Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1792/10.4T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
EFEITOS
LIMITES DA CONDENAÇÃO
Data do Acordão: 10/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 90/90 DE 6/10, DL Nº 270/2011 DE 6/10, DL Nº 340/2007 DE 12/12 , ARTS.289 CC, 661 CPC
Sumário: 1.- O contrato celebrado entre o proprietário do prédio e um terceiro que aí pretenda extrair areia reveste obrigatoriamente a forma de escritura pública, nos termos do n.º 2, do artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro.

2.- O Assento n.º 4/95, de 28 de Março de 1995 («Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do art. 289.º do Código Civil»), adequa-se apenas às situações em que a sua aplicação não implica a violação da regra processual constante do artigo 661.º do Código de Processo Civil, onde se prescreve que «A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir».

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra – 2.ª secção cível:

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Recorrente/Autora………N (…)  – Gestão de Resíduos, Ld.ª, pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ... Ovar.

Recorridos/Réus…………J (…)  e mulher M (…)

………………………………JJ (…)

     DG(…) e mulher M F (…)


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I. Relatório.

a) A Autora demandou os Réus através da presente acção declarativa, com processo ordinário, com o fim de obter a condenação dos mesmos a pagarem-lhe a quantia de €85.512,92 euros, acrescida de juros legais, contados desde a citação até integral pagamento.

Este pedido resulta, segundo a Autora, do facto de ter celebrado com os Réus um contrato para extracção de areia existente num prédio deles.

Alega que em cumprimento do contrato pagou aos Réus €230 000,00 euros, dos €260 000,00 contratualizados.

Porém, a Autora não pôde explorar o volume de areia previsto no contrato, fixado em 33 788 m3, devido ao facto da área do terreno indicada pelos Réus e prevista no contrato não pertencer na totalidade aos Réus.

A Autora não pôde, por isso, explorar 6000 m3 de areia, os quais lhe teriam conferido um lucro de €45 000,00 euros.

Por outro lado, como a área explorável do terreno dos Réus não correspondia aos 24 760 m2 mencionados no contrato, mas, na realidade, apenas a 18 045 m2, a redução proporcional feita no preço pago pela Autora aos Réus implica que os Réus lhe restituam €40 512,92 euros.

A soma destas duas parcelas perfaz, assim, o pedido global acima referido.

Os Réus contestaram alegando que a Ré retirou do prédio a quantidade de areia contratada.

Ao mesmo tempo deduziram reconvenção na qual pedem o pagamento da parte do preço ainda não pago pela Autora, isto é, €30 000,00 euros, acrescido de juros legais, contados desde 28 de Abril de 2010, até integral pagamento, bem como, no prazo de 30 dias, a reflorestação do terreno dos Autores com eucaliptos, nos termos definidos pela Câmara Municipal.

No final foi proferida sentença a julgar a acção e a reconvenção improcedentes com base, em síntese, nas seguintes razões.

(a) Devido ao contrato ser nulo por vício de forma, por não ter sido celebrado por escritura pública;

(b) Por não ter aplicação a doutrina do Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/95, de 28 de Março de 1995, segundo o qual o tribunal deve ordenar a restituição do recebido, com fundamento no n.º 1, do artigo 289.º, do Código Civil, quando há conhecimento oficioso da nulidade do negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, caso na acção tenham sido fixados os factos materiais necessários;

(c) Por não ter sido pedida por nenhuma das partes qualquer prestação equivalente ou similar à prestação devida e que o tribunal possa decretar respeitando o pedido e adaptando apenas a causa de pedir nos termos definidos no assento; e

(d) Por não se encontrarem fixados os necessários factos materiais para o tribunal poder fixar o objecto a restituir por cada uma das partes.

b) Apenas a Autora recorreu da decisão.

Fá-lo, em síntese, porque, em seu entender, o contrato celebrado entre as partes não é nulo por vício de forma, devendo, por isso, proceder o pedido que formulou, mas, a entender-se que ocorre nulidade, então, neste caso, há factos nos autos que permitem ao tribunal ordenar a restituição daquilo que cada parte prestou.

