Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
686/16.4T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE DESPEJO
BANCO NACIONAL DE ARRENDAMENTO
BNA
OPOSIÇÃO AO PEDIDO DE DESPEJO
REQUISITOS
Data do Acordão: 09/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – JL CÍVEL – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 15º-F, NºS 3 E 4 DO NRAU (LEI Nº 6/2006, DE 27/02); ARTº 1083º, NºS 3 E 4 C. CIVIL.
Sumário: I – Preceitua o art.15º-F, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), que com a oposição deve o (a) requerido (a) proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.º 3 e 4 do art.1083º do C Civil, ou seja quando o fundamento consista na falta de pagamento de rendas, o (a) requerido (a) deve ainda proceder ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos caso de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

II - A falta de cumprimento do disposto no n.º 3 é cominada com a desconsideração da oposição, a lei diz”…a oposição tem-se por não deduzida” (cfr. n.º 4 do cit.º art.15º-F).

III - O art.º 1083º, n.ºs 3 e 4, do C Civil prevê como fundamento de resolução do contrato de arrendamento a mora, superior a dois meses, no pagamento de rendas e encargos, e a superior a oito dias, por mais de 4 vezes seguidas ou interpoladas, num período de doze meses.

IV - Da leitura do n.º 3 do artº 15º-F da Lei n.º 6/2006 resulta que o legislador utilizou o termo ‘deve’ e não o termo ‘pode’, o que implica que o (a) demandado (a) tem no momento da apresentação da oposição efectuar o pagamento da taxa de justiça e respectiva caução, ou caso tenha pedido apoio judiciário referi-lo, comprovando-o, ainda que aguarde decisão sobre o mesmo (sendo que quanto à caução existem duas correntes jurisprudências: uma corrente que defende que beneficiando de apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, o arrendatário está isento de demonstrar o pagamento da caução a que alude o referido art.º 15.º F do NRAU, exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo; outra no sentido de que a concessão do apoio judiciário ao arrendatário apenas o isenta do pagamento da taxa de justiça devida e não também do depósito da caução no valor das rendas em atraso.

V - O termo “deve” utilizado no art.15º-F, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), só pode significar que o demando (a), no prazo dos 15 dias aludidos no n.º 1 do preceito, tem de apresentar a oposição, pagar a taxa de justiça ou comprovar que já solicitou o pedido de apoio judiciário, e no caso dos n.ºs 3 e 4 do art.º 1083 do C. Civil depositar a caução, aqui consoante a posição defendida a respeito da concessão de apoio judiciário.

VI - Os n.º 3 e 4 do art.º 15º-F do NRAU são incompatíveisl com o art.º 570º do C.P.C., tanto mais que o PED não é uma acção de despejo, mas sim um procedimento especial de despejo como o próprio nome indica.

Decisão Texto Integral:         








                                                   1. Relatório

1.1.- J... instaurou procedimento especial de despejo contra M... e M... invocando a resolução do contrato de arrendamento comercial celebrado em 7 de Julho de 1990, em que o Autor figura como senhorio e as Rés como arrendatárias, com fundamento no não pagamento das rendas vencidas entre Junho 2013 e Novembro 2015, comunicada às Rés arrendatárias, através de notificação judicial avulsa concretizada em 27 de Julho de 2015 e 28 de Julho de 2015, com tais fundamentos visando a desocupação do local arrendado - correspondente ao 2.º andar direito do prédio urbano sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... - e o pagamento das rendas vencidas, totalizando a importância de 4.755,60 €, e das vincendas até à efectiva entrega do local arrendado, livre e devoluto de pessoas e bens, à razão de 158,25 € por mês.

1.2. - Citadas de forma válida e regular apenas a Ré M... deduziu oposição alegando que a partir de 12 Julho 2006 e mercê de um contrato celebrado entre o senhorio e a outra Ré deixou de ser arrendatária, não estando, por isso, obrigada ao pagamento das rendas peticionadas.

1.3. - A fls. 154 a 156 a coberto do despacho com a ref.ª ..., datado de 19 Julho 2016, a Ré M... foi notificada para juntar aos autos documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da caução prevista no n.º 3 do artigo 15.º-F do NRAU sob pena de, não o fazendo, ser a oposição considerada como não deduzida.

