Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
102/11.8TBALD.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: ABUSO DE DIREITO
DESEQUILÍBRIO NO EXERCÍCIO DE POSIÇÕES JURÍDICAS
DIREITOS REAIS
PRINCÍPIO DA TIPICIDADE
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 01/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - ALMEIDA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.334, 1306 CC, 542 CPC
Sumário: 1 – Ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.

2 – Uma das modalidades que dogmaticamente se tem considerado configurar abuso do direito é o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, que se pode definir como o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objectiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objectivo).

3– À luz deste instituto jurídico deve ficar impedido o exercício do direito do A. – de demolição da parede da casa de habitação dos RR. a poente, bem assim a reposição do muro/parede divisória pré-existente e restituição da faixa de terreno do prédio do A. com a construção ocupada – por se constatar um desequilíbrio grave entre o beneficio que da procedência dessa pretensão poderia advir para o titular exercente (o A.) e o correspondente sacrifício que é imposto aos aqui RR. pelo exercício de tal direito.

4– Dada a tipicidade dos direitos reais, consagrada no art. 1306º, nº1 do C. Civil – «Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional» – o uso e fruição concedidos pelos 1os RR. sobre uma área/faixa de terreno, a favor do A., na medida em que constitui um parcelamento do direito de propriedade daqueles, que não se adequa a um dos figurinos legais previstos, tem natureza obrigacional.

5– A condenação por litigância de má fé pressupõe o dolo ou a negligência grave (cf. art. 542º, nº2 do n.C.P.Civil), na violação do dever de boa fé processual que deve pautar a atuação da parte que litiga em juízo.

6 – Para efeitos de litigância de má fé, “alterar a verdade dos factos” significa que a parte queira convencer de uma realidade que conhece ser diferente, portanto, deturpando ou corroendo aquilo que sabe que assim não é, sendo que estarão, ainda, principalmente aí em vista os factos pessoais ou, pelo menos, aqueles que sejam do conhecimento pessoal da parte, e cuja prova se venha, depois, a fazer em contrário daquilo por que ela pugnara.

7 – Assim, deve ter lugar uma condenação neste quadro quando seja seguro que ao alegar como alegou, a parte tenha, com dolo ou negligência grave, designadamente, faltado ao dever de verdade (al. b) do nº2 do dito art. 542º do n.C.P.Civil).

Decisão Texto Integral:          






   Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

J (…) intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo sumário contra J (…), A (…), A (…), M (…) e M (…) , peticionando que:

a) - Se declare ser o A. o exclusivo proprietário e legítimo possuidor do imóvel de natureza urbana, constituído por casa de rés-do-chão e sótão e logradouro, sito em (...) , Rua (...) , naquela freguesia de (...) , do município de (...) , inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1218, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 1885;

b) - Se declare ser o A. exclusivo proprietário e legítimo possuidor do imóvel de natureza urbana destinado a habitação, constituído por uma casa com uma loja e primeiro andar com balcão coberto e um curral anexo, sito no C (...) na indicada freguesia de (...) , inscrito na matriz respectiva sob o artigo 508, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1240;

c) - Se declare ser o A. exclusivo proprietário e legítimo possuidor do imóvel de natureza urbana constituído por casa de rés-do-chão, sito no C (...) na indicada freguesia de (...) , omisso na matriz e não descrito na Conservatória do Registo Predial, com a área de 44 m²;

d) - Se declare que actualmente o prédio do A. identificado em 1. confronta a norte com o prédio do A. identificado em 3., a sul com caleijo, a nascente com o prédio dos R.R. identificado em 34. e a poente com o prédio do A. identificado em 5.

e) - Se declare que actualmente o prédio do A. identificado em 3. confronta a norte com E (...) , a sul com os prédios indicados em 1. e 5. e com o indicado prédio dos R.R. indicado em 34., a nascente com rua e E (...) e a poente com o prédio indicado em 5 e M (...) , A (...) e outros.

f) - Se declare que actualmente o prédio identificado em 5. confronta a norte com o prédio identificado em 3., a sul com caleijo, a nascente com o prédio identificado em 3. e a poente com M (...) .

g) - Se condene os R.R. a reconhecerem o A. como proprietário e legítimo possuidor desses mesmos imóveis.

h) - Se condene os R.R. a absterem-se de todo e qualquer acto ou comportamento que impeça, prejudique ou ponha em causa o direito de propriedade ou a posse do A. relativamente a tais imóveis.

i) - Se condene os R.R. a reconhecerem o direito de propriedade do A. sobre a parede ou muro de separação indicada/o nos pontos 38. a 77. desta petição inicial ou, se assim não se entender, reconhecerem o direito de compropriedade do A. sobre tal parede ou muro.

j) - Se condene os R.R. a reconhecerem que as faixas de terreno que referem nos pontos 140 a 158, e 189 a 197 desta petição inicial fazem parte integrante do prédio indicado no ponto 1. desta petição inicial, bem como que é o A. o seu legítimo proprietário e possuidor.

k) - Se condene os R.R. a reconhecerem que os primeiros R.R., por intermédio do R. (…), construíram a parede da sua casa a poente, desde a parede norte da casa do prédio do A. identificado no ponto 1. da petição inicial, numa extensão de 3,5 metros por 34/35 cms., numa faixa de terreno do logradouro do referido prédio do A., avançando 47/48 cms contados desde sensivelmente o meio da face sul do poste/pilar conforme vertido nos pontos 112 a 142 desta petição inicial.

l) - Se condene os R.R. a restituírem ao A. a faixa de terreno referida, no estado em que a mesma se encontrava antes de ser abusivamente ocupada e utilizada pelos primeiros R.R. e pelo R. A (...) .

m) - Se condene os R.R. a demolirem a parede poente da casa dos R.R. (…) e mulher, (…), desde a parede norte da casa do A. até ao final da mesma, também a norte, numa extensão de cerca de 3,50 metros, e de procederem à reconstrução da parede ou muro divisório indicado nos pontos 39 a 77, repondo o prédio do A. nos exactos termos em que se encontrava antes das obras, desocupando a faixa de terreno de pelo menos 3,50 metros por 48 centímetros, que ocuparam ilegalmente,

n) - Se condene os R.R. a reconstruirem a/o referida/o parede ou muro divisório no local e nos termos em que a/o mesma/o se encontrava antes de destruída/o, isto é no enfiamento do poste/pilar onde aquele se iniciava, com as “lajes” alinhadas sensivelmente com o meio da face sul do dito poste/pilar e com a esquina norte/nascente da parede norte da casa do prédio do A., e com as pedras de granito regularmente dispostas nos intervalos das “lajes” em referência.

o) - Se condene os R.R. a retirar do espaço – passagem – que vai desde a rua pública ao logradouro do A. os tubos que aí têm enterrados e colocados na parede.

p) - Se condene os R.R. a ressarcir o A. de todos os danos e prejuízos que vierem a resultar das infiltrações que venham ocorrer na casa identificada em 1. de que é proprietário, cuja exacta quantificação só será possível após o próximo Inverno, danos que deverão ser relegados para momento ulterior.

q) - Se condene os R.R. a pagar uma sanção pecuniária compulsória, a favor do A. de € 25,00 por cada dia de atraso na realização de tais actos a contar da sua citação.

r) - Se condene os R.R. em regime de solidariedade, a ressarcir o A. de todos os danos que lhe advieram e advirão em consequência dos actos lesivos do direito do A. pelos mesmos perpetrados, contra a respectiva propriedade, e, como consequência, a pagarem-lhe a quantia de € 3 500,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros desde a citação.

Alega o A., para fundamentar a sua pretensão, que é proprietário e legítimo possuidor dos três prédios supra referidos, que lhe advieram por permuta e compra, tendo sempre deles usufruído, usado e utilizado materialmente em proveito próprio, por si e através dos seus antecessores, pelo que não os tivesse adquiridos por via derivada, sempre os teria adquirido por via originária, pela usucapião.

Por outro lado, os primeiros RR. são proprietários do imóvel urbano composto de palheiro, com logradouro anexo, sito na Rua do C (...) nº 91, da mesma freguesia de (...) , inscrito na matriz com o nº 461, a confrontar do norte com o A., sul caleijo, nascente rua e poente com o A., descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 1677, e inscrito a favor dos R.R. através da apresentação 1796, de 2009/08/21, que o A. permutou com estes, em troca do prédio referido em a) e que confinam entre si.

Até Outubro/Novembro de 2010, estes dois prédios encontravam-se divididos entre si (a nascente do prédio do A. e a poente do prédio dos primeiros RR.) por uma parede ou muro divisório em granito, com pelo menos 55 cm de largura, composta, em suma, por um pilar em granito e onde está e esteve fixado um portão que vedava e veda o acesso aos prédios do A., por duas lajes de granito e por pedras de granito regularmente dispostas a nascente das referidas lajes.

Tal muro divisório foi construído há mais de 50/60 anos pelos antepossuidores e anteproprietários do prédio identificado em a), mantendo-se inalterado na sua configuração, salvo a decorrente do decurso do tempo, ininterruptamente até ao presente, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.

Acresce que o A. e os antepossuidores e anteproprietários do prédio referido em a) têm feito escoar as águas pluviais das últimas caleiras do telhado da casa sobre a parte sul do referido muro provisório, há mais de 20/30/40/50 anos, sem oposição de ninguém, à vista de toda a gente e sem dar contas a ninguém e sem ninguém lhas pedir, na convicção de estarem a exercer os poderes correspondentes à sua qualidade de exclusivos proprietários do referido muro provisório, sendo que ainda que não se entenda ser o A. o único e exclusivo proprietário, sempre o mesmo se teria de presumir comum, nos termos do artigo 1371.º, n.º 2 do Código Civil.

Em finais de 2010, os primeiros RR. começaram a construir uma casa de habitação no seu prédio, tendo adjudicado a construção de tal casa ao R. A (...) , celebrando com o mesmo um contrato de empreitada, sendo que por volta de Outubro/Novembro de 2010, os primeiros RR., por intermédio do R. A (...) procederam à demolição do muro divisório, não tendo procedido a qualquer reconstrução, o que lhes estava vedado (porquanto o A. nunca autorizou tal acto, agindo contra a sua vontade), privando, assim, o A. do seu direito de propriedade sobre o mesmo, nos termos do artigo 1308.º do Código Civil, ou acaso se entenda que o muro divisório é comum, também tal sempre lhes estaria vedado nos termos do artigo 1372, 1403.º e 1406.º do referido diploma.

Por outro lado, os primeiros RR. erigiram, no lugar do muro divisório, a parede da casa que estão a construir, numa extensão de 3,50 metros, avançado, pelo menos 34/35 cm no sentido nascente/poente sobre o referido logradouro do A., invadindo ao limites do prédio referido em a), o que era do perfeito conhecimento dos primeiros RR. e do R. A (...) .

Acresce que a referida parede impede o livre escoamento das águas pluviais a partir do telhado da casa do A. em três caleiros de telhas, pois que ultrapassa a altura a o prédio referido em a), encontrando-se encostada à parede da mesma, provocando infiltrações de águas pluviais pelas paredes nascente e norte da casa do A., bem como tal parede tapam as pedras de granito maiores usadas como cunha no topo nascente da parede norte da casa do A., ficando a mesma descaracterizada e que o A. pretendia manter à vista as referidas pedras de granito, porquanto o A. sempre pretendeu manter as características rústicas dos referidos prédios, sendo sua intenção restaurar todas as construção já ai existentes. Por outro lado, o A. também não queria que ficasse um muro de cimento voltado para os seus prédios, porquanto retira as suas características rústicas, sendo que para revestir tal parede em granito, o A. ainda terá que avançar 25 cm no seu terreno e terá gastos com materiais e mão-de-obra de pedreiros nunca inferiores a € 2 000,00.

De outra banda, os primeiros RR. procederam à colocação de vários tubos de PVC e outros materiais na parede norte da sua casa sob o solo do espaço que vai desde a rua pública sita a nascente até à parte mais larga do logradouro do A, espaço esse que é da exclusiva propriedade do A., sendo apenas utilizado por si e antepossuidores e anteproprietários dos referidos prédios do A., há mais de 20, 30, 40 e 50 anos a esta parte, para acesso aos mesmos, não servindo nem dando acesso a qualquer outro prédio. A referida passagem foi até há cerca de dois anos uma servidão de passagem que foi declarada extinta com a realização da permuta já referida. Há, assim, uma violação do direito de propriedade do A. sobre o seu imóvel, devendo os RR. proceder à retirada dos vários tubos de PVC e outros materiais e repondo-o no estado em que se encontrava anteriormente.

Por seu turno, o terceiro Réu era o engenheiro responsável pela parte técnica da obra, assim como pela sua fiscalização e conformidade com o projecto de construção, sendo que a construção da casa realizou-se em manifesta inobservância das notações técnicas e do respectivo projecto, sendo, pois, este Réu também responsável pela violação do direito de propriedade do A., na medida em que podia e devia ter impedido os primeiros RR. que efectivassem a obra nos termos em que o fizeram, na qualidade de responsável técnico.

Toda a actuação dos RR. provocou um enorme desgosto e grande tristeza ao AA., tanto mais que os primeiros RR. são seus tios e tem passado noites sem dormir, faltando-lhe a tranquilidade e sossego, tendo sofrido danos não patrimoniais que devem ser computados em quantia não inferior a € 1 500,00.

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Os RR. foram regularmente citados para a presente acção, tendo apresentado contestação, pugnando pela improcedência do peticionado pelo A.

Alegam, para tanto e em síntese, que os primeiros RR. construíram a sua casa dentro dos limites do prédio que haviam adquirido por permuta, tendo até deixado livre mais de cerca de 1 metro do seu prédio para melhorar a entrada no prédio do A.

Com efeito, quando procederam à construção da casa, os primeiros RR. retiraram as paredes velhas, as lajes em granito e erigiram a nova parede onde estavam aquelas paredes velhas e as lajes, sendo que estas faziam parte do prédio dos RR., em exclusivo. Acresce que as águas pluviais do prédio do A. continuam a cair como sempre aconteceu e os tubos de PVC encontram-se colocados na propriedade dos RR. H (...) , encontrando-se os RR. convictos de que não violaram direitos do AA.

