Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMÍDIO FRANCISCO SANTOS | ||
Descritores: | EXECUÇÃO ESPECÍFICA NÃO CUMPRIMENTO MORA INCUMPRIMENTO DEFINITIVO PRAZO INTERPELAÇÃO CITAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 11/23/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 804.º, 805.º, 830.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | I) Para efeitos de admissibilidade da execução específica é suficiente a mora no cumprimento da obrigação, não sendo necessária a conversão daquela em incumprimento definitivo. II) A parte cumpridora num contrato-promessa não pode obter através da execução específica um efeito jurídico que o promitente faltoso esteja impedido de produzir. III) Não pode considerar-se que não tenha prazo o contrato-promessa em que se clausulou que “… a escritura seria efectuada logo após estar toda a documentação em ordem, o que se previa ocorresse no prazo de seis meses a contar da data da assinatura do contrato promessa;” e que “… a escritura seria marcada pela promitente vendedora, ou seus legais representantes, os quais avisariam a promitente compradora da data da mesma, por escrito e com pelo menos oito dias de antecedência, a qual deveria nesse prazo indicar quem será o comprador definitivo.”. IV) O contrato referido em III) tem prazo definido por uma cláusula de termo incerto ou de natureza híbrida, devendo a escritura ser marcada, por força da boa-fé, num prazo breve, curto, após a obtenção da documentação. V) A interpelação para cumprimento da promessa pode resultar da citação para a acção em que se peticiona a execução específica do contrato-promessa. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam a 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A..., S.A., com sede na Rua ...., Lisboa, propôs a presente acção declarativa com processo comum contra B..., residente na Plaza ...., Madrid, Espanha, pedindo: Para o efeito alegou em síntese: A ré contestou a acção. Na sua defesa, além de tomar posição sobre os factos narrados na petição (aceitando uns, impugnando outros e declarando, ainda em relação a outros, que os desconhecia, sem ter a obrigação de os conhecer), alegou que, embora mantivesse interesse no cumprimento do contrato-promessa e o quisesse cumprir, não o podia fazer na presente data porque no início de Janeiro de 2019, assinou por erro, dolo e incapacidade acidental, outros contratos-promessa de compra e venda dos mesmos prédios, tendo pedido a nulidade de tais contratos através de acção intentada contra J... , que corre termos no juiz 2 do juízo central cível da comarca de Coimbra sob o n.º 1515/19.2T8CBR. Terminou a contestação pedindo: No despacho saneador, a Meritíssima juíza do tribunal a quo, conhecendo do mérito da acção, julgou a acção totalmente improcedente e em consequência: O recurso (…) * Objecto do recurso Antes de entrarmos na apreciação do recurso, importa precisar o respectivo objecto. Esta precisão impõe-se pelo seguinte. A parte dispositiva da sentença contem várias decisões desfavoráveis à recorrente e uma vez que esta, no requerimento com que interpôs o recurso, não o restringiu a nenhuma delas, o recurso abrangia todas as decisões (n.ºs 2 e 3 do artigo 635.º do CPC). Sucede que nas conclusões da alegação, a recorrente insurgiu-se apenas contra a decisão que julgou improcedente o pedido principal (pedido de execução específica do contrato-promessa). Considerando este facto e o n.º 4 do artigo 635.º do CPC, é de afirmar que o recurso tem como objecto apenas a decisão que julgou improcedente o pedido principal. Estão, assim, fora do objecto do recurso as decisões que julgaram improcedentes os pedidos subsidiários. Deste modo, na hipótese de este tribunal julgar improcedente o recurso não lhe cabe conhecer da legalidade das restantes decisões. * Factos a considerar provados Ainda antes de entramos na apreciação da questão suscitada pelo recurso, importa precisar os factos que devem ser considerados provados. Esta precisão impõe-se uma vez que a sentença sob recurso, apesar de entender que o estado do processo lhe permitia conhecer sem necessidade de mais provas, do mérito da causa, não discriminou, de entre os factos alegados pela autora, ora recorrente, quais os que considerava provados. Ao arrepio do que prescreve o n.º 3 do artigo 607.