Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
213526/10.6YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
JUROS CONTRATADOS
Data do Acordão: 09/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA – 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1146º CC E 102º, §2º DO CÓDIGO COMERCIAL; 7º DO DECRETO-LEI Nº 344/78.
Sumário: I – I – As entidades que concedem financiamentos ao consumo não estão sujeitas às limitações impostas pelo artº 1146º do Cód. Civil, conjugado com o artº 102º, § 2º do Código Comercial.

II – De acordo com o disposto no artº 7º do Decreto-Lei nº 344/78, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 83/86, de 06/05, as instituições de crédito e parabancárias poderão cobrar, em caso de mora do devedor, uma taxa de juros moratórios igual à taxa de juros remuneratórios ajustada, não podendo a cláusula penal acordada exceder o correspondente a quatro pontos percentuais, a acrescer à dita taxa de juros.

III – Tendo as partes estipulado que, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, era devida uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada acrescida de 4 pontos percentuais, o que monta a de 19% ao ano, não há violação do disposto no artº 1146º do Código Civil ou de qualquer outra norma legal.

Decisão Texto Integral:                 Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

                1. RELATÓRIO

                O BANCO …, S. A., com sede na …, instaurou providência de injunção contra E… residente na Rua …, visando a conferência de força executiva ao respectivo requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigação emergente de transacção comercial abrangida pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, para o que pediu a notificação da R. no sentido de lhe ser paga a quantia de € 7.112,36, sendo € 5.493,93 de capital, € 1.507,14 de juros de mora, € 60,29 de imposto de selo e € 51,00 de taxa de justiça.

                A R. deduziu oposição defendendo a sua absolvição, para o que alegou a ineptidão do requerimento de injunção, a sua ilegitimidade e a ausência de obrigação de pagamento da quantia exigida, por tal obrigação recair não sobre si, mas antes sobre a Companhia de Seguros “…”.

                Face à mencionada oposição, foi o processo distribuído ao 4º Juízo Cível de Coimbra onde prosseguiu os pertinentes termos.

                Em sede de audiência de discussão e julgamento foi apresentada resposta escrita à oposição, na qual o A. pugnou pela improcedência das excepções deduzidas e pela condenação da R. nos termos inicialmente impetrados.

                Foi proferida a sentença constante de fls. 48 a 60 dos autos, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a R. a pagar ao A.:

“- a quantia de € 140,87 (cento e quarenta euros e oitenta e sete cêntimos), correspondente à 22.ª prestação, acrescida de juros de mora vencidos desde 10 de Janeiro de 2009 e vincendos até integral pagamento, à taxa acordada de 19%, bem como do imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre aqueles juros recair, e

- a quantia que vier a ser ulteriormente liquidada correspondente ao capital incorporado nas 23.ª a 60.ª prestações, excluindo das mesmas a parte correspondente a juros remuneratórios, imposto e seguros, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, desde 10 de Janeiro de 2009 e até integral pagamento, à taxa de juro acordada de 19%, bem como do imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre aqueles juros recair.”

                Inconformada, a R. interpôs recurso, encerrando a alegação que apresentou com as seguintes conclusões:

O A. respondeu defendendo a manutenção do julgado.

Foi proferido despacho de admissão do recurso.

Nada obstando a tal, cumpre apreciar e decidir.


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                Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas essencialmente as seguintes duas questões:

                a) Se a obrigação cujo cumprimento o A. exigiu recaía sobre a Companhia de Seguros “… não sobre a R. que, assim, careceria de legitimidade passiva;

                b) Se, face aos juros e cláusula penal estipulados, o contrato de mútuo celebrado entre o A. e a R. deve ser havido como usurário, com as correspectivas consequências no tocante à sua validade.


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                2. FUNDAMENTAÇÃO

                2.1. De facto

                Não tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto nem existindo fundamento para oficiosamente a alterar, considera-se assente a factualidade dada como provada pela 1ª instância e que é a seguinte:


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                2.2. De direito

                2.2.1. Sujeito passivo da obrigação

                Afirma-se na sentença recorrida que, face à factualidade provada, as partes celebraram um contrato de mútuo oneroso (artºs 1142.º e 1145.º do Código Civil), que se qualifica como operação de crédito realizada por instituição de crédito (artº 1.º do Dec. Lei n.º 344/78, de 25 de Outubro), dito de crédito ao consumo (artº 2.º do Dec. Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro), no âmbito do qual o banco autor, no exercício da sua actividade própria, concedeu à ré um empréstimo, ficando esta obrigada a restituir o capital mutuado em prestações que incluíam também os juros à taxa contratada.

                A recorrente não questiona a indicada qualificação jurídica do contrato e este Tribunal também não encontra fundamento para questioná-la.

