas que veio a concluir-se como se concluiu no ponto 11. da matéria de facto provada.
117. ª) Com efeito, uma vez que a arguida só pagava ou punha à disposição dos seus trabalhadores as retribuições a eles devidas em diversas prestações, que se prolongavam por vários meses após o mês do seu processamento (o que permite concluir que essas remunerações só eram pagas ou ficavam na disponibilidade dos titulares do rendimento nas datas apostas nos meios de pagamento entregues para titular essas prestações), nunca os valores de retenções na fonte de IRS que foram inscritas nas diversas alíneas do ponto 11. poderiam estar correctas, porquanto esses montante, indicados por cada um dos meses compreendidos entre Janeiro de 2006 e Dezembro de 2007, têm por base as datas de processamento ou apuramento dos valores das remunerações devidas pela arguida, e não as datas do seu efectivo pagamento ou colocação à disposição.
118. ª) O erro dos valores referidos naquelas alíneas a) a x) do ponto 11. da matéria de facto provada releva, designadamente, porquanto o valor da retenção na fonte do imposto constitui um elemento essencial do tipo legal do crime previsto no art. 105º-1 do RGIT (em que a lei exige, para verificação do ilícito, que o valor da prestação deduzida e não entregue seja superior a €7.500,00), bem como do crime previsto no art. 105º-5 do RGIT (em que a lei exige que o valor da prestação deduzida e não entregue seja superior a €50.000,00.
119. ª) Se tivessem sido discriminados no Acórdão recorrido os valores alegadamente retidos pela arguida sociedade por referência aos meses em que os pagamentos dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte a título de IRS foram efectuados (e não, como sucedeu, por referência aos meses do processamento desses rendimentos), ter-se-ia apurado que em nenhum dos 24 períodos nele referidos foram retidas pela arguida sociedade, a título de IRS, importâncias em valor superior a €50.000,00.
120. ª) Tal resulta claramente das tabelas elaboradas pelo contabilista da arguida (cfr. fls. 1110-1111), onde foi simulada uma repartição dos valores relativos ao IRS dos salários processados pela arguida aos seus trabalhadores em 2006 e 2007 com diferimento por dois e por três meses, com vista a apurar se em algum mês haviam sido pagos salários no montante superior a cinquenta mil euros, e dessas tabelas se infere que, mesmo não levando em consideração que muitos trabalhadores da arguida terão recebido as sua remunerações em muito mais do que 2 ou 3 prestações mensais, mas apenas um fraccionamento em apenas 2 ou 3 prestações, daí resultaria que em nenhum dos meses mencionados do Acórdão recorrido seriam devidas retenções de IRS na fonte em valor superior a €50.000,00.
121. ª) Ademais, em vários dos períodos que na decisão recorrida foram considerados como relevantes em termos jurídico-criminais, por aí se alegar o preenchimento do elemento do tipo consubstanciado na omissão de entrega de entrega de IRS retido na fonte em valor superior a €7.500,00, verificar-se-ia que os valores retidos a esse título pela arguida sociedade foram na realidade inferiores a esse montante, em virtude de a obrigação de retenção na fonte a título de IRS se reportar às datas em que os valores foram pagos ou colocados à disposição dos titulares dos rendimentos sobre os quais a arguida sociedade estava obrigada a efectuar essa retenção, e não, como nele foi suposto, às datas em que os valores de remunerações e retenções foram processados e feitos constar nos recibos de remunerações impressos.
122. ª) Pelo exposto, ao ter considerado o valor de retenções relativamente a cada um dos 24 períodos referidos nesse ponto 11. como correspondente à soma aritmética de todos os valores indicados como retidos na fonte em cada um dos recibos de remuneração de cada um dos trabalhadores da arguida, e não os valores concretos que, nesses 24 períodos, foram pagos ou colocados à disposição pela arguida aos seus trabalhadores (cfr. art. 2º-1 do CIRS), e sobre os quais tinham de ser efectuadas as retenções na fonte (cfr. art. 99º-1 do CIRS e 2º-A do Decreto-Lei nº 42/91, de 22/01), o Acórdão recorrido incorreu em erro na decisão proferida sobre a matéria de facto.
123. ª) Termos nos quais, tendo em consideração a prova acima referida, e designadamente, as declarações prestadas pelo arguido B... , os depoimentos das testemunhas Dr. C... , Dr. D... , E... , F... , G... , H... e J... que acima se transcreveram, na parte em que os Recorrentes indicaram as provas em que alicerçaram a sua discordância relativamente à decisão proferida sobre a matéria de facto, no que respeita aos pontos 4., 5., 6., 7., 8. e 10. da matéria de facto julgada provada – sendo que, por razões de evidente economia processual, os Recorrentes se dispensam de novamente transcrever tais trechos dos depoimentos dessas testemunhas, que aqui se dão aqui por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais –, bem como dos documentos de fls. 1110, 1111 e 1112, conclui-se ter sido incorrectamente julgada a matéria vertida no aludido ponto 11. da matéria de facto provada.
124. ª) Foi também proferida decisão incorrecta no que respeita à matéria de facto vertido nos pontos 12. e 14. dos factos julgados provados no Acórdão recorrido, exactamente pelas mesmas razões e com suporte nas mesmas provas que serviram de fundamento à impugnação deduzida à matéria de facto constante dos pontos 6., 7., 8. e 10..
125. ª) Quem decidia que declarações apresentar à AT era o TOC da sociedade, tendo este toda a autonomia para decidir sobre a apresentação das declarações, bem como sobre o conteúdo dessas declarações, designadamente os valores nelas inscritos, e sobre as datas da sua apresentação, não recebendo, nem obedecendo, a quaisquer ordens do arguido quanto a tais matérias.
126. ª) Os valores entregues à AT foram aqueles de que no momento a arguida – que enfrentava sérias dificuldades financeiras, e não dispunha de capacidade para solver todas as suas obrigações (cfr. 42. da matéria de facto provada) – dispunha para entregar.
127. ª) Não se aceita, pois, que o arguido B... soubesse que os montantes de remunerações mensalmente processados (que não retidos, conforme supra se explicitou) tivessem de ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam, uma vez que não tinham sido feitos os pagamentos de tais remunerações aos trabalhadores da arguida.
128. ª) Também se impugna que o arguido tenha omitido a sua entrega nos termos descritos, e que tenha pretendido essa omissão de entrega: reitera-se, as entregas eram efectuadas de acordo com a diminuta capacidade financeira da sociedade, não tendo havido uma opção de omissão de entrega de quaisquer importâncias, mas antes uma impossibilidade da entrega ou pagamento da totalidade das retenções processadas ou calculadas.
129. ª) O contabilista da arguida estava convencido que não podia apresentar qualquer declaração (ou “guia de pagamento”) por valor superior àquele que pudesse ser entregue na Tesouraria da Fazenda Pública, tendo o próprio inspector tributário ouvido nos autos referido que «a contabilidade era perfeitamente coerente e documentalmente suportada».
130. ª) Se o próprio contabilista da sociedade estava convicto de estar a agir em conformidade com o que a lei lhe impunha, é de todo descabido que se afirme saber o arguido «da censurabilidade e punibilidade criminal da respetiva conduta».
131. ª) Com base nas mesmas concretas provas invocadas na impugnação deduzida aos pontos 4., 5., 6., 7., 8., 10. e 11., deveria ter-se julgado provado (a) Que não corresponde à verdade ter o arguido decidido deixar de entregar nos cofres do Estado a maior parte dos valores de IRS deduzidos e retidos nos rendimentos pagos aos trabalhadores, aos colaboradores e aos titulares de órgãos sociais da arguida sociedade e voltar a pagá-los pela totalidade quando tal lhe parecesse conveniente, uma vez que da prova produzida resulta que o pagamento não foi efectuado na totalidade porque a sociedade não dispunha de meios financeiros para entregar nos cofres do Estado a totalidade dos valores de retenções na fonte de IRS apurados pelo seu departamento de contabilidade; (b) Que o contabilista da empresa tinha toda a autonomia para decidir sobre a apresentação das declarações que entendia perante a AT, bem como sobre o conteúdo dessas declarações (designadamente os valores nelas inscritos), e sobre as datas da sua apresentação; (c) Que não foi o arguido a determinar o comportamento do TOC da empresa, antes sendo convicção deste que não podia comunicar à AT valores de retenções na fonte de IRS superiores àqueles que, em cada momento, a sociedade podia pagar (mediante informação prestada pelo respectivo departamento financeiro), e que, por ser assim, o contabilista da sociedade, que inicialmente comunicava à AT, através das emissão do que ele designava por “guias de pagamento”, apenas os valores de retenções na fonte de IRS que a arguida podia nesse momento entregar nos cofres do Estado, e posteriormente ia procedendo ao pagamento dos demais valores que haviam sido apurados na contabilidade da arguida, à medida que esta ia dispondo de meios financeiros para proceder a esse pagamento; (d) – Que, se o próprio TOC da sociedade estava convicto de agir de acordo com a lei, por maioria de razão idêntico seria o convencimento do arguido, pelo que não existe qualquer elemento probatório do qual pudesse ter-se concluído que o arguido «agiu de modo consciente, livre e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade criminal da respetiva conduta».
132. ª) Assim, com base nas mesmas concretas provas em que os Recorrentes fundaram a impugnação deduzida à matéria de facto vertida nos pontos 4., 5., 6., 7., 8., 10. e 11. (maxime as declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas D... e E... , mas também pelas testemunhas Dr. C... , F... , G... , H... e J... , e ainda os documentos de fls. 1110, 1111 e 1112), consideram os Recorrentes ter sido proferida resposta incorrecta à matéria de facto feita constar nos pontos 12. e 14. da matéria de facto provada, matéria essa que deverá, em conformidade, ser julgada não provada.
133. ª) Por fim, entendem os recorrentes que, ao contrário do que foi decidido no Acórdão recorrido, deveria ter sido considerada provada a seguinte matéria de facto: «A arguida suportou elevadas despensas inerentes às reparações necessárias ao regresso à atividade dos seus referidos navios, após longa inatividade dos mesmos», com base, designadamente, no depoimento prestado pela testemunha C... e nos documentos de fls. 1216 a 1541 (diversas facturas emitidas por empresas a quem a arguida teve de recorrer para reparar as suas embarcações, tendo essas reparações importado em mais de 300 mil euros).

