Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31/11.5PEVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Data do Acordão: 05/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - 1º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 25º, DO D.L. N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO
Sumário: No caso, considerando os factos relativamente aos meios utilizados pelo arguido na actividade de tráfico, resulta inequívoco um modus operandi simples, com recurso a meios sem qualquer sofisticação, com encontros previamente combinados por telemóvel para a entrega de estupefaciente, que ocorria em áreas limitadas - dois Bairros - da cidade.
De notar que o arguido para adquirir a droga noutra cidade, utilizava, normalmente, os veículos de consumidores que o acompanhavam.

Por outro lado, não possuía qualquer estrutura organizativa, actuava sozinho, e a sua actividade de tráfico desenrolou-se durante um período de três meses, vindo identificados 10 (dez) consumidores, os quais abasteceu, parte deles diariamente, alguns com regularidade e outros esporadicamente, vendendo-lhes, na maioria das vezes e de cada vez, ao preço unitário de 20 euros cada dose de cocaína e 25 euros cada dose de heroína, afectando parte do lucro que obtinha com a venda do estupefaciente à aquisição de novas substâncias para seu próprio consumo.

Foram-lhe apreendidos 35,875 gr, de heroína, 11,865 g de cocaína e 65,825 g de haxixe, sendo que destinava aquelas à venda, mas também ao seu consumo.

Neste quadro, a ilicitude global dos factos aponta para o tipo privilegiado do art.º 25º, do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro (Tráfico de menor gravidade).

Decisão Texto Integral: I. Relatório
1. No âmbito do processo comum colectivo n.º 31/10.5PEVIS do Tribunal Judicial de ..., o arguido A..., residente na Rua … , ..., actualmente detido no Estabelecimento Prisional de ..., foi condenado como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido, pelo art. 21º, nº1, do Dec. Lei 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A,I-B e I-C anexa a tal diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.

2. Inconformado com a decisão recorre o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1. O arguido confessou toda a factualidade descrita na acusação, com excepção de que tivesse procedido à venda de haxixe, facto este que não se provou.
2. A prova produzida resultou exclusivamente da confissão do arguido em audiência de discussão e julgamento, e dos autos de apreensão de produto estupefaciente de fls. 30/31 e 216 a 224 e dos relatórios de exame toxicológico de fls. 166/167, 340 e 403/404.
3. A postura do arguido foi importante para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa.
4. O arguido ao confessar os factos que lhe vinham imputados, esclareceu o tribunal sobre o modo como se desenvolveu a sua actividade de tráfico e dessa forma mostrou o seu arrependimento pela prática dos factos pelos quais foi condenado.
5. Permitiu até considerar na factualidade provada alguns factos que não constando da acusação, foram por ele trazidos a tribunal.
6. Postura essa que evidencia que o arguido começa agora a interiorizar o carácter reprovável das suas actuações.
7. À data dos factos o arguido era consumidor de produtos estupefacientes, designadamente cocaína e haxixe, consumia, em média, diariamente, três a quatro gramas de cocaína e dez gramas de haxixe.
8. A actividade de tráfico do Arguido cingiu-se a um período máximo menos três meses e apenas foram identificados dez consumidores.
9. A ilicitude dos factos praticados pelo arguido mostra-se consideravelmente diminuída.
10. O arguido actuava sozinho, sem qualquer estrutura organizativa.
11. A personalidade do Arguido aponta mais para um dealer de rua do que para um grande traficante, relegando-o para o elo final da cadeia comercial, o que desvaloriza a sua intervenção no mercado do tráfico.
12. O arguido interiorizou o desvalor da sua conduta e tem vontade de se tratar e de sair da toxicodependência, e, também por isso colaborou com o tribunal e confessou os factos de que vinha acusado, confissão que foi até para além dos factos da acusação como supra se referiu.
13. O arguido frequenta um tratamento para combater a sua toxicodependência.
14. A postura de colaboração assumida pelo arguido na audiência de julgamento “evidencia que tal arguido começa agora a interiorizar o carácter reprovável das suas actuações”.
15. A conduta do arguido deveria ter sido enquadrada na previsão do artigo 25° do D.L 15/93 e condenando-o à respectiva pena, cuja moldura penal é de um a cinco anos de prisão, o que não se fez.
16. O arguido era toxicodependente à data da prática dos factos, e que justifica a pequena dimensão da actividade delituosa perpetrada pelo Arguido, não perpetuou grande tráfico, mas sim pequeno tráfico, preenchendo a sua conduta de forma correcta e proporcional o tipo privilegiado p. e . p. no artigo. 25 do D. L. n.° 15/93 de 22/01.
17. Não pode o tribunal a quo, face à factualidade provada, deixar de enquadrar o comportamento ilícito do arguido na prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, prevista no artigo 25° a) do D.L. 15/93.
18. O Tribunal a quo violou o preceituado nos art.s 21° e 25° a) do D.L 15/93 de 22/01,art. 32° n° 2 da C R P. o principio do in dubio pro reo, 40°, 71° do C.P.
19. A pena aplicada ao arguido é manifestamente exagerada e excessiva e ultrapassa a medida da sua culpa e não atende às necessidades de prevenção especial, nomeadamente à ressocialização do arguido.
20. Militam a favor do arguido as suas modestas condições de vida.
Lei Violada: Art.s 21° e 25° a) do D.L. 15/93 de 22/01.art. 32° n° 2 da C.R.P. (o principio do in dubio pro reo), 40°. 71° do CP
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas., doutamente suprirão,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência ser o douto acórdão recorrido reparado com as premissas supra expostas, concluindo-se pela integração dos factos praticados no crime de tráfico de menor gravidade, e alterando-se, diminuindo-a, a medida da pena,
Assim se fazendo JUSTIÇA”