Concluiu assim:

«1. A questão que se coloca no presente recurso é saber se o contrato celebrado entre Autora e Réus é nulo por vício de forma e, por outro lado, se na acção estão fixados os necessários factos materiais para que as partes sejam condenadas a restituírem tudo que hajam recebido.

2. A C.M. Ovar autorizou a movimentação de inertes por ser necessário para a reflorestação do prédio.

3. A autorização da C.M. Ovar para extracção de inertes foi concedida aos Réus como proprietários do prédio e nessa conformidade estes poderiam extraí-los ou comercializá-los.

4. Os Réus não exploraram directamente os inertes e comunicaram à C.M. Ovar que o Alvará comercial para exploração de inertes passasse a estar em nome da Autora.

5. Face à cedência por parte dos Réus, não era imperativo que o contrato fosse celebrado por escritura pública.

6. Não sendo necessária escritura pública o negócio celebrado entre Autora e Réus não enferma de nulidade por vício de forma.

7. Caso se venha a considerar-se que o contrato é nulo por vício de forma devem as partes restituírem tudo o que tiver sido prestado

8. Na acção estão fixados os necessários factos materiais para que seja restituído tudo o que tenha sido recebido.

9. Resulta da douta sentença que a Autora pagou, aos Réus, pelos inertes a quantia de 230 000,00 € e

10. Sendo este o montante [230 000,00€], que os Réus deverão restituir à Autora.

11. A Autora deverá restituir, em espécie, os inertes no montante de 230 000,00€ e os Réus deverão restituir o montante que receberam de 230 000,00€.

12. Tendo julgada a acção improcedente, a sentença recorrida violou o artigo 220º e 289º do Código Civil».

c) Os Recorridos contra-alegaram pugnando pela manutenção da sentença.

Concluíram assim:

«1.º - O Tribunal “a quo” faz uma correcta interpretação da natureza do contrato em apreço nos autos, sendo de aceitar na íntegra a decisão proferida, que declara a nulidade do contrato por vício de forma;

2.º - A ora recorrente não logrou provar que foi impedida de retirar do terreno dos Réus o volume de 6.000 m3 de areia;

3.º - Não foi possível apurar qual a quantidade de inertes em concreto que a Autora extraiu do prédio dos Réus, tendo apenas resultado provado que em algumas partes do terreno as quantidades de inertes extraídas pela A. excederam aquilo que consta do contrato e que foi autorizado pela Câmara Municipal;

4.º - A ausência de prova sobre estes factos materiais impossibilita o Tribunal de fixar o objecto por cada uma das partes, por não se ter minimamente apurado o objecto que a A. recorrente teria de restituir aos Réus;

5.º - Mesmo que assim não se entenda, não faz o menor sentido condenar os RR. a restituírem a quantia de €230.000,00 que receberam da A. por força do contrato, para ao mesmo tempo condenarem a A. a restituir aos RR. um volume incerto de inertes (por não ter sido apurado) que corresponda exactamente a esse mesmo valor (€ 230.000,00), porquanto desta forma não haveria nada a restituir por nenhuma das partes, fazendo-se a respectiva compensação.

6.º - A Autora recorrente pretende reaver os € 230.000,00 que pagou aos RR., dando em troca inertes nesse mesmo valor, tendo perfeita consciência, tal como ficou provado na acção, que retirou um volume de inertes muito superior a € 230.000,00, querendo lucrar de forma imoral e ilegítima, constituindo a sua pretensão um verdadeiro abuso de direito».

d) Objecto do recurso.

1 - Em primeiro lugar, cumpre verificar se o contrato celebrado entre as parte é ou não é nulo por vício de forma.

2 - Em segundo lugar, se se concluir que não ocorre esta nulidade, serão apreciados os pedidos formulados pela Autora na petição, como pede neste recurso, ou seja, saber se tem direito a obter uma redução do preço que pagou proporcional à área de terreno que não pôde explorar e se tem direito a ser ressarcida dos lucros que poderia ter obtido e não obteve por não ter podido comercializar mais 6000 m3 de areia.