Por conseguinte
134. ª) Tendo sido proferida decisão incorrecta sobre matéria de facto, designadamente quanto aos pontos 4., 5., 6., 7., 8., 10. e 11. da «MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA» e quanto à matéria inclusa no acima referido 2º parágrafo da «MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA», e tendo essa decisão sido impugnada pelos Recorrentes, as concretas provas consubstanciadas nos depoimentos do arguido B... ; nos depoimentos das testemunhas Dr. C... , Dr. D... , E... , F... , G... , H... e J... ; bem como nos documentos de fls. 455-459, 1110, 1111, 1112, 1216 a 1541, deveriam ter levado o Tribunal a quo a considerar não provada a matéria de facto vertida nos pontos 4., 5., 6., 7., 8., 10., 11., 12., e 14 da «MATÉRIA DE FACTO PROVADA», e a que tivesse sido considerada provada a matéria inclusa no acima referido 2º parágrafo da «MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA», o que se requer, ao abrigo do disposto nos arts. 412º-1-3-4 e 431º do CPP.
135. ª) Foi demonstrado nos autos (a) que existia um acordo entre a arguida e os seus trabalhadores no sentido de que as respectivas remunerações relativas a percentagens de pesca fossem pagas através de cheques pós-datados e pagarés espanhóis; (b) que esse acordo era da conveniência de ambas as partes, porquanto, os trabalhadores bem sabiam que, aquando do processamento das retribuições (maxime a parte respeitante a percentagens de pesca), o pescado ainda não tinha sido vendido e a arguida não dispunha de fundos para pagamento das remunerações devidas e calculadas com base numa estimativa do valor do pescado capturado; (c) que a entrega imediata dos títulos que titulavam essas prestações era feita para evitar que os familiares (ou os próprios tripulantes quando não estão embarcados) tivessem de se deslocar às instalações da empresa arguida para receber o valor das prestações acordadas; (d) que esse acordo de pagamento das retribuições em prestações era respeitado por parte dos trabalhadores, que nunca apresentavam os cheques pós-datados e os pagarés a pagamento antes das respectivas datas neles apostas, e (e) que, em todo o caso, ainda que algum desses títulos fosse apresentado a pagamento antes da respectiva data nele aposta, o mesmo não seria pago.
136. ª) Perante tais factos, o Tribunal a quo não podia ter concluído, como erradamente concluiu, “que o cheque, ainda que emitido com uma data posterior, não deixa de ser considerado um meio de pagamento à vista”, e que “tanto assim é que, o facto de ser pré ou pós-datado não impede que seja apresentado ao banco em data anterior à nele colocada e, caso a conta tenha provisão, que seja pago o valor por ele titulado”.
137. ª) É que, ao assim ter concluído, o Acórdão recorrido, para além de não levar em consideração o momento legalmente determinado para operar a retenção na fonte, partiu do pressuposto (errado) de que os cheques pós-datados poderiam ser pagos se apresentados a pagamento antes das datas neles apostas, apesar de ter sido demonstrado que os portadores desses cheques respeitavam essas datas, mas que, ainda que não respeitassem e apresentassem a pagamento, antes daquelas datas, os cheques em seu poder, os mesmos nunca seriam pagos.
138. ª) A interpretação ínsita ao Acórdão recorrido levaria a que fosse considerado sujeito a IRS o valor titulado por um cheque entregue pelo empregador a um trabalhador para pagamento do salário deste, ainda que esse cheque, uma vez apresentado a pagamento, não viesse a ser pago.
139. ª) Tal entendimento, no caso dos rendimentos do trabalho dependente (Cat. A do IRS), enferma de erro, designadamente por desconsiderar o tratamento diferenciado que pelo legislador foi dado a esse tipo de rendimentos, por considerar que a respectiva capacidade contributiva é inferior à dos rendimentos do capital com data de vencimento, em que o momento em que o IRS é devido coincide, desde logo, com o momento em que esses rendimentos se vencem ou se presuma o seu vencimento (cfr. art. 7º-1 do CIRS).
140. ª) Assim, se para que o IRS incida sobre as remunerações do trabalho por conta de outrem, prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado, é necessário que as mesmas sejam pagas ou postas à disposição do seu titular, e que o momento em que as entidades devedoras de rendimentos tais rendimentos são obrigadas a reter o imposto na fonte é aquele em que elas procedem ao pagamento ou colocação à disposição desses rendimentos dos respectivos titulares, não se pode concluir, como no Acórdão recorrido se concluiu, que “a arguida está a colocar as remunerações ao dispor dos seus trabalhadores” quando lhes entrega os cheques pós-datados que titulam as prestações do acordo de pagamento das remunerações consubstanciadas nas percentagens de pesca.
141. ª) No Acórdão recorrido fez-se uma errada interpretação da expressão legal “postas à disposição” constante no art. 2º-1 do CIRS, quando nele se considerou que, no circunstancialismo demonstrado nos autos, a entrega de um cheque pós-datado a um trabalhador constitui uma forma de colocação da remuneração à disposição desse mesmo trabalhador.
142. ª) Na verdade, se nem a entrega de um cheque que não seja pós-datado pode automaticamente ser subsumível àquele conceito legal de “postas à disposição” (pois a entrega de um cheque não equivale ao cumprimento da obrigação subjacente), muito menos assim sucede quanto a um cheque pós-datado entregue ao titular das remunerações no âmbito de um acordo de pagamento em prestações das mesmas.
143. ª) Aquela expressão legal (“postas à disposição” – cfr. art. 2º-1 do CIRS) reporta-se àqueles casos em que o credor das remunerações não as recebe porque não quer ou, pelo menos, por razão não imputável ao devedor das mesmas, ou seja, aos casos em que existe mora do credor no recebimento dessas remunerações, o que de forma alguma sucedeu no caso dos autos, tendo em consideração que o pagamento das remunerações era efectuado no âmbito de acordos de pagamento em prestações alcançados entre a sociedade arguida e os seus trabalhadores.
144. ª) Traduzindo-se a entrega do cheque ao tomador numa datio pro solvendo (ou seja, numa dação em função do cumprimento), e não numa datio in solutum (ou seja, numa dação em cumprimento), com a sua entrega ao tomador não se extingue a obrigação, a qual subsiste e só se vem a extinguir com a satisfação do direito do credor e na medida em que for satisfeito, a previsão da norma do art. 2º-1 do CIRS só é preenchida quando o cheque é pago (o que, no caso dos autos, só sucedia com a ocorrência da data nele aposta), e não com a simples entrega do mesmo como meio de pagamento de cada uma das prestações convencionadas.
145. ª) O que releva para efeitos do art. 99º-1 do CIRS e do art. 2º-A do Decreto-Lei nº 42/91, de 22/01, enquanto momento em que deve ser efectuada a retenção do IRS na fonte, não é a data do processamento dos salários, nem a data da assinatura dos recibos pelo trabalhador, nem a data da entrega ao trabalhador dos cheques para pagamento das prestações acordadas, mas a data do efectivo pagamento ou da colocação à disposição dos rendimentos, que, no caso dos autos, corresponde à data aposta nos cheques destinados ao pagamento das prestações acordadas.
146. ª) Como é sabido, a data que consta no cheque como correspondendo à data da emissão não tem necessariamente que coincidir com a data em que o cheque é efectivamente passado.
147. ª) Ser um título “pagável” à vista significa que ele é “pagável” pelo banco sacado logo que seja apresentado a pagamento, e que, quando apresentado a pagamento antes do dia indicado como data da emissão, se considera pagável no dia da apresentação a pagamento (cfr. art. 28º da LUCH).
148. ª) Porém, o facto de o cheque ser pagável à vista não significa que ele deixe de ser uma dação em função do cumprimento (datio pro solvendo) para passar a ser uma dação em cumprimento (datio in solutum).
149. ª) Ora, para efeitos do disposto na norma de incidência objectiva do art. 2º-1 do CIRS (bem como nas dos arts. 99º-1 do CIRS e 2º-A do Decreto-Lei nº 42/91, de 22/01, normas que a pressupõem), o que releva não é cheque seja “pagável”, mas sim que seja pago, ou, não o sendo, que tal não suceda por razão imputável ao devedor.
150. ª) A obrigação de entrega das retenções na fonte não nasce, pois, no momento em que é entregue aos trabalhadores o cheque pós-datado para pagamento dos seus salários, mas sim no momento do efectivo pagamento dos salários, aos quais são deduzidos os valores retidos na fonte, designadamente a título de IRS.
151. ª) A interpretação do Acórdão recorrido no sentido de que a simples entrega de um cheque pelo empregador ao trabalhador para pagamento da remuneração preenche a previsão do art. 2º-1 do CIRS (de onde decorre que, mesmo no caso de o cheque não ser pago, o trabalhador seja tributado como se tivesse auferido esse rendimento), para além de errada em termos abstractos, quando aplicada ao caso dos autos, em que se demonstrou que os títulos de crédito entregues (cheques e pagarés) titulavam as prestações de um acordo, que esses cheques nunca eram apresentados a pagamento antes das respectivas datas neles apostos, e que, ainda que o fossem, nunca seriam pagos, consubstancia um manifesto erro de julgamento com influência na decisão nele tomada.
152. ª) Uma vez que o momento relevante para efeitos de retenção na fonte não é o do processamento e impressão do recibo, mas sim o momento em que os valores de remunerações constantes no recibo são pagos ou colocados à disposição, os valores constantes nas alíneas a) a x) do ponto 11. da matéria de facto considerada provada no Acórdão recorrido estão errados, na medida em que neles foi pressuposto que a retenção na fonte de IRS ocorreu na data do processamento e impressão dos recibos de remunerações.
153. ª) Nascendo o dever de entrega dos descontos com o pagamento ou colocação à disposição do salário ao qual são deduzidos, não pode considerar-se como momento do pagamento do salário ou da sua colocação à disposição, bem como da concomitante retenção na fonte do IRS, aquele em que, nas circunstâncias demonstradas nos autos, foi entregue a um trabalhador um cheque pós-datado sendo nele aposta data posterior, v.g., em 3 meses à data da entrega pela arguida ao seu trabalhador (ou aquela em foi entregue um pagaré com vencimento, v.g., para 3 meses contados da data da sua entrega pela arguida ao trabalhador).
154. ª) O erro dos valores referidos nas alíneas a) a x) do ponto 11. da matéria de facto considerada provada no Acórdão recorrido é relevante, designadamente, porquanto o valor da retenção na fonte do imposto constitui um elemento essencial do tipo legal do crime previsto no art. 105º-1 do RGIT (em que a lei exige, para verificação do ilícito, que o valor da prestação deduzida e não entregue seja superior a €7.500,00), bem como do crime previsto no art. 105º-5 do RGIT (em que a lei exige que o valor da prestação deduzida e não entregue seja superior a €50.000,00.
155. ª) Impunha-se, pois, que, no Acórdão recorrido, fossem discriminados os valores alegadamente retidos pela arguida sociedade por referência aos meses em que os rendimentos sujeitos a retenção na fonte a título de IRS foram pagos ou postos à disposição dos respectivos titulares, e não, como sucedeu, por referência aos meses do processamento de tais rendimentos.
156. ª) Se assim tivesse sucedido, ter-se-ia apurado, designadamente e desde logo, que em nenhum dos 24 períodos nele referidos foram retidas pela arguida sociedade, a título de IRS, importâncias em valor superior a €50.000,00.
157. ª) Por outro lado, em vários dos períodos que nele foram considerados como relevantes em termos jurídico-criminais, por aí se alegar o preenchimento do elemento do tipo consubstanciado na omissão de entrega de entrega de IRS retido na fonte em valor superior a €7.500,00, verificar-se-ia que os valores retidos a esse título pela arguida sociedade foram na realidade inferiores a esse montante, em virtude de a obrigação de retenção na fonte a título de IRS se reportar às datas em que os valores foram pagos ou colocados à disposição dos titulares dos rendimentos sobre os quais a arguida sociedade estava obrigada a efectuar essa retenção, e não, como nele foi suposto, às datas em que os valores de remunerações e retenções foram processados e feitos constar nos recibos de remunerações impressos.
158. ª) Assim, ao ter considerado o valor de retenções relativamente a cada um dos 24 períodos referidos nesse ponto 11. como correspondente à soma aritmética de todos os valores indicados como retidos na fonte em cada um dos recibos de remuneração de cada um dos trabalhadores da arguida, e não os valores concretos que, nesses 24 períodos, foram pagos ou colocados à disposição pela arguida aos seus trabalhadores (cfr. art. 2º-1 do CIRS), e sobre os quais tinham de ser efectuadas as retenções na fonte (cfr. art. 99º-1 do CIRS e 2º-A do Decreto-Lei nº 42/91, de 22/01), o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, que deverá determinar a sua anulação.
159. ª) É que, constituindo o valor da retenção na fonte do imposto superior a €50.000,00 um elemento essencial do tipo legal do ilícito pelo qual os arguidos foram condenados (cfr. art. 105º-1-5 do RGIT), e não tendo sido demonstrado qual o valor que, em qualquer um dos períodos referidos nas alíneas a) a x) do ponto 11. da matéria de facto considerada provada no Acórdão recorrido, foi retido na fonte pela arguida a título de IRS, e muito menos que em algum desses períodos tenha sido atingido aquele valor de €50.000,00, os arguidos não podiam ter sido condenados pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal agravado.
160. ª) Deverá, pois, o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por decisão que, por falta de demonstração dos valores que nos referidos períodos pela arguida foram retidos na fonte, absolva os arguidos da prática daquele ilícito.

