Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1209/09.7TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
BOA-FÉ
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Legislação Nacional: ART.227 CC
Sumário: 1. Os pressupostos de facto da responsabilidade civil pré-contratual são: (1) a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato; (2) o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações; (3) a produção de um dano no património de uma das partes; (4) a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada;

2. Apesar de terem sido entabuladas negociações entre A. e Réu, se este fixa determinadas condições prévias para fechar o negócio, comunicando-as claramente àquela e a mesma não as observa, não pode a A. fundadamente confiar na conclusão do contrato, pelo que se o R. romper/desistir de tais negociações tal ruptura não pode considerar-se intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. I (…), residente no Entroncamento, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra A (…) e mulher M (…), , residentes na Figueira da Foz, pedindo sejam condenados a pagar-lhe a indemnização de 72.736 €, com juros legais vencidos e vincendos.

Alegou, em síntese, que foi casada com M (…), o qual faleceu, tendo corrido inventário judicial no qual lhe foram adjudicados vários bens imóveis, tendo pago tornas à sua enteada (…) no valor de 40.000 €, acrescido de juros de 1.236 €. Entretanto tentou vender os prédios através de uma empresa imobiliária desta cidade, surgindo em Abril de 2008 o réu como interessado em comprar os referidos imóveis, admitindo a possibilidade de o preço de aquisição ser de 160.000 €, antes fixado por deliberação de todos os interessados na herança, que quiseram colocar os mesmos em venda extrajudicial. A autora informou o réu de que contava com o pagamento do preço para cobrir as tornas da enteada, porque não tinha dinheiro para tanto, ao que os réus afiançaram que isso não seria problema, fechando-se o negócio em reunião na sede da imobiliária em 20.5.2008, sob condição de a autora enviar cartas às arrendatárias dos prédios para que dissessem se queriam preferir nas compras, o que ela fez, só recebendo uma resposta, em que a respectiva locatária disse não querer exercer o direito de preferência. Tendo as partes deliberado formalizar o contrato-promessa, trocaram minutas, tendo sido remetidas cópias das cartas enviadas aos inquilinos à imobiliária, a pedido dos réus, mas tendo-lhes sido remetido o contrato-promessa, informaram a autora de que já não queriam o negócio, sem lhe dar qualquer explicação para esse facto. A autora ficou de entregar tornas ao filho iguais às que entregou à enteada, não tem dinheiro para isso e não conseguiu vender os prédios a mais ninguém.

Entende que, nos termos do nº 1 do art. 227º do Código Civil, os réus a devem indemnizar, por não terem agido de boa fé, desrespeitando a confiança que a autora depositou nas negociações, só pagando tornas à enteada por estar convencida que a venda se ia fazer aos réus. Mais alegou que os réus violaram o dever de lealdade e lisura de comportamento, desvinculando-se sem qualquer justificação, ao passo que ela se viu forçada a contrair um empréstimo de 40.000 €, que em juros ascende a 16.000 €, para pagar as tornas da enteada, sofreu danos não patrimoniais, como angústia e receio de morrer sem pagar as tornas ao filho e a dívida ao credor, que avaliou em 15.000 €, além de ter adiantado 500 € de provisão à sua Advogada, somando 72.736 € o valor do seu prejuízo.

Os réus contestaram, alegando que em Abril de 2008 o réu marido tomou conhecimento da venda dos quatro prédios, contactando a empresa imobiliária encarregada da venda, que marcou uma visita aos mesmos, concretizada em 20.5.2008, onde surgiram a autora e a sua Advogada, fazendo-se uma reunião onde a autora informou o réu marido de que o preço da venda seria de 160.000 € e o sinal de 40.000 €, por haver uma situação por resolver no Tribunal, mais referindo que faria um levantamento topográfico aos prédios por não saber os seus limites exactos e que os prédios se encontravam desocupados, uma vez que os seus inquilinos estavam ausentes dos mesmos, tendo desde logo referido que iria enviar a todos “cartas” para resolver a situação. Que, perante esta atitude da autora, o réu marido disse que iria aguardar a resolução de tais questões e se continuasse interessado no negócio, não se comprometendo a assumi-lo, o valor do sinal não seria um problema para si. Não tendo havido mais contactos entre as partes, o representante da imobiliária disse ao réu em Junho de 2008 que as cartas foram enviadas aos inquilinos e lhe podia disponibilizar a minuta do contrato-promessa. Após lhe ter sido facultada a minuta do contrato-promessa enviada pela autora, o réu marido verificou que dela constava já um sinal de 60.000 € e não de 40.000 €, verificando ainda que as cartas remetidas aos inquilinos dos prédios visavam unicamente o exercício do direito de preferência e não o abandono dos locados, em contrário do acordado em 20.5.2008, pelo que o réu transmitiu ao agente imobiliário que por estas razões já não tinha interesse no negócio. Quanto à ré mulher, alegaram que não teve qualquer intervenção no assunto, nem foi contactada pela autora, nem pelo agente imobiliário, não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilidade pré-contratual. Relativamente às dívidas da partilha, entendem os réus não ter de subsidiar a autora, não havendo nexo de causalidade entre as tornas e o comportamento alegadamente tido pelos réus, nem estes são responsáveis por danos não patrimoniais sem nexo causal com o assunto. Concluíram pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Em Réplica veio a autora alegar que os réus residem perto dos imóveis que são propriedade da autora, sempre souberam que os mesmos se acham ocupados com inquilinos e se mostraram interessados na compra, tendo sido realizada a pedido dos réus uma inspecção ao local, a sua medição e o consequente levantamento topográfico, que o réu acompanhou com o agente imobiliário e o topógrafo, tal como contactou pessoalmente uma das inquilinas sobre a presuntiva venda, sempre se apresentando a estas como comprador. Sendo o réu empresário, disse que nada tinha a obstar ao pagamento do sinal de 60.000 €, que aquele bem sabia ser destinado ao pagamento de tornas devidas à herdeira (…). Que os réus litigam com notória má fé, quando referem desconhecer a real ocupação dos imóveis, não só porque são vizinhos dos mesmos, como foi por sua insistência que foram endereçadas às locatárias as cartas que se anexaram com a p.i., cujas minutas foram discutidas verbalmente com o réu marido, com o Sr. (…), da imobiliária, e com as mandatárias das interessadas. Os réus sempre souberam que a venda era feita com os locatários e numa das deslocações ao local, aceitaram edificar uma parede separadora, que iria dividir a construção da moradia. Que os réus actuam de má fé, trazendo ao processo asserções falsas e factos inverosímeis, omitindo factos relevantes para a decisão da causa, com a finalidade de se furtarem às suas obrigações, pelo que deverão indemnizar a autora, nos termos do art. 457º, nº 2, e ser condenados em multa, nos termos do art. 456º, nº 2 do C.P.C.