º do CPC, segundo o qual é dever do juiz discriminar os factos que considera provados, a sentença laborou com base nos facos alegados pela autora, “independentemente da sua prova ou não prova”. Este tribunal considera admitidos por acordo os seguintes factos alegados pela autora: Visto que a ré, ora recorrida, alegou em relação aos factos descritos supra sob os números 10 a 16 que os desconhecia e que não tinha obrigação de conhecer (artigo 24.º da contestação) cumpre expor a razão pela qual, apesar desta posição processual, os consideramos admitidos por acordo. Segundo o n.º 3 do artigo 574.º do CPC, se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário. No entender deste tribunal, os factos acima referidos compreendem factos pessoais e factos de que a ré deve ter conhecimento. Vejamos. Eles compreendem duas afirmações: uma a identificar os representantes da ré; outra a dizer que tais representantes foram instados a marcar a escritura de compra e venda. As afirmações relativas à identificação dos representantes da ré são factos que lhe dizem directamente respeito. Daí que, em relação a eles, não pode valer como impugnação a declaração de que os desconhecia e que não tinha obrigação de os conhecer. Depõe a favor do dever de conhecimento de tais factos, a circunstância de a própria ré alegar que nunca lidou directamente com nenhum comprador e que teve sempre procuradores e representantes legais a fazê-lo em seu nome (artigo 39.º da contestação). A outra afirmação a dizer que tais representantes foram instados a marcar a escritura de compra e venda, embora não compreenda um facto pessoal relativo à ré, é um facto que ela deve ter conhecimento. Na verdade, alegando a autora que havia instado os representantes da ré para marcar a escritura, e não impugnando ela, ré, que as pessoas identificadas na petição sejam, na realidade, seus representantes, era dever dela averiguar junto deles se foram instados ou não para marcar a escritura e, em resultado dessa averiguação, tomar posição definida sobre a alegação da autora. Assim lho impunha o dever de boa fé-processual (artigo 8.º do CPC). E assim a ignorância de tais factos não vale como impugnação. * Descritos os factos passemos à resolução da questão suscitada pelo recurso. O pedido principal da autora suscitava a questão de saber se lhe assistia o direito de executar especificamente o contrato-promessa de compra e venda que havia celebrado com C... . A sentença respondeu-lhe negativamente com base em suma nos seguintes fundamentos: A recorrente contesta esta fundamentação imputando à sentença a violação do disposto nos artigos 356.º, n.º 1, 358.º, n.º 1, 780.º, n.ºs 1 e 2, 804.º, n.º 2, 830.º, n.º 1, do CC, bem como o disposto nos artigos 219.º e seguintes e 564.º do CPC. Esta imputação assenta, em síntese, na seguinte linha argumentativa: Apreciação do tribunal A resposta à questão suscitada pelo recurso passa por responder à questão de saber se a sentença incorreu em erro quando afirmou que a autora, ora recorrente, não tinha o direito de obter a execução específica do contrato-promessa porque a ré não estava em situação de mora quanto ao cumprimento da promessa de venda. Como se verá mais à frente, a procedência do recurso depende ainda da resposta que se der à questão de saber se ainda é possível à ré, ora recorrida, cumprir a promessa de venda. Uma vez que estas questões estão relacionadas com a execução específica do contrato-promessa e com a mora do devedor, importa indicar e interpretar os preceitos aplicáveis à execução específica do contrato-promessa e à mora do devedor. A execução especifica do contrato-promessa está sujeita ao regime do artigo 830.º do Código Civil. Para o caso interessa-nos de modo especial o n.º 1. Nos termos deste preceito “se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso sempre que a isso nãos e oponha a natureza da obrigação assumida”. Resulta deste preceito que a execução especifica do contrato-promessa pressupõe a verificação das seguintes circunstâncias: No caso está tão só em questão a verificação da segunda condição. Não se discute, assim, na presente apelação: É, pois, a 2.ª condição que está em questão no recurso. E em relação a ela, não está em questão saber se a ré, ora recorrida, não cumpriu a promessa de venda. É um facto incontrovertido que a não cumpriu. Na verdade, dizendo o n.º 2 do artigo 762º do Código Civil que “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado” e o n.