3. Na 1.ª instância respondeu ao recurso o Digno Procurador da República, concluindo:

“(…)
1. À factualidade assente foi dado correcto enquadramento jurídico-penal.
2. Tendo presente as finalidades da punição, a culpa do agente e as exigências de prevenção, sem haver deixado de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor ou contra aquele, o Tribunal determinou, com critério, a pena concreta aplicada ao arguido/recorrente.
3. Essa pena de cinco (5) anos e dois (2) meses de prisão mostra-se ajustada à gravidade dos factos em ponderação e a uma personalidade que evidencia propensão para o crime, total indiferença pelas regras jurídicas que disciplinam a vida em sociedade e por elevados bens jurídicos merecedores da tutela do direito penal.
4. O douto acórdão recorrido não interpretou deficientemente qualquer preceito legal e, designadamente, o preceituado nos artigos 21.° e 25° a) do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, artigo 32.°, n.° 2, da C.R.P., o princípio do in dubio pro reo e os artigos 40° e 71° do Código Penal.
5. Nestes termos e pelo mais que, V.as Ex.as, Venerandos Juizes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, julgando-se improcedente o recurso interposto e, consequentemente, confirmando-se o douto acórdão condenatório recorrido, far-se-à Justiça.”

4. O Ilustre Procurador - Geral Adjunto na Relação, aderindo, no essencial, aos termos da resposta do Ministério Público em 1.ª instância, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e integralmente confirmada a decisão recorrida.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não houve resposta.

6. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, apreciar.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso concreto, face às conclusões apresentadas, incumbe apreciar apenas questões de direito:

· a conduta do recorrente integra a infracção prevista no art. 21º, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, ou antes a do art. 25º, do mesmo diploma;
· se a pena aplicada é excessiva.
2. A decisão recorrida