*

A final foi proferida sentença que julgou improcedente a acção.

*

2. A A. interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…)

3. Os RR contra-alegaram, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

II – Factos Provados

1. A aqui requerente, foi matrimoniada com M (…), o qual faleceu no dia 11 de Dezembro de 2002. [A)]

2. Este casamento foi celebrado sobre o regime imperativo da separação de bens. [B)]

3. Com o decesso daquele, concorreram à herança jacente, a aqui autora, como herdeira testamentária e legitimária. [C)]

4. E os filhos P (…) e M (…). [D)]

5. A filha do de cujus, M (…), era apenas filha deste e não da Autora. [E)]

6. Emigrante no Canadá, aquela instaurou no Tribunal Judicial de Figueira da Foz, em 20/01/2003, processo de Inventário, o qual veio a ser remetido ao Tribunal do Entroncamento, ali correndo sob o nº 324/03.5TBFIG. [F)]

7. Do acervo hereditário e tal como se mostra plasmado do auto de declarações da cabeça-de-casal e respectiva relação de bens apresentada naqueles autos de inventário, faziam parte, entre outros, os seguintes bens imóveis, sitos na ..., nº 74, Buarcos, Figueira da Foz:

1) prédio urbano para habitação, sito na freguesia de Buarcos, concelho de Figueira da Foz, inscrito na matriz predial urbana sob o artº ...º;

2) prédio urbano sito na freguesia de Buarcos, concelho de Figueira da Foz, inscrito na matriz predial urbana sob o artº ...º;

3) prédio rústico sito na freguesia de Buarcos, concelho de Figueira da Foz, inscrito na matriz sob o artº ...;

4) prédio rústico sito na freguesia de Buarcos, concelho de Figueira da Foz, inscrito sob o artº .... [G)]

8. Do resultado da avaliação junta aos autos, consta que o seu valor, devoluto e livre de pessoas e bens, em 1999, rondaria os 29.000.000$00. [H)]

9. A autora, através da sua mandatária, encetou negociações com os restantes interessados/herdeiros tendentes a, extrajudicialmente, comporem os respectivos quinhões hereditários. [1.º]

10. Foi então decidido tentar proceder à venda extrajudicial dos bens imóveis sitos em Buarcos. [2.º]

11. E para o efeito foi contactada a agência “Carteira de Imóveis – Sociedade de

Mediação Imobiliária”, AMI nº 7018, com sede na Av. do Brasil, nº 226, r/c, 3080-323 Figueira da Foz, representada pelo seu sócio-gerente (…). [3.º]

12. Foi deliberado, entre todos, colocar os mesmos à venda pelo valor de €160.000,00. [4.º]

13. A autora remeteu através da sua mandatária, em 27 de Março de 2008, um fax ao referido director da agência imobiliária, cujo teor consta do documento nº 7, com a anuência da outra interessada, que reza o seguinte: “Conforme nossa conversa, os meus clientes aceitam vender pelo valor de €160.000,00, recebendo aqueles 75% do valor da venda, deduzindo a sua parte proporcional, no valor da percentagem da imobiliária”. [I)]

14. A referida imobiliária encetou várias diligências tendentes a concretizar a aludida venda. [5.º]

15. Em Abril de 2008, apareceu o réu, interessado em comprar os referidos imóveis, mediante determinadas condições. [6.º]

16. O réu admitiu a possibilidade de o preço de aquisição ser de €160.000,00. [7.º]

17. Teve lugar uma reunião em 20 de Maio de 2008, onde estiveram presentes, além do réu marido, a autora. [J)]

18. Na reunião aludida em 17 [J)] supra estiveram também presentes (…), irmã da Autora e (…), sócio-gerente da mencionada imobiliária. [9.º]

19. Aquando da reunião havida em 20/05/2008 a autora informou o réu marido que dois dos prédios se encontravam desocupados, uma vez que as suas inquilinas estavam ausentes dos mesmos, tendo desde logo referido que iria enviar a todas as arrendatárias “umas cartas” para resolver a situação. [35.º]

20. Tendo ficado acordado que a autora, enquanto cabeça-de-casal, procedesse ao envio das cartas necessárias a que as arrendatárias, uma que ocupava o imóvel e as outras ausentes dos locados, mas cujas chaves ainda não entregaram, pudessem exercer o respectivo direito de preferência, sob a condição de, não o exercendo, saírem dos prédios para que o réu os pudesse comprar. [11.º]

21. A autora frisou ao réu que não era possuidora de valores para proceder ao pagamento das tornas, ao que este afiançou que isso não seria problema, se o negócio se concretizasse. [18.º]

22. No dia 29 de Maio de 2008, a autora remeteu a (…)e (…), uma missiva (igual para todas). [K)]

23. O teor da carta referida em 22 [K)] supra era o seguinte: “Assunto: Exercício do direito de preferência referente á venda do prédio sito na ..., nº74, Buarcos, Figueira da Foz.