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O recurso foi admitido.

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Respondeu-lhe o Ministério Público junto do tribunal recorrido, que entendeu não padecer o acórdão recorrido das invalidades e vícios que os recorrentes lhe assacam, e por ter valorado corretamente a prova produzida não julgamento da matéria de facto, bem como a sua subsunção ao direito, deve ser mantido nos seus precisos termos.

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Já nesta Relação para onde os autos foram entretanto enviados, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto louvando-se na resposta dada na 1ª instância, pronunciou-se em sentido idêntico.

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Questões a decidir:

É consensual quer na doutrina quer na jurisprudência, que são as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que delimitam os poderes de cognição do tribunal de recurso, sem prejuízo do conhecimento oficioso das nulidades e vícios a que se reporta o artº 410º do CPP.

Pois bem, das conclusões supra referidas resulta que os recorrentes visam a apreciação das seguintes questões:

I - Conclusão 1ª a 55ª, à data em que ocorreram os factos, anos 2006 e 2007, não havia obrigação para a sociedade arguida de proceder à obrigação de declarar mensalmente as contribuições retidas aos seus trabalhadores, e em caso negativo qual a relevância que a obrigação declarativa anual para o caso dos autos, e seus efeitos para a condição objectiva de punibilidade a que se reporta o artº 105º nº4 a.b) do RGIT.

II. – Contradições da matéria de facto, conclusões 56ª a 63ª;

III. –  Julgamento da matéria de facto, conclusões 64º a 134º;

 IV. – Quando deve ser retido o IRS a que se reportam os rendimentos tituladas por cheques pós-datados entregues pela arguida aos seus trabalhadores, por acordo de ambos (entrega do cheque ou efetivo pagamento do valor titulado pelo mesmo). Conclusões 135º a 154º

V – E, conexionada com a questão anterior, vício do acórdão recorrido quando não discrimina nos valores referidos nas alíneas a) e x) do ponto 11. da matéria de facto, as quantias que em cada um desses períodos, deviam ter sido retidas a título de IRS, por terem sido efetivamente pagas no período, e sua relevância para a incriminação do artº 105ºnº1 e 5  do RGIT – Conclusões 155 a final

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Decisão do recurso

A decisão recorrida julgou os seguintes

Factos provados:

1. A arguida “ A... , S.A.”, é uma sociedade comercial sob a forma de sociedade anónima, com sede em (...) , na Gafanha da Nazaré, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.º (...) , que, desde a sua constituição, em 1982, e até à presente data, vem exercendo a atividade de pesca, secagem, conservação e comercialização de peixe e de outros produtos da pesca.

2. O arguido B... , apenas em 9 de setembro de 2008 foi formalmente designado vogal do conselho de administração da sociedade arguida (na sequência de renúncia por parte de L... e de M... ), figurando nos mapas de funcionários e de vencimentos da empresa como seu trabalhador dependente, com o cargo de diretor de serviços.

3. Porém, já à época dos factos que a seguir se descrevem, era o arguido B... quem decidia dos destinos da sociedade arguida, nomeadamente dando ordens aos respetivos trabalhadores (mormente aos administrativos) e determinando os pagamentos que eram ou não realizados, quer a fornecedores, quer ao Estado e Segurança Social assim controlando e determinando toda a atividade daquela, com inteiro domínio sobre a mesma e aparecendo, até em termos de imagem externa de tal sociedade, como o seu dono e senhor.

4. Para o exercício da sua atividade, a sociedade arguida tinha vários trabalhadores ao seu serviço, que ali prestavam trabalho sob as suas ordens e direção, e a quem eram pagas mensalmente as respetivas remunerações, sendo igualmente remunerados os cargos dos administradores da sociedade.

5. Aquando do processamento e pagamento de tais remunerações, a sociedade arguida retinha sobre as mesmas o Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS) devido, o que ficava documentado, quer nos correspondentes recibos de vencimento, quer nos elementos de contabilidade daquela.