2.1. No acórdão recorrido constam como provados os seguintes factos:

«1. Em data imprecisa dos finais de 2010, o arguido, que então residia na Rua … ..., passou a dedicar-se à comercialização de heroína e cocaína através da venda dessas substâncias a terceiros, mediante a cobrança de um preço superior ao despendido por ele com a respectiva compra, como forma de obter os proventos de que necessitava para custear o seu sustento e para se proporcionar melhores condições de vida.
2. Em execução desse propósito, passou a deslocar-se ao Porto – normalmente ao Bairro de S. Roque – para adquirir esses produtos estupefacientes, destinando parte da cocaína também ao seu consumo pessoal.
3. A partir do início de 2011 era já com frequência quase diária que se deslocava ao Porto, onde adquiria, em regra, cerca de 30 a 40 gramas de heroína e 20 gramas de cocaína que depois, já em ..., doseava para a entrega directa aos consumidores.
4. Nas suas deslocações ao Porto para adquirir aquelas substâncias e na entrega destas aos consumidores que fornecia utilizava, normalmente, os veículos de consumidores que o acompanhavam.
5. O arguido comprava a heroína a cerca de 20,00€ a grama e, após a dosear em porções menores, obtinha um montante de 50,00€ a grama, Com a venda de tal produto estupefaciente e, bem assim, da cocaína, o arguido obtinha um rendimento semanal entre 700 e 750 euros.
6. Por vezes, alguns dos consumidores conhecidos do arguido serviam de intermediários a outros nessas aquisições de estupefacientes, designadamente quando esses outros não conheciam o arguido, socorrendo-se muitas vezes de informações de outros consumidores que permaneciam na zona de Santa Cristina, em ....
7. O arguido exercia a sua descrita actividade de venda de heroína e cocaína na zona de Santa Cristina, em ..., sendo que também se deslocava, com alguma frequência, à zona da Isabelinha, na Rua Direita, após ter combinado com os consumidores aqueles locais.
8. A partir dos finais do ano de 2010/início do ano de 2011, pelo menos, o arguido passou a vender heroína e cocaína fazendo de tal prática o seu único meio de subsistência.
9. Esta actividade perdurou até 20 de Março de 2011, data em que o arguido foi detido para interrogatório judicial nestes autos.
10. Na sua actividade de tráfico o arguido utilizava os telemóveis que lhe foram apreendidos aquando da sua detenção, sendo contactado pelos consumidores que pretendiam adquirir-lhe estupefacientes através do n.º 910111752.
11. Estes telefonavam-lhe muitas vezes de cabines públicas mas também dos seus próprios telemóveis.
12. O arguido, no mencionado período de tempo, abasteceu de heroína, e cocaína vários consumidores dessas substâncias, dos quais só alguns foi possível identificar, abastecendo, em média, cinco a seis consumidores diários, tendo havia dias em que chegou a abastecer nove consumidores.
Assim:
12.1. Entre o final do ano de 2010 e até ser detido, em 20 de Março de 2011, o arguido vendeu, por diversas vezes, heroína – uma dose de cada vez, sempre ao preço de 25 euros cada dose – a … , para consumo deste, que para o efeito o contactou através do amigo … , uma das vezes no Café … , ..., e as demais em Santa Cristina, local onde as transacções ocorriam na maioria das vezes. Após contacto prévio com o arguido através do aludido … para o seu referenciado número de telemóvel, este mandava-os dirigirem-se à zona de Santa Cristina e aí o conhecido recebia as doses pretendidas das mãos do arguido, pagando-lhe sempre os mesmos 25 euros por cada dose de heroína que pesava cerca de meio grama.
12.2. Entre o final ano de 2010 e até ser detido, em 20 de Março de 2011, o arguido vendeu, por diversas vezes, heroína – uma dose de cada vez, sempre ao preço de 25 euros cada dose – a … , para consumo desta, que para o efeito o contactou através do mencionado … , uma das vezes no Café das ..., ..., e as demais em Santa Cristina, local onde as transacções ocorriam na maioria das vezes.
Após contacto prévio com o arguido através do aludido ... para o seu referenciado telemóvel, este mandava-os dirigirem-se à zona de Santa Cristina e aí o conhecido recebia as doses pretendidas das mãos do arguido, pagando-lhe sempre os mesmos 25 euros por cada dose de heroína que tinha um peso de cerca de meio grama.
12.3. Entre o final ano de 2010 e até ser detido, em 20 de Março de 2011, o arguido vendeu, por diversas vezes, cocaína e heroína – uma dose de cada vez, sempre ao preço de 20 e 25euros cada dose, respectivamente -a ..., para consumo deste, que para o efeito o contactou uma das vezes no Café das ..., ..., e as demais em Santa Cristina, local onde as transacções ocorriam na maioria das vezes.
Após contacto prévio com o arguido para o seu referenciado telemóvel, este mandava-o dirigir-se, habitualmente, à zona de Santa Cristina e aí recebia as doses pretendidas das mãos do arguido, pagando-lhe sempre os mesmos 25 euros por cada dose de heroína que tinha um peso de cerca de meio grama e 20 euros por cada dose de cocaína.
12.4. No período compreendido entre o início de Janeiro de 2011 e Março de 2011, o arguido vendeu, cerca de 20 vezes, 1 dose de heroína, de cada vez, sempre ao preço de 25 euros e (uma vez a dez euros) cada dose, a … para consumo desta, sendo que a heroína era entregue pelo arguido, em Santa Cristina, ..., após contacto prévio pelo telemóvel.
12.5. No período compreendido entre o início de Janeiro de 2011 e Março do mesmo ano, o arguido vendeu, diariamente, 1 dose de heroína, de cada vez, sempre ao preço de 25 euros cada dose, a … para consumo deste, sendo que a heroína era entregue pelo arguido, em Santa Cristina, ..., após contacto prévio pelo telemóvel.
12.6. No período compreendido entre o início de Fevereiro de 2011 e Março de 2011, o arguido vendeu, diariamente, 1 dose de heroína, de cada vez, sempre ao preço de 25 euros cada dose, a … , para consumo deste, sendo que a heroína era entregue pelo arguido, em Santa Cristina, ..., após contacto prévio pelo telemóvel com o número 910111752.
Este consumidor chegou a acompanhar o arguido nas deslocações que este fazia ao Porto onde se ia abastecer daqueles produtos estupefacientes que após dividia em doses individuais e vendia em ....
12.7. No período compreendido entre Janeiro de 2011 e Março de 2011, o arguido vendeu heroína diversas vezes – normalmente três vezes por semana uma dose de cada vez, sempre ao preço de 25 euros cada dose – a … , para consumo deste, que para o efeito o contactava previamente para o telemóvel, fazendo a encomenda e aguardando que o arguido lhe indicasse o local para onde se devia dirigir, a fim de efectuarem a transacção acertada.
As entregas das substâncias estupefacientes a este consumidor ocorriam em diversos locais da cidade de ..., sendo que, com mais frequência, ocorriam na Rua João Mendes.
12.8. No período compreendido entre Janeiro de 2011 e Março do mesmo ano, o arguido vendeu cocaína, diariamente, uma dose de cada vez, ao preço de 20 euros cada dose - a … para consumo deste, que para o efeito o contactava previamente para o telemóvel, fazendo a encomenda e aguardando que o arguido lhe indicasse o local para onde se devia dirigir, a fim de efectuarem a transacção acertada.