3 - Se se concluir pela nulidade do contrato, como se concluiu na sentença, então deve apreciar-se, como sustenta a Autora, se é possível proferir condenação em que se ordene às partes a restituição daquilo que cada uma recebeu da outra, isto é, se os Réus devem restituir €230 000,00 euros à Autora e se esta deve restituir aos Réus, como ela sustenta, areia no montante correspondente. 

II. Fundamentação.

A – Factos provados.

1- Os Réus são donos do prédio rústico composto por terreno com pinhal e mato, sito no lugar do Areeiro – Ovar, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo rústico n.º x..., a confrontar do Norte com Caminho, Nascente com Armando de Pinho e outros, Sul com limite da Freguesia e Poente com Isaac Rodrigues Graça – al. a) dos factos assentes.

2 - Esse prédio contém materiais inertes – al. b) dos factos assentes.

3 - O Réu J (…) requereu à Câmara Municipal de Ovar informação quanto à viabilidade da ulterior autorização ou licenciamento para proceder à reflorestação do dito prédio – al. c) dos factos assentes.

4 - O Réu J (…), através de requerimento e para melhor identificar o espaço sobre o qual incidiria a reflorestação e extracção de inertes, juntou as plantas juntas de folhas 31 a 33 dos autos e que aqui se dão por reproduzidas – al. d) dos factos assentes.

5 - Esse requerimento obteve dos serviços competentes parecer favorável e viabilidade – al. e) dos factos assentes.

6 - Na sequência disso, o Réu J (…) , através de requerimento datado de 09 de Novembro de 2005, apresentou «projecto de reflorestação, projecto de mobilização dos solos/lavra de exploração de inertes e quadro de movimentos de terras prevendo a exploração de 33.788 m3 de inertes» e juntou as plantas de folhas 36 e 37 dos autos – al. f) dos factos assentes.

7 - A Câmara Municipal autorizou o pretendido pelo Réu J (…)– al. g) dos factos assentes.

8 - O Réu J (…), através de requerimento, reiterou o pedido de reflorestação com extracção de inertes no prédio – al. h) dos factos assentes.

9 - A Câmara Municipal, em 17 de Março de 2008, concedeu autorização para reflorestação e extracção dos inertes no referido prédio – al. i) dos factos assentes.

10 - Face à autorização concedida pela Câmara Municipal, os Réus celebraram com a Autora um contrato intitulado «de cessão de exploração de inertes», cuja cópia está junta a folhas 45 a 47 dos autos, tendo por objecto a exploração dos inertes existentes no prédio e a respectiva reflorestação – al. j) dos factos assentes.

11 - O volume dos inertes a extrair ascendia a 33.788 m3 – al. k) dos factos assentes.

12 - Esses 33.788 m3 de inertes deveriam ser retirados duma área de 24.760 m2, conforme aprovado pela Câmara Municipal – al. l) dos factos assentes.

13 - Na sequência desse contrato, Autora e Réus promoveram e obtiveram  alvará camarário para a exploração dos inertes que passasse a estar em nome da Autora – al. m) dos factos assentes.

14 - Pela exploração dos inertes existentes, a Autora obrigou-se a pagar aos Réus a quantia de €260.000,00 euros – al. n) dos factos assentes.

Dessa quantia a Autora pagou já aos Réus a quantia de €230.000,00 euros – al. o) dos factos assentes.

15 - A Autora ainda não procedeu à reflorestação do prédio – al. p) dos factos assentes.

16 - Os Réus indicaram à Autora que o seu terreno tinha a área de 38.808m2, onde se incluía a área de 24.760 m2 para a exploração dos inertes – resposta ao quesito 1.º.

17 - A Autora acordou pagar o valor de €260.000,00 euros para poder explorar os inertes na área de terreno indicada pelos Réus – resposta ao quesito 2.º.

Contudo, o prédio dos Réus só tem a área de 28.282m2 – resposta ao quesito 3.º.

18 - E a área passível de exploração de inertes nele compreendida é inferior a 24.760m2 – resposta ao quesito 4.º.

19 - Por referência ao conjunto da área do prédio dos Réus onde estava autorizada pela Câmara Municipal a exploração de inertes, essa autorização consentia a exploração de volume de inertes inferior aos 33.788 m3 previstos no contrato – resposta ao quesito 5.º.