1.4. - A Ré, na sequência dessa notificação, veio juntar aos autos cópia da decisão da segurança social concedendo-lhe o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa total do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, requerendo que lhe seja reconhecida a isenção do pagamento da taxa de justiça e caução, ao abrigo do artigo 15.º-F do N.R.A.U. (cfr. fls.157 v.º e 158).

1.5. - O Autor, notificado, pronunciou-se no sentido do desatendimento de tal pretensão.

1.6. Posteriormente Ré e Autor trocaram entre si vários requerimentos, contantes de fls. 172 a 182, sem precedência de qualquer despacho judicial convidando ao exercício do contraditório, pelo que por despacho de fls. 183 v.º foi ordenado o seu desentranhamento.

1.7. A fls. 183 v.º a 187 v.º foi proferido despacho a julgar o tribunal competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, a julgar as partes dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e legítimas, a inexistência de quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias de que cumprisse conhecer.

No mesmo despacho decidiu-se nos termos do n.º 3 do art.º 15-F do NRAU considerar como não deduzida a oposição apresentada pela R. M..., referindo para tanto, “ (…) Como se referiu no despacho com a ref.ª (…) a R. M... não beneficiava então de apoio judiciário e, nessa medida, não podia beneficiar da isenção de pagamento da prestação de caução exigida como condição de admissibilidade da oposição, estando, por isso, obrigada ao seu pagamento. E, por isso, naquele despacho, se determinou a sua notificação para que juntasse documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da caução prevista no n.º 3 do art.º 15–F do NRAU sob pena de, não o fazendo, ser a oposição considerada como não deduzida.

            Não obstante esta expressa cominação a R., em vez de juntar documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da caução conforme determinado (…) veio comprovar documentalmente que beneficiava de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, requerido em 25 de Julho de 2016 e, logo, após a notificação daquele despacho (cfr. fls. 159 a 164) e já depois da sua primeira intervenção processual consistente na oposição ao procedimento de despejo datada de 26 de Fevereiro de 2016 (cfr. fls. 131).

            Fê-lo com o propósito de se eximir ao pagamento da taxa de justiça e caução devidas ao arrepio do entendimento já exposto naquele despacho (…) de que, por não beneficiar de apoio judiciário, não podia beneficiar da isenção de pagamento da prestação de caução exigida como condição de admissibilidade da oposição nos n.ºs 3 e 4 do art.º 15-F do NRAU estando, consequentemente, obrigada ao seu pagamento sob pena de se ter a oposição não deduzida (…)”.

            No mesmo despacho julgou-se verificado o fundamento de resolução do contrato de arrendamento entre o A. e as RR., respectivamente nas vestes de senhorio e arrendatário, tendo por objecto o 2.º andar direito do prédio urbano sito na Rua ... e, em consequência, procedente o procedimento especial de despejo, condenando, ainda as Rés a pagarem a A. a importância de 4.755,60, relativa às rendas vencidas até à propositura do procedimento especial de despejo, acrescida das rendas que se vencerem até entrega do local, à razão de 158,52€ mensais.

1.8. Inconformada com tal decisão dela recorreu a R. M... terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

A. Na sequência do procedimento de despejo em que foi requerida, a Recorrente apresentou junto do BNA oposição em que alega, em suma, nada dever ao ali Requerente.

B. A Recorrente não liquidou a taxa de justiça devida, nem tão pouco prestou caução, uma vez que desconhecia que o deveria fazer.

C. A notificação que lhe foi remetida pelo Balcão Nacional de Injunções é omissa quanto à necessidade de liquidação da taxa de justiça devida pela apresentação da oposição ao respetivo procedimento, não constando que a Recorrente poderia requerer o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, logo naquela fase processual, desta forma ficando dispensada de autoliquidar de imediato a taxa de justiça devida.

D. A informação comunicada à Recorrente não é suficientemente clarificadora quanto aos casos em que é necessário prestar caução, sendo que uma pessoa normal não tem obrigação de saber quais os fundamentos da resolução do arrendamento previstos no artigo 1083.o do Código Civil que impõe que, para existir oposição ao requerimento de despejo, o mesmo seja acompanhado da prestação de caução.