Exmª Senhora,

Serve a presente para informar Vª Exª de que me encontro na disposição de proceder á venda, aos Senhores (…) sua esposa (…), residentes em Buarcos, Figueira da Foz, o prédio misto sito em Buarcos, ..., inscrito na matriz predial urbana sob os artºs ... ... e matriz predial rústica sob o artº ... e ..., pertencentes á freguesia de Buarcos, concelho de Figueira da Foz, e de que Vª Exª é arrendatária do rés do chão, sendo o valor patrimonial dos aludidos prédios de €500,00, €1050,47, €1020,00 e €1080,00 respectivamente.

O preço da citada venda é de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros) que será pago da seguinte forma: €40,000 na data da assinatura do contrato promessa, o que se prevê que ocorra no dia 12/6/2008; e o restante preço (€120,000), será pago no acto da celebração da escritura publica, a qual será celebrada impreterivelmente durante o mês de Setembro de 2008, no Cartório Notarial de Tomar, em função da disponibilidade deste.

O valor devido a título de IMI, será liquidado pelo comprador e bem assim, as respectivas despesas de escritura.

Considerando que Vª Exª, é arrendatária do referido prédio, goza nos termos legais, do respectivo direito de preferência na aquisição, pelo que solicito que me informe, se se encontra ou não, interessada em preferir na venda acima mencionada.

Em caso afirmativo, deverá responder-nos por escrito, no prazo de oito dias a contar da recepção desta, nos termos do artigo 416º do CC.

Findo o referido prazo, caso não comunique pretender exercer tal direito, concluir-se-á pela sua indisponibilidade em exercer o direito de preferência, pelo que venderei o mesmo aos citados compradores.

Aguardando a v/comunicação, nos subscrevemos com os melhores cumprimentos.” [12.º]

24. Tal missiva mereceu resposta por parte da arrendatária (…), a qual se dá por integralmente reproduzida e refere: “Em resposta à sua carta, venho informar que não estou interessada na compra do referido prédio.

Podem pois, proceder à referida venda. Sem outro assunto, atentamente, (…)”. [L)]

25. Em 29/05/2008, foi realizado levantamento topográfico dos imóveis, exigido pelo réu, cujas despesas a imobiliária suportou. [21.º]

26. No dia 11/06/2008, a empresa imobiliária, através do seu representante, enviou à mandatária da autora, o fax junto como documento nº 13. [M)]

27. No dia 12 de Junho de 2008, foi realizada a conferência de interessados. [N)]

28. Compareceram à mesma, a autora e sua mandatária, e a Distinta mandatária da interessada (…). [O)]

29. Foi deliberado adjudicar à autora os bens imóveis id. em 7 [G)] supra, pelo valor de €160.000,00, recebendo a interessada (…), tornas no valor de €40.000,00. [P)]

30. A autora teve que liquidar de tornas à sua enteada, o valor de €40.000,00 acrescidos de juros de €1.236,00. [W)]

31. Foram trocadas minutas de contrato-promessa e remetidas as cópias das cartas enviadas aos inquilinos. [Q)]

32. No dia 23 de Junho de 2008 pelas 12h39m, foi remetido pela mandatária da autora, o fax que se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos, cujo teor é o constante do documento nº 15. [R)]

33. E em 26 de Junho de 2008 pelas 16h48m, foi remetido pela mandatária da autora, o fax cujo teor é o constante do documento nº 16, e no qual se referia: “Sou a enviar contrato-promessa de compra e venda, afim de ser assinado pelos compradores” (sic). [S)]

34. Nesta data, foi remetido à imobiliária o contrato-promessa, cuja cópia se encontra como documento nº 17. [T)]

35. Os documentos aludidos em 31 [Q)], foram solicitados pelo réu através da imobiliária, na pessoa de (…), mas o réu não teve conhecimento de respostas em que as inquilinas quisessem sair dos locados, ficando surpreendido com o surgimento da minuta do contrato-promessa já assinada pela autora. [22.º]

36. Após ter sido facultada cópia dos documentos referidos em 33 e 34 [S) e T)] e tendo o réu marido verificado que da minuta do contrato-promessa enviada pela autora constava já um sinal de €60.000 e não de €40.000 e que as cartas remetidas aos inquilinos do prédio visavam unicamente o exercício do direito de preferência e não o abandono dos locados, em contrário do acordado, o réu transmitiu ao agente imobiliário que por esta razão já não tinha interesse no negócio. [38.º]

37. No dia 6 de Julho de 2008, foi a mandatária da autora avisada telefonicamente pelo Sr. (…) que o réu já não pretendia o negócio. [23.º]

38. A autora, após conferência com os demais interessados, endereçou uma carta aos Réus. [U)]

39. O teor da carta aludida em 38 [U)] era o seguinte: “Exmºs Senhores,

Como é do v/conhecimento, sou cabeça de casal da herança aberta por óbito de meu falecido marido, em que, além de mim, são herdeiros legitimários a minha enteada, (…)e meu filho (…).

No tribunal do Entroncamento, correm termos processo de inventário para partilha de tal herança, sob o nº324/03.5TBFIG.