º 1 do artigo 406º do Código Civil que “o contrato deve ser pontualmente cumprido…”, dá-se o não cumprimento do contrato-promessa quando algum dos promitentes não emite a declaração negocial correspondente ao contrato prometido nos precisos termos que constam da promessa. É o que se passa no caso com a declaração negocial de venda. O que está em causa nesta apelação é saber se, apesar de não ter cumprido a promessa, a ré, ora recorrida, não está em mora quanto ao cumprimento dela. E a questão da mora assume relevância para efeitos de execução específica porque o n.º 1 do artigo 830.º do CC, na parte em que se refere ao não cumprimento da promessa, basta-se com o atraso, com a mora no cumprimento da obrigação. Citam-se abono desta interpretação do n.º 1 do artigo 830.º na parte em que se refere ao não cumprimento da promessa, a título de exemplo, as seguintes decisões do STJ: o acórdão do STJ proferido em 5 de Março de 1996, no recurso n.º 87 846 [acórdão publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ Ano IV, Tomo I – 1996, páginas 115 a 118], o acórdão do STJ de 07-10-2020, no processo n.º 341/18.0T8ABT.E1.S1 e o acórdão do mesmo tribunal proferido em 28-01-2021, no processo n.º 1790/17.7T8VFX.L1., ambos publicados em www.dgsi.pt. De resto, foi com este sentido e alcance que o preceito foi interpretado pela sentença recorrida, sem qualquer reparo por parte da recorrente. Daí que o n.º 1 do artigo 830.º, na parte em que se refere ao não cumprimento da promessa, remeta para o regime da mora do devedor, especialmente para a noção de mora constante do n.º 2 do artigo 804.º do CC e para o momento da constituição em mora constante do n.º 1 e n.º 2 do artigo 805.º do mesmo diploma. Segundo o n.º 2 do artigo 804.º do CC, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devida. O n.º 1 do artigo 805.º estabelece que o devedor só fica constituído em mora, depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. O n.º 2 do mesmo preceito prevê casos em que há mora do devedor, independentemente de interpelação. Como se vê, a noção de mora remete para o tempo devido da prestação e para a possibilidade dela, ou seja, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, “A simples mora supõe a possibilidade futura do cumprimento da obrigação” [Código Civil Anotado, Volume II, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, página 61]. Assim, se a prestação não foi efectuada porque ainda não chegara o tempo devido para a sua realização não há mora. E se havia um tempo devido para a realização da prestação, mas se ela não foi efectuada em tal tempo porque ela se tornou impossível, a situação também não é de mora; será de impossibilidade da prestação ou de incumprimento definitivo. Interpretando o n.º 2 do artigo 804.º do Código Civil com o sentido exposto, a resposta à questão de saber se a ré, que sucedeu nos direitos e obrigações da promitente vendedora, estava em mora quanto ao cumprimento da promessa de venda dos prédios, remete-nos para a questão do tempo devido para esse cumprimento e para a questão da possibilidade desse mesmo cumprimento. Observe-se que a questão da possibilidade da venda dos prédios é de resolução obrigatória. Por um lado, como se escreveu no acórdão do STJ proferido em 18 de Fevereiro de 1997, no recurso n.º 472/96 “… o tribunal só pode substituir-se ao devedor faltoso no caso de este se recusar a celebrar o contrato prometido, podendo embora fazê-lo. As partes não podem conseguir, …, através do recurso ao tribunal, um efeito contratual que não pudessem elas próprias levar a cabo [acórdão publicado na Colectânea de Jurisprudência Acórdãos do STJ ano V Tomo I- 1997, páginas 111 a 113]. Por outro lado, a resposta à questão da mora está dependente de tal resposta. Por fim, a ré, ora recorrida, alegou na contestação que está impossibilitada de vender os prédios. Sobre o momento devido para a celebração da escritura, os promitentes convencionaram o seguinte: Apesar de este acordo sobre o tempo de realização da escritura de compra e venda não compreender a indicação de uma data para a mesma, não se pode dizer que a obrigação de celebrar o contrato de compra e venda não tivesse prazo. Tinha-o. Sucede apenas que a celebração da escritura estava dependente de um facto futuro, de verificação certa para as partes (a obtenção da documentação necessária à celebração da escritura), mas em data incerta. O acórdão do STJ proferido em 26 de Janeiro de 1994, no recurso n.