6. Em Janeiro de 2006, com o intuito de permitir uma maior liquidez para a sociedade arguida, o arguido B... decidiu deixar de entregar nos cofres do Estado a maior parte dos valores assim deduzidos e retidos sobre os rendimentos pagos, quer aos trabalhadores daquela a título de IRS da Categoria A (IRS-A), quer aos seus colaboradores e titulares de órgãos sociais a título de IRS da Categoria B (IRS-B), e voltar a pagá-los pela totalidade apenas quando tal lhe parecesse conveniente.

7. Para tanto, mais decidiu não fazer constar nas correspondentes declarações periódicas a parte de tais valores que pretendia não pagar ao Estado.

8. Em função disso, o arguido B... , mensalmente, chegada a altura de entregar cada uma daquelas declarações periódicas e seus meios de pagamento, foi determinando ao contabilista da sociedade arguida, que estava encarregue de remeter aos serviços tributários as declarações/guias de retenções na fonte e os respetivos meios de pagamento, os valores pelos quais as devia preencher e os valores dos pagamentos a realizar, sempre em valor inferior ao devido, situação que perdurou desde a declaração relativa ao mês de janeiro de 2006 e até à de dezembro de 2007.

9. No período compreendido entre julho e novembro de 2009, foi a sociedade arguida sujeita a ação inspetiva por parte da Divisão de Inspeção Tributária I da Direção de Finanças de Aveiro.

10. Em face de tal inspeção, com o objetivo de minorar as discrepâncias entre os valores de IRS realmente retidos e os declarados, que iriam ser detetadas por mera análise dos registos contabilísticos, o arguido B... determinou que, relativamente a alguns de tais períodos contributivos, o contabilista daquela remetesse aos serviços tributários as declarações adicionais e correspetivos meios de pagamento - mas ainda assim em valor inferior ao efetivamente devido – o que ocorreu no final de setembro de 2009.

11. Em consequência de tais determinações do arguido B... , nos meses que a seguir se indicam, a sociedade arguida procedeu do seguinte modo:

a) - No mês de janeiro de 2006, reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 18.502,12, tendo comunicado à Administração Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 183,55, que pagou.

Na pendência da referida ação inspetiva, mais concretamente em 29/09/2009, a sociedade arguida apresentou declaração adicional respeitante àquele mês, que remeteu à administração fiscal acompanhada do respetivo meio de pagamento, mas apenas no valor de € 18.064,18.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 254,39.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 18.318,57, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

b) - No mês de fevereiro de 2006, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 6.681,18, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 183,55, que pagou.

Na pendência da referida ação inspetiva, mais concretamente em 29/09/2009, a sociedade arguida apresentou declaração adicional respeitante àquele mês, que remeteu à administração fiscal acompanhada do respetivo meio de pagamento, mas apenas no valo de € 180,06.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 6.317,57.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 6.497,63, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

c) - No mês de março de 2006, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 69.058,61, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 321,97, que pagou.

Na pendência da referida ação inspetiva, mais concretamente em 29/09/2009, a sociedade arguida apresentou declaração adicional respeitante àquele mês, que remeteu à administração fiscal acompanhada do respetivo meio de pagamento, mas apenas no valor de € 336,25.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 68.400,39.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 68.736,64, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

d) - No mês de abril de 2006, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 18.238,07, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 363,65, que pagou.

Na pendência da referida ação inspetiva, mais concretamente em 29/09/2009, a sociedade arguida apresentou declaração adicional respeitante àquele mês, que remeteu à administração fiscal acompanhada do respetivo meio de pagamento, mas apenas no valor de € 450,00.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 17.424,42.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 17.874,42, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

e) - No mês de maio de 2006, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 39.594,88, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de 183,55, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 39.411,33.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 39.411,33, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

f) - No mês de junho de 2006, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 30.859,71, tendo comunicado à Administração Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 543,55, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 30.316,16.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida a pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 30.316,16, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

g) - No mês de julho de 2006, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 42.207,16, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 183,55, que pagou.

Na pendência da referida ação inspetiva, mais concretamente em 30/09/2009, a sociedade arguida apresentou declaração adicional respeitante àquele mês, que remeteu à administração fiscal acompanhada do respetivo meio de pagamento, mas apenas no valor de € 360,00. Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 41.663,61.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 42.023,61, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

h) - No mês de agosto de 2006, a sociedade arguida reteve IRS sobre as

 remunerações pagas, no valor global de € 58.798,41, tendo comunicado à Administração Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 183,55, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 58.614,86.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 58.614,86, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

i)- No mês de setembro de 2006, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 40.988,64, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 183,55, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 40.805,09.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 40.805,09, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

j) - No mês de outubro de 2006, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 35.483,15, tendo comunicado à Administração Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 183,55, que pagou.

Na pendência da referida ação inspetiva, mais concretamente em 30/09/2009, a sociedade arguida apresentou declaração adicional respeitante àquele mês, que remeteu à administração fiscal acompanhada do respetivo meio de pagamento, mas apenas no valor de € 543,57.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 34.756,03.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 35.299,60, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

k) - No mês de novembro de 2006, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 1.738,65, tendo comunicado à Administração Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 193,00, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 1.545,65.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 1.545,65, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

l) - No mês de dezembro de 2006, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 4.707,67, tendo comunicado à Administração Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 715,50, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 3.992,17.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 3.992,17, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

m) - No mês de janeiro de 2007, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 38.257,20, tendo comunicado à Administração Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 205,00, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 38.052,00.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 38.052,00, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

n) - No mês de fevereiro de 2007, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 6.636,68, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 221,00, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 6.415,68.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida a pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 6.415,68, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro  montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

o) - No mês de março de 2007, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 7.012,16, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 216,00, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 6.796,16.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 6.796,16, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

p) - No mês de abril de 2007, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 12.917,81, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 216,00, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 12.701,81.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 12.701,81, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

q) - No mês de maio de 2007, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 28.329,10, tendo comunicado à Administração Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 216,00, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 28.113,10.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 28.113,10, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

r) - No mês de junho de 2007, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 101.358,59, tendo comunicado à Administração Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 257,26, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 101.101,33.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 101.101,33, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

s) - No mês de julho de 2007, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 7.395,98, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 581,00, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 6.814,98.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 6.814,98, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

t) - No mês de agosto de 2007, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 29.279,55, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração apenas o valor de € 814,00, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 28.465,55.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 28.465,55, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

u) - No mês de setembro de 2007, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 6.370,51, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 432,00.

Com tal declaração, a sociedade arguida não remeteu meio de pagamento válido, vindo a proceder ao pagamento do aludido valor de € 432,00 apenas em 06/08/2008, acrescido de juros e coima, em sede de execução fiscal.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 5.938,51.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 5.938,51, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

v) - No mês de outubro de 2007, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 38.606,43, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 216,00.

Com tal declaração, a sociedade arguida não remeteu meio de pagamento válido,

 vindo a proceder ao pagamento do aludido valor de € 216,00 apenas em 06/08/2008, acrescido de juros e coima, em sede de execução fiscal.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 38.390,43.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o

 arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 38.390,43, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

w) - No mês de novembro de 2007, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 12.257,37, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 1.095,00, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 11.162,37.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 11.162,37, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

x) - No mês de dezembro de 2007, a sociedade arguida reteve IRS sobre as remunerações pagas, no valor global de € 18.260,81, tendo comunicado à Administração

Fiscal, dentro do prazo legalmente previsto e através da correspondente declaração, apenas o valor de € 607,00, que pagou.

Ficou então por declarar e entregar nos cofres do Estado o valor de € 17.653,81.

Apenas em 28/12/2009, após o termo da referida inspeção tributária e estando o arguido conhecedor dos resultados da mesma, procedeu a sociedade arguida ao pagamento deste valor.

Assim, apropriou-se a sociedade arguida do valor global de € 17.653,81, que foi integrado nas disponibilidades financeiras da mesma e usado no seu normal giro – montante esse correspondente aos valores retidos que a sociedade arguida não declarou e não entregou à administração tributária até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

Assim, em relação aos valores de IRS retidos pela sociedade arguida respeitantes aos meses de Janeiro de 2006, Março a Outubro de 2006, Janeiro de 2007, Abril a Junho

de 2007, Agosto de 2007 e Outubro a Dezembro de 2007, apropriou-se a mesma do valor global de € 627.040,68 (seiscentos e vinte e sete mil e quarenta euros e sessenta e oito cêntimos).

No tocante aos valores de IRS retidos pela sociedade arguida respeitantes aos meses de Fevereiro, Novembro e Dezembro de 2006 e Fevereiro, Março, Julho e

Setembro de 2007, cujos valores parcelares são inferiores a € 7.500,00, apropriou-se a mesma do valor global de € 38.000,78 (trinta e oito mil euros e setenta e oito cêntimos).

Com tais condutas e ao longo do aludido período temporal, viu a sociedade arguida as suas disponibilidades financeiras aumentadas no valor total de € 703.042,24 (setecentos e três mil e quarenta e dois euros e vinte e quatro cêntimos), disponibilidades essas que foram usadas no normal giro de tal sociedade.

12. O arguido B... sabia que os montantes mensalmente retidos pela sociedade arguida não lhe pertenciam, nem àquela, e que eram pertença da Fazenda Nacional, bem como que devia entregá-los ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam, mas não se absteve de omitir a sua entrega nos termos descritos, o que quis.

13. O arguido B... agiu em representação e no interesse da sociedade arguida.

14. Mais agiu de modo consciente, livre e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade criminal da respetiva conduta.