Os RR. deduziram subsidiariamente pedido reconvencional, alegando que entendem que construíram dentro dos limites do seu prédio, sendo que sempre teriam adquirido a propriedade da faixa de terreno em causa nos autos por acessão imobiliária, sendo que o m2 nunca valerá mais de € 10,00, que os RR. estão dispostos a pagar. Por outro lado, o valor das obras sobre esse m2 é superior a € 500,00, pois trata-se de uma parede em blocos com estabilidade de vigas, vigotas e pilares. Os RR. sempre agiram de boa fé, convictos que construíram no seu prédio.

Concluem, peticionando que a acção seja julgada improcedente por não provada e caso contrário, deverá reconhecer-se que os RR. são os donos e legítimos proprietários do espaço por acessão imobiliária, pagando o valor de 1 ou 2 m2 à razão de € 1,00 a € 10,00, com as demais e legais consequências.

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Foi deduzida réplica pelo A., onde responde à excepção peremptória e à reconvenção deduzida, pugnando pela condenação dos RR. em litigância de má-fé, em multa e indemnização não inferior a € 5 000,00.

                                                           *

Na audiência preliminar realizada, foi tentada, de forma infrutífera, a conciliação das partes, tendo sido admitido o pedido reconvencional, após o que foi fixado o valor à acção, e, proferido despacho saneador, procedeu-se à elaboração dos factos assentes e da base instrutória, com reclamação apresentada pelo A., parcialmente atendida.

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Após ter sido efectivada a requerida prova pericial, foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo (como se alcança das respectivas actas), no contexto da qual foi realizada uma inspecção judicial ao local, e sendo que naquela teve lugar a discussão da prova documental e testemunhal apresentada pelas partes.

A final veio a ser proferida sentença, conforme consta de fls. 633 a 684 e segs., sendo que foi interposto recurso da mesma por ambas as partes, em função do que se elencaram como “Questões a decidir” as seguintes:

«a) apelação dos RR.

- nulidade da sentença por conhecimento de questão de que não podia tomar  conhecimento (excesso de pronúncia) e em quantidade superior e objecto diverso do pedido – ao decidir a questão atinente ao muro divisório pela via do reconhecimento da meação do A. no mesmo não obstante o A. haver invocado a exclusiva propriedade do mesmo, e proferindo condenação traduzida num avanço superior ao peticionado (2ª parte da al.d) e e) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil)?;

- nulidade da sentença por falta de fundamentação da matéria de facto (art. 607º, nº4 do n.C.P.Civil)?;

- impugnação da matéria de facto, quanto aos pontos F, G, H, J, K, M, O, P, Q, R, Z, RR, SS, TT, UU, WW, XX, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, QQQ a WWW, CCCC e DDDD (dados por provados incorrectamente) e quanto aos factos SSSS, TTTT, UUUU e VVVV (que foram dados por não provados e terão que ser dados por provados)?;

- incorrecto julgamento de direito da decisão recorrida, pois sempre deveria proceder a reconvenção (Acessão Imobiliária)?;

- incorrecto julgamento de direito, em qualquer caso, por sempre se estar perante Abuso de Direito (art. 334º do C.Civil)?;

b) recurso subordinado do A.

- incorrecto julgamento de direito da decisão recorrida – quer na parte em que concluiu pela improcedência do pedido de condenação dos RR. a retirarem da passagem que vai desde a rua pública até aos logradouros dos prédios do A. os tubos de PVC que ali colocaram na sua parede da casa de habitação e que ali se encontram enterrados [al.O) do petitório], quer na parte em que não condenou os RR. como litigantes de má-fé?»

                                                           *

Em apreciação destes, foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Coimbra, em para além de terem sido julgados improcedentes todas as arguidas nulidades da sentença, se concluiu com o seguinte “Dispositivo”:

«Pelo exposto, decide-se a final, na procedência apenas parcial da apelação:

a) Julgar procedente a apelação sobre a decisão da matéria de facto quanto aos  factos provados correspondentes aos pontos F, G, H, J, K, M, O, P, Q, R e Z, no enquadramento de falta de fundamentação das respostas correspondentes, determinando-se então quanto a esta parte a remessa dos autos à 1ª instância, a fim de ser preenchida essa falha com base nas gravações efectuadas (ou através da repetição da produção de prova), para efeitos de inserção da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto no particular destes pontos de facto – cf. art. 662º, nº2, al.d) do n.C.P.Civil;

b) Reformular a decisão da matéria de facto quanto aos factos provados correspondentes aos pontos III, JJJ, CCCC e DDDD,                                                                   correspondentemente se aditando ao elenco dos factos não provados a alínea XXXX, e bem assim aditando aos mesmos factos provados os pontos E1, E2 e E3, tudo nos termos supra explanados;

c) Anular a decisão de facto proferida na 1ª instância, face à necessidade de ampliação da matéria de facto – aditando-se para o efeito à Base Instrutória dos autos os quesitos 122ºA a 122ºD, nos termos supra melhor determinados – assim se anulando o julgamento levado a efeito pelo tribunal da 1ª instância, de forma a que, com nova produção de prova (inclusive com oficiosa inquirição de quem depôs sobre os aspectos quer do projecto, quer da sua execução, sendo disso caso) se obtenha uma convicção sólida e consistente, que permita uma resposta cabal e esclarecedora sobre a materialidade ainda controvertida, quer no concreto particular da construção da parede norte da casa de habitação dos RR./recorrentes (nos aspectos da sua implantação e recuo face à parede pré-existente, tendo em atenção o que resultara acordado pelas partes no contrato de permuta anteriormente celebrado entre elas), quer no concreto particular do espaço-passagem aí desde sempre existente (importando igualmente apurar e decidir em definitivo se o mesmo era ou não pertença/parte integrante do prédio do A. com o artigo matricial 508º, sem prejuízo da necessária rectificação da alegação/referenciação neste particular, face ao invocado na p.i. e correspectivo petitório) – cf. art. 662º, nº2, al.c) do n.C.P.Civil;

d) Anular, consequentemente, a sentença proferida, devendo o julgamento repetir-se (apenas) nos termos e para os efeitos atrás exarados – ditos quesitos 122ºA a 122ºD – dele se excluindo os restantes pontos factuais sobre os quais já houve decisão, a não ser que, porventura, se venha a concluir que tal se mostra necessário para evitar possíveis contradições na decisão (cf. parte final da al.c) do nº3 do citado art. 662º do n.C.P.Civil);

e) Declarar prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso em termos de julgamento de direito. 

      Custas pelas partes vencidas a final (e na proporção em que o forem).»

      

                                                           *

De referir que no acolhimento do constante desse acórdão, o A., por requerimento de fls. 980-982, requereu, além do mais, a correção do lapso de alegação quanto ao constante no art. 196º da p.i., no sentido correctamente alegado nos arts. 17. e 18. da Réplica, isto é, de que o espaço-passagem “pertencia ao prédio do autor com o art. 508º”, constituindo a “servidão de passagem que o onerava para acesso aos dois outros prédios do autor, o primeiro com o artigo matricial 1218º – identificado em 1. da petição inicial – e o segundo omisso na matriz – identificado em 5. da petição inicial”, requerimento esse que foi deferido pelo subsequente despacho judicial, mais concretamente a fls. 999 “in fine” e verso.    

                                                           *

Por outro lado, em cumprimento desse mesmo acórdão, o Tribunal de 1ª Instância procedeu a novo julgamento, o qual se realizou com observação do devido formalismo legal conforme resulta da respectiva acta

Veio, na sequência, a ser proferida nova sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados e não provados, tendo-se apresentado a correspondente “Motivação”, esta naturalmente circunscrita ao que resultara agora de novo introduzido ou alterado na matéria factual, acrescido do que fora determinado ser complementado em termos de fundamentação, após o que, em termos de conhecimento do mérito das questões a decidir e objecto do litígio, se considerou, em suma, que resultando provada a propriedade e posse do A. sobre os seus identificados 3 prédios, já se tinha de concluir que a parede ou muro divisório em causa nos autos era pertença em compropriedade do A. e primeiros RR., sucedendo que na medida em que se apurava que a construção levada a cabos pelos RR. no lugar desse antigo muro ultrapassava os limites da propriedade destes sobre o mesmo, ocupando uma pequena parcela do logradouro do prédio do A. que lhe ficava contíguo, terem os RR. que reconstruir o referido muro no estado em que se encontrava anteriormente, e, por outro lado, restituir a correspondente parcela de terreno que ocuparam com a construção, sendo certo que improcedia a aquisição dessa parcela de terreno ocupada pela construção enquanto fundada em acessão industrial imobiliária como invocado em via reconvencional pelos RR., mas já improcediam os demais  pedidos, sendo o do A. no sentido da condenação dos RR. a retirarem da passagem lateral para acesso aos logradouros dos prédios daquele, e da própria parede da casa de habitação confinante, uns tubos de PVC que haviam enterrado naquela, e haviam fixado nesta, respectivamente, por não se mostrarem verificadas as condições da sua procedência, sem embargo de no que à obrigação de indemnização dizia respeito, procederem parcialmente os pedidos deduzidos nessa sede (excepção feita ao da condenação por litigância de má fé que improcedia totalmente), o que tudo se concretizou no seguinte “dispositivo”:

«Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:

a) Declaro que o Autor é o legítimo proprietário do prédio de natureza urbana, constituído por casa de rés-do-chão e sótão e logradouro, sito em (...) , Rua (...) , naquela freguesia de (...) , do município de (...) , inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1218, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 1885;

b) Declaro que o Autor é o legítimo proprietário do prédio de natureza urbana destinado a habitação, constituído por uma casa com uma loja e primeiro andar com balcão coberto e um curral anexo, sito no C (...) na indicada freguesia de (...) , inscrito na matriz respectiva sob o artigo 508, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1240;

c) Declaro que o Autor é o legítimo proprietário do prédio de natureza urbana constituído por casa de rés-do-chão, sito no C (...) na indicada freguesia de (...) , omisso na matriz e não descrito na Conservatória do Registo Predial, com a área de 44 m²;

d) Condeno os R.R. a reconhecerem o A. como proprietário e legítimo possuidor dos prédios referidos em a) a c);

e) Condeno os RR. a absterem-se de todo e qualquer acto ou comportamento que impeça, prejudique ou ponha em causa o direito de propriedade ou a posse do A. relativamente aos prédios referidos em a) a c);

f) Condeno os RR. a reconhecerem o direito de compropriedade do A. sobre a parede ou muro divisório constituída por lages e pedras em granito, com 55 cm’s de largura, em toda a sua extensão e altura, composta/o por um poste/pilar em granito, por duas “lajes” de granito com mais de 400 Kgs. de peso, enterradas no chão, na vertical e por pedras de granito regularmente dispostas a nascente das referidas “lajes” e às mesmas encostadas do mesmo lado, bem como por outras pedras de granito regularmente dispostas no intervalo daquelas “lajes”.

g) Condeno os RR. a reconhecerem que os primeiros R.R., por intermédio do R. (…), construíram a parede da sua casa de habitação a poente, desde a parede norte da casa do prédio referido em a) numa extensão de 3,30 metros por 51 cms contados desde o meio da face sul do pilar em granito existente no local, área que corresponde à meação do A. no muro divisório referido em f) e à área do prédio referido em a).

h) Condeno os RR. a restituírem a faixa de terreno referida em g), no estado em que a mesma se encontrava antes da mesma ser ocupada pelos primeiros R.R. e pelo R. (…).

i) Condeno os RR. a demolirem a parede poente do prédio urbano composto de palheiro, com logradouro anexo, sito na Rua do C (...) nº 91, da mesma freguesia de (...) , inscrito na matriz com o nº 461, a confrontar a com sul caleijo, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 1677, numa extensão de cerca de 3,30 metros:

j) Condeno os RR. a reconstruirem a parede ou muro divisório referida em f) nos exactos termos em que a mesma se encontrava antes de ter sido destruída e tal como aí referido.

k) Condeno os RR. a pagarem ao A. uma sanção pecuniária compulsória, no montante de € 10,00 por cada dia de atraso na realização dos actos ora ordenados, a contar da presente decisão.

l) Condeno os RR., solidariamente, no pagamento de uma indemnização a título de danos patrimoniais futuros respeitantes a infiltrações que venham a ocorrer no prédio referido em a), a apurar em liquidação de sentença;

m) Condeno os RR. solidariamente no pagamento de uma indemnização ao A. a título de danos não patrimoniais, no montante de € 1 000,00 (mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

n) Absolvo os RR. do demais contra si peticionado.

Mais decido, julgar o pedido reconvencional formulado pelos Réus, totalmente improcedente, por não provado, e em consequência:

a) Absolvo o A. do pedido reconvencional formulado.

*

Quanto aos pedidos principais, são as custas a cargo do A. e RR., proporção dos seus decaimentos que se fixam em 30% para o A. e 70% para os RR.

Quanto ao pedido reconvencional, são as custas a cargo dos Réus.

*

Registe e notifique.»

                                                           *

Inconformado com esta (nova) sentença, apresentou o A. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«(…)

                                                                       *

            Os RRJ (…) e A (…), por sua vez, também deduziram recurso contra a sentença, termos em que concluiram as suas contra-alegações nos seguintes termos:

«1ª

(…)

                                                                       *

Contra-alegou o A., do que extraiu seguintes conclusões:

(…)

Também contra-alegaram os RR. (…), relativamente ao que extraíram as seguintes conclusões:

                                                           «1ª

(…)

JUSTIÇA.»                  

                                                                       *

            O Exmo. Juiz a quo sustentou a fls. 1238 a não verificação das arguidas nulidades da sentença.

                                                                       *

            Nada obstando ao conhecimento do objeto dos recursos[2], cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

            a) apelação do A.

