Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
93/22.0T8PCV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA
PAGAMENTO DO PREÇO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO E/OU CADUCIDADE
FALTA DE LEITURA PERIÓDICA PELO COMERCIALIZADOR
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 37.º, 2 E 3, REGULAMENTO 1129/2020, DE 30/12
ARTIGOS 1.º, 1 E 3; 2.º, 1; 3.º; 5.º, 1 A 4 E 10.º, 1, 2 E 4, DA LEI 23/96, DE 26/7
ARTIGOS 607.º, 4; 662.º, 1 E 666.º, 1, DO CPC
ARTIGOS 2.º; 3.º E 13.º, 2, DO CÓDIGO COMERCIAL
ARTIGOS 10.º, 1 E 2; 217.º; 227.º; 255.º, 1 A 3; 303.º; 304.º, 1; 323.º, 1; 325.º, 1 E 2; 326.º, 1 E 2; 328.º 329.º;; 330.º; 331.º, 1; 332.º; 333.ª, 334.º; 345.º, 2; 354.º, 1; 364.º, 1 E 2; 405.º; 762.º, 2 E 800.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: - O direito do prestador do serviço público essencial de fornecimento de energia eléctrica ao recebimento do preço prescreve o prazo de seis meses após a sua prestação;
- O direito do prestador deste serviço público essencial à diferença do preço, resultante do pagamento de preço inferior ao consumo efectuado, caduca dentro de seis meses após aquele pagamento;
- Dado que comercializador de energia eléctrica pode proceder à leitura do instrumento de medição dos consumos realizador pelo utente, não lhe é lícito alijar no operador de rede, e muito menos no utilizador, a falta de leitura periódica daquele equipamento;
- A prescrição e a caducidade, a última quando referida a direitos disponíveis, partilham uma característica comum: não são de conhecimento oficioso, recaindo sobre o devedor o ónus de a invocar;
- Age em violação do especial de dever de boa fé que o vincula relativamente ao utente, o prestador do serviço público essencial que inclui, no contrato de transacção, tendo por objecto os respectivos créditos, prestações do preço relativamente aos quais o utente invocou, eficazmente, a caducidade;
- O direito potestativo do devedor de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito de crédito prescrito é também aplicável, por analogia, ao direito caducado;
- A confiança que o prestador do serviço público essencial tenha depositado na satisfação da divida caducada não é legítima ou fundada nem é, por falta de merecimento, digna de tutela, o que exclui a procedência da excepção peremptória do abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium. - O direito do prestador do serviço público essencial de fornecimento de energia eléctrica ao recebimento do preço prescreve o prazo de seis meses após a sua prestação;
Decisão Texto Integral:

Relator: Henrique Antunes
1.º Adjunto: Mário Rodrigues da Silva
2ª Adjunta: Cristina Neves

Proc. n° 93/22.0T8PVC.C1

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

A..., Lda., pediu ao Sr. Juiz de Direito do Juízo de Competência Genérica ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., que condenasse EDP Comercial - Comercialização de Energia, SA, que, em consequência por via da prescrição invocada, a reconhecer que a fatura/nota de débito emitida em 6 de maio de 2021, deve ser reduzida ao montante de € 2.919,16, emitindo a correspondente nota de crédito relativo ao valor prescrito e que se contabiliza em € 6.120,40.

Fundamentou esta pretensão no facto de ter celebrado com a ré um contrato de fornecimento de energia eléctrica para o local em que detém um oficina de reparação, manutenção e lavagem de automóveis, restaurante, cafetaria e serviços administrativos, estando o contador de energia consumida disponível para consulta, de no dia 6 de Maio de 2021 a ré lhe ter enviado um documento, no qual menciona a fatura número ...23 no valor de € 1.091,80 e uma nota de débito com o número ...94 na quantia de € 7.944,74 a que acrescia a contribuição para o audiovisual, no montante de € 3,02, tudo num total de € 9.039,56, contra a qual reclamou, não aceitando os valores exigidos, alegando a prescrição dos consumos entre 4 de Outubro de 2019 e 30 de Novembro de 2020, e de a ré, face à sua recusa do pagamento, a ter ameaçado com o corte de energia, pelo que não teve outra forma que não solicitar o pagamento do débito em prestações, compreendendo os valores pagos até ao momento, os montantes que reconhece dever.