*

15. À data dos factos em apreço nos autos, a sociedade arguida laborava sem poder contar com acesso a crédito bancário.

16. A atividade comercial a que a arguida se dedica – pesca industrial de arrasto do largo – sempre se caracterizou por apresentar disponibilidades de liquidez variáveis, havendo um pronunciado distanciamento temporal entre a altura em que se procede ao armamento e aprovisionamento dos navios de pesca para as respetivas campanhas, que poderão durar até 150 dias, e a ocasião em que, terminada a viagem e descarregado o pescado capturado, este é vendido.

17. Na falta de acesso a crédito bancário, a arguida financia as campanhas de pesca através dos clientes a quem vai vender o pescado, quando com eles consegue negociar o recebimento adiantado de parte do preço a cobrar pelo pescado que lhe promete vender, e de alguns dos seus fornecedores, quando com eles consegue negociar o diferimento, total ou parcial, do pagamento do preço de aprestos e provisões.

18. Não é possível saber com o mínimo de segurança se e quais os proventos que resultarão de cada campanha.

19. Para exercer a sua atividade de pesca do largo, a arguida tem de dispor de quotas de pesca, que são fixadas anualmente e distribuídas por cada um dos Estados signatários das

Convenções Internacionais que determinaram a criação das Organizações Internacionais que regulam as diversas zonas de pesca marítima.

20. Posteriormente, o Estado português procede à fixação das quotas que cabem a cada um dos navios da frota nacional.

21. No caso de um navio não capturar a totalidade das quantidades de pescado que lhe eram distribuídas para um ano, as quotas que lhe houvessem estado atribuídas seriam transferidas para outros navios da frota nacional, o que cria uma pressão adicional sobre toda a atividade da empresa.

22. No dia 07 de agosto de 2002, a arguida foi notificada de que haviam sido impedidos de navegar os seus navios de pesca denominados “ (...) ”, “ (...) ” e “ (...) ”, por decisão do Tribunal Marítimo de Lisboa, proferida no procedimento cautelar de arresto n.º 197/02, no qual foi requerente a sociedade islandesa “ FI... , Limited”.

23. Entretanto, nesses autos veio a ser decretado o arresto dos referidos navios, bem com ainda de outros dois navios da arguida, denominados “ ... ” e “ ... ”.

24. Na sequência de oposição deduzida pela arguida, foi proferida nesses mesmos autos, em 17 de dezembro de 2002, sentença a revogar os arrestos que haviam sido decretados, decisão essa mantida por acórdão da Relação de Lisboa de 09 de julho de 2003.

25. Em consequência do referido arresto, desde o início de agosto de 2002 até finais de dezembro do mesmo ano, a arguida viu-se impedida de utilizar o grosso da sua frota de navios para capturar pescado e proceder à sua venda, deixando assim de angariar os meios necessários para poder pagar as duas despesas, nomeadamente com fornecedores e funcionários.

26. Foi a custo que a arguida conseguiu, durante esse período de tempo, efetuar tais pagamentos.

27. Após essa inatividade dos seus navios, a arguida teve de suportar as despesas com o seu armamento e aprovisionamento, para que os mesmos pudessem voltar a realizar campanhas de pesca.

28. Durante o referido período de imobilização dos seus mencionados navios, a arguida teve de colocar à disposição do Estado português as quantidades de pescado que ainda não havia capturado das quotas de pesca relativas ao ano de 2002, perdendo a possibilidade de receber as importâncias que lhe teriam advindo da captura e comercialização dessas quantidades de pescado que não chegou a capturar.

29. Mesmo quando as capturas diárias são escassas, ao ponto de não serem rentáveis, a arguida vê-se, não obstante, obrigada a continuar as campanhas, para que não lhe sejam retiradas as quotas de pesca, na expectativa de vir a conseguir pescar mais pescado.

30. É impossível prever as quantidades de pescado de cada espécie que irão ser capturada em cada campanha de pesca, bem como o número de dias que decorrerão até essas capturas serem efetuadas.

31. Por cada dia que um navio se encontra na faina, a respetiva armadora suporta custos elevados com, por exemplo, combustíveis e lubrificantes, remunerações e mantimento da tripulação, aprestos de pesca e demais equipamento.

32. É frequente sucederem avarias nos equipamentos e aprestos dos navios, os quais têm todos mais de 35 anos, obrigando à interrupção da campanha e o regresso ao porto, para aí serem efetuadas as reparações necessárias.

33. Por vezes ocorrem também casos fortuitos que, para além de reparações, implicam a paralisação do navio, como sucedeu, por exemplo, com o navio denominado “ ... ”, onde, em maio de 2011, deflagrou um incêndio.

34. As autoridades canadianas, em 2005, apresaram o navio da arguida denominado “ (...) ”, impedindo-o de pescar, tendo o seu capitão sido aprisionado, o que levou a arguida a pagar uma caução.

35. Só após a venda do pescado capturado em cada campanha de pesca é que a arguida apura se efetivamente a mesma foi ou não proveitosa, sendo que, por vezes, as verbas despendidas com a viagem de pesca são superiores aos ganhos obtidos com a comercialização do pescado nela capturado.

36. Nos anos de 2006 e 2007, verificou-se uma subida nos preços dos combustíveis, tendo a arguida tido custos com combustível e lubrificantes que ultrapassaram os 6 milhões de euros.

37. E, nesse período, a arguida teve uma acumulação dos seus stocks de pescado congelado.

38. Nos anos de 2006 e 2007, a arguida efetuou elevados gastos com a manutenção, reparação e reestruturação dos seus navios, concretamente, em 2006, obras no valor de mais de € 290.000, e, em 2007, obras no valor de mais de € 375.000.

39. No ano de 2006, a arguida encomendou fornecimentos de cabos e aprestos no valor de cerca de € 275.000, tendo em 2007 essas encomendas ascendido a mais de € 300.000.

40. Alguns fornecedores da arguida, conhecedores do elevado grau de incerteza inerente à atividade piscatória, aguardam os períodos em que a exploração dos navios de pesca daquela é deficitária, para que então, quando as circunstâncias o permitem, ela proceda a pagamento dos fornecimentos que lhe foram efetuados.

41. Fruto da incerteza da atividade pesqueira, é possível que as empresas suportem prejuízos durante períodos bastante longos e que, logo de seguida, obtenham proveitos que cobrem, no ano seguinte, todos esses prejuízos.

42. Por não dispor de capacidade financeira para solver todas as suas obrigações, a arguida não entregou ao Estado a totalidade das importâncias de IRS em apreço nos autos, optando por entregar os montantes que conseguia dispor, inferiores aos que estava obrigada a reter.

43. Designadamente por enfrentar dificuldades financeiras, em diversos meses em apreço nos autos, a arguida pagou a diversos dos seus trabalhadores parte das respetivas remunerações, sobretudo no caso das percentagens de pesca por eles auferidas após a conclusão de campanhas de pesca, através de cheques emitidos com datas posteriores às datas dos processamentos das remunerações, embora fazendo constar do recibo relativo ao respetivo mês a totalidade da retribuição.

44. As especificidades do setor da pesca longínqua determinam que haja grandes flutuações nas remunerações processadas aos trabalhadores marítimos.

45. Nos meses em que tenha terminado a campanha de pesca de um ou mais navios, são processadas, designadamente, as retribuições a que os respetivos tripulantes têm direito a título de percentagem de pesca, referida ao valor geral do pescado capturado em cada viagem que cada um dos tripulantes tem a haver e que constitui a parte mais importante da retribuição.

46. Os salários de mar da tripulação, ou seja, os vencimentos mensais fixos praticados durante o período de embarque, oscilam entre os cerca de € 200, auferidos por um pescador ou um redeiro, e os cerca de € 400 auferidos pelo capitão, sendo que as respetivas percentagens de pesca se cifram à volta de 0,4% e de 3%, respetivamente.

47. As remunerações dos tripulantes dos navios são processadas após a descarga do pescado capturado em cada viagem, entregando a arguida aos seus trabalhadores vários cheques, alguns deles com datas posteriores à da respetiva emissão e entrega, geralmente um para cada mês.

48. À medida que vai vendendo esse pescado e recebendo o respetivo preço, a arguida vai dispondo de meios financeiros para pagamento desses cheques pré-datados que entregou aos seus trabalhadores aquando daquele processamento das remunerações.

49. Os recibos de remunerações são emitidos no momento do processamento destas e pela totalidade das mesmas.

*

50. A arguida apresentou um volume de faturação de cerca de 20 milhões de euros em 2012 e de cerca de 15 milhões de euros em 2013.

51. E, atualmente, apresenta um ratio de 22,5% de capitais próprios.

52. O arguido B... possui como habilitações literárias o antigo 7º ano do liceu.

53. É casado e tem cinco filhos, tendo duas filhas ainda a seu cargo, uma a efetuar um estágio profissional no Canadá e a outra a estudar. A sua esposa encontra-se igualmente a estudar, na área das artes.

54. O arguido aufere um salário mensal de € 2.413, usufruindo também de um carro da empresa.

55. O seu agregado familiar habita em casa própria, pertencente à mulher do arguido.

*

56. A sociedade arguida já sofreu uma condenação, por sentença de 04-03-2010, transitada em julgado em 08-11-2010, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 20, perfazendo € 6.000, pela prática, em 2000, de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, p. e p. pelo art. 105º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, do RGIT.