20 - Para explorar os inertes, a Autora suporta um custo de €2,50 euros a €4,00euros por metro cúbico – resposta ao quesito 7.º.

21 - E comercializa os inertes fazendo acrescer a esse custo um valor entre €6,00 euros e €7,00 euros por metro cúbico – resposta ao quesito 8.º.

22 - Em alguns pontos do prédio dos Réus a Autora já explorou quantidades de inertes superiores às autorizadas pela Câmara Municipal – resposta ao quesito 9.º.

23 - Aquando do negócio os Réus indicaram à Autora o que disseram serem os limites do seu prédio – resposta ao quesito 10.º.

2 - Passando à análise da questão objecto do recurso.

a) Em primeiro lugar, cumpre verificar se o contrato celebrado entre as parte é ou não é nulo por vício de forma.

A resposta é afirmativa.

O diploma que regula a pesquisa e exploração de massas minerais, é o Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de Dezembro), o qual, no seu artigo 10.º, n.º 1, dispõe que «A pesquisa e a exploração de massas minerais só podem ser conduzidas ao abrigo de licença de pesquisa ou de exploração, conforme for o caso, carecendo a sua atribuição de pedido do interessado que seja proprietário do prédio ou tenha, com este, celebrado contrato, nos termos do presente diploma».

Na al. j) do seu artigo 2.º, relativo a «definições», este diploma identifica «massas minerais» como sendo as «…rochas e ocorrências minerais não qualificadas legalmente como depósito mineral».

A definição do conceito de «depósitos minerais» é indicada no artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 90/90, de 6 de Outubro, como «…todas as ocorrências minerais existentes em território nacional e nos fundos marinhos da zona económica exclusiva que, pela sua raridade, alto valor específico ou importância na aplicação em processos industriais das substâncias neles contidas, se apresentam com especial interesse para a economia nacional».

A exploração de areias cabe no conceito de «massas minerais», pois face à definição de «depósitos minerais» não se mostra que sejam raras, que tenham alto valor específico ou contenham substâncias que se apliquem em processos industriais.

A norma que exige a escritura pública como forma para celebração do contrato de exploração de massas minerais consta do n.º 2, do artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro, a qual tem esta redacção: «O contrato, celebrado entre o proprietário do prédio e um terceiro nos termos legais, reveste obrigatoriamente a forma de escritura pública».

Por conseguinte, da conjugação do artigo 10.º com o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro, resulta claro que o contrato efectuado entre o proprietário do terreno e o explorador das massas minerais, é celebrado obrigatoriamente por escritura pública.

Tal contrato é algo de diverso em relação à «licença de exploração» prevista no mencionado artigo 10.º, onde se alude também ao contrato celebrado entre o explorador e o proprietário do terreno («…ou tenha, com este, celebrado contrato, nos termos do presente diploma»).

Por conseguinte, sem necessidade de mais considerações, por se entender que a situação é clara, não tendo as partes celebrado o contrato em causa através de escritura pública, este é nulo por vício de forma, nos termos previstos no artigo 220.º do Código Civil, onde se determina que «A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei».

Improcede, pois, nesta parte, o recurso da Autora.

b) A segunda questão colocada tinha como pressuposto lógico a inexistência da nulidade formal do negócio.

Como se concluiu pela nulidade, o conhecimento desta questão ficou prejudicado.

c) Como o contrato é nulo, vejamos se é viável na presente acção condenar cada uma das partes a restituir aquilo que recebeu da outra.

Segundo a Autora, os Réus devem restituir os €230 000,00 euros, quantia que ela lhes entregou e a Autora deveria restituir areia no montante correspondente. 

Vejamos então.

1 - A lei, nos termos indicados no n.º 1, do artigo 289.º, do Código Civil, dispõe que «Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição não for possível, o valor correspondente».

Cumpre realçar que a restituição indicada pela Autora não pode assumir o âmbito ou prestação mínima que ela indica.

Com efeito, seguindo o pensamento da Autora, esta desonerar-se-ia, por exemplo, descarregando no terreno dos Autores ou em outro local, um volume de areia com composição mineral idêntica àquela que foi explorada, no valor de 230 000,00 euros.