A ré defendeu-se alegando que a prescrição invocada não procede, o mesmo sucedendo com a caducidade relativa aos acertos de facturação, dado que procedeu a esse acerto logo que teve acesso às leituras reais comunicadas pela E-Redes, operador da rede distribuição, proprietária dos equipamentos de medição e responsável pela sua leitura, e que a autora solicitou um acordo de pagamento dos valores inscritos na nota de débito e na factura, no valor de € 9 039,56, do qual se reconheceu devedora, em 19 prestações mensais, as 17 primeiras no valor de € 502,00 e a 17.^ e última no valor de € 505,56, tendo pago 6 prestações no valor de € 3 012,00.

A sentença final da causa condenou a ré a reconhecer que a fatura/nota de débito emitida em 6 de maio de 2021 à autora deve ser reduzida ao montante de € 3.012,00, absolvendo a ré do demais peticionado.

É esta sentença que a ré impugna no recurso, tendo rematado a sua alegação - no convencimento que concluir muito é concluir bem - com estas conclusões de letra miúda:

1. A Recorrida intentou a presente ação declarativa sob forma de processo comum contra a Recorrente peticionando que “em consequência por via prescrição invocada, a ré ser condenada a reconhecer que a fatura/nota de débito emitida em 6 de maio de 2021, deve ser reduzida ao montante de € 2.919,16, emitindo a correspondente nota de crédito relativo ao valor prescrito e que se contabiliza em € 6.120,40”;

2. Para o efeito alegou que a 6 de maio de 2021 recebeu num documento único, uma fatura referente ao período de 3 de abril a 2 de maio de 2021 no valor de 1091,80 euros e uma nota de débito de 7944,74 euros referentes aos períodos de 4 de outubro de 2019 a 2 de abril de 2020;

3. Celebrou com a Recorrida um acordo global de pagamentos, pese embora não reconhecesse a totalidade dos créditos devidos que até à data se encontra a pagar os valores que a mesma entende serem devidos, invocando a prescrição do alegado consumo de 4 de outubro de 2019 a 30 de novembro de 2020;

4. Regularmente citada a Recorrente apresentou a sua a sua contestação a 16.05.2022, nos termos da qual explicou o contrato de fornecimento celebrado e a separação legal entre a atividade de comercializadora e distribuidora de energia;

5. Por forma a explicar o período de facturação constante na Nota de Débito esclareceu que estava dependente das leituras comunicadas pela E-Redes ou das que sejam comunicadas pelos clientes, sendo que nos períodos em que, sendo que nos períodos em que não tenha leituras lei turas emite as facturas com base em estimativa.

6. Alegou ainda que celebrou com a Recorrida um acordo de pagamento para o pagamento do valor global da factura ...23 de débito e da Nota de débito N...94 no valor global de € 9039,56 em 19 prestações, tendo o Recorrida pago 6 prestações, no valor global € 3.012,00;

7. Acrescentou ainda, quanto à exceção de prescrição, que a fatura de € 1.091,80, 80 , à data da sua emissão não se encontrava encontra prescrita, dado ter sido apresentada a fatura atempadamente;

8. Quanto à nota de débito no valor de € 7.944,74, defendeu a Recorrente que a mesma não está caduca uma vez que não poderá ser imputável à Recorrente a impossibilidade de facturar os consumos reais mais cedo, mas sim à Autora dado que o contador se encontrava no interior das suas instalações e esta não facultou o acesso;