E. Na notificação também não é feita qualquer referência quanto à possibilidade da caução ser dispensada caso a Requerida apresente pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nos termos do artigo 15.º F n.º 3 do NRAU.

F. A notificação remetida à Recorrente também não comunica quais as consequências do não pagamento da taxa de justiça ou da não prestação de caução, não sendo mencionado em lado algum que a oposição não será considerada caso não seja liquidada a taxa de justiça bem como não seja prestada a caução.

G. Da notificação remetida à Recorrente pelo BNA não resulta a obrigatoriedade de pagamento de taxa de justiça com a apresentação da oposição; os casos em que a oposição deverá ser acompanhada da prestação de caução; que ficaria isenta do pagamento da taxa de justiça e da prestação e caução caso solicitasse e imediato o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo.

H. A referência a tais elementos é imprescindível para que a Recorrente possa requerer o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e, desta forma, possa ficar isenta do pagamento da taxa de justiça bem como da prestação de caução.

I. Ao ser confrontada com o despacho de 20 de Julho, iniciou logo as diligências necessárias para que lhe fosse atribuído apoio judiciário, o que teria feito assim que recebeu a notificação do BNA, caso lhe tivesse sido comunicado.

J. O pedido, formulado a 25.07.2016 junto da segurança social veio a ser deferido por notificação endereçada à Recorrente datada de 03.08.2016, que esta  prontamente juntou aos Autos.

K. A Recorrente não solicitou o apoio judiciário com o propósito de eximir ao pagamento de qualquer quantia mas porque, e apenas, não tinha, como continua a não ter, capacidade económica para liquidar quer a taxa de justiça quer para proceder ao depósito da caução, nos termos do artigo 15.º F n.º 3 e 4 do NRAU.

L. O apoio judiciário solicitado pela Recorrente foi deferido na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, sendo que da fundamentação de facto e de direito da respetiva decisão proferida pela Segurança consta expressamente que: “3 – Atentos os critérios estabelecidos para a apreciação da insuficiência económica, definidos no n.o 1 artigo 8.o A da Lei 34/2004 de 29 de Julho, com a redação dada pela Lei 47/2007 de 28 de Agosto a requerente tem direito a proteção jurídica. 4 – Com efeito (...) defiro o pedido na modalidade requerida de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”.

M. Atentas as omissões da notificação remetida pelo BNA, a douta sentença a quo deveria ter considerado como legitimo e tempestivo o pedido de apoio judiciário formulado pela Recorrente após a notificação para proceder ao pagamento da taxa de justiça e ao depósito da caução.

N. O douto tribunal a quo ter considerado que a Recorrente não tinha, efetivamente, meios económicos para suportar as custas da demanda e a prestação da caução, não tendo qualquer fundamento para considerar que a Recorrente apenas se quis eximir ao pagamento da taxa de justiça e da prestação da caução.

O. A decisão recorrida viola o artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, que dispõe que: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.” Bem como o artigo 1.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, e o artigo 15.º - F do NRAU.

P. A douta sentença recorrida denegou a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos por não ter levado em linha de conta que a Recorrente não dispunha de meios económicos para liquidar a taxa de justiça e para prestar a caução exigida, considerando como não deduzida a oposição por entender, sem mais, que a Recorrente apenas se pretendeu eximir ao pagamento da taxa de justiça, pese embora estivesse comprovado no processo a insuficiência económica, nomeadamente, através da decisão dos serviços de segurança social.

Q. A correta aplicação do artigo 20.º da CRP, do artigo 15.º- F n.º 3 do NRAU e do artigo 18.º n.º 1 a) da Lei de 34/2004 de 29 de Julho impunham que a douta sentença recorrida não tivesse desconsiderado a oposição apresentada pela Recorrente, uma vez que lhe foi concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pelo que, ao não o fazer aquela decisão violou as mencionadas normas legais.

R. Em consequência da violação de tais normas legais, a douta sentença recorrida é nula, devendo ser revogada por outra que, substituindo-a, determine que seja considerada nos autos a oposição apresentada pela Recorrente e ordene o prosseguimento dos autos.

Subsidiariamente,

S. Nos termos do artigo 570.º, n.º 2 do C.P.C. não sendo comprovado nos autos o pagamento da taxa de justiça, deverá parte ser notificada para liquidar a taxa de justiça no prazo de dez dias, com o acréscimo de multa de igual montante.