            - nulidades da sentença por esta padecer “de erros de facto e de direito que a tornam ambígua, obscura e ininteligível”, e bem assim por “alguns dos seus fundamentos se encontrarem em oposição com a decisão” (al.c) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil)?;

            - inconstitucionalidade da sentença por violação do disposto nos arts. 203º e 205º, nº1 da Constituição da República Portuguesa?;

            - incorreção do julgamento de facto quanto aos pontos LLLL. e MMMM. (dados por provados incorrectamente), e quanto ao ponto BBBBB. (que foi dado por não provado e terá que ser dado por provado)?;

            - incorrecto julgamento de direito da decisão recorrida – quer na parte em que julgou improcedentes os pedidos formulados em “J)” [na parte que não foi julgada procedente] e “O)”, quer na parte em que condenou os RR. na indemnização de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais [por dever ter sido, no mínimo, em € 3.500,00], quer na parte em que condenou os RR. na sanção pecuniária compulsória de € 10,00 por cada dia de atraso no cumprimento do determinado judicialmente [por dever ter sido em € 25,00 por cada dia de atraso], quer, finalmente, na parte em que não condenou os RR. J (...) e A (...) como litigantes de má-fé?

            b) apelação dos RR.

- nulidade da sentença por conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia) e em quantidade superior e objecto diverso do pedido – ao decidir a questão atinente ao muro divisório pela via do reconhecimento da meação do A. no mesmo não obstante o A. haver invocado a exclusiva propriedade do mesmo, e proferindo condenação traduzida num avanço superior ao peticionado [2ª parte da al.d) e e) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil]?;

- nulidade da sentença por falta de fundamentação da matéria de facto (art. 607º, nº4 do n.C.P.Civil)?;

            - impugnação da matéria de facto, quanto aos pontos F, G, H, J, K, M, O, P, Q, R, Z (dados por provados incorrectamente)?;

- incorrecto julgamento de direito da decisão recorrida, pois que sempre deveria proceder a reconvenção (Acessão Imobiliária)?;

- incorrecto julgamento de direito, em qualquer caso, por sempre se estar perante Abuso de Direito (art. 334º do C.Civil)?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado como “provado” pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.

De referir que vão constar com destaque a negrito os factos (“provados” ou “não provados”), que são fruto das alterações ocorridas quer por via do acórdão que anteriormente apreciou a impugnação da matéria de facto, quer por via da nova audiência de julgamento.

Tendo presente estas circunstâncias, são os seguintes os factos que se consideraram provados no tribunal a quo:

A. O prédio de natureza urbana constituído por casa de rés-do-chão e sótão, com logradouro, sito na Rua (...) , limite da freguesia de (...) , do município de (...) , inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 1218, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 1885, encontra-se registado a favor do A., por permuta, pela apresentação 1834 de 2009/08/21.

B. O prédio urbano destinado a habitação, constituído por uma casa com uma loja e primeiro andar, com balcão coberto e um curral anexo, sito no C (...) na indicada freguesia de (...) , inscrito na matriz respectiva sob o artigo 508, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1240 encontra-se registado a favor do A., por compra, pela apresentação 2354 de 2009/03/23.

C. O A. é proprietário e legítimo possuidor do prédio de natureza urbana constituído por casa de rés-do-chão, sito no C (...) com a área de 44 m², na indicada freguesia de (...) , omisso na matriz e não descrito na Conservatória do Registo Predial, adquirido por contrato de compra e venda celebrado em Agosto de 2008 com M (...) .

D. O prédio urbano composto de palheiro, com logradouro anexo, sito na Rua do C (...) nº 91, da mesma freguesia de (...) , inscrito na matriz com o nº 461, a confrontar a com sul caleijo, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 1677, e inscrito a favor dos primeiros R.R. através da apresentação 1796, de 2009/08/21.

E. O prédio referido em A) é contíguo ao prédio referido em D).
E1. Em 17 de Agosto de 2009. os R.R. (…) como PRIMEIROS OUTORGANTES, celebraram com o A.. como SEGUNDO OUTORGANTE, um “contrato de permuta”, sendo as assinaturas dos outorgantes devidamente reconhecidas no Cartório do Sr. Notário Dr. (…) (...) , Rua (...) , inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1218 (prédio identificado em A.), e o A. declarou permutar com eles o prédio urbano composto por palheiro com a SC 45m2: tendo anexo um curral com 42 m2, sito no C (...) n. 91, freguesia de (...) , inscrito na matriz com o n° 461 (prédio identificado em D.).
E2. Acordaram ainda no mesmo contrato o seguinte: «Os PRIMEIROS OUTORGANTES declaram ceder do curral anexo, com
42 m2. do prédio urbano que recebem em permuta composto de palheiro com
a SC 54m2, sito na Rua do C (...) n° 91, freguesia de (...) ,
concelho de (...) , inscrito na matriz com o n° 461, a necessária área, até
um máximo de 1 m de largura, de modo a que a entrada e a passagem para
entrada dos prédios do SEGUNTO OUTORGANTE, fique com uma largura de
3,80 metros.
»
E bem assim que: «Com a permuta dos referidos prédios, fica extinta, por reunião. a servidão que onerava um prédio do SEGUNDO OUTORGANTE a favor do prédio urbano constituído por casa de rés-do-chão e sótão e logradouro, sito em (...) . Rua (...) , naquela freguesia de (...) , inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1218, com o valor patrimonial tributário e de IMT de 2.230.00. descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número mil oitocentos e oitenta e cinco, da mesma freguesia de (...) ».

E3. Mais consta do referido contrato o seguinte: «Os PRIMEIROS OUTORGANTES declaram que não irão abrir qualquer janela ou fresta para os prédios do SEGUNDO OUTORGANTE, com excepção do espaço onde se situava a servidão, na parte correspondente à respectiva entrada, concretamente na parede onde vai ser efectuado o alargamento referido supra.

F. Até meados de Outubro/Novembro de 2010, estes dois prédios encontravam-se divididos, na parte do curral anexo do prédio referido em D) e na parte do logradouro do prédio referido em A), por uma parede ou muro em granito.

G. A parede/muro tinha 55 cm’s de largura, em toda a sua extensão e altura, composta/o por um poste/pilar em granito, onde esteve e está fixado um portão que veda o acesso aos referidos prédios do A., e por duas “lajes” de granito com mais de 400 Kgs. de peso.

H. A mais alta das referidas lajes tinha cerca de 2 metros de altura, contados do chão e a mais baixa com cerca de 1,60 metros de altura, ambas com a espessura de cerca de 12 cms. na parte mais grossa e que se encontravam enterradas no chão, na vertical.

I. A parede ou muro divisório referidos em G) era também composta por pedras de granito regularmente dispostas a nascente das referidas “lajes” e às mesmas encostadas do mesmo lado, bem como por outras pedras de granito regularmente dispostas no intervalo daquelas “lajes”, travando-as.

J. As pedras de granito referidas em I), regularmente dispostas no intervalo das “lajes”, passavam e sobressaiam cerca de 10/15 cms para o lado do prédio do autor, configurando duas saliências na vertical, tipo coluna, regularmente dispostas no intervalo das “lajes”.

K. Uma dessas saliências, com cerca de 30 cms. de largura, encontrava-se no meio das duas “lajes”.

L. E a outra, também com cerca de 30 cms. de largura, entre a “laje” sita mais a sul e a parede norte da casa do A.

M. As referidas “lajes” estavam colocadas no enfiamento do poste/pilar de granito referido em G), alinhadas sensivelmente pelo meio da face sul do mesmo e era onde a parede ou muro divisório tinha o seu início.

N. E era também nesse poste/pilar de granito que terminava a parede que desde a rua separava a norte o curral do prédio referido em D).

O. Aquela parede ou muro divisório seguia sempre, desde aquele poste/pilar, e em linha recta até à esquina da parede norte do prédio identificado em A).

P. Estando as referidas “lajes” alinhadas sensivelmente pelo meio de um outro poste/pilar existente a norte daquele, onde está igualmente fixado o mesmo portão, e com a esquina norte/nascente ou topo nascente da parede norte da casa do prédio do A. e igual esquina da parede sul da mesma casa.

Q. No poste/pilar em granito existente na parede ou muro divisório foi fixado, há mais de 20, 30, 40 e 50 anos, pelos antepossuidores e anteproprietários dos seus identificados prédios, um portão, que a partir daí vedava o acesso aos mesmos.

R. Nesse poste/pilar, há mais de 20, 30, 40 e 50 anos, os antepossuidores e anteproprietários dos seus identificados prédios cravaram/chumbaram os suportes em ferro/dobradiças que seguravam o referido portão, que se ali se manteve ininterruptamente ao longo dos anos.

S. Tal como os referidos suportes em ferro/dobradiças, que, igualmente, ali se mantiveram cravados/chumbados, ininterruptamente ao longo dos últimos 20, 30, 40 e 50 anos, até aos dias de hoje.

T. O mesmo acontecendo noutro poste/pilar existente no enfiamento daquele, a norte, do outro lado da passagem, onde igualmente os antepossuidores e anteproprietários dos identificados prédios do A. fixaram o portão e cravaram/chumbaram iguais suportes em ferro/dobradiças.

U. E nesses postes/pilares o A. fixou, por volta de Fevereiro/Março de 2009, cravando-os, os suportes metálicos de um novo portão que ali colocou para vedar o acesso aos seus prédios.

V. A referida parede ou muro divisório ali se manteve, nos termos descritos e sem qualquer alteração, salvo o desprendimento de algumas pequenas pedras, por força da sua normal erosão e condições atmosféricas, ininterruptamente ao longo dos últimos 50/60 anos e até finais de 2010 (por volta de Novembro/Dezembro de 2010).

W. Dividindo desde há mais de 50/60 anos, o prédio identificado em A) do prédio identificado em D).

X. À vista de toda a gente, designadamente dos primeiros R.R. e do R. A (...) .

Y. Sem oposição de ninguém, designadamente dos primeiros R.R.

Z. Os antepossuidores e anteproprietários dos identificados prédios do A. tinham a convicção, de quem conhecia os prédios, designadamente dos primeiros R.R., que o muro em lages em granito dividia e sempre assim dividiu os mesmos e que o poste/pilar que também compunha a/o parede ou muro divisório, tinha igualmente, a função de suportar o portão referido em Q) que vedava, e veda, o acesso aos prédios referidos em A), B) e C).

AA. E contra a/o parede ou muro divisório referida/o em G), o A. empilhou lenha, servindo aquela/e de suporte para o seu acondicionamento nesse local.

BB. Sobre a parte sul da/o dita/o parede ou muro divisório, o A. e os antepossuidores e anteproprietários do prédio do A. identificado em A), têm feito escoar as águas pluviais das últimas caleiras do telhado da sua casa sita a nascente.

CC. Ali recebendo aquela/e parede ou muro divisório as águas pluviais dessas caleiras provenientes do seu telhado, ininterruptamente desde há mais de 20, 30, 40 e 50 anos.

DD. Sempre à vista de toda a gente.

EE. Sem nunca terem recebido oposição de quem quer que fosse, designadamente dos R.R.

FF. Sem dar contas a ninguém e sem ninguém lhas pedir?

GG. Sem intenção de prejudicar quem quer que seja e na convicção de que não violavam direitos de terceiros.

HH. Tudo na convicção sua, e de quem conhecia o prédio identificado em A) e a/o dita/o parede ou muro divisório, de estarem, o A., os anteriores antepossuidores e anteproprietários dos seus prédios, a exercer os poderes correspondentes à sua qualidade de únicos e legítimos proprietários e possuidores daquela/e parede ou muro divisório.

II. Em meados de Outubro de 2010, os primeiros R.R. começaram a construir uma casa de habitação no seu prédio.

JJ. Os RR. adjudicaram a construção da referida casa ao réu A (...) .

KK. O Réu A (...) é empreiteiro da construção civil.

LL. O Réu (…) contraiu matrimónio com a Ré (…) em 7 de Junho de 1986, sem convenção antenupcial.

MM. Os proveitos que retira na sua actividade são canalizados para as respectivas despesas, designadamente de habitação, alimentação, electricidade, gás e educação dos filhos.

NN. O R. (…) era o engenheiro responsável pela parte técnica da obra e pela sua fiscalização e conformidade com o respectivo projecto de construção.

OO. Ao procederem à construção da referida casa, os primeiros R.R., por intermédio do réu (…), por volta de Outubro/Novembro de 2010, procederam à demolição da parede referida em G), arrancando as “lajes” do chão e deitando abaixo todas as pedras, designadamente as que formavam as referidas saliências, pedras e “lajes” de que, aliás, bem como as pedras que estavam encostadas a nascente das referidas lages.

PP. O que fizeram sem autorização do A. e contra a sua vontade.

QQ. Os primeiros R.R. e o R. (…) não reconstruíram a/o parede ou muro divisório referido em G) nos termos em que existia, anteriormente com as “lajes” e as pedras de granito visíveis do lado do prédio do autor – e com as demais pedras encostadas do lado Nascente das referidas lages. (…) , após aquela destruição, erigiram a parede da sua casa, numa extensão de cerca 3,30 metros, desde a sua esquina norte até à parede norte da casa do prédio identificado em A).

SS. Os RR. construíram a referida parede da sua habitação do prédio referido em D), cerca de 36 cms, para além da face mais próxima do pilar de granito referido em G) no sentido do prédio referido em A).

TT. E 51 cms a contar do meio do referido pilar.

UU. E 66 cms a contar da face de trás do pilar em granito.

VV. E antes da construção da mesma nada estava construído a poente do referido poste/pilar, pois ali se iniciava o logradouro do prédio indicado em A).

WW. Sabiam os primeiros R.R. e o R. (…) que construíam tal para além de onde anteriormente estava o muro divisório referido em G), ultrapassando os limites do prédio referido em D), e que se apropriavam de uma faixa de terreno que não pertencia a este e fazia parte do prédio identificado em A).

XX. O que fizeram sem a autorização e contra a vontade do autor.

YY. A parede referida em RR. impede o livre escoamento das águas pluviais a partir do telhado da casa do prédio referido em A) em três caleiros, porque os tapa, encontrando-se actualmente completamente encostada à parede do prédio referido em A).

ZZ. A parede referida em RR. tapa as pedras de granito maiores usadas como cunha no topo nascente da parede norte do prédio referido em A).