As entregas da cocaína a este consumidor ocorriam normalmente em Santa Cristina.
12.9. No período compreendido entre Janeiro de 2011 e Março de 2011, o arguido vendeu cocaína e heroína, por diversas vezes, uma dose de cada vez, ao preço de 20 euros cada dose de cocaína e 25 euros cada dose de heroína – a … , para consumo deste.
12.10. No mês de Dezembro de 2010, o arguido vendeu cocaína, por duas vezes, uma dose de cada vez, ao preço de 25 euros cada dose –a … , para consumo deste, que para o efeito o contactava previamente através de um amigo comum, conhecido por … .
13. No dia 20 de Março de 2011, aquando da detenção do arguido, foi-lhe apreendido na sua posse:
- duas embalagens de plástico, contendo no seu interior heroína, com o peso líquido global de 30,628 gr, com o grau de pureza de 16,7%, que daria para 51 doses médias individuais diárias;
- uma balança electrónica com funcionamento a pilhas, utilizada pelo arguido na actividade de tráfico.
- dois telemóveis, um da marca Nokia e outro da marca Samsung, com os IMEI’s 351971038857261 e 354926036921938, respectivamente, utilizados pelo arguido na actividade de tráfico supra descrita.
- 121,50€, em notas e moedas.
14. Na busca efectuada à sua residência, sita na Rua … , em ... foi-lhe ainda apreendido:
- vários pedaços de heroína com o peso líquido de 3,981gramas, com um grau de pureza de 7,6%, que daria para seis doses médias individuais diárias;
- um placa de haxixe com o peso líquido de 65,825 gramas, com o grau de pureza de 7.9%, que daria para 104 doses médias individuais diárias;
- um plástico contendo pedaços de cocaína, com o peso líquido de 8,794 gramas e um grau de pureza de 55,8% , que daria para vinte e cinco doses médias individuais diárias.
- uma embalagem em plástico contendo dezoito pacotes de cocaína com o peso líquido de 3,081 gramas e um grau de pureza de 49,9 % que daria para oito doses médias individuais diárias.
- três embalagens de plástico contendo heroína, com o peso líquido de 1,266 gramas e um grau de pureza de 17,6 % que daria para duas doses médias individuais diárias;
- um saco de plástico “Lidl” recortado, usado para embalar os produtos estupefacientes em doses individuais;
- uma faca Stainlesse, utilizada para o corte e divisão dos produtos estupefacientes.
15.No dia 25 de Outubro do mesmo ano, foram ainda apreendidos ao arguido outros bens e valores:
- duas colunas de som, marca Sony;
- um LCD plasma, marca Crown;
- um leitor de DVD’s, marca DIVX, com o respectivo comando;
- uma consola Sony – PSP 2, com o respectivo comando;
- um jogo de consola PSP 2;
- um taco snooker, com o respectivo estojo em cor preta;
- uma mala de viagem;
- um relógio Quartz;
- uma caixa de batatas fritas Pringls, onde se encontravam várias moedas com o valor global de 16,58 €, tudo conforme, melhor descriminado no auto de apreensão de 140 e 141, bens esses adquiridos com o produto da actividade de tráfico por si desenvolvida.
16. Todas as quantias em dinheiro apreendidas ao arguido e mencionadas em 13 e 15 eram produto da sua actividade de tráfico supra descrita.
17. Entre Dezembro de 2010 e 20 de Março de 2011, o arguido não exerceu qualquer actividade lícita remunerada e actuou da forma descrita motivado pelos elevados e fáceis lucros que a sua descrita actividade proporcionava.
18. O arguido destinava a heroína e cocaína que lhe foram apreendidas à venda de quem pretendesse adquirir tais produtos estupefacientes, por preço superior ao da compra como vinha já fazendo pelo menos desde o final do ano de 2010 e ainda parte desta última ao seu consumo.
19. O haxixe que foi apreendido ao arguido fazia parte de uma placa de 100 gramas que havia por si adquirida uns dias antes da sua detenção junto do mesmo abastecedor dos demais produtos, pelo preço de cem euros, produto esse que se destinava ao seu consumo, mas também à venda a terceiros que se propusessem adquiri-lo.
20. O arguido actuou sempre voluntária e conscientemente conhecendo a natureza e características dos produtos estupefacientes que adquiriu, transportou, possuía e que, em parte também consumiu (cocaína e haxixe) e que vendeu, nesta parte, apenas no que concerne à heroína e cocaína, bem sabendo que não estava autorizado a adquiri-los, detê-los, vendê-los ou por qualquer outro título proporcioná-los a terceiros.
21. Agiu com plena consciência de que a sua actuação o fazia incorrer em responsabilidade criminal.
22.Constam do C.R.C. do arguido as seguintes condenações:
- Por factos praticados em 28/1/2002, foi condenado por sentença transitada em julgado em 18/5/2004, como autor de um crime de tráfico de menor gravidade e um crime de injúrias à autoridade, nas penas de um ano e seis meses de prisão e dois meses de prisão, respectivamente, e na pena única de 1 ano e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pena única essa que veio a ser declarada extinta por decurso do prazo por decisão de 7/9/2007.
- Por factos praticados em 24/5/2003, foi condenado por sentença transitada em julgado em 7/1/2005, como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 105 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, a qual veio a ser declarada extinta por pagamento.
- Por factos praticados em 23/3/2005, foi condenado por sentença transitada em julgado em 14/5/2007, como autor de um crime de ameaças, p. e p. pelo art. 153º do C.Penal, na pena de seis meses de prisão suspensa por dois anos;
- Por factos praticados em 7/1/2005 foi condenado por acórdão transitado em julgado em 2/10/2007, como autor de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena efectiva de 15 meses de prisão;
- Por factos praticados em 9/5/2006, foi condenado por acórdão transitado em julgado em 20/3/2008, como autor de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de dois anos de prisão, pena esta que veio a ser declarada extinta em 26/10/2009, por cumprimento.
- Por factos praticados em 16/10/2009, foi condenado por sentença transitada em julgado em 24/11/2010, como autor de um crime de ofensa à integridade física, p.e p. pelo art.143º, do C.Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5,00€.
- Por factos de 13/9/2009, foi condenado por sentença transitada em julgado em 28/1/2011, como autor de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de 7,00 €.
23. O arguido é consumidor de produtos estupefacientes há pelo menos dez anos, consumindo, à data dos factos, em média, diariamente, três a quatro gramas de cocaína e dez gramas de haxixe.
24. À data dos factos, o arguido encontrava-se a residir em ..., numa casa arrendada, pagando de renda 250,00 €.
O arguido veio residir para ... em Novembro de 2010, encontrando-se, até esse momento, a residir com a mãe, o padrasto e uma irmã na Marinha Grande.
Tem dois filhos de 10 e 5 anos.
Possui como habilitações literárias o 7º ano, tendo ainda frequentado um curso profissional de fotografia.
O arguido encontra-se a ser acompanhado pelo I.D.T de ... desde 15/7/2011, frequentando consultas médicas e de psicologia».