57. Do certificado de registo criminal do arguido B... nada consta.

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Factos não provados:

Com exclusão dos que também já resultam logicamente excluídos pela factualidade provada, não se provaram os seguintes factos:

- A arguida pagou elevadíssimos custos e despesas inerentes à referida ação judicial de procedimento cautelar de arresto.

- A arguida suportou elevadas despensas inerentes às reparações necessárias ao regresso à atividade dos seus referidos navios, após longa inatividade dos mesmos.

- As quantidades de pescado que a arguida não chegou a capturar teriam ascendido ao valor de cerca de 8 a 10 milhões de euros.

- Os quatro navios da arguida, com as respetivas quotas de pesca, valerão cerca de 12 milhões de euros e, sem essas quotas, valerão, no máximo, € 200.000.

- A arguida também tem de suportar custos com a manutenção a bordo, durante a totalidade da viagem, de um observador de pesca.

- Nos anos de 2006 e 2007, verificou-se também uma subida nos preços dos lubrificantes, bem como dos preços dos aprestos de pesca, designadamente cabos e redes.

- Nos anos de 2006 e 2007 verificou-se também uma significativa diminuição dos preços das mais importantes espécies de pescado capturadas pela arguida, bem como da procura desse pescado.

- Foi essa a causa para a acumulação de stocks de pescado congelado, pois que a arguida se viu confrontada com a impossibilidade de vender parte significativa do pescado que havia sido capturado, tendo sido forçada a vendê-lo por preços cada vez mais baixos.

- A arguida nunca deixou, até à presente data, de honrar os seus compromissos.

- Durante anos a fio, a arguida não conseguiu meios financeiros de valor equivalente à massa salarial dos seus trabalhadores, por forma a que pudesse efetuar uma dedução efetiva dos montantes de imposto que deveriam ter sido por ela entregues ao Estado.

A demais matéria alegada é meramente conclusiva, de direito ou irrelevante para a decisão da causa.

*

O tribunal recorrido motivou a sua decisão acerca da matéria de facto nos seguintes termos:

(…)

*

Conhecimento do recurso:

É consensual quer na doutrina quer na jurisprudência que são as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que delimitam os poderes de cognição do tribunal de recurso, sem prejuízo do conhecimento oficioso das nulidades e vícios a que se reporta o artº 410º do CPP.

Como decorre as conclusões 1ª a 41ª, a primeira questão posta à consideração deste tribunal consiste em saber se no caso concreto retenção na fonte de IRS relativo aos anos de 2006 e 2007, existia uma obrigação declarativa mensal por parte da arguida entidade patronal obrigada à retenção na fonte desse imposto.

Antes de decidirmos esta questão, que é a fulcral, porque os recorrentes apresentam conexionada com ela a invalidade da sentença na parte em que remeteu para o que foi já havia sido decidido na decisão instrutória quanto a tal questão, importa saber se esta decisão por remissão faz a sentença enfermar de qualquer invalidade, e a nulidade da sentença por omissão de pronúncia por não se ter debruçado diretamente sobre a questão posta.

Perfunctoriamente diremos que a sentença final quanto à sua materialidade não enferma de qualquer invalidade.

Quanto à remissão para o despacho de pronúncia, não nos parece que sendo como é a questão a mesma e existindo concordância com o que foi nele decidido, a sentença não pudesse ter decidido por remissão. Apesar de não existir para a sentença norma equivalente à parte final do nº1 do artº 307º do CPP, nem por isso, do nosso ponto de vista, a sentença enferma de irregularidade.

A razão de se ter consagrado especificamente para a decisão instrutória a decisão por remissão, tem a ver com as especificidades desta decisão que põe fim à instrução, fase processual que tem de ser requerida e que, como decorre do artº 286º nº1 do CPP, visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Quer a instrução seja requerida pelo arguido quer pelo assistente, tem de preexistir uma peça onde se elenquem os factos que demandam a submissão do arguido a julgamento, acusação do MºPº ou do assistente, estando a decisão instrutória balizada por estas questões, não se vendo necessidade de voltar a repetir estes factos e razões de direito mas fundamenta-los, assim como se tem de fundamentar a discordância deles, daí a decisão por remissão.

Apesar de a sentença ter por base a acusação ou a decisão instrutória, o seu âmbito é muito mais vasto, daí a obrigatoriedade de ter as menções a que se reporta o artº 374º do CPP, o que não invalida que em questões que extravasem este âmbito, ainda que nele possa influir, não se permita a decisão por remissão.

Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, por a sentença não ter decidido a questão agora posta neste recurso, ela também não existe. Mal ou bem, e fazendo-o por remissão, a sentença pronunciou-se pela obrigação de a arguida apresentar mensalmente a declaração da retenção na fonte do IRS que incide sobre os vencimentos dos seus trabalhadores, retirando daí as necessárias ilações.

É verdade que a sentença e a pronúncia para onde ela remete, não rebateu os argumentos tecidos pelos recorrentes, mas o que se exige aos tribunais é que decidam questões e não os argumentos aportados pelos intervenientes processuais acerca das questões.

Apesar de a peça sobre recurso não se ter pronunciado acerca dos argumentos tecidos pelo recorrente para defender decisão contrária e mesmo de não ter indicado expressamente as disposições onde se baseou para assim decidir, ela não deixou de se pronunciar sobre a questão posta e tanto assim foi que os recorrentes apreenderam esta decisão e os argumentos onde ela assentou, tanto assim que dela estão a discordar.

*

 E, posto isto, vejamos se no caso concreto impendia sobre a arguida a obrigação declarativa mensal autónoma da entrega dos montantes retidos mensalmente aos seus trabalhadores.

A questão foi decidida na decisão instrutória para onde a sentença remeteu, nos seguintes termos:

“ (…) extrai-se a convicção de que se instalou no seio da sociedade arguida uma prática no que respeita à liquidação de IRS que se crê incorrecta, pois não se comunicaram à Administração Fiscal, nos períodos de tempo referenciados na acusação, os valores que foram efectivamente retidos nas remunerações dos trabalhadores mas valores inferiores, e assim se procedeu dada a impossibilidade da empresa proceder ao pagamento no prazo legal da totalidade do imposto deduzido.

Na realidade, o que sobressai deste quadro fáctico é que a empresa arguida guiou-se por critérios de oportunidade e de conveniência, quiçá condicionada por limitações financeiras derivadas de uma actividade económica sujeita a riscos elevados em termos de proveito económico, pois comunicou ao Fisco apenas as quantias que teria disponibilidade para pagar, omitindo a declaração dos restantes valores, pese embora ser conhecedora que os valores declarados eram divergentes dos valores efectivamente retidos nas remunerações pagas aos trabalhadores.

E, assim sendo, não pode agora o arguido B... justificar esse procedimento com base na tese de que inexiste em sede de IRS uma obrigação autónoma da obrigação de pagamento e que o artigo 98º nº3 do CIRS estabelece tão só uma obrigação de entrega mas não uma obrigação de declaração independente do pagamento.

Na verdade, não se pode descurar que os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco (artº 59º nº1 da LGT) sendo que é obrigação do sujeito passivo do imposto apresentar declarações e prestar as informações que permitem por parte da Administração Fiscal o apuramento real da obrigação do imposto (artigo 31º nº2 da LGT).

(…)

Por outro lado, consideramos que a invocada Portaria 523/2003 de 4 de Julho, nomeadamente os seus pontos 4),5) e 6) permite extrair a conclusão de que existe, em sede de IRS, uma obrigação de declaração e uma obrigação de pagamento, independentes entre si. Na realidade, a apresentação das declarações de retenção na fonte e, tomando como exemplo, a forma electrónica de apresentação, tendo sido esse o procedimento adoptado pela empresa arguida, implica para o contribuinte fiscal, em primeiro lugar, a obrigação de submeter as declarações das quantias efectivamente retidas a validação central, e, em segundo lugar, após a obtenção de uma referência para pagamento, a obrigação de pagar propriamente dita de acordo com a declaração prestada.

Assim sendo e tendo em mente que a declaração do imposto funciona como que uma antevisão do pagamento a que o contribuinte está vinculado e como meio de controlo do imposto a liquidar, crê-se que a sociedade arguida e o arguido B... , na qualidade de seu administrador, estariam legalmente obrigados a efectuar as declarações das quantias retidas a título de IRS de harmonia com os reais elementos contabilísticos da empresa e no prazo definido no artigo 98º nº3 do CIRS.

(…) não se apresenta credível aos olhos do Tribunal que os Serviços de Finanças não aceitassem a recepção de declarações de IRS ou pagamentos de valor inferior ao valor do imposto declarado, pois a obtenção e a elevação da recita fiscal são objectivos primordiais da Administração Tributária, objectivos esses que certamente não se alcançam se se rejeitar a apresentação de declarações fiscais e de pagamentos voluntários de imposto por parte dos contribuintes.

E nem a Portaria 6/2013 de 10 de Janeiro invocada em sede de conclusões finais altera o que foi dito. Esta Portaria define o modo de cumprimento do art. 119º al.c) e d) do CIRS que, por seu turno, estabelece uma obrigação de declaração anual à DGSI pelas entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente sujeitos a IRS, impondo agora que essas entidades passem ao envio, pela Internet, de uma nova Declaração Mensal de Remunerações (AT) para comunicação desses rendimentos e respectivas retenções de imposto, das deduções efectuadas relativamente a contribuições obrigatórias para regimes de protecção social e dos subsistemas de saúde, bem como quotizações sindicais.