AAA. E a altura da casa do prédio referido em D), com rés-do-chão e 1º andar, até ao telhado, ultrapassa em altura a casa situada no prédio identificado em A), em dimensão não apurada.

BBB. O A. pretendia e pretende manter à vista as referidas pedras de granito.

CCC. Para manter as características rústicas dos seus referidos prédios, que formam uma unidade desde a rua a nascente, que estão completamente vedados.

DDD. Sendo sua intenção restaurar todas as construções aí existentes.

EEE. Sempre tendo sido seu objectivo manter inalterada a parede ou muro divisório nos termos em que se encontrava com as “lajes” em granito.

FFF. Para revestir a referida parede em granito terá gastos com materiais e mão-de-obra de pedreiros, em valor monetário nunca inferiores a € 2.000,00 (dois mil euros).

GGG. A construção da casa de habitação referida em II. foi feita com inobservância das notações constantes do respectivo projecto.

HHH. A actuação de todos os R.R. provocou desgosto e tristeza ao A., tanto mais que os primeiros R.R. são seus tios.

III – Em virtude da destruição da parede ou muro divisório, e da ocupação de parte do seu logradouro, o A. tem tido o descanso nocturno perturbado;

JJJ – O A. fala recorrentemente no assunto, mostrando a sua tristeza e revolta a familiares e amigos, dada a actuação dos R.R..

KKK. Desde que tomou conhecimento da destruição do muro e da ocupação da faixa de terreno do prédio referido em A), passou e continua a passar por momentos de ansiedade, de falta de sossego e de tranquilidade.

LLL. O A. está desapontado por ver destruído um muro rústico que pretendia manter como tal.

MMM. E por ver construída dentro dos limites do seu prédio, uma parede em cimento que tira as características rústicas ao conjunto dos prédios referidos em A), B) e C).

NNN. Que adquiriu com o objectivo de manter todas as características rústicas das construções.

OOO. O que os R.R. inviabilizam com a destruição da parede ou muro divisório.

PPP. A parede referida em RR. é feita em blocos, com estabilidade de vigas, vigotas e pilares.

QQQ. Os primeiros R.R. procederam à colocação de vários tubos em PVC e outros materiais na parede norte da sua casa e sob o solo do espaço – passagem –, que vai desde a rua pública a sita a Nascente, até à parte mais larga do logradouro ou curral do A.

RRR. A referida passagem sempre foi apenas utilizado pelo A. e anteriores antepossuidores e anteproprietários dos indicados prédios identificados em A), B) e C) para acesso aos mesmos, o que era do conhecimento dos RR.

SSS. Não servindo nem dando acesso a qualquer outro prédio.

TTT. Espaço que o A. sempre fruiu, usou e utilizou materialmente, em seu proveito próprio, zelando pela sua conservação e manutenção, designadamente limpando-o e tornando-o transitável.

UUU. Agindo o A., por si, e pelos seus anteriores antepossuidores e anteproprietários nos termos descritos, sempre sem interrupção temporal, continuadamente, há mais de 20,30, 40 e 50 anos a esta parte.

VVV. Os R.R. (…) sempre consideraram que a passagem referida em QQQ. pertencia ao prédio descrito em C).

WWW. E que a referida passagem era a única que dava acesso aos prédios referidos em A), B) e C).

XXX. O documento referido em 21. da réplica foi acordado no escritório do ilustre mandatário dos primeiros réus, que na altura já os representava.

YYY. A Ré (…) viveu e cresceu numa casa que se situa sensivelmente em frente ao seu prédio, do outro lado da rua.

ZZZ. Ali se desloca, com o R. (…, seu marido, várias vezes por ano.

AAAA. Na planta que consta do projecto apresentado na Câmara Municipal de (...) pelos Réus (…) a referida parede foi desenhada e está projectada em cima da parede inicial demolida pelos Réus, sem ultrapassar os seus limites para poente, nem a face/lado poente do poste/pilar referido.

BBBB. A parede não foi construída como consta da planta 05.00 do projecto de obra da casa dos R.R. (…)mas para além dos limites que ali constam.

CCCC. Logo que tomou conhecimento de que os réus estavam a construir a parede dentro dos limites do seu prédio, em Fevereiro de 2011, o Autor contactou o Réu (…) e convocou-o junto do prédio dos Réus J(…) o onde lhe comunicou a sua oposição ao sucedido.

DDDD. Dias depois, o autor deu nota à Ré (…)do mesmo, alertando-a que estavam a construir a parede no seu prédio.

EEEE. Como os Réus continuaram com a construção da parede, em 28/03/2011 o Autor remeteu aos Réus (…) carta registada com aviso de recepção, datada do mesmo dia, com o seguinte teor:

«Logo que constatei estarem a levantar o muro da casa que se encontram a construir na Rua do C(...) em (...) totalmente dentro dos limites do meu prédio, ultrapassando os limites da vossa propriedade em pelo menos 70 cms., foram V. Exas., já lá vai mais de um mês, expressa e pessoalmente advertidos para não continuarem com o levantamento do referido muro e devidamente alertados para as consequências no caso de prosseguirem com a construção e a violação do meu direito de propriedade. Na ocasião, exigi que V. Exas. dessem instruções nesse sentido ao empreiteiro a quem adjudicaram a obra, o que não fizeram. O referido empreiteiro foi, também, por mim pessoalmente advertido nos mesmos termos. A mesma exigência foi feita, na ocasião, pelo meu advogado, Dr. (…), ao vosso advogado, Dr. (…)a, via telefone, e repetida recentemente por escrito. Dado que continuaram e continuam a construir o muro no meu terreno, o que é inadmissível, informo que dei instruções ao meu advogado para instaurar a competente acção civil com vista ao reconhecimento do meu direito e à consequente demolição do muro, que como referi e V. Exas., aliás, bem sabem, está a ser construído dentro dos limites da minha propriedade. Agradeço que qualquer contacto seja feito através do meu advogado.»

FFFF. A qual foi enviada para a residência dos Réus (…) que consta da escritura de permuta junta com a petição inicial.

GGGG. É também essa a residência dos Réus (…)que consta peça processual (contestação) entregue por via electrónica nos presentes autos.

HHHH. A carta referida foi devolvida com a indicação “não reclamado”.

IIII. O Autor enviou nova carta, desta vez simples, com o mesmo teor, aos Réus (…), em 12.04.2011, que não foi devolvida.

JJJJ. Em 8.04.2011, o Autor enviou para o telemóvel da Ré (…), com o n.º (…), uma mensagem escrita com o seguinte teor:

«Foi expressamente exigido a V. Exas, há já mais de dois meses, para não prosseguirem coma construção do muro da casa que se encontram a edificar em (...) , dado que, como sabem, o estavam a fazer totalmente dentro dos limites do meu prédio, ultrapassando os limites da vossa propriedade em pelo menos 70 cms.»

KKKK. Constituindo a passagem [a referida em QQQ] para acesso a dois outros prédios do A., o primeiro com o artigo matricial 1218.º (identificado em 1. da petição inicial) e o segundo omisso na matriz (identificado em 5. da petição inicial).

LLLL. Na construção que realizaram, os primeiros RR. recuaram o seu prédio do lado norte cerca de 1,00 m.

MMMM. De forma a dar à passagem existente uma largura de mais de 1,00.

*

E os seguintes os factos “não provados” elencados pelo tribunal a quo:

KKKK. Actualmente, o prédio identificado em 1) confronta a norte com o prédio identificado em 3., a sul com caleijo, a nascente com o prédio referido em 7., a poente com o prédio referido em 5.

LLLL. Actualmente, o prédio identificado em 3) confronta a norte com E (...) , a sul com os prédios identificados em 1 e 5) e com o prédio identificado em 7., a nascente com rua e E (...) e a poente com o prédio referido em 5. e M (...) , A (...) e outros.

MMMM. Actualmente, o prédio identificado em 5) confronta a norte com o prédio identificado no artigo 3, a sul com caleijo, a nascente com o prédio identificado em 3. e a poente com M (...) .

NNNN. O prédio referido em 1. confina a nascente com o prédio referido em 7. numa extensão de cerca de 8,70 metros, no sentido Norte-Sul.

OOOO. A referida parede ou muro divisório foi construída/o há mais de 50/60 anos pelos antepossuidores e anteproprietários do prédio identificado em A).

PPPP. Não existiam nessa parede ou muro divisório espigões em ladeira, cachorros de pedra salientes encravados em toda a sua largura, ou qualquer construção sustentada em toda a sua largura que deitassem para o lado do prédio referido em D).

QQQQ. A construção da casa de habitação referido em II. provoca infiltrações de águas pluviais pelas paredes Nascente e Norte do prédio referido em A).

RRRR. Para revestir a referida parede em granito, da casa de habitação referida em II. o A. perderá pelo menos mais 25 cms. do seu terreno.

SSSS. Os Réus construíram a parede da sua casa de habitação nos limites do prédio descrito em D).

TTTT. Os RR. construíram a parede da casa de habitação convictos que tal construção se fazia dentro dos limites do prédio referido em D).

UUUU. A parede referida em RR. tem valor superior a € 500,00.

VVVV. Em (...) e no local de construção da casa de habitação referida em II., o m2 não vale mais de € 10,00.

WWWW. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em JJJJ., a mensagem tinha ainda o seguinte teor:

«Foram V. Exas. alertados para as consequências caso prosseguissem com a construção e com a violação do meu direito de propriedade. O empreiteiro a quem adjudicaram a obra foi, também, por mim advertido nos mesmos termos. A mesma exigência foi feita ao vosso advogado pelo meu advogado. V. Exas prosseguiram, todavia, com a construção do muro. Não levantaram, agora, a carta registada que remeti em 28 de Março para a vossa residência de M(...) , carta cujo conteúdo bem conhecem. Informo, pois, que dei instruções ao meu advogado para instaurar a competente acção civil com vista ao reconhecimento do meu direito e à consequente demolição do muro, que como referi e V. Exas, aliás, bem sabem, está a ser construído dentro dos limites da minha propriedade.»

AAAAA. No contexto dos contactos/conversas referidas em CCCC e DDDD, o A. tivesse, respectivamente, avisado o Réu (…) para, de imediato, parar com a construção da parede e para não continuar a levantar a mesma e tivesse advertido a Ré (…) para não continuarem com o levantamento da parede e para as consequências no caso de prosseguirem, exigindo ainda a esta que fossem dadas instruções ao empreiteiro (Réu (…)) para parar com a construção da parede.

BBBBB. O dito espaço-passagem pertencia ao prédio do A. com o artigo 508.º.

                                                                       *

3.2 – A primeira ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz nas alegadas nulidades da sentença.

Apreciando a arguição de nulidades da sentença suscitadas no recurso do A./recorrente, a saber, nulidades da sentença por esta padecer “de erros de facto e de direito que a tornam ambígua, obscura e ininteligível”, e bem assim por “alguns dos seus fundamentos se encontrarem em oposição com a decisão” (al.c) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil), diremos o seguinte:

 A resposta a esta questão é claramente negativa – e releve-se este juízo antecipatório! – aliás, só se compreendendo a sua arguição por um qualquer equívoco ou deficiente interpretação dos conceitos legais.

É que segundo a referida alínea c) do citado art. 615º, nº1 do n.C.P.Civil, a sentença será nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, mas, obviamente que quando se fala, a tal propósito, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à contradição real entre os fundamentos e a decisão; está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto.

Na verdade, o que está em causa nesse normativo é a contradição resultante de a fundamentação da sentença apontar num sentido e a decisão (dispositivo da sentença) seguir caminho oposto ou direção diferente[3], inserindo-se no quadro dos vícios formais da sentença, tal como elencados nos art.os 667º e 668º do C.P.Civil[4], e atualmente nos art.os 614º e segs. do n.C.P.Civil, sem contender, pois, com questões de substância, que, como tais, já se prendem com o mérito, e não com o âmbito formal.

Acontece que se constata que o Autor ora Recorrente entende que se verifica essa dita nulidade por carecer em absoluto de sustentabilidade a fundamentação enunciada na sentença quanto a pontos de facto que discrimina (pontos LLLL. e MMMM.), nomeadamente discordando da credibilidade conferida a algumas testemunhas, e bem assim face à incorrecção da decisão quanto aos pedidos formulados em O) e J) (na parte em que improcederam), pois que esses deviam ter sido julgados procedentes, “quer por tal se impor face à prova produzida e aos factos, quer por tal se impor, também, face ao direito, que não se mostra correctamente aplicado na sentença em crise.

Contudo, compulsada a sentença, o que se constata é que foi face à matéria de facto nela alinhada como provada/assente que se perfilhou um determinado enquadramento jurídico, sendo em coerência com essa fundamentação de facto e de direito que veio a ser proferida a “decisão”.

Dito de outra forma: só fazendo uma interpretação enviesada ou redutora da linha de fundamentação seguida na sentença se pode sustentar que foi cometido este vício – com referência à “decisão” constante do “dispositivo”...

Não obstante o vindo de dizer, o que foi citado em termos de fundamentação (latu sensu) pelo tribunal a quo, poderá constituir um eventual erro de julgamento (quer de facto, quer de direito) sobre a questão sub judice, mas não um vício estrutural da sentença, que tivesse virtualidades para conduzir à nulidade da mesma.

Termos em que improcede claramente esta via de argumentação aduzida pelo Autor/recorrente como fundamento para a procedência do recurso, sem embargo do que infra se decidirá na apreciação dos também alegados fundamentos recursivos da “impugnação da matéria de facto” e do “erro na aplicação do direito”.

                                                           *

E que dizer da arguição de nulidades da sentença suscitadas no recurso dos RR., a saber, por conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia) e em quantidade superior e objecto diverso do pedido – ao decidir a questão atinente ao muro divisório pela via do reconhecimento da meação do A. no mesmo não obstante o A. haver invocado a exclusiva propriedade do mesmo, e proferindo condenação traduzida num avanço superior ao peticionado (2ª parte da al.d) e e) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil, respectivamente)?

 Liminarmente se constata que tal arguição constitui a reprodução exata do que fora suscitado no recurso sobre a anterior sentença por parte dos mesmos, isto é, o que versou sobre a 1ª sentença do Tribunal a quo.