T. Verificando-se a falta de pagamento após a notificação prevista no n.º 2, existe ainda a possibilidade de o Réu liquidar a taxa de justiça em causa, nomeadamente nos termos do número cinco do mesmo artigo 570.º do C.P.C..

U. A douta sentença de que se recorre decidiu não considerar a oposição apresentada pela Recorrente sem que, contudo, tivesse sido ordenada a notificação nos termos e para os efeitos do n.º 2 e 5 do artigo 570.º, do C.P.C..

V. Pelo que, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que é muito, sempre será nula a douta sentença recorrida devendo ser revogada e substituída por outra que ordene a notificação da Recorrente nos termos e para os efeitos do artigo 570.º n.º 2 do C.P.C.

Termos em que, e nos mais de Direito, deve ser julgada procedente a presente Apelação e ser revogada a douta sentença recorrida, sendo substituída por outra que, admitindo nos autos a oposição apresentada ela Recorrente, ordene o prosseguimento dos autos,  ASSIM SE FAZENDO, JUSTIÇA !!!

1.9. Feita a notificação nos termos do art.º 221 do C.P.C. (cfr. fls. 204), o recorrido não apresentou resposta.

1.10. Colhidos os vistos cumpre decidir.

2. Fundamentação

2.1. Os factos assentes são os constantes do relatório.

                                   3. Motivação

3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

A questão a decidir consiste em saber se a sentença recorrida deve ser revogada a substituída por outra que, admitindo nos autos a oposição apresentada, ordene o prosseguimento dos autos.

A recorrente para sustentar este seu ponto de vista assenta em dois pressupostos, a saber:

Violação do art.º 20 da Constituição da República Portuguesa e subsidiariamente violação do art.º 570, n.º 2, do C.P.C. e a consequente nulidade.

Quanto ao primeiro (violação do art.º 20 da CRP) argumenta que houve violação do preceito, na medida em que ao ser confrontada com o despacho de 20 de Julho (despacho a ordenar a notificação da recorrente para no prazo de 10 dias juntar aos autos documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça e da caução prevista no n.º 3 do art.º 15 –F do NRAU, cfr. fls. 156, o sublinhado é nosso) solicitou o apoio judiciário que lhe veio a ser deferido na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e que a informação que lhe foi comunicada, aquando da notificação,  não é suficientemente clarificadora quanto aos casos em que é necessário prestar caução, sendo que uma pessoa normal não tem obrigação de saber quais os fundamentos da resolução do arrendamento previstos no artigo 1083.º do Código Civil que impõe que, para existir oposição ao requerimento de despejo o mesmo seja acompanhado da prestação de caução e que na mesma também não é feita qualquer referência quanto à possibilidade da caução ser dispensada caso apresente pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nos termos do artigo 15.º F n.º 3 do NRAU, não lhe comunicando também quais as consequências do não pagamento da taxa de justiça ou da não prestação de caução, não sendo mencionado em lado algum que a oposição não será considerada caso não seja liquidada a taxa de justiça bem como não seja prestada a caução e que da notificação não resulta a obrigatoriedade de pagamento de taxa de justiça com a apresentação da oposição; os casos em que a oposição deverá ser acompanhada da prestação de caução; que ficaria isenta do pagamento da taxa de justiça e da prestação e caução caso solicitasse e imediato o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, havendo por isso também violação do art.º 18, n.º 1, al. a), da Lei 34/2004, de 29 de Julho.

  Vejamos.

Preceitua o n.º 1 do art.º 20 da CRP “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”

Quanto à invocada falta de clarificação da notificação, temos para nós não assistir razão à recorrente.

Na verdade da mesma resulta “ …Nos termos do disposto no art.º 15.º-D da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, fica V.Ex.ª notificada (o) para no prazo de QUINZE (15) DIAS:

(…)

Em caso de pedido de despejo com fundamento na resolução pelo senhorio nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do art.º 1083 do Código Civil, com a oposição deve ser apresentado documento comprovativo da caução no valor das rendas, encargos e despesas pedido, até ao valor máximo correspondente a SEIS (6) rendas (art.º 15 –F, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, e art.º 10 da Portaria n.º 9/2013, de 10 de janeiro).