9. Por outro lado, não se poderia admitir a procedência da exceção da caducidade face ao acordo de celebrado pelo qual a Recorrida reconheceu a dívida e que não se deve admitir uma desvinculação do acordado;

10. Por fim concluiu a Recorrente que caso ainda assim se conclua pela procedência da caducidade, há créditos que não se encontram caducos e ainda não estão pagos;

11. Não obstante os fundamentos apresentados o Tribunal a quo julgou a acção parcialmente procedente e em consequência condenou a Recorrente aa a reconhecer que a fatura/nota de débito emitida em 6 de maio de 2021 deve ser reduzida ao montante de € 3.012,00, absolvendo a Recorrente do demais peticionado;

12. Inconformada com a decisão proferida, vem a Recorrente apresentar recurso da mesma, versando sobre matéria de facto e de direito, no sentido de obter a revogação da sentença proferida a 14/10/2022, pelo Tribunal a quo na parte em que julgou estarem prescritos € 6027,56;56;

A. Da Matéria de Facto.

13. Analisada a sentença, em concreto a matéria dada como provada resulta que o Tribunal a quo deu como provado o seguinte facto: “Em face da recusa do pagamento da referida fatura/nota de débito, a Ré interpelou por diversas vezes a Autora, afirmando que ia proceder ao corte de energia, através de SMS e através de e-mail.” - facto provado n.° 19;

14. Ora a Recorrente não só não concorda que este facto possa ser dado como provado como discorda por completo com o raciocínio do Tribunal a quo que, que partindo deste facto que julga provado, desresponsabiliza e desculpabiliza a conduta da Recorrida ao fazer tábua rasa de acordo celebrado com a Recorrente;

15. Para que o Tribunal a quo q pudesse dar como provado as diversa vezes que a Recorrente comunicou à Recorrida a possibilidade de corte face à ausência de pagamento da fatura e nota de crédito emitida impunha-se, no mínimo, que ao processo tivessem sido juntos esses diversos e-mails e SMS;

16. Ora, a verdade e é que a Recorrida não juntou um único email ou SMS da Recorrente a informar

da possibilidade do corte;

17. Com efeito, o único documento que está junto ao processo sobre este tema é a carta enviada a

17.10.2O21, documento n.° 1 junto com o requerimento da Recorrente de 16.5.2022

18. Contudo, e sem qualquer documento de suporte o Tribunal a quo dá como bom dá como bom o

depoimento de AA e BB, sócio e funcionária da Recorrida que “descreveram“que a Ré

enviou diversas SMS;

19. Ora em que ficamos: foram diversas SMS ou diversos SMS e emails ou nem uma coisa nem outra?!

20. E com o devido respeito em causa não poderá estar a livre apreciação estabelecida pelo

legislador no n° 5 do art. 607° do CPC uma vez que aquele facto em concreto terá de ser provado por

documento, neste caso por diversos documentos!

21. Para o Tribunal a quo para dar como provado o envio de diversos emails e sms por parte da

Recorrente impunha- se que esses documentos estivessem junto ao processo, processo, por forma a ser possível

dar como provado o seu envio!

22. Com efeito, não havendo qualquer documento que corrobore as declarações AA e

BB entende a Recorrente que o facto provado n.° 19 deve ser considerado como não provado

B) Da matéria de Direito

I) Da a impossibilidade de faturar face à ausência de leituras.

23. A Recorrente defende que a quantia de € 9039,56 é devida por várias ordens de razão, sendo

que a primeira tem a ver com o facto de a ausência de leituras não lhe poder ser imputável,

24. Tendo este primeiro argumento sido, com o devido respeito, mal analisado pelo Tribunal a quo;

25. o objectivo da caducidade e, bem assim, da prescrição é evitar que o credor retarde em demasia

a exigência do seu crédito,

26. Ora, no caso em apreço a Recorrente procedeu aos acertos de facturação tão logo teve acesso às

leituras reais comunicadas pela E-Redes, desconhecendo a Recorrente qual o motivo da ausência de leituras

por parte da E-Redes;