Acresce que os RR./recorrentes aludem em pontos sintéticos à mesma quando “historiam” o iter processual que o presente diferendo já teve, mais concretamente a fls. 9/66 quando falam das conclusões da  “Apelação Interposta À Anterior Sentença”, isto é, sem que igual crítica façam à nova/atual sentença recorrida.

Pelo que, na medida em que tais arguições de nulidade foram oportunamente apreciadas no anterior acórdão desta Relação que versou sobre a anterior Sentença, o qual sobre tal decidiu no sentido da respectiva improcedência, nada sendo agora trazido de novo, impõe-se o caso julgado formado pelo anterior acórdão sobre tais matérias.

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, improcede esta questão recursiva.

*

E que dizer do argumento da nulidade da sentença por falta de fundamentação da matéria de facto (art. 607º, nº4 do n.C.P.Civil) que igualmente consta das “conclusões” do recurso dos RR./recorrentes ?

Ocorre quanto a esta questão a mesmíssima situação vinda de relatar quanto às demais nulidades suscitadas no recurso dos RR..

Pelo que, dando aqui por reproduzido, mutatis mutandis, o vindo de dizer, no sentido de se impor o caso julgado formado pelo anterior acórdão sobre esta matéria, igualmente se declara improcedente, sem necessidade de maiores considerações, esta questão recursiva.

                                                           *

3.3 – Na sequência lógica das questões suscitadas nos recursos, cremos que se impõe conhecer agora da suscitada inconstitucionalidade da sentença por violação do disposto nos arts. 203º e 205º, nº1 da Constituição da República Portuguesa (recurso do A./recorrente).

Para fundamentar uma tal questão, argumentou o A./recorrente da seguinte forma:

«Face à violação dos art.ºs 352.º, 355.º, n.º 1, 356.º, 358.º, n.º 1, 799.º, n.º 1, do Código Civil, dos art.ºs 463.º e 566.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [fundamentação dos pontos LLLL. e MMMM. dos factos provados], dos art.ºs 22.º, al. a), do DL n.º 116/2008, de 4.07.20018, 371º, 372º, 376º, nºs 1 e 2, 377º, 393º, n.ºs 1 e 2, 799º, 874º, e 1569º, n.º 1, al. a), do Código Civil [fundamentação do ponto BBBBB. dos factos não provados], a decisão do Tribunal a quo é inconstitucional por violação dos art.ºs 203.º da Constituição da Republica Portuguesa, bem como por violação do n.º 1 do art.º 4.º da Lei da organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26/08, o que desde já se invoca.

Com efeito, estando o Tribunal a quo sujeito à lei, como estabelece aquela disposição constitucional, não a acatou nem cumpriu no caso concreto, decidindo contra a mesma, em particular as normas indicadas.

Por outro lado, não tendo acatado a decisão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra proferida nestes autos, concretamente na parte em que este estabeleceu os efeitos do contrato de permuta, violou-se o disposto no n.º 1 do art.º 4.º da Lei da organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26/08).»

Que dizer?

Salvo o devido respeito, que esta arguição é destituída de qualquer fundamento.

Senão vejamos.

Preceitua-se da seguinte forma em cada um dos ditos normativos:

«Artigo 203.º

                                                         (Independência)

Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.»

«Artigo 205.º

                                                  (Decisões dos Tribunais)

1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

2. As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades.

3. A lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução

Temos então que, nos termos da Constituição (art. 203º), os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei, sendo que as suas decisões (que não sejam de mero expediente), são fundamentadas na forma prevista na lei (art. 205º, nº1).

É isto que em bom rigor decorre dos normativos invocados.

Ora se assim é, em que medida e porque é que a sentença recorrida violou tal?

No entender do Autor/recorrente, porque estando o Tribunal a quo sujeito à lei, não a acatou nem cumpriu no caso concreto, decidindo contra a mesma, em particular as normas indicadas.

Com a devida vénia, só se pode compreender este raciocínio como fruto de um deficiente conhecimento ou compreensão do que decorre do princípio invocado.

É que um tal entendimento, no limite, contenderia, isso sim, com a independência funcional do Juiz, a qual, consabidamente, constitui o núcleo duro do princípio da independência, donde, este último significa apenas e tão somente que, no exercício da sua função jurisdicional, o Juiz está apenas submetido “às fontes de direito jurídico-constitucionalmente reconhecidas”.[5]

Donde, naturalmente que o Juiz nem está condicionado pelas alegações das partes no domínio da indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas, nem, obviamente tem que nessa interpretação perfilhar uma qualquer posição dogmática ou pré-definida: nisso consiste a liberdade de julgamento, sem a qual perde qualquer sentido a função dos Tribunais – de solução dos litígios mediante decisão de um Juiz imparcial e livre no ato de julgar.

Obviamente que o que se vem de dizer não permite a arbitrariedade ou completa discricionariedade no acto de julgar, rectius, de interpretar e aplicar a lei.

Com esse direto objectivo existe a exigência de fundamentação das decisões judiciais (cf. dito art. 205, nº1 da CRP), ou da “motivação de sentenças”, a qual radica em três razões fundamentais: (i) controlo da administração da justiça; (ii) exclusão do carácter voluntarístico e subjectivo do exercício da actividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes; (iii) melhor estruturação dos eventuais recursos, permitindo às partes em juízo um rcorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas.[6]

  O que tudo serve para dizer que, à luz dos princípios constitucionais invocados, devidamente interpretados, não vislumbramos de todo como sustentar que, no caso concreto, o Juiz a quo decidiu “contra a lei”.

Não foi isso que seguramente aconteceu, antes o Juiz decidiu “sujeito à lei”, pois que a invocou pari passu, cuidando de a interpretar e aplicar para o efeito.

O que se denota é que o Autor/recorrente discorda da interpretação e aplicação que da lei foi feita.

Só que isso é outro patamar da questão…, sendo certo que a ter havido erro de julgamento, tal será aquilatado nesta instância de recurso, sendo essa a função primordial do recurso interposto e a que este Tribunal está interpelado, o que o mesmo cumprirá face à “motivação” que foi enunciada na decisão e que constitui o percurso lógico-jurídico da mesma.

Apreciação essa de que se tratará na sequência imediata, quer em termos de facto, quer de direito.

Por outro lado, também não assiste razão ao Autor/recorrente quando invoca que a decisão recorrida não acatou a decisão do anterior acórdão deste mesmo Tribunal (“concretamente na parte em que este estabeleceu os efeitos do contrato de permuta”), pois que no anterior acórdão não se chegou apreciar o mérito da decisão – nesse ou em qualquer outro particular! – apenas e tão-somente se consignou em termos de matéria de facto o que as partes haviam acordado entre si no que haviam designado por “contrato de permuta”, sem que deste se retirassem quaisquer efeitos em definitivo…

Donde, sem necessidade de maiores considerações, também nesta parte improceder manifestamente o invocado pelo Autor/recorrente.

                                                           *

3.4 – Os RR./recorrentes deduzem impugnação da matéria de facto quanto aos pontos F, G, H, J, K, M, O, P, Q, R e Z (que dizem ter sido dados por provados incorrectamente), importando ter presente que estes foram precisamente os pontos de facto já visados no 1º recurso interposto, relativamente ao que o anterior acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra julgou procedente a apelação, no enquadramento de falta de fundamentação das respostas correspondentes, determinando-se então quanto a esta parte a remessa dos autos à 1ª instância, a fim de ser preenchida essa falha com base nas gravações efectuadas (ou através da repetição da produção de prova), para efeitos de inserção da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto no particular destes pontos de facto.

Que foi precisamente o que a Exma. Juíza de 1ª instância cuidou de fazer, sendo certo que o fez ao longo de mais de 4 páginas de texto.

Antes de mais é de referir que respeitam estes factos à existência de um muro divisório e a sua concreta configuração, bem como a destinação de que servia para dividir o prédio referido em A) e o prédio referido em D), propriedade do A. e dos R.R., respectivamente.

Naturalmente sendo esta uma das principais, senão a questão crucial do litígio entre as partes, ela constituiu a grande temática da audiência, prestação dos depoimentos de parte e inquirição das testemunhas que aí tiveram lugar.

Desde logo se constata que os RR./recorrentes intentam fazer a demonstração de que face aos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência – sendo que cuidaram de reproduzir partes relevantes dos depoimentos de algumas delas! –, mormente as por si arroladas, os factos em causa, no seu global, não podiam efectivamente ter sido considerados “provados”.

Que dizer?

(…)

Assim ficando decidida a impugnação da matéria de facto dos recursos.

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1– Cumpre agora entrar na apreciação da questão seguinte supra enunciada constante do recurso dos RR./recorrentes – incorrecto julgamento de direito da decisão recorrida, pois que sempre deveria proceder a reconvenção (Acessão Imobiliária):

De referir que os RR./recorrentes haviam deduzido reconvenção, assente precisamente nesta questão da acessão industrial imobiliária, para o caso do pedido do A. ser julgado procedente, alegando os RR. que haviam adquirido a parcela de terreno ocupada pela construção da sua casa de habitação, mais concretamente quanto a parte da parede a poente, pela dita acessão industrial imobiliária.

Ora, a decisão de 1ª instância ora sob recurso, foi precisamente no sentido da procedência desse pedido do Autor, decisão essa que paralelamente julgou totalmente improcedente a reconvenção.

Daí que os RR./recorrentes insistam com esta questão no recurso que deduziram, procurando através dela reverter a decisão de procedência da acção quanto à parede da sua casa de habitação a poente (bem assim das demais questões com esta conexas – reposição do muro/parede divisória pré-existente e restituição da faixa de terreno do prédio do A. com a construção ocupada).

Acontece que, ao ser apreciada e decidida a reconvenção no Tribunal a quo, o que esteve subjacente e determinou a improcedência quanto a esta questão, foi basicamente por se ter concluído que, face à factualidade considerada como provada, não se poderia afirmar que os 1os RR. ignoravam lesar os direitos do Autor.

Na verdade, é requisito expresso e incontornável para o funcionamento da acessão industrial imobiliária, ex vi do constante do art. 1340º, nº1 do C.Civil, que exista boa fé do autor da incorporação.

Ademais, como bem sublinhado foi na sentença recorrida, essa boa fé tem que ser contínua, isto é, tem que se verificar em toda a actuação dos RR. que dela querem aproveitar.

Ocorre que a factualidade que subsiste como provada, mormente os factos “provados” sob os pontos CCCC., DDDD. ,EEEE. e JJJJ., e bem assim a dos pontos WW. e XX. dos mesmos factos “provados”.

Com efeito, encontra-se positiva e inapelavelmente apurado que o Autor, para além do mais, comunicou a sua oposição ao sucedido ao Réu empreiteiro, em Fevereiro de 2011, logo que tomou conhecimento que os Réus estavam a construir a parede dentro dos limites do seu prédio, dando nota do mesmo dias depois à Ré A (...) , como igualmente veio a comunicar a ambos esses RR., por carta registada com aviso de receção, remetida em 28/03/2011 (dado os mesmos terem continuado com a construção da parede), comunicação reiterada à Ré (…)por SMS, em 8.04.2011.

Aliás, não se vislumbra como possa ser sustentado o contrário, quando estava igualmente apurado que “Na planta que consta do projecto apresentado na Câmara Municipal de (...) pelos Réus (…)a referida parede foi desenhada e está projectada em cima da parede inicial demolida pelos Réus, sem ultrapassar os seus limites para poente, nem a face/lado poente do poste/pilar referido” (cf. ponto AAAA.), e que “A parede não foi construída como consta da planta 05.00 do projecto de obra da casa dos R.R. H (...) mas para além dos limites que ali constam” (cf. ponto BBBB.)…

Acresce, em todo o caso, como supra já enunciado (ditos pontos WW. e XX.), que ficou concludentemente apurado que os 1os RR. e o R. (…) bem souberam que “construíam a parede para além de onde anteriormente estava o muro divisório referido em G), ultrapassando os limites do prédio referido em D), e que se apropriavam de uma faixa de terreno que não pertencia a este e fazia parte do prédio referido em A), o que fizeram sem a autorização e contra a vontade do Autor!

Assim sendo, como nesta parte doutamente sublinhado pelo A. nas suas contra-alegações recursivas, “Recorrendo ao Ac. do STJ de 12.11.2013, citado pelos Réus, falta, desde logo, o necessário comportamento do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança e a necessária boa-fé do lesado (confiante)”…

Pelo que, sem necessidade de maiores considerações, improcede o recurso dos RR./recorrentes enquanto assente nesta questão recursiva.

                                                           *

4.2– Vejamos agora a subsequente questão suscitada pelos RR./recorrentes – a do incorrecto julgamento de direito, em qualquer caso, por sempre se estar perante Abuso de Direito (art. 334º do C.Civil):

Aqui já concluímos assistir-lhes razão – e releve-se este juízo antecipatório!

E nem se argumente de que se trata de uma “questão nova” apenas suscitada em sede de recurso, face ao que não pode ser apreciada.

Consabidamente, as questões novas, que não foram alegadas oportunamente, nem resultaram provadas, não podem ser levadas em conta, estando vedada a sua apreciação ao tribunal, nos termos do disposto no artº 608 nº 2 do n.C.P.Civil.

Com assaz pertinência neste particular, já foi em aresto jurisprudencial sustentado que “no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação; visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento; o que significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Daí o dizer-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas; estando por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso…[7]

Sucede que a questão suscitada com base no abuso do direito, sendo de conhecimento oficioso, pode e deve ser apreciada nesta instância de recurso.[8]

Passando-se então à sua apreciação, e sendo certo que continua em causa a procedência da ação, determinada pela decisão de 1ª instância, de demolição da parede da casa de habitação dos RR. a poente, bem assim a reposição do muro/parede divisória pré-existente e restituição da faixa de terreno do prédio do A. com a construção ocupada.