Como é também do v/conhecimento, no ano de 2007, através de contacto com a Imobiliária Carteira de Imóveis Guindeira – (…) coloquei, conjuntamente com os demais herdeiros, á venda, um conjunto de imóveis sitos na ..., Buarcos, rua onde, por sinal, Vªs Exªs habitam, os quais se acham inscritos na matriz sob os artigos ..., ..., ... e ..., freguesia de Buarcos, concelho da Figueira da Foz.

Após várias reuniões com Vªs Exªs e com o agente imobiliário da sobredita imobiliária, e nomeadamente, com a mandatária da minha enteada, foi decidido vender a Vªs Exªs os referidos imóveis, pelo preço de €160.000,00. Foi também referido que, por questões de inventário, seriam os aludidos bens que me ser adjudicados e que o quinhão da minha enteada (…), no valor de €40.000,00, devidamente representada pela sua advogada Drª (…), teria que ser pago no prazo de 30 dias a contar da realização da conferência de interessados, que teve lugar no passado dia 12 de Junho de 2008.

Realizada uma última reunião final, no dia 20/05/2008 entre todos os intervenientes, Vªs Exªs exigiram que se procedesse ao envio das cartas aos inquilinos, com vista a estes serem notificados, para, querendo, exercerem o direito de preferência, cartas essas, cujas cópias anexo, e que v/foram entregues também através do Sr. (…), Director da Agencia Imobiliária, para que as apresentasse ao v/Advogado, o que ocorreu em 29/05/2008, tendo sido inclusive, realizado o levantamento topográfico exigido por Vªs Exªs.

Nessa esteira, no dia 12 de Junho de 2008, eu e os representantes legais dos outros herdeiros legais, estivemos presentes no Tribunal do Entroncamento, para realizarmos a conferência de interessados, de acordo com todo o negócio gizado com Vªs Exªs, o agente imobiliário, Sr. (…) e os demais herdeiros. Assim, na referida conferência, foi adjudicado á minha pessoa os aludidos prédios, para serem vendidos a Vªs Exªs e ser entregue á minha enteada, o valor global de €40.000,00 a título de tornas, que Vªs Exªs se tinham comprometido entregar pessoalmente, á advogada daquela.

Por esta razão, remeti á agência imobiliária o contrato-promessa de compra e venda, cuja cópia anexo e que era datado de 26 de Junho de 2008. Recebido o aludido contrato pelo agente imobiliário, foi com surpresa que na 2ª feira, dia 6 de Julho de 2008, soube telefonicamente, que Vªs Exªs já não pretendiam o negócio!!

Ora, este comportamento não só lesa os mais elementares princípios de boa fé geral, que deve presidir ás relações negociais, como prejudica e lesa patrimonialmente, todos os intervenientes, que acreditámos no negócio e que fraudulentamente fomos convencidos por Vªs Exªs, na sua concretização.

Assim e porque nunca eu teria concordado em que me fossem adjudicados os bens imóveis e a dar tornas aos restantes intervenientes, no sobredito processo de inventário, não fosse a plena convicção, minha e de todos os herdeiros, que Vªs Exªs honrariam os v/compromissos negociais.

Face ao exposto, rogo a Vªs Exªs que me informem, por escrito, se pretendem definitivamente, não concretizar o negócio de compra e venda, que assumiram realizar com todos nós.

Caso nada digam no prazo de 8 dias a contar da recepção desta missiva, entenderei o v/silêncio como total desinteresse no aludido negócio.

Ao ser entendido tal silêncio como vontade em não celebrarem o contrato de compra e venda, deverão desde já, Vªs Exªs considerar-se devidamente interpelados para os termos legais, decorrentes do exposto no artº 227º do CC, para indemnizarem, a mim e aos restantes herdeiros, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, que, Vªs Exªs, culposamente, nos estão a causar e que, com toda a probidade, não serão inferiores a €160.000, sem prejuízo dos demais valores que possam ainda vir a ser apurados.

Com os melhores cumprimentos”. [24.º]

40. A referida carta foi devolvida em 28/07/2008, com menção de objecto “não reclamado”. [V)]

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Responsabilidade pré-contratual dos RR.

2.

(…)

3. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“A autora demandou os réus a título de responsabilidade pré-contratual. A este propósito, dispõe o nº 1 do artº 227º do Código Civil que «quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.»

Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed., p. 224, refere entender-se «que, durante as fases anteriores à celebração do contrato – quer dizer, na fase negociatória e na fase decisória – o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade.» E a p. 225 continua dizendo que «o reconhecimento da responsabilidade pré-contratual reflecte a preocupação do direito de proteger a confiança depositada por cada um dos contraentes nas expectativas legítimas que o outro lhe crie durante as negociações, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua futura celebração.» A este propósito, veja-se ainda o Ac. do S.T.J. de 31/3/2004, proc. 04A3348, em www.dgsi.pt.

No Ac. do S.T.J. de 15/2/2005, proc. 05B2354, em www.dgsi.pt, entendeu-se que a responsabilidade pré-contratual exige se tenha verificado a ruptura das negociações de forma arbitrária, ilegítima, sem motivo justificado, mercê de uma conduta fortemente censurável da parte inadimplente – parte esta que, no entender da A., seriam os réus.

A posição da A. foi a de que os réus violaram o dever de lealdade e lisura de comportamento, impostos pelo princípio da boa fé, por não quererem concluir o negócio de que houve prévias negociações entre as partes.

Contudo, provou-se que ficou acordado entre as partes, em 20/05/2008, que a autora, enquanto cabeça-de-casal da herança à qual pertenciam os prédios negociados, sitos em Buarcos, nesta Comarca, procedesse ao envio das cartas necessárias a que as arrendatárias, uma que ocupava o imóvel e as outras ausentes dos locados, mas cujas chaves ainda não entregaram, pudessem exercer o respectivo direito de preferência, sob a condição de, não o exercendo, saírem dos prédios para que o réu os pudesse comprar.