Mais fica notificado que:

Se no prazo dos 15 dias nada fizer, ou se enquanto o procedimento decorrer não for efectuado o pagamento ou depósito das rendas que se forem vencendo, será emitido um título de desocupação do locado, que permitirá ao senhorio proceder, imediatamente, à desocupação do local arrendado, recorrendo, se necessário, ao auxilio das autoridades policiais;

(…)

Caso pretenda opor-se ao requerimento de despejo é obrigatório que seja representado(a) por advogado (se considera que a sua situação económica não lhe permite suportar os custos dos serviços prestados por um advogado, deverá dirigir-se a um serviço de atendimento ao público dos serviços da Segurança Social, e solicitar que, nos termos da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei n.º 34/2004, 29 de Julho), lhe seja concedido apoio judiciário na modalidade em que preveja a nomeação de patrono.

Neste caso deverá remeter para o Balcão Nacional do Arrendamento, dentro do prazo de 15 dias anteriormente referido, documento que comprove a apresentação do pedido que efectuou junto da Segurança Social, mesmo que não tenha ainda obtido resposta deste serviço. Se não o fizer, o procedimento especial de despejo prosseguirá e será emitido o título de despejo após o fim do prazo de 15 dias.

Poderá ainda solicitar junto dos serviços da Segurança Social informação sobre outras modalidades de apoio judiciário.

(…)” (Cfr. fls. 98 a 100)

Ou seja, da mesma resulta que se a demandada pretender opor-se ao requerimento de despejo é obrigatório estar representada por advogado, na falta de possibilidades económicas poder solicitar apoio judiciário na modalidade de nomeação de advogado, mais resulta que não tendo possibilidades económicas pode pedir apoio judiciário noutra modalidade, e resulta ainda que no caso de pedido de despejo com fundamento na resolução pelo senhorio nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do art.º 1083

do C.C. (como é o caso em apreço, sublinhado é nosso), com a oposição deve ser apresentado documento comprovativo do pagamento da caução no valor das rendas, encargos e despesas, até ao valor máximo correspondente a SEIS (6) rendas e que deverá remeter para o Balcão Nacional do Arrendamento, dentro do prazo de 15 dias anteriormente referido, documento que comprove a apresentação do pedido que efectuou junto da Segurança Social, mesmo que não tenha ainda obtido resposta deste serviço. Se não o fizer, o procedimento especial de despejo prosseguirá e será emitido o título de despejo após o fim do prazo de 15 dias, podendo ainda solicitar junto dos serviços da Segurança Social informação sobre outras modalidades de apoio judiciário.

            Vemos, assim que a notificação refere o que a demandada terá de fazer para se opor à resolução do despejo e as consequências da não oposição.

            Chegados aqui cabe verificar se o tribunal “a quo” violou o art.º 20 da CRP, em nossa opinião, o preceito não foi violado.

O tribunal limitou-se a aplicar as normas, que em seu entender eram de aplicar. Ao verificar que a demandada não juntara prova do pagamento da taxa da justiça e caução referente às rendas, notificou a mesma para o efeito (cfr. fls. 154 a 156), sendo que só após tal notificação a demandada diligenciou pelo pedido de apoio judiciário (cfr. fls. 157.º a 163), após a sua primeira intervenção no processo, quando na notificação se referia expressamente,  (caso pretenda opor-se ao requerimento de despejo, é obrigatório que seja representado(a) por advogado ( se considera que a sua situação económica não lhe permite suportar os custos dos serviços prestados por um advogado, deverá dirigir-se a um serviço de atendimento ao público dos serviços da Segurança Social, e solicitar que, nos termos da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei n.º 34/2004, 29 de Julho), lhe seja concedido apoio judiciário na modalidade em que preveja a nomeação de patrono).

Neste caso deverá remeter para o Balcão Nacional do Arrendamento, dentro do prazo de 15 dias anteriormente referido, documento que comprove a apresentação do pedido que efectuou junto da Segurança Social, mesmo que não tenha ainda obtido resposta deste serviço. Se não o fizer, o procedimento especial de despejo prosseguirá e será emitido o título de despejo após o fim do prazo de 15 dias.