27. Em análise deste ponto o Tribunal a quo referiu co com referência ao artigo 37.° do o

Regulamento das relações Comerciais do sector elétrico e de gás (Regulamento 1129/2020 de 30 de Dezembro) o seguinte: “Dos autos não resulta que haja havido qualquer facto imputável ao cliente e por isso impunha--se, antes sim, que a Ré tivesse observado os intervalos temporais entre leituras reais, a que alude o referido preceito. Sem necessidade de mais considerandos, improcede este argumento da Ré.” (sublinhado nosso).

28. Contudo do referido RRC resulta que é ao Operador de Rede de Distribuição é a E Redes e não a Recorrente quem incumbe e assegurar as leituras de 3 em 3 meses e não a Recorrente,

29. Pelo que a haver incumprimento na periodicidade das leituras - como houve - o mesmo não é nem pode ser imputável à Recorrente;

30. E não sendo, impunha-se ao Tribunal a quo explicar o motivo pelo qual ainda assim - ou seja não tendo sido a Recorrente a contribuir para a ausência de leituras e o atraso na facturação - tem de ser penalizada com a caducidade;

31. A Recorrente não tinha como facturar as leituras reais antes de 6.5.2021, porque apenas nessa data recebeu as leituras reais da E-Redes o que desde logo a impossibilitou de cumprir os prazos estipulados no artigo 10.° da Lei dos Serviços Essenciais.

32. Não podendo a Recorrente, ao contrário da E Redes, lançar a uma leitura extraordinária e, em último caso, interromper o fornecimento por forma a obter uma leitura real -vide artigo 38.° do RRC

33. Estando a Recorrente, pelos motivos expostos supra, manietada pela falta de informação e totalmente dependente da informação da E Redes para facturar os consumos reais;

34. Motivo pelo qual, defende a Recorrente que se impunha que o Tribunal a quo se pronunciasse devidamente sobre este ponto e concluísse que não se poderia imputar à Recorrente a ausência de leituras motivo qual motivo pelo qual nãos não se e justificava a procedência da excepção invocada que iria impedir a Recorrente de receber os valores devidos pela energia efetivamente fornecida à Recorrida;

II) Do Acordo e do Abuso do Direito.

35. Como resulta provado foi celebrado um acordo de pagamento entre a Recorrente e a Recorrida no valor global de € 9039,56, referente à fatura e à nota de débito, em discussão nos autos, tendo a Recorrida, âmbito desse acordo, acordo pago ao longo de seis meses, seis prestações;

36. Após este período, a Recorrida instaurou a presente acção com vista a anulação dos consumos referente ao período de 04.10.2019 a 30.11.2020;

37. Ora, não pode haver dúvidas que a Recorrente aceitou o acordo e todos os seus termos, tendo- tendo-o confirmado através do pagamento das prestações;

38. Com efeito, a conduta contemporânea da Recorrida traduz, inequivocamente, uma vontade concordante com o acordo apresentado pela Recorrente, correspondendo à sua aceitação tácita, por reunião dos requisitos previstos nos artigos 217.°, n.° 1, e 234.°, ambos do CC;

39. Motivo pelo qual andou mal o Tribunal a quo ao considerar que havia uma aceitação condicionada do acordo ao período que a Recorrida entendia não estar prescrito.