A autora frisou ao réu que não era possuidora de valores para proceder ao pagamento das tornas a propósito da partilha da herança a que pertenciam os imóveis negociados, ao que este afiançou que isso não seria problema, se o negócio se concretizasse, mas esperançado na afirmação feita pela autora de que iria enviar a todas as arrendatárias “umas cartas” para resolver a situação.

Após ter sido facultada ao réu cópia do fax 26 de Junho de 2008 remetido pela mandatária da autora e no qual se referia: “Sou a enviar contrato-promessa de compra e venda, afim de ser assinado pelos compradores” (sic) e remetido à imobiliária a minuta do contrato-promessa, o réu marido verificou que dessa minuta enviada pela autora constava já um sinal de €60.000 e não de €40.000 e que as cartas remetidas aos inquilinos do prédio visavam unicamente o exercício do direito de preferência e não o abandono dos locados, em contrário do acordado.

Foi por esta razão que o réu transmitiu ao agente imobiliário que já não tinha interesse no negócio.

É perfeitamente razoável que os réus não quisessem comprar por €160.000 os prédios ocupados pelas inquilinas, quando foi garantido pela autora que lhes iria enviar cartas para exercerem, querendo, o direito de preferência, sob a condição de, não o exercendo, saírem dos prédios para que o réu os pudesse comprar.

Deste modo, não se verifica um comportamento culposo por parte dos réus, dado que o interesse de qualquer comprador de bens imóveis é, pelas regras da experiência, o de adquirir prédios livres e desocupados, sem qualquer ónus ou encargo.

Pode não suceder assim quando o preço é tão baixo que compense ao comprador ficar com o problema dos arrendatários para resolver, se quiser que dali saiam definitivamente, mediante uma contrapartida monetária ou habitacional. Mas o bom senso indica não ser razoável pensar nessa solução com um preço de €160.000.

Não se vê motivo para a autora poder requerer uma indemnização aos réus” – fim de transcrição.

Não se procedeu a qualquer alteração da matéria de facto. A recorrente, nas suas alegações, pressupõe essa alteração, e partindo da mesma argumenta de direito para concluir pelo preenchimento da previsão legal do art. 227º do CC.

Mas uma vez que não se procedeu a qualquer alteração factualidade apurada, a sorte do presente recurso ficou ditada.

Acompanha-se o discurso jurídico da sentença recorrida e o juízo decisório a que chegou, a que se acrescem algumas achegas.

A propósito desta temática escreveu-se no recente acórdão do STJ de 31.3.2011, Proc.3682/05.3TVSLSB, in www.dgsi.pt, citado aliás pela recorrente que a razão de ser do citado art. 227º do CC “está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual de um negócio, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé.

Esta obrigação de actuação de boa-fé tanto nos preliminares como na formação do contrato, inculca, sem margem para dúvidas, que a responsabilidade pré-contratual abrange a fase negociatória que decorre desde o início dos contactos e das negociações até à obtenção de acordo sobre todas as condições e termos tidos como relevantes (incluindo, portanto, a aceitação da proposta contratual) e a fase da perfeição e execução do acordo conseguido que inclui a formalização (se não bastar o mero consenso das partes) e cumprimento do contrato.
Isto porque o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato.

Com efeito, pelo facto de se relacionarem e de entrarem em contactos com vista a determinado negócio, as partes assumem certos deveres, ficando reciprocamente obrigadas a comportar-se nas negociações com boa-fé e lealdade ética.

A ilicitude nessa fase resultará, pois, da violação das regras da boa-fé subjacentes aos deveres de protecção (que impõem às partes a obrigação de se absterem de actuações susceptíveis de causar danos à outra parte) aos deveres de informação verdadeira (sobre todas as circunstâncias relevantes para a decisão da outra parte) e aos deveres de lealdade (prevenindo comportamentos desleais para a outra parte, de que é exemplo a ruptura unilateral e injustificada de negociações quando a outra parte já adquirira plena confiança na conclusão do negócio).

Na verdade, a relação – que podemos designar como jurídica… – pré-contratual estabelecida com os contactos e negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) de elas se comportarem com lealdade e boa-fé implicam que, se no decurso das negociações uma das partes faz surgir na outra confiança razoável de que o contrato que se negoceia será concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os danos sofridos pela outra parte com a dita ruptura.

Os pressupostos de facto desta obrigação de reparação (responsabilidade) são, portanto:

- a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato;

- o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações;

- a produção de um dano no património de uma das partes;

- a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada (cfr. Diez-Picazo, Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial, I, 1996, Madrid, p. 278).

Por conseguinte, desde que as negociações hajam induzido numa das partes a confiança e expectativa razoável da sua conclusão e celebração do contrato, a sua ruptura e a recusa deste, sem justificação plausível, faz incorrer o respectivo autor em responsabilidade civil com a consequente obrigação de indemnizar os danos causados à contraparte.

(…)
a solução desta questão de saber quais os danos que devem ser indemnizados na responsabilidade pré-contratual, parece decorrer, segundo os termos em que se encontra redigido o art. 227º nº1 do CC, da violação das regras da boa-fé: só responderá pelos danos se não proceder segundo as regras da boa-fé.

A boa-fé é entendida, aqui, em sentido objectivo, como regra de conduta, visando, não só impedir lesões na esfera jurídica da contraparte, mas também a satisfação das respectivas expectativas; daí os apontados deveres de protecção, de informação e de lealdade cujo cumprimento cria a confiança que está na base da celebração do negócio.