Poderá ainda solicitar junto dos serviços da Segurança Social informação sobre outras modalidades de apoio judiciário- cfr. fls. 100.

            Ou seja, a recorrente ignorou o teor da notificação, não diligenciou no sentido, do cumprimento da notificação. Agora, por uma postura indiligente da sua parte, vem referir que o tribunal violou o art.º 20 da CRP, impediu-a de ter acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, denegando-lhe justiça por insuficiência de meios económicos, quando essa situação foi por si criada, ou não diligenciar como deveria face à notificação que lhe foi feita, onde expressamente se referia, que não tendo possibilidade económica podia solicitar apoio judiciário antes da oposição devendo fazer prova de o ter feito, ainda que não tenha resposta sobre tal pedido.

            Não tendo a recorrente cumprido o que era referido na notificação, o tribunal não podia conhecer a situação económica da mesma, limitando-se a cumprir os preceitos legais sobre tal matéria, que em seu entender eram os aplicáveis, como resulta de fls. 183 a 188, decisão ora recorrida.

            Assim, face ao exposto não foi violado o preceituado no art.º 20 da CRP, nem o art.º  18, n.º 1, al. a), da Lei 34/2004, de 29 de Julho.

            Chegados aqui cabe verificar se o tribunal “a quo” violou o preceituado no n.º 2, do art.º 570 do C.P.C.

Segundo a recorrente nos termos do artigo 570.º, n.º 5 do C.P.C. não sendo comprovado nos autos o pagamento da taxa de justiça, deveria ter sido notificada para liquidar a taxa de justiça no prazo de dez dias, com o acréscimo de multa de igual montante.

A questão, consiste em saber se o preceito em causa se aplica ao caso dos autos, temos para nós, que não.

Preceitua o art.15º-F, n.º 3, da Lei n.º6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), que com a oposição, deve o (a) requerido (a) proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.º 3 e 4 do art.1083º do C Civil, ou seja quando o fundamento consista na falta de pagamento de rendas, o (a) requerido (a) deve ainda proceder ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos caso de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

A falta de cumprimento do disposto no n.º 3 é cominada com a desconsideração da oposição, a lei diz”…a oposição tem-se por não deduzida” (cfr. n.º 4 do cit.º art.15º-F).

O art.º 1083º , n.ºs 3 e 4 ,do C Civil, prevê como fundamento de resolução do contrato de arrendamento a mora, superior a dois meses, no pagamento de rendas e encargos, e  a superior a oito dias, por mais de 4 vezes seguidas ou interpoladas ,num período de doze meses.

Da leitura do n.º 3 do artº 15º-F da Lei n.º 6/2006 resulta que o legislador utilizou o termo deve e não o termo pode, o que implica que o (a) demandado (a) tem no momento da apresentação da oposição efectuar o pagamento da taxa de justiça e respectiva caução ou caso tenha pedido apoio judiciário referi-lo, comprovando-o, ainda que aguarde decisão sobre o mesmo ( sendo que quanto à caução existem duas correntes jurisprudências uma corrente que defende que, beneficiando de apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, o arrendatário está isento de demonstrar o pagamento da caução a que alude o referido art.º 15.º F do NRAU, exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo (cfr.  neste sentido foi decidido nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-02-2015, Proc.º n.º 1958/14.8YLPRT.L1-1, relatado por Isabel Fonseca, de 19-02-2015, Proc.º n.º 4118/14.4TCLRS.L1.-2, relatado por Ezaguy Martins, de 28-04-2015, Proc.º n.º 1945/14.6YLPRT-A.L1-7, relatado por Rosa Ribeiro Coelho e de 26-04-2016, Proc.º n.º 4024/15.5YLPRT.L1-7, relatado por Cristina Coelho. Também no mesmo sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-03-2016, Proc.º n.º 3055/15.YLPRT.P1, relatado por Leonel Serôdio. E outra no sentido de que a concessão do apoio judiciário ao arrendatário apenas o isenta do pagamento da taxa de justiça devida e não também do depósito da caução no valor das rendas em atraso (cfr. neste sentido vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25-09-2014, Proc.º n.º 1091/14.2YLPRT-A.E1, relatado por Canelas Brás, e Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-12-2015, Proc.º n.º 274/15.2YLPRT.L1-2, relatado por Jorge Leal, e de 2 de Junho de 2016 – Proc. N.º 1347/15.7YLPRT.L1.6, relatado por Maria de Deus Correia).