Começam por sustentar os RR./recorrentes quanto a este aspeto, no essencial, que nos encontramos perante uma situação paradigmática de venire contra factum proprium, na sua vertente positiva, isto porque o Autor não teria reagido em tempo oportuno, nomeadamente embargando a obra, antes “O A. deixou andar, até que estivesse a casa pronta e habitada para a “mandar derrubar”, sendo certo que “A situação é absurda: por causa de 1 ou 2 m2 no valor de 10, 20 ou 30 €, pede-se a destruição de uma casa com consequências económicas de 10.000, 20.000 ou 30.000,00 € ...”.   

Complementar ou subsidiariamente, invocam o mesmo instituto do abuso do direito, ora no enquadramento das modalidades do desequilíbrio no exercício (enquanto modalidade que assenta no princípio da proporcionalidade, co-natural à própria ideia de justiça, intuída como proporção ou justa medida), particularmente nas sub-modalidades da desproporção grave (ocorre quando entre o exercício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem resulta da prática de uma acção que ultrapasse os limites razoáveis do exercício de um direito, provocando danos para o sujeito passivo ou terceiro) e do exercício inútil danoso (quando a desproporção entre o exercício do A. e o sacrifício por ele pretensamente imposto aos RR. ser de tal forma grave que acaba por resultar em tal). 

Preliminarmente importa compreender este instituto jurídico.

O abuso de direito pressupõe a existência de um direito radicado na esfera do titular, direito que, contudo, é exercido por forma ilegítima por exceder manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social ou económico (art. 334º do C.Civil).

A justificação do instituto do abuso do direito assenta em razões de justiça e de equidade e prende-se com o facto das normas jurídicas serem gerais e abstratas.

 Poder-se-á, então, dizer que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.

Há neste exercício um desvio flagrante e ostentatório entre a dimensão do direito tutelado e compressão de um outro estado ou situação jurídica, que não estando salvaguardado pela ordem jurídica, terá obtido pela permanência na esfera jurídica de um outro sujeito, um estádio de quase direito que a consciência jurídica, numa assumpção de pré-juridicidade ou juridicidade fáctica, deve tutelar, ou pelo menos, obstar que seja desfeiteado pelo direito validamente constituído.

Os autores costumam assimilar ao instituto do abuso do direito o facto de alguém adoptar um comportamento que tipicamente se dirige em determinado sentido e que, extravagantemente, de forma inusitada e perversa, adquire novo rumo ao arrepio do que já estava sedimentado numa determinada relação jurídica, substantiva ou processual.

Na tipologia do abuso de direito sobressai o venire contra factum proprium, que equivale a dar o dito por não dito e radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, ao pressupor duas atitudes antagónicas, sendo a primeira (factum proprium) contrariada pela segunda atitude, com manifesta violação dos deveres de lealdade e dos limites impostos pelo principio da boa fé.

Dito de outra forma: o venire contra factum proprium encontra respaldo nas situações em que uma pessoa, por um certo período de tempo, se comporta de determinada maneira, gerando expectativas na outra de que o seu comportamento permanecerá inalterado.

Contudo temos para nós que não é essa a modalidade aqui susceptível de colher mínima procedência, posto que liminarmente não se divisa por parte do Autor o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo próprio: atente-se que resulta clara e ostensivamente da factualidade provada que o mesmo comunicou a sua oposição ao sucedido ao Réu empreiteiro, em Fevereiro de 2011, logo que tomou conhecimento que os Réus estavam a construir a parede dentro dos limites do seu prédio, oposição essa que manifestou na sequência aos demais RR., com destaque para os RR. J (...) e A (...) , o que fez por mais do que uma vez e por meios diversos, como já supra se deixou explicitado e devidamente enunciado.

Vejamos então das outras modalidades.

MENEZES CORDEIRO sintetiza em seis tipologias as situações em que tem sido colocada a ocorrência do abuso do direito, sendo que estas tipologias nos permitem, igualmente, enquadrar parâmetros de actuação aptos a concretizar os conceitos jurídicos indeterminados em que está ancorado o instituto do abuso do direito [em relação às referidas tipologias segue-se de perto o texto do referido autor].[9]

As referidas tipologias são as seguintes: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.

Em primeiro lugar, a exceptio doli traduzia-se numa actuação dolosa do titular na formação da sua situação jurídica ou no momento da própria discussão da causa.

Em segundo lugar, no venire contra factum proprium está em causa uma actuação do titular contraditória com um comportamento passado.

Trata-se, em suma, de tutelar a confiança gerada numa das partes pelo comportamento anterior da outra.

Em terceiro lugar, verifica-se uma inalegabilidade formal quando alguém alega de forma desconforme com a boa-fé, designadamente por lhe ter dado causa, a nulidade formal de um negócio.

Em quarto lugar, referem-se a supressio e a surrectio que são figuras baseadas nos mesmos fenómenos – decurso do tempo, boa-fé e tutela da confiança – mas de sentido inverso.

No primeiro caso, o decurso de um longo período de tempo sem o exercício de um direito faz com que o seu titular perca a faculdade do seu exercício.

No segundo caso, a manutenção de uma situação durante um longo período de tempo faz surgir numa pessoa uma faculdade jurídica que de outro modo não teria.

Em quinto lugar, o tu quoque traduz-se na inadmissibilidade do titular do direito aproveitar-se de uma violação de uma norma jurídica exigindo a outrem que actue em consonância com as consequências resultantes dessa violação.

Por fim, em sexto lugar, temos o desequilíbrio, ou seja, o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objectiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objectivo).

Temos presente que todas estas situações não são mais do que tipologias de comportamento em que historicamente se tem ancorado o raciocínio do abuso do direito, sendo que nem todas têm atual justificação e muitas delas se reconduzem, no fim de contas, a outras figuras, designadamente ao venire contra factum proprium, mas de qualquer forma permitem deixar mais claros os parâmetros em que se move o instituto invocado.

Dito isto, logo ressalta que, desconsiderado que está no caso vertente o venire contra factum proprium, a única outra modalidade do abuso de direito que merece ser ponderada no caso dos autos é a do desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, já que as outras remanescentes têm alcance claramente diverso da situação aqui retratada.

É certo que a modalidade do exercício danoso inútil se afigurava à partida como tendo alguma aptidão, mas parece-nos que igualmente deve ser desconsiderada, na medida em que não nos parece curial e legítimo dizer que o aqui Autor não retiraria qualquer benefício pessoal, antes com a sua atuação/exercício do direito não visava senão causar prejuízo aos RR..

E ainda que os RR./recorrentes nas suas alegações recursivas tivessem “temperado” esta figura através do uso da expressão “o exercício do direito pelo A. não lhe traz qualquer benefício substancial” (sublinhado nosso), cremos que uma tal situação já extravasa um pouco dos contornos desta concreta modalidade, aproximando-se mais da modalidade do desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, pelo que sobre ela nos vamos debruçar sem mais.

A propósito da mesma os RR./recorrentes utilizam a denominação de “desproporção grave”, mas independentemente destes aspectos do “nomem iuris”, está sempre nela em causa taxar-se de abusivo o exercício do direito, sempre que a vantagem dele resultante para o titular é mínima e desproporcionada com um sacrifício severo de outrem.[10]

Sucede que, em concreto, não resultou provado o que os RR. para este efeito invocaram, a saber, “O objectivo do A., com a presente acção, era que os RR., seus tios, fossem condenados a demolir a sua obra, o que implicaria gastos na ordem dos 20.000 ou 30.000 €. E isto porque, segundo a sua versão dos factos, ocuparam 1 ou 2 m2 do seu terreno. 1 ou 2 m2 de um terreno na aldeia de (...) !”, donde, “Sabido que na zona o valor do terreno ronda os 10 ou 20 €/m2, o prejuízo que adviria da ocupação ascenderia a € 10,00, 20,00 ou 40,00!”.

Pelo que, logo por aqui, não se pode efetivamente considerar que “a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo A. e o sacrifício imposto aos RR. é abissal”, como esses RR. igualmente invocaram.

Contudo, cremos que, sem qualquer sofisma, se pode e deve considerar que é um facto notório haver uma “desproporção grave” entre a vantagem substancial que o A. obteria com a demolição de parte da parede poente da casa dos 1os RR. – recuperar 1 a 2 m2 do seu terreno, na confinancia com o prédio dos 1os RR., isto numa freguesia rústica do interior do País, donde, terá valor nunca superior a €100, área essa com utilidade mínima para o A., o qual na questão parece ter basicamente interesses de ordem estética  (cf. factos “provados” sob os pontos BBB. a EEE.) – quando no confronto com o sacrifício imposto aos ditos 1os RR. – a demolição da parede poente em causa, ainda que só de parte da mesma, afetaria naturalmente a estrutura resistente da casa, refletindo-se naquele alçado que tem 2 pisos, implicando a destruição e subsequente construção alterada/corrigida, na medida do necessário, de um prédio de habitação finalizado, nomeadamente ao nível de pilares, vigas, vigotas, telhado e caleiras (para além de afetar uma lareira que existirá ao nível térreo segundo as peças desenhadas do projecto constante dos autos), donde ascendendo sempre a alguns milhares de euros, para além de um sacrifício pessoal para os ditos 1os RR., pelos incómodos, despesas e trabalhos acrescidos que tal demolição sempre implicaria.[11]

 Parece-nos, assim, claramente apurada uma situação de exercício danoso do direito por parte do A., posto que “A hipótese de desproporção de exercício pode revestir a forma de desequilíbrio grave entre o beneficio que da procedência da acção poderá advir para o titular exercente e o correspondente sacrifício que é imposto a outrem pelo exercício de tal direito, surgindo assim como possibilidade legalmente prevista de correcção de soluções que, ainda que legalmente suportadas, se apresentariam em concreto contrárias ao normal sentimento de justiça”, sendo precisamente perante uma tal situação que em douto aresto do qual foi respigado o trecho supra transcrito[12], se obstou ao exercício do direito que nele estava em causa, o que, pelo paralelismo, se entende dever igualmente suceder no caso vertente.

Termos em que, na procedência desta linha de argumentação recursiva, fica impedido o exercício do direito do A. neste particular, o qual, ao obter procedência, se traduziu na condenação dos RR. a demolirem a parede poente do prédio urbano em causa, a reconstruirem a anterior parede ou muro divisório existente nesse local antes da construção em causa, e bem assim a restituírem ao A. a faixa de terreno deste ocupada com a dita construção, no estado anterior a ela [alíneas h), i) e j) do dispositivo da sentença].

                                                           *

4.3– Cumpre finalizar com a apreciação e decisão sobre as questões recursivas suscitadas no recurso do Autor quanto a aspectos vários da decisão de mérito, a saber,  o incorrecto julgamento de direito da decisão recorrida – quer na parte em que julgou improcedentes os pedidos formulados em “J)” [na parte que não foi julgada procedente] e “O)”, quer na parte em que condenou os RR. na indemnização de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais [por dever ter sido, no mínimo, em € 3.500,00], quer na parte em que condenou os RR. na sanção pecuniária compulsória de € 10,00 por cada dia de atraso no cumprimento do determinado judicialmente [por dever ter sido em € 25,00 por cada dia de atraso], quer, finalmente, na parte em que não condenou os RR. (…) como litigantes de má-fé:

Começando pela decisão de improcedência dos pedidos formulados em “J)” [na parte que não foi julgada procedente] e “O)”.

Recorde-se que no tocante à decisão de improcedência quanto ao formulado em parte da al.J) da mesma p.i., estava em causa o seguinte “Se condene os R.R. a reconhecerem que as faixas de terreno que referem nos pontos (…) 189 a 197 desta petição inicial fazem parte integrante do prédio indicado no ponto 1. desta petição inicial, bem como que é o A. o seu legítimo proprietário e possuidor.

Já quanto à al.O) do petitório, está em causa reverter a decisão de improcedência do pedido de condenação dos RR. a retirarem da passagem que vai desde a rua pública até aos logradouros dos prédios do A. os tubos de PVC que ali colocaram na sua parede da casa de habitação e que ali se encontram enterrados.

Entendeu-se na sentença na parte atinente a este particular e como fundamento para a dita decisão de improcedência, o seguinte:

«Peticiona ainda o A. que se reconheça que a faixa de terreno que identificam sob os artigos 189 a 197 da petição inicial e que identificam como a passagem que vai desde a rua pública sita a nascente até à parte mais larga do logradouro ou curral do prédio do A. faz parte integrante do prédio referido em 1. da petição inicial ( e melhor identificado em A)) e que o A. é o seu legítimo proprietário e possuidor. Em decorrência, peticiona também que se condene os RR. a retirar do espaço passagem os tubos que ainda têm enterrados e colocados na parede.

No presente caso, para além de não ter sido alegado que o mencionado espaço faz parte do prédio identificado em A) (cf. artigos 189 a 197 da petição inicial), também não resultou provado que pertencesse ao prédio identificado em B).

Não obstante se ter apurado factos relativos a uma eventual aquisição do dito espaço-passagem por usucapião à luz dos normativos legais e enquadramento jurídico supra enunciados, a verdade é que não se apuraram, nem foram alegados quaisquer factos nesse sentido, atinentes à concreta configuração do dito espaço. Na realidade, desconhece-se a sua área, a sua confrontação, a sua largura e o seu comprimento, sendo que estes elementos não foram alegados enquanto factos essenciais da causa de pedir quanto a estes pedidos formulados pelo A., impedindo o Tribunal, em consequência, de proferir decisão, numa acção que é constitutiva de direitos.

Acresce que a circunstância de se ter apurado que os primeiros RR. acordaram em ceder cerca de um metro ao dito espaço passagem, ampliando nessa medida o mesmo, não radica, no nosso entendimento, na conclusão que cederam o referido espaço ao A., mas tão somente que recuaram a sua construção por forma a dar à passagem uma largura maior, e não que tenham querido transferir o direito de propriedade de tal espaço ao A.

Donde que, neste conspecto, falece a pretensão do A.»

Que dizer?

No tocante ao primeiro aspeto da decisão de improcedência, que a mesma não  pode efetivamente subsistir, pois que, para além do que resulta do já referido “contrato de permuta”, ao dar-se ainda acolhimento à impugnação da matéria de facto quanto ao ponto BBBBB. que havia sido dado por não provado na sentença recorrida e passou a figurar como provado, ora como ponto LLLL. – não pode ser sancionada a decisão neste particular objeto do recurso.