Com efeito, a relação pré-negocial cria obrigações e deveres entre as partes que decorrem da confiança recíproca que se criou e vai desenvolvendo entre as partes a partir da observância desses deveres e da consciência crescente de que as responsabilidades das partes aumentam à medida que as negociações avançam, a ponto de a violação de qualquer daqueles deveres e obrigações acarretar necessariamente a violação da confiança da outra parte no prosseguimento e na conclusão das negociações.

A boa-fé significa, portanto, uma actuação reflectida que visa não apenas as próprias vantagens mas também as da contraparte: uma e outra devem conduzir-se leal, honesta e correctamente, respeitando as expectativas recíprocas razoáveis, prevenindo lesões ou desvantagens recíprocas, em resumo, observando na relação aqueles deveres especiais de conduta em que se decompõe a (ou que subjazem à) boa-fé e da qual decorre, como inevitável corolário, que todos devem guardar fidelidade à palavra dada e não frustrar ou abusar da confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas e do tráfico jurídico.

A boa-fé e a confiança entre as partes dependem assim de dois elementos:

1º) objectivo: adequação e idoneidade das actuações e comportamentos do declarante para gerarem confiança segundo um padrão médio;

2º) subjectivo: criação de confiança efectiva numa das partes pela actuação e comportamento da parte contrária.

Logo, encetadas as negociações com vista à conclusão do contrato (com propostas, contrapropostas, discussão, e aceitação recíproca dos termos e condições do negócio), a ulterior recusa de formalização deste, desde que arbitrária e injustificada, isto é, destituída de causa legítima, configura comportamento desleal que, desconsiderando totalmente os interesses da contraparte, viola objectivamente a confiança que nesta foi criada.

Este é o cerne da doutrina da responsabilidade civil por culpa in contrahendo, de que foi pioneiro Ihering, e segundo a qual, incorre em responsabilidade pré-negocial a parte que, tendo criado na outra a convicção, razoável, de que o contrato seria concluído (confiança), rompe intempestivamente as negociações ou recusa injustificadamente a conclusão do contrato, ferindo os legítimos interesses da contraparte”.

Esta explicitação jurídica da razão de ser da responsabilidade pré-contratual e aplicabilidade do citado art. 227º do CC, que merece a nossa adesão e consideramos ser de seguir, pode ver-se, também, em outra jurisprudência do nosso mais alto tribunal, disponível em www.dgsi.pt, e que vem assim sintetizada.

I) - A responsabilidade contratual pressupõe que a parte que rompe as negociações traia as expectativas que legitimamente incutiu na parte com quem negociava, de modo a que frustração do negócio exprima uma indesculpável violação da ética negocial, mormente da protecção da confiança e da prevenção do insucesso.

II) – A responsabilidade pré-negocial não existe apenas quando as partes não adoptam um padrão de lisura, honestidade negocial, consideração dos interesses da contraparte, observando deveres de conduta compagináveis com a natureza do negócio em formação, mas também quando tendo aproximado pela via dessa negociação a conclusão do negócio, por facto seu, este já em fase adiantada não é concluído.

III) – O interesse protegido pelo normativo do art. 227º do Código Civil é a boa-fé a confiança de quem negoceia para a conclusão do negócio, sendo que aquele que induz a confiança terá de ser responsabilizado se a trai, já que o Direito tem cada vez mais uma componente ética … (vide Ac. do STJ, de 11.9.2007, Proc.07A2402).

1) A responsabilidade pré contratual – situada na fase vestibular (ou negociatória) – destina-se a tutelar a confiança das partes que não devem ser arrastadas para situações de frustração de expectativas por rompimento injusto, ou arbitrário, do “iter negocial”, causando danos resultantes da não celebração do negócio.

2) É o princípio geral da boa fé que vincula ao respeito pela confiança na situação que o proponente criou e que determinou o declaratário à realização de despesas para cumprimento da obrigação que acreditou vir a vincular as partes.

3) O dever geral de boa fé engloba (ou desdobra-se) em vários deveres de actuação: informação, guarda e restituição, segredo, clareza, protecção, conservação e lealdade.

4) O dever de lealdade – que alguns inserem no de informação – impõe a obrigação de não utilizar práticas menos lisas, dissimuladas ou de embuste … (vide Ac. do STJ, de 13.3.2007, Proc. 07A402).

I - Válido tanto para os contratos consensuais, como para os contratos formais, o dever de agir de boa fé imposto no art.227º C.Civ. - a que subjaz clara intenção de protecção do tráfico ou comércio jurídico, necessariamente assente num princípio de confiança - proibe toda a conduta que traduza uma apreciável falta de consideração pelos interesses da contraparte.

II - O fundamento e pressuposto da responsabilidade pré-contratual em que o faltoso incorre é a culpa, ou seja, a censurabilidade ou reprovabilidade da sua conduta (culpa in contrahendo), em termos idênticos aos do abuso de direito (Ac. do STJ, de 26.1.2006).

II - A protecção concedida pelo n. 1 do art. 227 C.Civ. supõe situações de legítima, fundada, estável, consolidada expectativa de que não haverá retrocesso, de que não é já de admitir a possibilidade de alterações substanciais, e a confiança assim justificada na conclusão formal do contrato - tal que arbitrária, injustificada, ao invés, se revelaria decisão unilateral de não contratar.

III - É pressuposto e fundamento da responsabilidade pré-contratual a culpa do responsável, ou seja, a censurabilidade ou reprovabilidade da conduta deste (culpa in contrahendo), tendo que ter efectivo cabimento um juízo de censura ou reprovação baseado no reconhecimento, à luz do disposto n. 2 do art. 487 C.Civ., de que o mesmo podia e devia ter agido doutro modo. (Ac. do STJ, de 21.4.2005, Proc.05B490).