º 84 478 julgou, a propósito de uma cláusula com teor semelhante à que consta do contrato-promessa em questão nos autos, que se estava perante uma cláusula de “termo incerto ou de natureza hibrida” [acórdão está publicado na Colectânea de Jurisprudência. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano II, Tomo I – 1994, páginas 63 a 65]. A comprovar que o facto futuro foi perspectivado pelas partes como de verificação certa está a circunstância de elas terem previsto que a documentação seria obtida no prazo de seis meses a contar da data da assinatura do contrato-promessa. Deste modo, a afirmação de que a ré incorreu em mora estava necessariamente dependente da prova de que a documentação necessária à escritura de compra e venda estava em ordem. A prova da obtenção da documentação competia à autora, ora recorrente, pois era um dos factos constitutivos do direito à execução específica (n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil). Esta prova está feita. Vejamos. Apesar de os promitentes não terem especificado no contrato-promessa qual era a documentação que tinham em vista, os documentos em causa eram essencialmente os seguintes: Estes documentos foram obtidos, como o atestam o facto descrito sob o número 10 e os documentos juntos com a petição inicial sob os números 2, 3, 4, 17, 18 e 19, concretamente: certidões da Conservatória do Registo Predial comprovativas do registo de aquisição dos prédios a favor da ré, ora recorrida, desde de Janeiro de 2007, e certidões comprovativas da inscrição dos prédios na matriz. Uma vez obtida esta documentação era dever da ré, ora recorrida, marcar logo a escritura, sem necessidade de ser interpelada para o efeito. Na verdade, a promitente vendedora obrigou-se a marcar a escritura logo que obtida a documentação necessária para o efeito, sem necessidade de ser interpelada para tanto. Apesar de as partes não terem concretizado quanto tempo depois da obtenção da documentação é que devia ser marcada a escritura, o dever de boa-fé (n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil) impunha à ré, ora recorrida, que marcasse a escritura num prazo breve, curto, após a obtenção de tal documentação, o que ela não fez. E ainda que se entendesse que a ré só cairia em mora quanto ao cumprimento da promessa se fosse interpelada pela autora para marcar a escritura de compra e venda, é de considerar verificada esta condição pois está provado que a ora recorrente instou diversas vezes os representantes da ré em tal sentido. Observe-se que a interpelação da ré não carecia de ser feita com a advertência ou cominação de que, não sendo marcada a escritura no prazo indicado, se considerava não cumprida a promessa de venda. A fixação de um prazo ao devedor, que está em mora, para realizar a prestação, com a cominação de que, não a realizando nesse prazo, se considera não cumprida a obrigação está prevista na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 808.º do Código Civil. A função de tal interpelação é a de converter a situação de mora do devedor na de incumprimento definitivo. Ora, como se escreveu mais acima, o n.º 1 do artigo 830.º do Código Civil, na parte em que se refere ao não cumprimento da promessa, basta-se com a mora no cumprimento da promessa. Não exige, pois, a conversão dessa mora em incumprimento definitivo. Mais: mesmo que se julgasse não provado que os representantes da ré haviam sido interpelados para marcar a escritura, ainda assim devia considerar-se que a ré, ao ser citada para a presente acção, fora interpelada para cumprir a promessa de venda. Citam-se em abono deste entendimento o acórdão do STJ de 07-10-2020, no processo n.º 341/18.0T8ABT.E1.S1 e o acórdão do mesmo tribunal proferido em 28-01-2021, no processo n.º 1790/17.7T8VFX.L1., ambos publicados em www.dgsi.pt. Diga-se, ainda a favor da tese de que a ré está em situação de mora quanto ao cumprimento da promessa, que a constituição dela em tal situação não estava dependente da prévia fixação de um prazo, por parte do tribunal, dentro do qual devia a ré ora recorrida marcar a celebração da escritura pública de compra e venda. Vejamos. Resulta do número 2 do artigo 777.