Com efeito, provado que ficou ter existido a servidão e a sua extinção em benefício de um prédio do A., mais resulta agora expressa e concludentemente apurado que o leito dessa servidão, ao ser esse espaço-passagem prédio “serviente”, faz parte integrante do prédio com o artigo matricial 508º, de que o A. é o legitimo proprietário e possuidor.

Sendo certo que com relevância para este particular teve lugar oportuna retificação na 1ª instância, na sequência do anterior acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, a saber, a correção do lapso de alegação quanto ao constante no art. 196º da p.i., no sentido correctamente alegado nos arts. 17. e 18. da Réplica, isto é, de que o espaço-passagem “pertencia ao prédio do autor com o art. 508º”, constituindo a “servidão de passagem que o onerava para acesso aos dois outros prédios do autor, o primeiro com o artigo matricial 1218º – identificado em 1. da petição inicial – e o segundo omisso na matriz – identificado em 5. da petição inicial”.

Donde, neste particular só importa acrescentar que este prédio do A. com o art. matricial 508º é o que consta dos factos “provados” como ponto B., pelo que, a procedência de tal pedido, a constar a final, não pode deixar de ter tal em consideração.

Dito isto, será que igual procedência deve ser dada ao outro pedido neste particular em causa, o formulado na al.O) do petitório, a saber, o pedido de condenação dos RR. a retirarem da passagem que vai desde a rua pública até aos logradouros dos prédios do A. os tubos de PVC que ali colocaram na sua parede da casa de habitação e que ali se encontram enterrados?

Sustenta enfaticamente a positiva o A. nesta sede recursiva, entendendo que tal deve ser como que um efeito “automático” do reconhecimento do seu direito de propriedade sobre todo o espaço-passagem, mormente em consequência do seu alargamento por via do que consta do “contrato de permuta”.

Sucede que, nesta parte, não lhe podemos dar acolhimento, antes se reconhece, no global, razão ao que foi aduzido na sentença recorrida.

Sem embargo de uma clarificação do seu sentido que se vai intentar fazer, em ordem a uma mais completa fundamentação jurídico-legal de uma tal decisão.

Senão vejamos.

Também em nosso entender, da cláusula constante desse contrato supra reproduzida sob o ponto E2., a saber, «Os PRIMEIROS OUTORGANTES declaram ceder do curral anexo, com 42 m2. do prédio urbano que recebem em permuta composto de palheiro com a SC 54m2, sito na Rua do C (...) n° 91, freguesia de (...) , concelho de (...) , inscrito na matriz com o n° 461, a necessária área, até um máximo de 1 m de largura, de modo a que a entrada e a passagem para
entrada dos prédios do SEGUNTO OUTORGANTE, fique com uma largura de
3,80 metros.
», não resulta que os aqui 1os RR. tivessem querido ceder a faixa em causa em termos de direito de propriedade para se integrar no prédio do aqui A..

Na verdade, nem qualquer concreto prédio do A. foi referido, nem sequer foi expressamente dito que essa cedência era ao A….

O que para nós se retira de uma tal cláusula, à luz das boas regras de hermenêutica jurídica, era que os 1os RR. acordavam ceder a área em causa do seu prédio para que o uso e fruição da mesma para entrada e para passagem, pelo A. e em benefício deste, pudesse ser feito num espaço com uma largura de 3,80 m.

É o que se retira também de essa área/faixa cedida se destinar ao alargamento de uma passagem, isto é, de um espaço que tinha o destino e utilização de passagem, mais tendo tido os 1os RR. o cuidado de salvaguardar expressamente os seus direitos, como seja o de abrir algumas janelas a dar directamente para essa área/faixa (cf. facto “provado” sob o ponto E3).

Quiseram então os RR. constituir um direito de usufruto[13] sobre a dita área/faixa a favor do A.?

Tendo em conta a natureza jurídica e características deste direito, na sua consagração legal (cf. arts. 1439º a 1483º do C.Civil), a nossa resposta é convictamente negativa, pelas seguintes decisivas razões:

a) O gozo concedido não foi temporário, antes sem qualquer limite temporal;

b) O gozo concedido não foi pleno, antes restrito ao uso e fruição da mesma para entrada e para passagem, pelo A. e em benefício deste.

Ora se assim foi, dada a tipicidade dos direitos reais, consagrada no art. 1306º, nº1 do C. Civil – «Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional» – cremos que se impõe concluir que o uso e fruição concedidos pelos 1os RR. sobre a dita área/faixa, a favor do A., tem natureza obrigacional.[14]

Dito de outra forma: os 1os RR. não cederam o direito de propriedade, nem o direito de usufruto, sobre a dita área/faixa, a favor do A., antes se encontram obrigados perante o A. à cedência em causa, com o objetivo assinalado.

Do que se vem de dizer resultam importantes consequências.

Desde logo, nunca assistiria ao A. o direito de reivindicar o reconhecimento do direito de propriedade sobre a dita área/faixa, nem, obviamente a sua restituição, sendo disso caso.

Depois, deixa o A. de ter tutela jurídica para oposição à utilização pelos 1os RR. da dita área/faixa em tudo o que não contrarie o uso e fruição da mesma, para entrada e para passagem, que é o que foi constituído para ele A. e em seu benefício.

Assim sendo, cremos que está encontrada a resposta que se intentava: não resultando da factualidade apurada que os tubos de PVC colocados pelos 1os RR. na sua parede norte da casa de habitação ou os tubos que nesta dita área/faixa se encontrem enterrados, estejam de qualquer forma a perturbar a entrada, passagem ou fruição correspondente, por parte do A., não pode ser dada procedência a este seu pedido.

Ademais, o A. não deve ter deixado de intuir que tinha apenas direitos limitados neste particular, pois que nem formulou qualquer pedido de demolição da parede norte da casa de habitação dos 1os RR. (que na lógica da sua alegação se encontra em alguma parte e medida implantada na dita área/faixa cedida), em ordem a que lhe fosse salvaguardada a largura daquele espaço-passagem de 3,80 m, tal como constante do “contrato de permuta”.

Assim como não formulou qualquer pedido relativamente aos peitoris de janelas e gradeamento de porta de sacada que sobressaem também eles dos limites da parede norte em causa (cf. fls. 521/523 dos autos)…

E não o fez porque seguramente teve presente que o incumprimento da prestação pelos 1os RR. quanto a esse particular tinha escassa relevância e não causava quaisquer danos a ele A., aliás resultando do facto “provado” sob o ponto LLLL. (na nova redacção supra determinada) que houve boa-fé nesse cumprimento por parte daqueles, donde, atentas as regras gerais sobre o cumprimento das obrigações (cf. arts. 762º e 763º do C.Civil), dificilmente o A. teria ganho de causa também nessa parte.

Termos em que improcede esta questão recursiva.

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Vejamos agora a sub-questão do suscitado erro na condenação dos RR. na indemnização de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais [por dever ter sido, no mínimo, em € 3.500,00]

Neste particular, sustenta o A., em síntese, que a condenação dos RR. na indemnização de € 1.000,00 (mil euros) a título de danos não patrimoniais é manifestamente baixa face à matéria de facto apurada e aos critérios orientadores estabelecidos no art.º 496.º do Código Civil, sendo que indemnização inferior a € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) não compensa aqueles danos.

Está positivamente apurado que por força da atuação ilícita por parte dos RR., ocorreu o seguinte:

«HHH. A actuação de todos os R.R. provocou desgosto e tristeza ao A., tanto mais que os primeiros R.R. são seus tios.

III – Em virtude da destruição da parede ou muro divisório, e da ocupação de parte do seu logradouro, o A. tem tido o descanso nocturno perturbado;

JJJ – O A. fala recorrentemente no assunto, mostrando a sua tristeza e revolta a familiares e amigos, dada a actuação dos R.R..

KKK. Desde que tomou conhecimento da destruição do muro e da ocupação da faixa de terreno do prédio referido em A), passou e continua a passar por momentos de ansiedade, de falta de sossego e de tranquilidade.

LLL. O A. está desapontado por ver destruído um muro rústico que pretendia manter como tal.

MMM. E por ver construída dentro dos limites do seu prédio, uma parede em cimento que tira as características rústicas ao conjunto dos prédios referidos em A), B) e C).

NNN. Que adquiriu com o objectivo de manter todas as características rústicas das construções.

OOO. O que os R.R. inviabilizam com a destruição da parede ou muro divisório»

Este contexto significa que o estado emocional e de tensão provocado no A., como consequência da conduta dos RR., ultrapassa efectivamente o nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios, ultrapassando o referido mínimo que, objetivamente, deve ter-se como suportável em termos de resignação.

E, assim, justifica-se inteiramente a condenação dos RR. por danos não patrimoniais.

Para esse efeito importa ter presente que o A. deve ter uma compensação adequada aos danos sofridos.

Sucede que no caso vertente não há razão para sustentar que os danos tenham ficado circunscritos ao período temporal da sua ocorrência, na medida em que a violação perdura até ao presente, acrescendo que a manter-se o “status quo” da parede poente da casa de habitação dos 1os RR., o desgosto de ordem estética que se encontra provado não se pode considerar cessado, sendo que para o suprir ou minorar o A. terá dispêndio de cerca de € 2.000,00 [cf. factos “provados” sob o ponto EEE. (Sempre tendo sido seu objectivo manter inalterada a parede ou muro divisório nos termos em que se encontrava com as “lajes” em granito) e sob o ponto FFF. (Para revestir a referida parede em granito terá gastos com materiais e mão-de-obra de pedreiros, em valor monetário nunca inferiores a € 2.000,00 (dois mil euros)].

Ora se assim é, o montante fixado na sentença recorrida apenas se encontraria em linha com o que vem sendo praticado a nível jurisprudencial, caso não houvesse que valorar a última situação vinda de referir, a qual, obviamente não foi ponderada e tida em linha de conta na sentença recorrida, na qual se proferiu condenação na demolição da dita parede e reposição do “status quo ante”.

Portanto, conclui-se agora por uma situação objetivamente com maior gravidade e relevo do que a ajuizada.

Obviamente que com a indemnização aqui em causa não se pretende fazer desaparecer o prejuízo, concreta ou abstractamente, considerado, eliminando-o na sua própria materialidade ou substituindo-o por um equivalente da mesma natureza, mas sim proporcionar ao A. meios económicos susceptíveis de lhe propiciarem alguma satisfação e que, de algum modo, o compensem do desgosto sofrido.

Tudo ponderado, e tendo sempre em consideração que o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente (única por parte dos RR.), a situação económica dos RR. e do A. (ambas objetivamente desconhecidas), e as demais circunstâncias do caso (designadamente que está em causa um dano de ordem não patrimonial com extensão temporal desde o final do ano de 2011), bem como as exigências do princípio da igualdade, entende-se ser de alterar/aumentar para o montante de € 3.000,00 – por ser efectivamente mais justa e equitativa para a situação ajuizada do que a quantia atribuída na sentença recorrida (isto é, o fixado montante de € 1.000,00) – a indemnização a pagar pelos RR. ao Autor a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Procede assim, parcialmente, o suscitado pelo Autor/recorrente quanto a esta questão.

                                                           ¨¨

Vejamos de seguida a sub-questão do suscitado erro da sentença recorrida na parte em que condenou os RR. na sanção pecuniária compulsória de € 10,00 por cada dia de atraso no cumprimento do determinado judicialmente [por dever ter sido em € 25,00 por cada dia de atraso]

A condenação neste particular foi proferida enquanto pagamento por cada dia de atraso na realização dos actos ordenados a contar desde a data da citação, tendo presente que essa sanção tinha como objectivo compelir os devedores ao cumprimento das obrigações a que foram condenados.

Sucede que tendo sido revogados supra esses segmentos da condenação [alíneas h), i) e j) do dispositivo da sentença], impõe-se, consequentemente, igualmente revogar este segmento da condenação [alínea K) do dispositivo da sentença].  

Com o que igualmente se dá acolhimento ao constante do recurso dos RR., que na sua latitude também visava este segmento decisório.

                                                           ¨¨

Vejamos para finalizar a sub-questão do suscitado erro da decisão na parte em que não condenou os RR. (…) como litigantes de má-fé

Tanto quanto nos é dado perceber, a argumentação sustenta-se em esses RR. terem deduzido oposição cuja falta de fundamento não deviam ignorar, e em terem alterado a verdade dos factos.

A argumentação dos A./recorrente centra-se afinal na invocação de:

- que esses RR. sabem perfeitamente que ocupam ilegitimamente uma área de terreno do Autor e que violam conscientemente o seu direito de propriedade e a sua posse (como alegado e como veio a ser provado);

- que eles sabem, também, perfeitamente que a faixa de terreno identificada nos pontos 189 a 197 da petição inicial (isto é, a passagem que vai desde a rua pública sita a Nascente, até à parte mais larga do logradouro ou curral do Autor), é propriedade deste, assim o tendo reconhecido e declarado no “contrato de permuta” junto aos autos que celebraram com o Autor, mas que ainda assim, em sede de contestação, alegaram que o espaço onde se situava a servidão que reconheceram e declararam extinta naquele contrato é espaço público por forma a impedir a sua condenação a retirarem os tubos em PVC que colocaram parede norte da sua casa e sob o solo do referido espaço;

- que durante o julgamento persistiram, afirmando que é caminho público, sendo que nas suas alegações de recurso teimam em apresentar a mesma versão;

- que os Réus impugnam em sede de recurso factualismo expressamente confessado por eles e reduzido a escrito nos termos do art. 463º, do C.P.Civil.

Vejamos então.

Nos termos do art. 542º, nº 2, do n.C.P.Civil, “diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

Será que os autos evidenciam os RR. terem deduzido oposição cuja falta de fundamento não deviam ignorar?