2.2. Em sede de factos não provados, mostra-se consignado:
«- que o arguido no período temporal supra descrito tenha procedido à venda de haxixe.
Quanto aos demais factos constantes da acusação e não mencionados em A) ou B), os mesmos são conclusivos, de direito ou irrelevantes para a decisão da causa, razão pela qual o tribunal não se pronunciou quanto aos mesmos».

2.3. A título de fundamentação da matéria de facto ficou exarado:
«Na eleição da factualidade provada, mais concretamente no que se refere à actividade de tráfico do arguido descrita na factualidade provada, valorou o tribunal desde logo as declarações do arguido, o qual confessou toda a factualidade descrita na acusação a tal respeito, com excepção de que tivesse procedido à venda do haxixe, esclarecendo, a respeito dos seus consumos diários, à data dos factos, que consumia três a quatro gramas de cocaína e dez gramas de haxixe.
No que concerne aos produtos estupefacientes que foram encontrados na sua posse, referiu que a heroína que foi adquirindo, no período temporal em apreço, destinou-se exclusivamente à venda, o mesmo não se passando com a cocaína, pois que parte da mesma destinava também ao seu consumo, e com o haxixe que lhe foi apreendido, o qual, segundo o arguido, embora se destinasse assegurar os seus consumos diários que ia fazendo deste tipo de estupefaciente, admitiu que pudesse ser vendido a terceiros, caso alguém lho viesse a solicitar, ainda que a sua actividade de tráfico se tivesse apenas centrado na venda de heroína e cocaína, a primeira em maior quantidade.
Assim e com excepção de tal factualidade, o ora arguido, confessando os factos que lhe vinham imputados, esclareceu o tribunal sobre o modo como se desenvolveu a sua actividade de tráfico, o período em que tal ocorreu, sobre as suas deslocações ao Porto com vista à aquisição de produtos estupefacientes, à periodicidade das mesmas, às quantidades adquiridas, ao modo como os consumidores o contactavam com vista à aquisição de produtos estupefacientes, ao respectivo preço porque transaccionava cada dose de heroína e cocaína, ao número diário de consumidores por si abastecidos diariamente, ao rendimento semanal obtido com a venda de heroína e cocaína, à utilização feita pelo arguido dos telemóveis que lhe foram apreendidos, tudo nos termos descritos na factualidade provada.
A respeito da quantidade e qualidade do produto estupefaciente apreendido, estribou-se o Tribunal nos autos de apreensão de fls. 30/31 e 216 a 224 e relatórios de exame toxicológico de fls. 166/167, 340 e 403/404.
Quanto aos demais bens e quantias monetárias apreendidas ao arguido e à sua ligação com a actividade de tráfico desenvolvida pelo arguido, nos termos descritos na factualidade provada, valorou o tribunal igualmente as declarações do arguido, em conjugação ainda com o teor dos autos de apreensão juntos aos autos e as regras da experiência comum.
No que concerne às condenações já sofridas pelo arguido, valorou o tribunal o teor do C.R.C. junto aos autos.
Já a respeito das condições pessoais de vida do arguido e da sua condição de consumidor dos produtos estupefacientes mencionados na factualidade provada, valorou o tribunal as declarações do próprio, as quais, para além de não terem sido infirmadas por outros meios probatórios, se mostraram credíveis, em conjugação ainda, no que concerne à sua condição de consumidor, com o teor do documento junto aos autos a fls.370.
A respeito da factualidade considerada não provada, a convicção do tribunal resultou da ausência de prova a tal respeito, pois que o arguido negou que alguma vez tivesse procedido à venda de haxixe e nenhuma prova foi produzida em sentido contrário, sendo certo também que a acusação pública não imputava ao arguido qualquer acto concreto de venda deste tipo de estupefaciente».