II- A obrigação de indemnizar por culpa in contrahendo, nos termos do artigo 227º, nº. 1 do Código Civil, exige:

- por um lado, que haja, por parte do incumpridor, uma conduta fortemente censurável, ou seja, intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico da boa fé, que deve presidir quer nos preliminares, quer na fase decisória da formação dos contratos;

- por outro lado, que a parte fiel não tenha contribuído também, com culpa sua, para o insucesso negocial. (Ac. do STJ, de 3.7.2003, Proc.03B1589).

I - A responsabilidade pré-contratual traduz-se num compromisso ou conciliação entre o interesse na liberdade negocial e o interesse na protecção da confiança das partes durante a fase das negociações.

II - A responsabilidade pré-contratual pressupõe uma conduta eticamente censurável, e de forma acentuada, em termos idênticos aos do abuso de direito (artigo 227, n. 1, do C. Civil). (Ac. do STJ, de 9.2.1999).  

3.1. Ora, revertendo ao nosso caso, e aos factos apurados nos autos, concretamente os factos provados 15. a 17., 19. a 23., 27., 29., 32. a 37., resulta que: Em Abril de 2008, o réu estava interessado em comprar os referidos imóveis, mediante determinadas condições; o réu admitiu a possibilidade de o preço de aquisição ser de 160.000 €; teve lugar uma reunião em 20 de Maio de 2008, onde estiveram presentes, além do réu marido, a autora; aquando dessa reunião a autora informou o réu marido que dois dos prédios se encontravam desocupados, uma vez que as suas inquilinas estavam ausentes dos mesmos, tendo desde logo referido que iria enviar a todas as arrendatárias “umas cartas” para resolver a situação; ficou acordado que a autora procedesse ao envio das cartas necessárias a que as arrendatárias, uma que ocupava o imóvel e as outras ausentes dos locados, mas cujas chaves ainda não entregaram, pudessem exercer o respectivo direito de preferência, sob a condição de, não o exercendo, saírem dos prédios para que o réu os pudesse comprar; a autora frisou ao réu que não era possuidora de valores para proceder ao pagamento das tornas, ao que este afiançou que isso não seria problema, se o negócio se concretizasse; no dia 29 de Maio de 2008, a autora remeteu às 3 inquilinas uma carta igual para todas para estas, querendo, exercerem direito de preferência na aquisição do prédio identificado; na conferência de interessados de 12.6.2008 foi adjudicado à autora os bens imóveis pelo valor de 160.000 €, recebendo a enteada daquela tornas no valor de 40.000 €; no dia 23 de Junho de 2008 foi remetido pela mandatária da autora, ao A. Guindeira, da imobiliária, um fax com cópia das cartas enviadas aos inquilinos; e em 26 de Junho de 2008 foi remetido pela mandatária da autora ao mesmo A. Guindeira outro fax no qual se referia: “Sou a enviar contrato-promessa de compra e venda, afim de ser assinado pelos compradores”, tendo sido, nesta data, remetido à imobiliária o contrato-promessa, cuja cópia se encontra como documento nº 17; o réu não teve conhecimento de respostas em que as inquilinas quisessem sair dos locados, ficando surpreendido com o surgimento da minuta do contrato-promessa já assinada pela autora; Após ter sido facultada cópia dos fax de 26.6.2008 e do contrato-promessa e tendo o réu marido verificado que da minuta do contrato-promessa enviada pela autora constava já um sinal de 60.000 € e não de 40.000 € e que as cartas remetidas aos inquilinos do prédio visavam unicamente o exercício do direito de preferência e não o abandono dos locados, em contrário do acordado, o réu transmitiu ao agente imobiliário que por esta razão já não tinha interesse no negócio; que por sua vez no dia 6 de Julho de 2008 avisou a mandatária da autora.

Do conjunto de toda esta factualidade sobressai que o réu marido cumpriu o seu dever de comunicação/informação com clareza, dever típico de qualquer negociação pré-contratual, sob pena de verificação de um comportamento ilícito na fase negociatória, gerador (com os demais requisitos) de responsabilidade civil (vide A. Prata, Notas Sobre Responsabilidade Contratual, Separata de Revista da Banca, 1991, pág. 36/40 e 49/53).

Efectivamente, o que se apurou é que o réu estava interessado em adquirir em Abril de 2008, os referidos imóveis, mas apenas mediante determinadas condições, admitindo o réu a possibilidade de o preço de aquisição ser de 160.000 €. Tudo se iniciou com a disposição de aquisição do réu sujeita a condição. Esta condição foi acordada na reunião de 20.5.2008, onde ficou estabelecido que a autora procedesse ao envio das cartas necessárias para que as arrendatárias, pudessem exercer o respectivo direito de preferência, sob a condição de, não o exercendo, saírem dos prédios para que o réu os pudesse comprar. A A. frisou ao réu que não era possuidora de valores para proceder ao pagamento das tornas, ao que este afiançou que isso não seria problema, se o negócio se concretizasse.

Relativamente a tal dever de informação/esclarecimento o réu comunicou, assim, todos os elementos negociais relevantes quer para decisão de contratar, quer para a conformação concreta do contrato a celebrar.