                Assim, teórica e abstractamente, tendo em atenção o disposto no artº 406º do Código Civil, competia à R., tendo recebido do A. a quantia mutuada, pagar pontualmente as prestações acordadas, sujeitando-se, em caso de incumprimento, às consequências legais e contratuais.

                Contudo, em concreto, a R. sustenta, por um lado, que o incumprimento se deve à sua incapacidade para o trabalho, resultante de acidente de que foi vítima e, por outro, que, mercê da subscrição do seguro referido na cláusula 13ª do contrato de crédito pessoal, seguro esse que cobria os riscos de morte ou invalidez total e permanente da pessoa segura, é sobre a seguradora que recai a obrigação de pagamento.

                É certo que o contrato de crédito pessoal celebrado entre o A. e a R. inclui a cláusula 13º, de acordo com cuja alínea a) o mutuário, desde que à data da sua celebração gozasse de boa saúde e não estivesse sob controlo médico regular devido a doença ou acidente, beneficiaria de uma apólice de Seguro de Vida ou de um Seguro de Acidentes Pessoais, subscrita pelo Banco, pelo qual o capital em dívida à data dessa ocorrência ficaria integralmente saldado nas situações de morte ou invalidez total e permanente por doença.

E que aquando da subscrição desse contrato, a ré subscreveu o «Seguro Protecção Vida Banco …que cobria os riscos de morte ou invalidez total e permanente da pessoa segura, correspondente à apólice n.º …certificados …

Porém, de acordo com a cláusula 4ª, alínea a), das condições gerais desse seguro, não se consideram cobertos pelo contrato os riscos de morte ou invalidez permanente resultantes de doença pré-existente.

Ora, tendo a R. accionado o mencionado seguro, deparou com a recusa da seguradora em assumir qualquer responsabilidade, com fundamento em que as causas da incapacidade da R. eram pré-existentes à celebração do contrato de seguro, por terem resultado de acidente ocorrido a 16/09/2006[2].

                Ainda que interligadas entre si, constituíram-se duas relações contratuais distintas: uma, relativa ao mútuo, em que são partes o mutuante (Banco ….A.) e a mutuária (E…outra, relativa ao seguro, em que são partes, de acordo com o documento de fls. 32, “A …Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A.”, como seguradora, o Banco ….A.[3], como tomador e beneficiário do seguro e as pessoas singulares integrantes do «Grupo Segurável»[4] e cujo risco tenha sido aceite pela seguradora, entre as quais se encontra a R.

                O que neste processo está em causa é apenas a relação jurídica que tem na sua base o contrato de mútuo, estando fora do objecto do processo a relação jurídica assente no contrato de seguro[5] e [6].

                Assim, do ponto de vista substancial, alegado e provado o incumprimento do contrato de mútuo por parte da R., não pode deixar de se considerar que é esta o sujeito passivo da obrigação em cujo cumprimento o A. a quer ver condenada no processo.

                E do ponto de vista adjectivo, atendendo ao preceituado no artº 26º e ao desenho que o A. confere à relação substancial controvertida, a legitimidade da R. é igualmente inegável.

                Não se reconhece, portanto, razão à recorrente quanto a esta primeira questão.


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                2.2.2. Validade do contrato de crédito pessoal

                Encontra-se provado que no contrato de mútuo celebrado entre o A. e a R. foi acordada a taxa de juros de 15% ao ano e que, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada, acrescida de quatro pontos processuais, ou seja, a um juro nominal à taxa anual de 19% (15% + 4%).

                A recorrente sustenta que a taxa de juro e a cláusula penal ajustadas são, de acordo com o disposto no artº 1146º do Código Civil, usurárias, o que conduziria à anulabilidade dessa parte do contrato, com redução de tais taxa e cláusula aos máximos legais, o que deveria ter reflexos quer nas prestações liquidadas, quer nas vencidas por força do incumprimento, tudo devendo ser levado em conta no montante da dívida.

Disse-se na sentença recorrida – e nós manifestámos já atrás a nossa concordância – que as partes celebraram um contrato de mútuo oneroso (artºs 1142.º e 1145.º do Código Civil), que se qualifica como operação de crédito realizada por instituição de crédito (artº 1.º do Dec. Lei n.º 344/78, de 25 de Outubro), dito de crédito ao consumo (artº 2.º do Dec. Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro), no âmbito do qual o banco autor, no exercício da sua actividade própria, concedeu à ré um empréstimo, ficando esta obrigada a restituir o capital mutuado em prestações que incluíam também os juros à taxa contratada.

                Ora, como vem sendo genericamente entendido[7], as entidades que concedem financiamentos ao consumo não estão sujeitas às limitações impostas pelo artº 1146º do Cód. Civil, conjugado com o artº 102º, § 2º do Código Comercial.