Coloca-se, pois, a questão de saber em que é que consistiu a prestação dos Réus.

Consistiu na entrega à Autora de um volume de areia correspondente a €230 000,00 euros ou em outra coisa?

Olhando para os factos passados, afigura-se que os Réus não entregaram à Autora qualquer porção de areia.

Segundo o contrato, a prestação dos Réus consistiu, sim, na entrega à Autora de um terreno com a área de 24760 m2 para ela extrair dele areia até ao limite de 33788 m3 (cfr. facto n.º 12).

Por conseguinte, a prestação dos Réus consistiu na entrega de uma porção de terreno, tal como ele se encontrava à época em que a Autora tomou posse do mesmo.

Sendo assim, como se afigura ser, em caso de restituição da prestação, nos termos do n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil, a Autora deverá então colocar o terreno sensivelmente no mesmo estado em que se encontrava quando o recebeu dos Réus.

Ou seja, deveria reconstituir a morfologia do terreno, retirando, por exemplo, se foi o caso, terras que colocou no locais onde havia areia, para aí repor a areia retirada.

Esta interpretação da realidade contratual estabelecida entre as partes harmoniza-se com a ideia de «restituição em espécie» mencionada nesta norma e corresponde também à ideia de restauração natural que preside à obrigação de indemnização prevista no artigo 562.º do Código Civil.

Por conseguinte, a ordenar-se a restituição em espécie, a prestação a cargo da Autora consistiria na reposição do terreno no estado em que se encontrava quando ela tomou posse do mesmo.

2 - Passando então à questão de saber se é viável condenar cada uma das partes a restituir aquilo que recebeu da outra.

A resposta deve ser negativa pelas razões que vão ser indicadas.

Nos termos do Assento 4/95, de 28 de Março de 1995 (D.R., I Série, de 17 de Maio de 1995, n.º 114, pág. 2939), «Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do art. 289.º do Código Civil».

Cumpre verificar, porém, as circunstâncias que levaram à formação deste assento, pois um assento dirime uma controvérsia jurisprudencial que emerge de situações concretas da vida submetidas a duas decisões judiciais opostas.

Por conseguinte, embora o assento tenha a estrutura de uma norma não é uma lei geral e abstracta, formulada para regular todos e quaisquer casos, mas sim uma regra destinada a resolver um conflito jurisprudencial delimitado por uma porção de factos, por natureza singulares.

Por conseguinte, um assento deve ser aplicado de acordo com os pressupostos de facto de onde ele emergiu.

No caso tratado no assento, o acórdão recorrido havia considerado que pedindo-se a restituição de uma quantia mutuada, com base em causa de pedir que partia de um contrato de mútuo formalmente válido, mas verificando-se, afinal, que o contrato era nulo, ainda assim, era possível condenar o mutuário a restituir a quantia mutuada, se se convolasse a causa de pedir, passando a mesma a ser não um contrato de mútuo válido, mas o mesmo contrato qualificado como nulo por vício de forma.

O Réu seria então condenado a entregar a quantia pedida, mas não com base num contrato de mútuo válido, mas sim com base na nulidade desse mesmo contrato e por força da obrigação de restituição ordenada no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil.

No acórdão fundamento considerou-se que tendo sido pedida a denúncia de um contrato de cessão de exploração comercial e subsequente entrega do bem objecto do contrato, no pressuposto da validade do contrato, verificando-se, porém, que o contrato era nulo por vício de forma, então a acção improcedia pura e simplesmente.

Não havia lugar à condenação do Réu a entregar o bem objecto do contrato nulo, pois, de contrário, estar-se-ia a violar o disposto no artigo 661.º, do Código de Processo Civil, que proíbe a condenação em quantidade superior ou em coisa diversa da pedida.

Verifica-se, por conseguinte, que muito embora o assento diga que «Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do art. 289.º do Código Civil», o certo é que esta regra assim enunciada adaptou-se à situação factual e processual configurada pelo Autor e os efeitos prático-jurídicos pretendidos pelo pedido que formulou na petição.

Isto é, o assento respeita a finalidade teleológica da acção.