3.2. Por outro lado, quanto ao requisito da confiança professa Almeida Costa (Responsabilidade Civil Pela Ruptura das Negociações Preparatórias de Um Contrato, Reimpressão/1994, pág. 57) que não basta uma confiança que se configure como um simples estado psicológico ou convicção com puras raízes subjectivas. Ou como defende Daniela Ferreira Cunha (Responsabilidade Pré-Contratual Por Ruptura Das Negociações, Almedina, 2006, pág. 165), citando o ensino de Baptista Machado, que a confiança diga de tutela tem de radicar em algo de objectivo: numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura. Pode alguém manifestar uma certa intenção, mas fazendo depender a realização da mesma da verificação de determinados pressupostos não permite que se considere o declarante vinculado. Doutro modo violar-se-ia o princípio da autonomia privada       

No nosso caso, não vemos bem como a A. podia ter uma razoável, uma fundada confiança na realização do negócio com o réu, aquando da conferência de interessados de 12. 6.2008, quando se deliberou que os bens imóveis seriam adjudicados à A., ficando de pagar 40.000 € de tornas à enteada, contando para tal com o dinheiro que iria receber do réu a título de sinal, se nessa data a condição negociada por ela e pelo réu ainda não estava verificada. Trata-se, a nosso ver, de uma mera conjectura da A. não merecedora de protecção.

Repare-se que o processo negocial se iniciou com a postura do réu que em determinadas condições podia comprar os imóveis, admitindo a possibilidade de o preço ser o pretendido pela A. São logo dois “se” para começar. Só se fez uma reunião entre a A. e o réu, não se tendo provado que tivesse havido algum aperto de mão de fecho do negócio. Nessa reunião, também outro “se” foi erguido. A entrega de dinheiro por parte do réu à A. para esta pagar tornas, não suscitaria problema, caso o negócio se concretizasse. Para tanto, ficou estabelecida a condição determinante do negócio, que os imóveis pudessem ser vendidos livres das inquilinas, caso as mesmas não exercem o seu direito de preferência.

Se a A. não enviou as cartas com o conteúdo a que se comprometeu ou diligenciou pela saída das inquilinas, e tudo estava dependente deste facto determinante, como podia aspirar a que se lhe reconhecesse uma situação objectiva de confiança (que aliás não se provou, como ela tinha factualmente alegado) quando na conferência de interessados acordou em ficar com os ditos imóveis mediante tornas à enteada, contando para isso com o dinheiro do réu, dando o negócio com este como certo? Não podia, nem pode.

3.3. Finalmente, dir-se-á que não se divisa qualquer actuação injustificada do réu em romper as negociações com a A. Na verdade, a A. não enviou cartas para as inquilinas satisfazendo ou buscando alcançar o desiderato do potencial comprador, pois nem sequer mencionou nas mesmas o abandono do locado por parte daquelas.

Mais, após ter sido facultada ao réu cópia do fax 26.6. 2008 remetido pela mandatária da A. e no qual se referia: “Sou a enviar contrato-promessa de compra e venda, afim de ser assinado pelos compradores” e remetido à imobiliária a minuta do contrato-promessa, o réu verificou que dessa minuta enviada pela autora constava já um sinal de 60.000 € e não de 40.000 € e que as cartas remetidas aos inquilinos do prédio visavam unicamente o exercício do direito de preferência e não o abandono dos locados, em contrário do acordado. Nem o réu teve conhecimento de respostas em que as inquilinas quisessem sair dos locados.

Tendo em conta tais postulados, por esta razão, o réu transmitiu ao agente imobiliário que já não tinha interesse no negócio.

Como ensina Almeida Costa (ob. cit., pág. 62/63) fora dos casos de condutas dolosas, o princípio é o de que qualquer dos contraentes, desde que se torne inviável um acordo, dentro de um sistema de apreciação ou reapreciação própria das respectivas conveniências, tem o direito de interromper o iter negotii, sem responsabilidade alguma para com a parte contrária. O critério será sempre o de a ruptura, de harmonia com as circunstâncias do caso concreto, não se revelar intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico.

Ora, perante a materialidade substantiva atrás referida, não se vê aqui ilegitimidade da ruptura/desistência das negociações por parte do réu. A mesma está perfeitamente justificada em função do desrespeito por banda da A. na observação das condições negociais previamente acordadas para a concretização, para a posterior formalização do negócio. É perfeitamente razoável que os réus não quisessem comprar por 160.000 € os prédios ocupados pelas inquilinas, quando foi garantido pela autora que lhes iria enviar cartas para exercerem, querendo, o direito de preferência, sob a condição de, não o exercendo, saírem dos prédios para que o réu os pudesse comprar. É racionalmente compreensível, como acima dissemos e agora repetimos, que o réu não quisesse comprar por 160.000 € um conjunto de prédios, urbanos e rústicos, para construção, estando os edifícios em mau estado e até parte deles em ruínas, como se constata das fotografias de fls. 190/191, sem se salvaguardar com a saída definitiva dos inquilinos, já que, mostram as regras da experiência, os locatários só saem dos locados mediante uma contrapartida monetária ou outra vantagem patrimonial ou habitacional, à custa de quem compra. Para que quer um comprador um conjunto de prédios, com ónus pessoais, se não pode depois desmantelá-los e edificar uma habitação ou outra construção livremente, sem tais encargos pessoais, como um arrendamento.

3.4. Não estão, pois, reunidos os requisitos legais da ilicitude, própria da responsabilidade pré-contratual, pelo que o presente recurso não pode proceder. 

4. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) Os pressupostos de facto da responsabilidade civil pré-contratual são: - a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato; - o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações; - a produção de um dano no património de uma das partes; - a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada;

ii) Apesar de terem sido entabuladas negociações entre A. e Réu se este fixa determinadas condições prévias para fechar o negócio, comunicando-as claramente àquela e a mesma não as observa não pode a A. fundadamente confiar na conclusão do contrato, pelo que se o R. romper/desistir de tais negociações tal ruptura não pode considerar-se intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pela A./recorrente.

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João Moreira do Carmo ( Relator )

Carlos Marinho

Alberto Ruço