3. Apreciando

3.1. Da qualificação jurídica dos factos

Insurge-se o recorrente com a subsunção dos factos ao crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, de 22.01, defendendo a sua integração no tipo privilegiado do artigo 25º do citado diploma legal.
A propósito ficou consignado no acórdão recorrido:
“(…)
A diferença entre os arts. 21º e 25º do D.L.15/93, de 22/1, assenta numa escala de danosidade social centrada no grau de ilicitude, a aferir caso a caso, com base na ponderação das condições especificamente apuradas e que devem ser globalmente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativamente contida no último desses preceitos (cfr. entre muitos outros Ac. do S.T.J. de 18/2/1999, CJ –S.T.J., Tomo I, pág.220 e segs e na doutrina Lourenço Martins, “Droga e Direito”, Aequitas, Ed.Notícias, pág.146 e segs.).
Não sendo a enumeração legal taxativa, tem-se ainda entendido que o critério a seguir para qualificar o facto como menos grave ou leve, deverá ser o da valorização global da ocorrência e das concretas e específicas circunstâncias em que a mesma se desenvolveu.
Assim, para além das referências à quantidade e qualidade das substâncias traficadas, pode e deve atender-se ao seu grau de pureza ou perigo que representam em razão da sua natureza mais ou menos viciante e, no tocante à modalidade ou circunstâncias da acção, devem ponderar-se, entre outras, as finalidades e as razões que lhe presidiram (entre outros, Ac. do STJ de 12/3/2003, 24/10/2007, relatados por Rodrigues da Costa e Santos Cabral, in dgsi.pt).
Tal entendimento vem merecendo acolhimento por parte quer dos tribunais superiores quer de instâncias internacionais que se debruçam sobre a problemática da droga.
Feitas estas considerações, vejamos então como integrar os factos em apreço.
É certo que, no caso vertente, o arguido actuava sozinho, sem qualquer estrutura organizativa: encomenda via telemóvel e encontro em local escolhido para entrega do produto.
É certo também que o arguido, à data dos factos, era também consumidor de produtos estupefacientes, designadamente cocaína e haxixe.
Todavia, a verdade é que a multiplicidade das modalidades de acção – aquisição, transporte, detenção e venda - empreendidas por tal arguido, não nos reconduzem a uma diminuição – e muito menos acentuada - da ilicitude da sua conduta.
Também o intuito lucrativo que presidiu à actuação do arguido, pois que o mesmo vivia da actividade de tráfico, ainda que minorado pelo facto do mesmo ser também consumidor de cocaína e haxixe e de em parte tal actuação visar assegurar o seu próprio consumo, releva como factor que, por si só, não traduz uma acentuada diminuição da ilicitude.
Com efeito, ainda que a actividade de tráfico do arguido se tenha cingido a um período de pelo menos três meses e de apenas terem sido identificados dez consumidores, e sem prejuízo também de se nos afigurar que a personalidade do arguido aponta mais para um simples dealer de rua do que para um grande traficante, relegando-o para o elo final da cadeia comercial, o que desvaloriza a sua intervenção no mercado de narcotráfico, a verdade é que a sua actividade assume já algum relevo, quer pela regularidade com que se abastecia de tais produtos estupefacientes, designadamente de heroína e cocaína (frequência quase diária) quer pelas quantidades adquiridas no Porto e que possuía na sua posse, não só de cocaína e heroína, mas também de haxixe, quer pelo número de consumidores que diariamente abastecia (cinco a seis e por vezes nove consumidores), quer ainda pelo rendimento que já estava a auferir com tal actividade de tráfico, em média setecentos a setecentos e cinquenta euros semanais, tudo a apontar inequivocamente para uma já notável disseminação de tal substância.
Assim, entendemos não poder a conduta do arguido A...enquadrar-se na previsão do citado art. 25º do D.L. Lei 15/93, de 22.01».