Atento o que supra se veio a concluir no sentido de constituir um abuso do direito as pretensões nucleares da ação interposta pelo A. (e do recurso do mesmo), a saber, a condenação dos RR. a demolir a parede poente da casa de habitação desses RR. (e a reposição da anterior parede ou muro divisório), e bem assim que igualmente improcedia o pedido de esses ditos RR. serem condenados a retirar uns tubos em PVC que têm colocados na parede norte da casa mas sobressaindo para uma área/faixa de terreno por eles anteriormente cedida ao A. (sendo extensivo esse pedido quanto a outros desses tubos enterrados no subsolo em causa), por se ter entendido que essa cedência dos RR. apenas conferia direitos limitados ao A., cremos que manifestamente improcede esta 1ª vertente da arguição, enquanto reportada à dedução de uma oposição, que deve ser interpretada globalmente e por referência ao que materialmente se tinha em vista, isto é, não com referência aos argumentos jurídicos invocados “a se”…

Prosseguindo, importa atentar que face à sua disciplina legal, a litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo.

Como nos foi ensinado por douto aresto jurisprudencial e à luz da melhor doutrina, alterar a verdade dos factos significa que “a parte queira convencer de uma realidade que conhece ser diferente, portanto, deturpando ou corroendo aquilo que sabe que assim não é (…) estarão, ainda, principalmente aí em vista os factos pessoais ou, pelo menos, aqueles que sejam do conhecimento pessoal da parte, e cuja prova se venha, depois, a fazer em contrário daquilo porque ela pugnara.”[15] 

E que significa proceder com dolo ou negligência grave?

A concretização do dolo revela-se numa intencionalidade da parte; agirá dolosamente, por exemplo, quem sabe que procede a uma descrição dos factos essenciais não coincidente com a realidade. Do ponto de vista da negligência, nem toda é relevante, mas apenas a mais acentuada, portanto, a que supõe uma atuação sem o mínimo de cautelas ou qualquer espécie de ponderação, a imprudência grosseira na atuação da parte; e agirá assim, por exemplo, aquele que, sem fazer apelo ao mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da sua desrazão, opte temerariamente por proceder à descrição dos factos, que se vêm mais tarde a revelar desconformes com a realidade apurada.[16]

Que dizer então no caso vertente?

Que quanto a nós é legítimo sustentar que efetivamente os RR. (…) in casu “manipularam” ou “adulteraram” factos: tenha-se em consideração que os mesmos começando por impugnar genericamente na contestação a versão apresentada pelo A. (sustentando que a servidão em causa era pública), após serem confrontados com o que resultava do “contrato de permuta” que haviam celebrado conjuntamente com o A. (documento assinado por todos, com assinaturas reconhecidas no notário), e em que expressamente reconheciam que a mesma servidão, rectius, o leito desta, era propriedade do A., persistiram na afirmação daquela sua primeira posição, com recorte factual diverso, mantendo-a até ao presente (na audiência e no recurso).

Sem qualquer sucesso para eles quanto à factualidade em causa, como resulta manifesto dos autos, por estar em causa um documento autêntico, em que estava incorporada uma confissão extra-judicial por parte dos mesmos, a que se veio reconhecer óbvia relevância!

É certo que a litigância de má fé deve deixar incólume o direito das partes de discutirem e interpretarem livremente os factos.

Contudo, não se trata in casu de essas partes não terem demonstrado um facto ou factos que tenham alegado, como frequentemente sucede, por simples consequência do carácter contingente – e mesmo aleatório – da prova[17], antes claramente se evidencia que tal é sinónimo de violação do dever de verdade por parte dos mesmos.

Já quanto aos demais aspectos da argumentação recursiva do A., cremos que se trata mais propriamente de uma divergência ou desarmonia entre os factos, tal como a parte os descreve e como, ulteriormente, vêm a ser julgados provados e qualificados.[18]

Sem embargo, resulta incontornável aquele primeiro aspeto apreciado!

 Dito de outra forma: resultando como resulta, que ao alegar como alegaram no aspeto supra enunciado, os RR. J (...) e A (...) , com dolo ou negligência grave, faltaram ao dever de verdade (dita al. b) do art. 542º, nº2 do n.C.P.Civil), devem ser condenados como litigantes de má-fé.

Assim, condena-se cada um dos mesmos em multa de 2 UCs – art. 542º, nº1 do n.C.P.Civil e art. 27º, nº3 do RCP.

Pede ainda o A. que esses mesmos RR. sejam condenados em indemnização a seu favor, não inferior a € 5.000,00.

Sucede que, aludindo a despesas (designadamente os honorários do seu Mandatário) e demais prejuízos, nem apresentaram as verbas correspondentes às primeiras, nem cuidaram de minimamente quantificar estes segundos.

Assim, haverá que lançar mão do art. 543º, nº3 do n.C.P.Civil, o que deverá ter sequência na 1ª instância.

Donde, e “brevitatis causa”, se conclui nos termos vindos de decidir, pela procedência do recurso interposto pelo A./recorrente, enquanto estribado neste fundamento.

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.

II – Uma das modalidades que dogmaticamente se tem considerado configurar abuso do direito é o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, que se pode definir como o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objectiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objectivo).

III – À luz deste instituto jurídico deve ficar impedido o exercício do direito do A. – de demolição da parede da casa de habitação dos RR. a poente, bem assim a reposição do muro/parede divisória pré-existente e restituição da faixa de terreno do prédio do A. com a construção ocupada – por se constatar um desequilíbrio grave entre o beneficio que da procedência dessa pretensão poderia advir para o titular exercente (o A.) e o correspondente sacrifício que é imposto aos aqui RR. pelo exercício de tal direito.

IV – Dada a tipicidade dos direitos reais, consagrada no art. 1306º, nº1 do C. Civil – «Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional» – o uso e fruição concedidos pelos 1os RR. sobre uma área/faixa de terreno, a favor do A., na medida em que constitui um parcelamento do direito de propriedade daqueles, que não se adequa a um dos figurinos legais previstos, tem natureza obrigacional.

V– A condenação por litigância de má fé pressupõe o dolo ou a negligência grave (cf. art. 542º, nº2 do n.C.P.Civil), na violação do dever de boa fé processual que deve pautar a atuação da parte que litiga em juízo.

VI – Para efeitos de litigância de má fé, “alterar a verdade dos factos” significa que a parte queira convencer de uma realidade que conhece ser diferente, portanto, deturpando ou corroendo aquilo que sabe que assim não é, sendo que estarão, ainda, principalmente aí em vista os factos pessoais ou, pelo menos, aqueles que sejam do conhecimento pessoal da parte, e cuja prova se venha, depois, a fazer em contrário daquilo por que ela pugnara.

VII – Assim, deve ter lugar uma condenação neste quadro quando seja seguro que ao alegar como alegou, a parte tenha, com dolo ou negligência grave, designadamente, faltado ao dever de verdade (al. b) do nº2 do dito art. 542º do n.C.P.Civil).

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6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, na procedência parcial de ambos os recursos interpostos, revogar em parte e alterar noutra parte a sentença recorrida que julgou parcialmente procedente a acção, por parcialmente provada, mantendo-se a improcedência total da reconvenção, em consequência do que o dispositivo integral da sentença passa a ser do seguinte teor:

a) Declara-se que o Autor é o legítimo proprietário do prédio de natureza urbana, constituído por casa de rés-do-chão e sótão e logradouro, sito em (...) , Rua (...) , naquela freguesia de (...) , do município de (...) , inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1218, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 1885;

b) Declara-se que o Autor é o legítimo proprietário do prédio de natureza urbana destinado a habitação, constituído por uma casa com uma loja e primeiro andar com balcão coberto e um curral anexo, sito no C (...) na indicada freguesia de (...) , inscrito na matriz respectiva sob o artigo 508, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1240;

c) Declara-se que o Autor é o legítimo proprietário do prédio de natureza urbana constituído por casa de rés-do-chão, sito no C (...) na indicada freguesia de (...) , omisso na matriz e não descrito na Conservatória do Registo Predial, com a área de 44 m²;

d) Condena-se os RR. a reconhecerem o A. como proprietário e legítimo possuidor dos prédios referidos em a) a c);

e) Condena-se os RR. a absterem-se de todo e qualquer acto ou comportamento que impeça, prejudique ou ponha em causa o direito de propriedade ou a posse do A. relativamente aos prédios referidos em a) a c);

f) Condena-se os RR. a reconhecerem o direito de compropriedade do A. sobre a parede ou muro divisório constituída por lages e pedras em granito, com 55 cm’s de largura, em toda a sua extensão e altura, composta/o por um poste/pilar em granito, por duas “lajes” de granito com mais de 400 Kgs. de peso, enterradas no chão, na vertical e por pedras de granito regularmente dispostas a nascente das referidas “lajes” e às mesmas encostadas do mesmo lado, bem como por outras pedras de granito regularmente dispostas no intervalo daquelas “lajes”.

g) Condeno os RR. a reconhecerem que os primeiros R.R., por intermédio do R. A (...) , construíram a parede da sua casa de habitação a poente, desde a parede norte da casa do prédio referido em a) numa extensão de 3,30 metros por 51 cms contados desde o meio da face sul do pilar em granito existente no local, área que corresponde à meação do A. no muro divisório referido em f) e à área do prédio referido em a).

h) Condeno os RR., solidariamente, no pagamento de uma indemnização a título de danos patrimoniais futuros respeitantes a infiltrações que venham a ocorrer no prédio referido em a), a apurar em liquidação de sentença;

i) Declara-se que a faixa de terreno referida nos artigos 189 a 197 da petição inicial faz parte integrante do prédio indicado em b) (artigo 508), bem como que dela é o Autor legítimo proprietário e possuidor.

j) Condena-se os RR. a tal reconhecer e respeitar;  

k) Condena-se os RR. solidariamente no pagamento de uma indemnização ao A. a título de danos não patrimoniais, no montante de € 3 000,00 (três mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

l) Condena-se os RR. (…)como litigantes de má-fé em multa que se fixa em 2UC´s a cargo de cada um;

m) Determina-se o cumprimento do disposto no art.543º, nº3 do n.C.P.Civil (a ter lugar na 1ª instância);   

n) Absolve-se os RR. do demais contra si peticionado.

Mais se decido, julgar o pedido reconvencional formulado pelos RR., totalmente improcedente, por não provado, e em consequência, absolve-se o A. do pedido reconvencional formulado.

                                                                       *

Custas na 1ª instância: as da ação são a cargo do A. e RR., na proporção de ½ para cada uma das partes; quanto ao pedido reconvencional, são as custas integralmente a cargo dos RR..

Custas nesta instância: custas de ambos os recursos por A. e RR., na proporção de ½ para cada uma das partes.

Coimbra, 9 de Janeiro de 2017

                                              

Luís Filipe Cravo ( Relator )

 Fernando Monteiro

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
[2] De referir que no despacho de admissão dos recursos já o Exmo. Juiz a quo considerou não existir intempestividade quanto ao recurso interposto pelos RR., “uma vez que o mesmo não deixa de versar sobre prova gravada, enquadrando-se assim no disposto no art. 638.º, n.º7 do Código de Processo Civil”, posição esta que se subscreve de pleno, ademais se sublinhando que o normativo invocado não faz qualquer distinção neste particular (isto tendo em conta o sustentado em contraposição pelo A., com referência a o recurso em causa não ter por objeto a reapreciação da prova gravada produzida no último julgamento, o de 12.10.2015, mas apenas o primeiro julgamento, o que decorreu entre Setembro e Outubro de 2013).
[3] Assim o acórdão do STJ de 14.01.2010, no proc. nº 2299/05.7TBMGR.C1.S1, com sumário disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr., por todos, o acórdão do STJ de 23.05.2006, no proc. nº 06A1090, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[5] Neste sentido, J. J. GOMES CANOTILHO, in “Direito Constitucional”, 7ª ed., Livª Almedina, a págs. 664.
[6] Neste sentido, vide o acórdão do TC nº 283/99, acessível em www.dgsi.pt/jtc.
[7] É o acórdão do T.R.Coimbra de 22-10-2013, no proc. nº 221/12.3TBTMR-A.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc.
[8] Assim ABRANTES GERALDES, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Livª Almedina, Coimbra, 2013, a págs. 87-88; na jurisprudência, expressamente no sentido de que o abuso do direito é de conhecimento oficioso, podendo ser conhecido e decretado sem que tenha sido invocado pelas partes, ou que pode ser conhecido num tribunal de recurso sem que o tribunal recorrido tenha apreciado a respectiva questão, vide o acórdão do STJ de 2.11.1994, in CJ, 1994, tomo III, a págs. 157 e o acórdão do T. Rel. Coimbra de 24.01.1995, in BMJ nº 443, a págs. 453.
[9] Assim em “Tratado de Direito Civil Português”, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, Livª Almedina, págs. 249-269.
[10] Neste sentido, vide PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, in “Teoria Geral do Direito Civil, 2008, 5ª ed., Livª Almedina, a págs. 276
[11] Basta pensar na necessidade de mudar móveis e acautelar a segurança da habitação no período dessas eventuais obras, para além de demais despesas e gastos com limpeza e reposição a final…
[12] Trata-se do acórdão do STJ de 24.02.2015, no proc. nº 283/2002.P2.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj, aliás invocado nas alegações recursivas dos RR..
[13] Na definição legal (cf. art. 1439º do C.Civil), “Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância” (sublinhados nossos).
[14] Neste sentido, vide PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, Vol. III, 2ª ed. (reimpressão), Coimbra Editora, 1987, a págs. 95-96.
[15] Citámos o acórdão do T.R. de Lisboa de 18.01.2011, no proc. nº 1807/08.6TVLSB-A.L1-7, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.

[16] Neste sentido, vide LEBRE DE FREITAS/MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO, in “Código de Processo Civil anotado”, volume 2º, 2001, a págs. 194-195.
[17] Cf. o Ac. do S.T.J. de 28-05-2009, no proc. nº 09B0681, acessível em www.dgsi.pt/jstj.  
[18] Cf. o Ac. do S.T.J de 27-02-2003, no proc. nº 02B4016, e o Ac. do mesmo S.T.J. de  05-05-2005, no proc. nº05B743, ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj e PAULA COSTA E SILVA, in “A Litigância de Má Fé”, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, a págs. 353.