Na prática é uma espécie de Declaração de Modelo 10 que já existia mas de natureza mensal, e não anual, cujo objectivo é reforçar o cruzamento de dados ente o Fisco e a Segurança Social e que se insere nas políticas cada vez mais prementes de combate à evasão fiscal.

Tal preceito não se relaciona com a declaração periódica de IRS definida no artigo 98º nº3 do CIRS e na Portaria 523/2003, de 4 de Julho.

Em suma, é entendimento deste Tribunal que ao actuar do modo descrito a sociedade arguida e o arguido B... não efectuaram no prazo devido as declarações periódicas de IRS a que estavam obrigados em conformidade com as quantias de facto retidas, pelo que, consequentemente, andou bem a Administração Fiscal ao não proceder à notificação do artº 105º nº4 al. b) do RGIT”

*

Quid juris?

Não está em causa que o artº 105º nº4 al. b) do RGIT, na redacção que lhe foi dada pela Lei do Orçamento Geral do Estado para o ano de 2007, Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, só se aplica a quem cumpriu as obrigações declarativas, dando a possibilidade aqueles que com a declaração assumem a dívida dos montantes devidos, a possibilidade de os pagarem acrescidos de custas e demais encargos e da coima que ao caso couber, verem os respectivos processos criminais arquivados.

Também não oferece dúvida que o legislador com esta condição objectiva de punibilidade transmutou o crime de abuso de confiança fiscal em contra ordenação fiscal, durante o prazo que aquela norma faculta para o pagamento, assumindo de novo o ilícito as vestes de crime se o agente passivo não pagar nesse prazo.

O que se discute no caso dos autos é se neste caso a entidade patronal que procedeu ao desconto do imposto estava obrigada a fazer uma declaração mensal das quantias devidas ou se ao tempo, a declaração que lhe era exigida era tão só anual.

A este propósito diga-se que apesar de não constar dos factos provados, certamente porque o tribunal entendeu ser irrelevante dada a tese que perfilhou, consta desde logo do auto de notícia, e documentos a ele juntos, que a sociedade arguida entregou as declarações Mod.10, correspondentes às retenções na fonte relativas aos anos de 2006 e 2007, respectivamente em 04/08/2009 e 27/07/2009, em cumprimento da obrigação a que se refere o artigo 119º do CIRS.

Mais, se refere no mesmo auto de notícia que os elementos de escrituração do sujeito passivo, foram recolhidos a partir dos extratos de conta das várias subcontas da conta 242” – Retenção de Imposto sobre Rendimentos”, em que estão evidenciados, cronologicamente e por natureza, os montantes de IRS retidos na fonte, nos anos de 2006 e 2007, os quais são, salvo pequenas diferenças sem relevância material, coerentes com os valores inscritos no quadro resumo Mod.10/anexos J, para esses anos.

Ou seja, face aos documentos juntos a fls. 54 e 55, que apesar de não terem sido objecto de pronúncia na sentença recorrida, podem ser considerados por este tribunal (ac. R. Porto de 24-09-2008, proc. 0811683, in www.dgsi.pt), não pode deixar de se ter como assente que a sociedade arguida procedeu à declaração anual da retenção de Imposto sobre Rendimentos dos seus trabalhadores na datas apontadas, e que correspondem aos valores apurados para os anos referidos pela inspecção que foi efectuada à empresa comunicada ao tribunal em 07/01/2010 e concluída em 02/11/2010.

Ponto é, se esta declaração anual era a única a que o sujeito passivo estava obrigado, como defendem os arguidos, ou se além desta estavam obrigados a comunicar mensalmente as quantias retidas.

A resposta a esta questão tem de ser encontrada através da análise das disposições legais vigentes.

O CIRS, no capítulo IV, sob a epígrafe “Obrigações Acessórias” prevê no artº 119º que por sua vez tem por título “ Comunicação de rendimentos e retenções”, a seguinte redação:

 “1 — As entidades devedoras de rendimentos que estejam obrigadas a efetuar a retenção, total ou parcial, do imposto, bem como as entidades devedoras dos rendimentos previstos nos n.ºs 4), 5), 7), 9) e 10) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º e dos rendimentos não sujeitos, total ou parcialmente, previstos no artigo 2.º e nos n.ºs 2, 4 e 5 do artigo 12.º, e ainda as entidades através das quais sejam processados os rendimentos sujeitos ao regime especial de tributação previsto no n.º 3 do artigo 72.º, são obrigadas a:

       a) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

       b) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

       c) Entregar à Autoridade Tributária e Aduaneira uma declaração de modelo oficial, referente aos rendimentos pagos ou colocados à disposição e respetivas retenções de imposto, de contribuições obrigatórias para regimes de proteção social e subsistemas legais de saúde, bem como de quotizações sindicais:

       i) Até ao dia 10 do mês seguinte ao do pagamento ou colocação à disposição, caso se trate de rendimentos do trabalho dependente, ainda que isentos ou não sujeitos a tributação, sem prejuízo de poder ser estabelecido por portaria do Ministro das Finanças a sua entrega anual nos casos em que tal se justifique;

       ii) Até ao final do mês de fevereiro de cada ano, relativamente aos restantes rendimentos do ano anterior”

Esta redação do artº 119º do CIRS que lhe foi dada pelo art. 186º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2013), face ao disposto no artº 119º nº 1 al. c) i), passou a exigir aos empregadores a declaração mensal, até ao dia 10 do mês seguinte ao do pagamento ou colocação à disposição, caso se trate de trabalho dependente, a declaração desses rendimentos bem como do imposto retido.

Mas a redação anterior a esta alteração, ou seja a que vigorou até 2012, tinha a seguinte redação:

 “1 - As entidades devedoras de rendimentos que estejam obrigadas a efectuar a retenção, total ou parcial, do imposto, bem como as entidades devedoras dos rendimentos previstos nos nºs 4), 5), 7), 9) e 10) da alínea b) do nº 3 do artigo 2º e as entidades através das quais sejam processados os rendimentos sujeitos ao regime especial de tributação previsto no nº 3 do artigo 72º, bem como as entidades que paguem ou coloquem à disposição dos respectivos titulares, os rendimentos previstos na alínea b) do nº 2 do artigo 101º, são obrigadas a:

a) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

b) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

c) Entregar à Direcção-Geral dos Impostos, até ao final do mês de Fevereiro de cada ano, uma declaração, de modelo oficial, referente àqueles rendimentos e respectivas retenções de imposto, de contribuições obrigatórias para regimes de protecção social e subsistemas legais de saúde, bem como de quotizações sindicais, relativas ao ano anterior;”

Esta obrigação de declaração anual no que se reporta ao IRS, já era exigida desde a redação conferida à falada al. c) pelo Dec. Lei nº17/2004, de 15 de Janeiro, sendo mantida ao longo da vigência dos diplomas que alteraram o CIRS, até que, no orçamento geral de Estado para 2012, além da obrigação anual da declaração do imposto retido que passou a constar de i da alínea c) passou a ser exigida também a declaração mensal do imposto retido, tal como já era exigido para as contribuições para a segurança social e para o IVA, que já então previam uma declaração mensal autónoma da obrigação de pagamento (artº 4º, 5º do DL 103/80 de 09.05 para as CSS e 27º, 29º e 41º do CIVA, para o IVA)

Resulta da comparação dos dois textos, a obrigação agora prevista em i) da alínea c) do nº 1 do art. 119º do CIRS não existia na data a que se reportam as retenções na fonte referidas nos autos 2006 e 2007.

Nesse sentido, aponta o preâmbulo da Portaria n.º 6/2013, de 10 de Janeiro (que aprovou “a Declaração Mensal de Remunerações - AT, e respetivas instruções de preenchimento para cumprimento da obrigação declarativa prevista no artigo 119.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código do IRS” e que substituiu a Portaria 426-C/2012, de 28 de Dezembro, que inadvertidamente foi aprovada sem ter entrado em vigor a lei que pretendia regular, ou seja a Lei 66-B/2012 de 31 de Dez., OE para 2013 -, que refere ipsis verbis:

“A Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, alterou o artigo 119.º do Código do IRS, determinando que as entidades devedoras de rendimentos do trabalho dependente passam a estar obrigadas a entregar mensalmente uma declaração de modelo oficial, referente àqueles rendimentos e respectivas retenções de imposto, de contribuições obrigatórias para regimes de proteção social e subsistemas legais de saúde, bem como de quotizações sindicais relativas ao mês anterior”.

Ora, se a declaração mensal já fosse exigida antes da alteração da Lei do Orçamento para 2013, a menção “ passam a estar obrigadas e entregar mensalmente”, não faria qualquer sentido, só se compreendendo com o sentido que resulta da comparação de ambas as redações a este respeito conferidas ao art.º 119º do CIRS.

Por outro lado, não se vê que o artº 98º do CIRS, que tem por epígrafe “Retenção na fonte – regras gerais”, designadamente, o nº 3 deste preceito, que consagra uma obrigação de entrega, essa sim mensal, das quantias retidas, permita a interpretação de que se a obrigação de entrega era mensal, a obrigação declarativa também tinha esta periodicidade – e muito menos se pode retirar esta interpretação da Portaria 523/2003 de 4 de Julho, que teve em vista regular o modo de efectuar o pagamento do imposto via electrónica, e o procedimento para obter a guia que permita esse pagamento electrónico, nada dizendo, nem podia, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade orgânica, já que em matéria de impostos a competência é reservada por lei à AR, artº 165º nº1 al. i) da Constituição.