Vejamos, então, se a factualidade apurada se subsume ao artigo 21º do D.L. 15/93, de 22.01, ou ao invés, como defende o recorrente, estamos perante um crime de tráfico privilegiado, p. e p. pelo artigo 25º, al. a) do referido diploma.
Acerca da correlação entre os crimes do artigo 21º e 25º do D.L. n.º 15/93, de 22.01 refere o acórdão do STJ de 29.10.2008 [proc. nº 08P2961, disponível em www.dgsi.pt] A essência da distinção entre os tipos fundamental (art. 21º) e privilegiado (art. 25º) reverte ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens de natureza objectiva que se revelem em concreto, e que devem ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei (…). As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade situam-se nos meios, na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade e quantidade das plantas.”
Efectivamente, a tipificação do artigo 25º parece ter o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade, considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e frequência desta), encontre a medida justa da punição para casos que, embora de gravidade significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no preceito em causa. Ao indagar do preenchimento do tipo legal do art. 25º haverá que proceder a uma valorização global do facto, sopesando todas e cada uma das circunstâncias aí referidas, para além de todas as demais susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado. Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”.
Reportando-nos ao caso concreto, considerando os factos relativamente aos meios utilizados pelo arguido na actividade de tráfico, resulta inequívoco um modus operandi simples, com recurso a meios sem qualquer sofisticação, com encontros previamente combinados por telemóvel para a entrega de estupefaciente, que ocorria em áreas limitadas da cidade de ...: bairro de Stª Cristina e da Isabelinha.
De notar que o arguido para adquirir a droga no Porto, utilizava, normalmente, os veículos de consumidores que o acompanhavam.
Por outro lado, não possuía qualquer estrutura organizativa, actuava sozinho, e a sua actividade de tráfico desenrolou-se durante um período de três meses, vindo identificados 10 [dez] consumidores, os quais abasteceu, parte deles diariamente, alguns com regularidade e outros esporadicamente, vendendo-lhes, na maioria das vezes e de cada vez, ao preço unitário de 20 euros cada dose de cocaína e 25 euros cada dose de heroína, afectando parte do lucro que obtinha com a venda do estupefaciente à aquisição de novas substâncias para seu próprio consumo. Foram-lhe apreendidos 35,875 gr, de heroína, 11,865 g de cocaína e 65,825 g de haxixe, sendo que destinava aquelas à venda, mas também ao seu consumo.
Neste quadro, sopesando todas e cada uma das circunstâncias referidas, a ilicitude global do facto aponta, quanto a nós, sem dúvida de maior, para o tipo privilegiado do artigo 25º do D.L. n.º 15/93, de 22.1, punível nos termos da sua al. a) dada a natureza dos produtos estupefacientes em causa [heroína e cocaína].
Na verdade, … depois de uma fase inicial de pouca receptividade da jurisprudência a esta “válvula de segurança” do sistema, destinada a evitar a parificação de situações de tráfico menor às de tráfico importante e significativo, com a correspondente desproporcionalidade das penas, acabou por a admitir generalizadamente, no seu objectivo de equilíbrio …, acolhendo vários fundamentos para o efeito: desde logo, procedendo à valorização global ou complexiva do episódio, não se mostrando suficiente que um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, mas exigindo que os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações diferenciem a situação da paradigmática do artigo 21º - [cf. A. Lourenço Martins, in Medida da Pena, Finalidades, Escolha, Abordagem Crítica de Doutrina e Jurisprudência, Coimbra Editora, pág. 288].
Conclui-se, pois, no sentido de o arguido ter incorrido na prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25º, al. a) do D.L. n.º 15/93, de 22.01, com referência à sua tabela anexa I – A, impondo-se, nesta parte, a revogação do acórdão recorrido.