No sentido de que o termo deve implica obrigatoriedade (cfr. Ac. do S.T.J. de  14 de Dezembro de 2016 – 5440/15.T8PRT-B.7, relatado por António da Silva Gonçalves, onde se escreve a respeito do art.º 104 do EOA  “O elemento filológico de interpretação tirado do sentido das palavras que integram o texto descrito no n.º 1 do art.º 104.º do EOA, (…) o advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional (…)- aponta no sentido da obrigatoriedade do seguro do Advogado no exercício do seu cargo, mais precisamente que tem natureza imperativa o seguro de responsabilidade civil do advogado prescrito no seu estatuto.

Se assim não fosse, em lugar do termo “deve” (está obrigado) o legislador teria recorrido ao vocábulo “pode” (direito de deliberar, agir, mandar); e só nesta última locução se poderia retratar o sentido de que o seguro de responsabilidade civil de advogado é de natureza facultativa).

Ou seja, o termo “deve” utilizado no art.15º-F, n.º 3, da Lei n.º6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU) só pode significar que o demando (a), no prazo dos 15 dias aludidos no n.º 1 do preceito, tem de apresentar a oposição, pagar a taxa de justiça ou comprovar que já solicitou o pedido de apoio judiciário, e no caso dos n.ºs 3 e 4 do art.º 1083 do C. Civil depositar a caução, aqui consoante a posição defendida a respeito da concessão de apoio judiciário.

Assim, o n.º 3 e 4 do art.º 15-F do NRAU é incompatível com o art.º 570 do C.P.C., tanto mais que o PED não é uma acção de despejo, mas sim um procedimento especial de despejo como o próprio nome indica.

No sentido de que o art.º 570 do C.P.C. é incompatível com o art.º 15 –F do NRAU - cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 1 de Abril de 2014 – 2095/13.8YLPRT.L1.1, relatado por Teresa Jesus Ribeiro de Sousa Henriques onde se escreve “ (…) Ora o PED não é uma acção de despejo. É, como o nome indica , um procedimento especial que seguia, na ocasião, a forma de processo sumaríssimo (cfr. art.º 222º do CPC revogado, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14-08). O NRAU distingue entre acção de despejo e procedimento especial de despejo. (cfr. art.14º e 15º).

A notificação efectuada ao abrigo do art.570º,n.º3 e 4,do CPC colide com o disposto no n.º4 do art.15º-F do NRAU.

Verificada a falta de pagamento da taxa de justiça impunha-se considerar a oposição como “não deduzida”.

E o mesmo se diz quanto à falta de pagamento da caução.

É o que resulta do supra referido art.15º-F.

A prática deste acto(despacho a ordenar a notificação da apelante para o disposto no art.º 570º do CPC) é susceptível de influir na decisão da causa, uma vez que a desconsideração do oposição tem como efeito imediato a conversão do despejo em título para desocupação do locado(cfr.art15º-E, al.ª b) do NRAU.

E constitui nulidade que, não constando do elenco previsto no art.196º do CPC, não é de conhecimento oficioso, ou seja, carece de ser arguida no termos art.199º do CPC.

A apelada foi notificada da sentença impugnada, que menciona com detalhe a oposição, tomando conhecimento, pelo menos nessa ocasião, da irregularidade cometida, ou seja a aceitação indevida da dita oposição.

E nada disse, limitando-se a contra-alegar, o que ocorreu muito depois dos dez dias previstos na lei. (…)”.

            Assim, e face ao exposto também nesta vertente a pretensão da recorrente tem de improceder.

            Improcedendo os dois pontos onde a recorrente assenta o seu ponto de vista para pedir a continuação dos autos a sua pretensão em ver revogada a sentença recorrida e substituída por outra que determina a continuação dos autos tem de improceder.

                                               4. Decisão

Desta forma, por todo o exposto, acorda-se:

Julgar improcedente a sua pretensão em ver a sentença recorrida revogada.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.

Coimbra,12/9/2017

       Pires Robalo (relator)

        Sílvia Pires (adjunta)

       Maria Domingas Simões (adjunta)