º do Código Civil que o recurso do credor ao tribunal para fixar o prazo de cumprimento de uma obrigação pressupõe a verificação das seguintes circunstâncias: Como se escreveu acima, o cumprimento da promessa estava sujeito a um facto futuro e incerto no tempo, mas provou-se que esse facto se verificou. Não se tornava, pois, necessária a fixação de um prazo, por parte do tribunal, para a ré cumprir a promessa. Também como se escreveu acima, a não realização da prestação no tempo devido só faz incorrer o devedor em mora quando a prestação ainda seja possível. Daí que para afirmar que a ré se considera constituída em mora quanto ao cumprimento da sua obrigação é necessário que a venda dos bens ainda seja possível. Esta possibilidade é de afirmar, no caso, visto que a situação que a ré alega na contestação para justificar a impossibilidade de cumprir a promessa a que está vinculada não a impossibilita de vender os bens. Vejamos. A ré alega, em síntese, que, no princípio de Janeiro de 2019, prometeu vender, por erro, dolo e incapacidade acidental, os bens a uma terceira pessoa e que propôs uma acção com vista a obter a declaração de nulidade de tal negócio. Laborando com base nesta alegação, a conclusão a que se chega é a de que o ou os novos contratos-promessa têm efeitos meramente obrigacionais. Depõe neste sentido o facto de nas certidões da Conservatória do Registo Predial juntas aos autos não constar o registo de tais promessas de venda, o que teria de acontecer se a tal promessa ou promessas tivesse sido atribuída eficácia real, considerando o disposto no n.º 1 do artigo 413.º do Código Civil e a alínea f) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Registo Predial. Tendo tais novas promessas eficácia meramente obrigacional, continua a ser legalmente possível a venda dos bens à autora, ora recorrente. A ré, ora recorrida, não está, pois, impossibilitada de cumprir a promessa de venda dos prédios, a que está vinculada por força do contrato-promessa em questão nos presentes autos. Em suma: a ré está em mora quanto ao cumprimento da promessa de venda. Em consequência do exposto, ao julgar improcedente o pedido principal com a justificação de que a ré, ora recorrida, não estava em mora quanto ao cumprimento da promessa de venda, a sentença sob recurso violou o n.º 1 do artigo 830.º, o n.º 2 do artigo 804.º e o n.º 1 do artigo 805.º, todos do Código Civil. Há fundamento, pois, para revogar a sentença e substitui-la por decisão com o sentido indicado pela recorrente. Observe-se que, no caso, não há que chamar à resolução do recurso o n.º 5 do artigo 830.º, do Código Civil, porquanto a ré, que podia invocar a excepção de não cumprimento do contrato, não a invocou. Acresce, contra o chamamento do preceito ao caso, que está provado que a autora já pagou o preço devido pela venda dos 3 imóveis (ponto n.º 5 dos fundamentos de facto). Diga-se por fim, respondendo a um dos argumentos da recorrente, que, no entender deste tribunal, a ora recorrida, ao terminar a sua contestação, pedindo a procedência do ponto A) do pedido da autora, no sentido do cumprimento do contrato-promessa e consequente marcação de escritura definitiva de compra e venda dos terrenos rústicos objecto dos presentes autos, quando possível e determinado por sentença, não confessou em bom rigor o pedido principal. Com efeito, a confissão do pedido é, socorrendo-nos das palavras de Alberto dos Reis, “o reconhecimento, que o réu faz, do direito do autor afirmado na acção” [Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3.º, Coimbra Editora, Limitada, página 85]. Ora, ao terminar a contestação nos termos acima expostos, o que a ré reconhece é que seja a sentença a marcar a escritura de compra e venda dos prédios, mas quando seja possível, o que, no entender dela, não o podia fazer na presente data. * Decisão: Julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e substitui-se a mesma por sentença a suprir os efeitos da declaração negocial da ré, ora recorrida, declarando vendidos à autora, ora recorrente, os seguintes imóveis: * Responsabilidade quanto a custas: Considerando o disposto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de a recorrida ter ficado vencida no recurso, condena-se a mesmas nas custas do recurso, restritas a custas de parte. Comunicações: Após o trânsito em julgado remeta cópia do acórdão ao serviço de finanças da área da situação dos prédios. Coimbra, 23 de Novembro de 2021 |