3.2. Da medida da pena
Entende o recorrente que a pena de 5 anos e 2 meses de prisão em que foi condenado é manifestamente exagerada, na medida em que ultrapassa a medida da culpa para além de não atender às necessidades de prevenção especial que o caso requer, nomeadamente de ressocialização, violando os artigos 40º, nº 1 e 2 e 71º, ambos do Código Penal.
Note-se que a moldura penal abstracta situa-se entre os um e cinco anos de prisão.
A aplicação das penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Como ensina Figueiredo Dias “Culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (…). Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime (…) limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção. – [cf. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 215].
Concretizando, nas palavras do autor, 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou se socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. – [cf. Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime, Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, 1996, pág. 121].
A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos. – [cf. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág. 117].
Sobre os fins das penas, o artigo 40º, nº 1 do Código Penal, dispõe no seu nº 2 que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Por seu turno, o artigo 71º do mesmo diploma legal estabelece os critérios de determinação da medida concreta da pena, a qual dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Como se assinala no acórdão do STJ de 08.06.2011, [proc. nº 87/09.0PARGR.L1.S1, Rel. Pires da Graça] As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial, como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano. Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
Considerando:
· O período temporal durante o qual o arguido se dedicou à venda de estupefaciente;
· A regularidade - por vezes frequente e mesmo diária -, conforme resulta dos factos, com que o fez, durante tal período, aos consumidores identificados;
· Em doses individuais, cobrando, por cada uma, a quantia de € 20 a 25,00,
· Estupefaciente, que comprava na cidade do Porto, onde se deslocava em veículo automóvel alheio, a cerca de € 20 a grama, e que depois dividia doses
· Vendas, a que procedia na cidade de ..., mediante prévia marcação de encontro, via telemóvel, com os consumidores adquirentes;
· O lucro resultante da venda de heroína e cocaína a terceiros – por preço superior ao que despendia com a sua aquisição – servia-lhe quer para prover ao seu sustento, quer para lhe proporcionar o consumo de estupefacientes;
· No dia da detenção foram-lhe apreendidos na sua posse:
- duas embalagens de plástico, contendo no seu interior heroína, com o peso líquido global de 30,628 gr, com o grau de pureza de 16,7%, que daria para 51 doses médias individuais diárias;
Na busca efectuada à sua residência, sita na Rua … , em ... foi-lhe ainda apreendido:
- vários pedaços de heroína com o peso líquido de 3,981gramas, com um grau de pureza de 7,6%, que daria para seis doses médias individuais diárias;
- uma placa de haxixe com o peso líquido de 65,825 gramas, com o grau de pureza de 7.9%, que daria para 104 doses médias individuais diárias;
- um plástico contendo pedaços de cocaína, com o peso líquido de 8,794 gramas e um grau de pureza de 55,8% , que daria para vinte e cinco doses médias individuais diárias.
- uma embalagem em plástico contendo dezoito pacotes de cocaína com o peso líquido de 3,081 gramas e um grau de pureza de 49,9 % que daria para oito doses médias individuais diárias.
- três embalagens de plástico contendo heroína, com o peso líquido de 1,266 gramas e um grau de pureza de 17,6 % que daria para duas doses médias individuais diárias;
· A natureza do estupefaciente – heroína e cocaína - dos que mais danosidade social provoca;
· O dolo directo e intenso, dada a reiteração da conduta;
· A circunstância do arguido, à data dos factos toxicodependente, ter um longo passado de consumo de drogas (10 anos);
· À data dos factos sem actividade laboral regular, devido aos seus hábitos aditivos;
· O arguido encontra-se a ser acompanhado pelo I.D.T de ... desde 15/7/2011, frequentando consultas médicas e de psicologia.
· Registar condenações entre as quais três por tráfico de estupefacientes de menor gravidade (facto provado nº 22)
· A confissão dos factos por parte do arguido,
tudo ponderado, resultando, no caso, muito intensas as exigências quer de prevenção geral quer de prevenção especial, sendo premente a reposição contrafáctica da norma violada na ordem jurídica, mostrando-se intensa a culpa, não se olvidando, contudo, a influência da sua condição de toxicodependente na actividade delituosa desenvolvida, afigura-se que tem um percurso muito significativo a realizar com vista a cultivar e sedimentar uma conduta conforme ao direito e a enraizar as suas responsabilidades familiares e profissionais, mostra-se adequada a aplicação da pena de 4 [quatro] anos de prisão efectiva, uma vez que não estão reunidas as condições, para a suspensão da sua execução.
Na verdade, mesmo quando seja de concluir por um prognóstico favorável, - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização – a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime” (…) estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise” – [cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, págs. 342 a 344].
Ora, no caso em apreço – para além de ser muito reservado o seu prognóstico para o futuro -, uma eventual suspensão da execução da pena não salvaguarda as não menos importantes finalidades das penas, quais sejam as de reafirmar a necessidade da existência da norma punitiva e as de prevenção geral.
Com efeito, trata-se de um domínio em que cumpre garantir que a pena de substituição não colida com as finalidades da punição, impondo-se assegurar que a comunidade não veja a suspensão como um sintoma de impunidade, descrendo, assim, do sistema penal.

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III. DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em:
· Conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido A..., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.01, na pena de 5 anos e 2 meses de prisão;
· Condenar o arguido A..., pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. nos termos do artigo 25º, al. a) do D.L. nº 15/93, de 22.01, com referência à sua Tabela I – A anexa na pena de 4 [quatro] anos de prisão efectiva;
· No mais, manter o acórdão recorrido.
· Sem tributação.

Comunique de imediato, pela via mais expedita, e com cópia do presente acórdão ao Tribunal da 1ª instância, com referência ao traslado, com a expressa menção de que o acórdão ainda não se mostra transitado.



Isabel Valongo (Relatora)

Paulo Guerra