Por último, não se vê qualquer argumento a extrair dos artº 31º nº2 e do 59º nº1 ambos da Lei Geral Tributária, no sentido de considerar que a referida obrigação de declaração mensal era obrigatória à data dos factos. O primeiro classifica como obrigações acessórias, entre outras, as obrigações declarativas; e, o segundo, o princípio da colaboração entre os sujeitos passivos e a administração fiscal.

Assim, e em jeito de conclusão dir-se-á:

Uma coisa é a obrigação de declaração e outra distinta é a obrigação de pagamento, e temos para nós que a alteração introduzida ao artº 119º do CIRS pela Lei do Orçamento para 2013, teve em vista, precisamente, harmonizar estas duas realidades, como já acontecia com o IVA e as contribuições para a SS, com o fim de possibilitar um melhor controlo da administração fiscal com vista à arrecadação do imposto.

Daqui decorre que sobre a arguida não impendia a obrigação de declaração mensal como entenderam a Acusação a Pronúncia e a Sentença, mas relativamente aos impostos em causa que se reportam aos anos de 2006 e 2007, existia apenas uma obrigação de declaração anual, artº 119º nº1 al. c) do CIRS, antes da alteração que lhe foi conferida pelo OE para 2013.

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E aqui chegados, é altura de convocar o artº 105º nº4 al. c) do RGIT, que como é consensual acrescentou ao tipo de crime uma condição objectiva de punibilidade (conf. neste sentido AFJ,  STJ nº 6/2008 de 09.04.2008, consultável in www.dgsi.pt )

É a seguinte a redacção do art.º 105º do RGIT (aprovado pela Lei 15/2001, com a alteração que lhe foi conferida pela Lei nº 64-A/2006 de 31 de Dez) na parte que aqui releva:

“ 1- Quem não entregar à administração tributária total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7.500,00, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

2- (…)

3 – (…)

4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:

a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;

b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito.

5- Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a € 50 000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas.

6 – (…)

7 – Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

      A lei é clara quando faz depender a punibilidade de um crime, do cumprimento da obrigação declarativa a que haja lugar por parte de sujeito passivo, e de uma notificação por parte da administração tributária, não do simples decurso de um prazo, como acontece com a alínea a), mas do decurso de um prazo e de uma notificação para pagamento, do montante da prestação, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável.

Como dissemos supra, a obrigação declarativa que a lei então impunha à arguida, i, e., obrigação de declaração anual, artº 119º nº 1 al c) do CIRS, na redação do Dec. Lei 17/2004 de 15 de Janeiro, de entregar á administração fiscal até final do mês de Fevereiro de cada ano, uma declaração referente aos rendimentos e respectivas retenções do imposto relativo ao ano anterior, foi cumprida, embora tardiamente, pois como consta desde logo da participação, as declarações foram entregues em 04/08/2009 e em 27/07/2009, respectivamente para os anos de 2006 e 2007, tendo a inspecção a que se procedeu consignado no parecer elaborado em 02-11-2010, ao abrigo do artº 42º do RGIT:

“ A partir dos elementos de escrituração do sujeito passivo, foram recolhidos os extratos de conta das várias subcontas da conta 242” – Retenção de Imposto sobre Rendimentos”, em que estão evidenciados, cronologicamente e por natureza, os montantes de IRS retidos na fonte, nos anos de 2006 e 2007, os quais são, salvo pequenas diferenças sem relevância material, coerentes com os valores inscritos no quadro resumo Mod.10/anexos J, recolhidos a partir do sistema informático da DGCI, entregues pelo sujeito passivo em 2009-08-04 e em 2009-07-27, para os anos de 2006 e 2007, respectivamente, no cumprimento da obrigação a que se refere o artº 119º do CIRS”.

Como se decidiu no Ac. da Rel Évora de 06/11/2007 (proc. 2210/07-1), aliás citado na sentença recorrida, a propósito da necessidade de cumprimento da obrigação declarativa para fazer operar a notificação a que se reporta o artº 105º nº4 al. c) do RGIT, a comunicação embora efectuada para além dos prazos legais é idónea para fazer funcionar a notificação a que se reporta o artº 105º nº4 al. c) do RGIT.

Com efeito, o crime de abuso de confiança fiscal, recortado no artº 105º do RGIT, é um crime omissivo puro que se consuma no momento em que o agente não entrega a prestação tributária devida, haja ou não entrega da declaração tributária.

As circunstâncias referidas nas duas alíneas do nº4 do mesmo preceito legal configuram ambas condições objectivas de punibilidade, isto é, elementos que não se ligam nem à ilicitude nem à culpa, mas que decidem sobre a punibilidade do facto.

No caso dos autos, o crime consumou-se quando a arguida não entregou as quantias que em cada mês reteve a título de IRS, o que devia ter feito até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas - artº 98º nº1 e 3 e 99º nº1 do CIRS -, independentemente de não ter feito a declaração anual a que estava vinculada, e pese embora o crime só poder ser punido depois de terem sido cumpridas as duas condições objectivas de punibilidade da al. a) e da al. b) do nº4 do artº 105º do REGIT.

Ou seja, mesmo que tivesse cumprido tempestivamente a declaração anual relativa aos anos de 2006 e 2007, o crime ter-se-ia consumado quando tivesse decorrido o prazo de entrega mensal da prestação a que se reportam o art.º 105º nº1 e 7 do RGIT.

Assim a faculdade conferida a quem confessa a dívida, através da entrega da declaração, a que se reporta a al. c) do citado nº 4 do art.º 105º, dando ao agente a possibilidade de extinguir a responsabilidade criminal pagando as quantias aí referidas, mais não faz do que consagrar para os crimes o que os art.º 29º e 30º do RGIT, já consagrava para as contra-ordenações, reduzindo os montantes consoante o momento em que o agente procede ao pagamento voluntário da coima, assumindo com este comportamento, a prática da infracção que lhe está subjacente.

Analogamente, cumprindo o agente a obrigação declarativa antes de instaurado o procedimento criminal, que como acima foi dito, foi instaurado na sequência do auto de notícia enviado ao Ministério Público em 07/01/2010, tendo a inspecção decorrido entre Julho e Novembro de 2009 (ponto 9 dos factos provados), a administração tributária devia ter procedido à notificação da arguida para pagar os montantes a que se reporta a al. c) do nº4 do art.º 105º do RGIT, porque a declaração foi feita antes de instaurado procedimento criminal e mesmo antes de ter terminado a acção inspectiva.

O facto de a arguida já ter procedido ao pagamento das quantias em dívida, em 28 de Dezembro de 2009, como resulta da sentença recorrida e dos documentos juntos a fls. 455 a 459, não impede que se faça essa notificação, pois que a condição objectiva de punibilidade só está cumprida se não forem pagas todas as quantias referidas na al. c) do nº4 do artº 105º.

E todas são os valores em dívida acrescidos de juros respectivos e da coima.

O pagamento dos montantes em dívida e respectivos juros não pode ter o efeito de absolver os recorrentes, apenas tendo efeitos na graduação da medida da pena  extinguindo-se a responsabilidade criminal não só com a reparação integral do prejuízo causado á administração fiscal, mas também com o pagamento da coima respectiva ( não tem aplicação aos crimes de abuso de confiança fiscal o artº 206º do Código Penal que rege para a restituição ou reparação do prejuízo causado com a apropriação nos crimes de furto e abuso de confiança ai previstos)

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Decorre daqui, que o processo em causa não devia ter sido enviado a tribunal enquanto não fosse liquidada a coima e efectuada a notificação para os arguidos procederem ao seu pagamento

Ou seja, não tendo sido cumprida a referida notificação, a infracção praticada pelos arguidos ainda não ultrapassou a fase contra-ordenacional sendo que só se transmutará em crime se após a notificação os arguidos não pagarem a quantia que for devida a título de coima.

A falta de notificação nos termos sobreditos configura-se como uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, vício a que a que se refere o artº 410º nº2 al. al. a) do CPP, pois só cumprida a notificação a que se reporta o art.º 105º nº4 al. c) do RGIT, os autos permitem uma decisão de condenação ou absolvição dos arguidos. (neste sentido conf. Ac. Rel Coimbra, de 3 de Dezembro de 47/03.5TAMGR.C1, relatado pela aqui relatora)

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Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em julgar verificada a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, e determina-se o reenvio para novo julgamento, restrito à matéria da verificação da condição objectiva de punibilidade, art.º 426º e 426-A do CPP, devendo a administração fiscal proceder à notificação dos arguidos para procederem ao pagamento da coima que for devida, decidindo-se depois em conformidade.

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Tenha-se em atenção na nova sentença a proferir, se for de condenação, o disposto no artº 409º nº1 do CPP (Ac. TC 236/2007 e Ac. STJ de 05.07.2007, in CJ STJ XV, tomo 2, pág 129).

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Sem tributação. 

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Coimbra, 16 de junho de 2015

(Texto elaborado e revisto pela relatora, artº 94º nº2 do CPP)

 

(Cacilda Sena - relatora)

(Elisa Sales - adjunta)