Ou seja, no acórdão recorrido, que foi mantido pelo assento, pretendia-se obter a quantia mutuada e pediu-se ao tribunal que o Réu fosse condenado a restituí-la.

Porém, a parte, contrariamente àquilo que supunha ser a realidade jurídica, partiu da hipótese da validade do contrato, que afinal era nulo.

Mas, fosse o contrato válido ou fosse nulo, as consequências práticas sempre seriam as mesmas, quer para o Réu, que em qualquer dos casos tinha de devolver a quantia recebida, quer para o Autor, que em qualquer caso, obtinha sentença que satisfazia o fim que o havia levado a recorrer ao tribunal.

É convocada para aqui a ideia da conversão dos negócios jurídicos afectados por vícios geradores de nulidade ou anulabilidade, prevista no artigo 293.º do Código Civil, mas aplicada de forma adaptada à realidade em causa, que é uma acção judicial e não um contrato.

Assim, considerando que a vontade conjectural do Autor teria coincidido com a invocação da nulidade do contrato e não com a afirmação da sua validade, caso se tivesse apercebido do vício formal, admite-se, então, a conversão da causa de pedir, alicerçada num contrato válido, para uma outra assente no mesmo contrato, mas considerado nulo.

Ora, se não resultarem objectivamente prejuízos para a outra parte, o que é o caso, pois se a acção fosse julgada improcedente o Réu voltaria a ser demandado com base na nulidade do contrato, deve agir-se de acordo com a ideia de conversão do negócio jurídico, ou seja, do aproveitamento da actividade processual, do ponto de vista da vontade conjectural que o autor teria tido se tivesse previsto a invalidade do negócio alegado, desde que os interesses da parte contrária não sejam sacrificados.

Por conseguinte, este assento deve ser aplicado apenas às situações em que da sua aplicação não resulta uma violação da regra processual constante do artigo 661.º do Código de Processo Civil, onde se prescreve que «A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir».

[Neste sentido, embora tratando-se de um caso diverso, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 2009 (Lopes do Rego), no processo n.º 308/1999.C1.S1 (in www. dgsi. pt.), ao referir que «…tendo-se o autor limitado a formular um pedido de anulação de certo negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença de condenação na restituição ou entrega dos bens, consequente ao decretamento da invalidade - ou da ineficácia do negócio - por tal implicar violação do disposto no art.661º, nº1, do CPC».

Ou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2003, (com referência ao documento n.º SJ200305200014026, in www.dgsi.pt), quando se ponderou que «Declarada a nulidade do contrato, há, em princípio, lugar à restituição do que tiver sido prestado, mas desde que tal restituição seja pedida» (sumário)].

Não é esta a situação que ocorreria no caso dos autos, se porventura se aplicasse o assento sem olhar ao que acaba de ser dito.

Com efeito, a Autora, com base na validade do contrato, mas invocando a impossibilidade de explorar o volume de areia previsto, pediu a redução do preço e devolução dessa parte já paga e ainda a condenação dos Réus a pagarem-lhe importância igual ao lucro que ela deixou de auferir caso tivesse explorado o volume de a areia que não pôde explorar.

Ora, este pedido é muito diverso, em si mesmo e na sua finalidade jurídico-prática, da decisão que ordenasse a restituição daquilo que tivesse sido prestado, ou seja, na condenação dos Réus a entregarem à Autora a quantia de €230 000,00 euros e na condenação da Autora a entregar aos Réus o terreno, tanto quanto possível, tal como ele estava à época em que tomou posse dele, reconstituindo a sua substância e a sua forma.

Repare-se que a Autora pode não estar interessada em colocar o terreno nas condições referidas acima, isto é, no estado em que ele se encontrava à data em que tomou posse do mesmo.

Concluindo, não se respeitaria, neste caso, o disposto no artigo 661.º do Código de Processo Civil e daí que o recurso da Autora tenha de improceder também nesta parte.

O recurso improcede, por conseguinte, na sua totalidade.

III. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a sentença recorrida.

Custas pela Autora.


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Alberto Augusto Vicente Ruço ( Relator )

Fernando de Jesus Fonseca Monteiro

Maria Inês Carvalho Brasil de Moura