De acordo com o disposto no nº 1 do artº 7º do Decreto-Lei nº 344/78, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 83/86, de 06/05, as instituições de crédito e parabancárias poderão cobrar, em caso de mora do devedor, uma sobretaxa de 2%, a acrescer, em alternativa: a) à taxa de juro que seria aplicada á operação de crédito se esta tivesse sido renovada; b) à taxa de juro máxima permitida para as operações de crédito activas de prazo igual àquele por que durar a mora. E, nos termos do nº 2, a cláusula penal devida por virtude da mora não pode exceder o correspondente a quatro pontos percentuais acima das taxas de juros compensatórias referidas no número anterior, (…).

                O A. podia, pois, exigir uma taxa de juros moratórios igual à estipulada no contrato para os juros remuneratórios (15%) e, dada a natureza de cláusula penal conferida pela al. c) da cláusula 7ª do contrato ao conjunto da indemnização pela mora, adicionar-lhe um máximo de quatro pontos percentuais.

                Não viola, portanto, o disposto no artº 1146º do Código Civil – ou qualquer outra norma legal – a condenação da R. a pagar juros de mora/cláusula penal à taxa anual de 19%.

                O que acaba de se dizer importa o naufrágio das conclusões j) e k) e prejudica o conhecimento das conclusões l), m) e n), todas da alegação da recorrente.

Assim, soçobram todas as conclusões da alegação da recorrente, o que conduz à improcedência da apelação e à manutenção da sentença recorrida.

Nos termos do nº 7 do artº 713º, elabora-se o seguinte sumário:

I – As entidades que concedem financiamentos ao consumo não estão sujeitas às limitações impostas pelo artº 1146º do Cód. Civil, conjugado com o artº 102º, § 2º do Código Comercial.

II – De acordo com o disposto no artº 7º do Decreto-Lei nº 344/78, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 83/86, de 06/05, as instituições de crédito e parabancárias poderão cobrar, em caso de mora do devedor, uma taxa de juros moratórios igual à taxa de juros remuneratórios ajustada, não podendo a cláusula penal acordada exceder o correspondente a quatro pontos percentuais, a acrescer à dita taxa de juros.

III – Tendo as partes estipulado que, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, era devida uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada acrescida de 4 pontos percentuais, o que monta a de 19% ao ano, não há violação do disposto no artº 1146º do Código Civil ou de qualquer outra norma legal.


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                3. DECISÃO

                Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.

                As custas são a cargo da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Coimbra,


Artur Dias (Relator)
Jaime Ferreira
Jorge Arcanjo

[1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[2] O contrato de crédito pessoal tem a data de 28/02/2007 e o de seguro, logicamente, ou é da mesma data ou posterior.
[3] Conjuntamente com a “T…ALD Aluguer de Automóveis, S.A.”
[4] Conjunto de pessoas que tenham celebrado contratos de crédito ao consumo com o tomador do seguro (Banco ….A.) – cfr. doc. de fls. 32.
[5] No que respeita à relação jurídica baseada no contrato de seguro, a R., se tiver argumentos para tanto, terá, face à atitude assumida pela seguradora, que a convencer judicialmente da sua falta de razão e que obter a sua condenação a cumprir aquele contrato.
[6] Mesmo não estando em causa o contrato de seguro, sempre se dirá, contra o sustentado pela recorrente nas conclusões que a circunstância de não ter sido dado como provado que o recorrido ou a seguradora desconhecessem que a recorrente havia anteriormente tido um acidente não permite presumir que tivessem tal conhecimento. Trata-se de factualidade não alegada por qualquer das partes e que, por isso, nunca poderia ser dada como provada. E, a ponderar-se sobre quem recairia o ónus de alegação e prova de tal factualidade, sempre nos parece que seria sobre a R., por a ela ser favorável.
[7] Cfr. Ver. Da Banca, nº 10, págs. 108 e 109 e nº 19, pág. 179; Simões Patrício, Direito do Crédito, pág. 66, nota 49; Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2ª edição, pág. 583; Ac. STJ de 13/12/2001 (Proc. 01B3590, relatado pelo Cons. Dionísio Correia) e de 27/05/2003 (Proc. 03A1017, relatado pelo Cons. Moreira Alves), ambos em www.dgsi.pt; Ac. Rel. de Lisboa de 27/02/89, in CJ, Tomo I, pág. 144 e de 05/02/2002, in CJ, Tomo I, pág. 98; Ac. Rel. Porto de 09/11/92, in CJ, Tomo V, pág. 209 e de 05/02/2002, in CJ, Tomo V, pág. 98; e Ac. Rel. Évora de 06/12/79, in BMJ, nº 295, pág. 484.