40. Não há dúvidas - até porque foi dado como provado que em “Em 28.10.2021 a Ré enviou uma carta à Autora a informar que, foi formalizado um Acordo para o pagamento da quantia de € 9039,56, em 18 prestações sendo as 6 primeiras no valor de € 502,00 e a 17.a e última no valor de € 505,56, sendo que a primeira prestação se vencia 28.10.2021” facto22 facto provado 22;

41. E que a “A Autora, no âmbito do Acordo pagou 06 prestações, no valor global de € 3.012,00, tendo a Ré emitido os competentes recibos.” - facto provado n.° 23;

42. Ou seja, é inequívoca celebração do acordo e o pagamento em prestações da quantia de € 9039,56 e não de € 3012,00, tendo a Recorrida pago 6 prestações:

43. Tendo o pagamento que configurar não só a aceitação do acordo como o reconhecimento do valor em dívida!

44. E na verdade, ao contrário do que o Tribunal a quo refere, desse acordo, porque é deste acordo que estamos a falar e não das negociações ou propostas apresentadas, não resulta que a Recorrida tenha declarado ser apenas devedora de € 3 012,00;

45. Até porque durante seis meses foi sempre pagando e em momento algum, com cada um dos 6 pagamentos e à Recorrente que os pagamentos eram para imputar aos € 3.012,00 de que se reconhecia devedora.

46. Não resultou alegado ou provado que a Recorrida após o envio do acordo - que inequivocamente recebeu - tenha informado a Recorrente que apenas iria pagar parte do mesmo;

47. Motivo pelo qual os pagamentos terão de configurar não só a aceitação do acordo como o reconhecimento da dívida, na sua totalidade;

48. Permitir que a Autora se desvincule do acordo ou que apenas se vincule à parte que lhe interessa será gravemente lesivo das regras da boa-fé que norteiam as relações contratuais tanto mais que foi a Autora quem solicitou a formalização do acordo, tendo a perfeita noção dos valores e dos períodos que estavam em causa criando a convicção à Ré de que o mesmo iria ser cumprido,

49. A conduta a a Recorrente configura um caso gritante de abuso de direito -"venire contra factum proprium” que não pode ser validado pelo Tribunal a quo!

50. A expressão "venire proprium venire contra factum proprium" significa vedação do comportamento contraditório, baseando-se na regra da pacta sunt servanda, postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro - factum proprium factum proprium - é, porém, contrariado pelo segundo.

51. O venire contra factum proprium encontra respaldo nas situações em que uma pessoa, por um certo período de tempo, comporta -se de determinada maneira, gerando expectativas em outra de que o seu comportamento permanecerá inalterado.

52. É inequívoco que a Recorrida ao pagar as prestações criou na Recorrente a expectativa de que não só aceitava o acordo e os seus termos, mas como o acordo ia ser cumprido na integra - e que levou a que não instaurasse uma injunção ou promovesse ao corte - e sem que nada na da o fizesse prever a Recorrida deu entrada da presente acção para requerer a anulação de um valor de que tinha reconhecido como sendo devido!

53. Perante estes dados de facto temos por certo que o comportamento da Recorrida, qualificado em termos jurídicos à luz do que acima se expôs, integra um venire contra factum proprium, proibido pelo art° 334° do CC efectivamente uma pessoa normal, colocada na posição concreta da Recorrente, podia objectivamente confiar que, estando o acordo a ser cumprido, a Recorrida não viria requerer a anulação dos valores constantes do mesmo. Até porque, e repita-se a Recorrida não estava obrigada à celebração do acordo, poderia ter optado por outras alternativas como mudar de comercializador ou mesmo avançar com uma providência cautelar;

54. Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo o acordo não era, de todo em todo, a única alternativa da Recorrida para evitar o pagamento integral da nota de débito e o corte;

55. Devendo o Tribunal a quo definido o comportamento do Recorrente como contraditório e lesivo dos interesses da Recorrente e contrário aos princípios da boa fé e, por isso mesmo, proibida nos termos do 334.° do CC.

III) Da nulidade da sentença:

56. Resulta da sentença que o valor da factura e nota de débito em discussão nos autos deve ser reduzido ao montante de € 3 012,00, valor este já pago pela Recorrida;

57. Contudo, da leitura da sentença nem mesmo da análise da factura e nota de débito, não é possível à Recorrente perceber quais os factos alegados e provados pela Recorrida que levaram a que o Tribunal formasse a convicção que efectivamente o valor que devido era de € 3 012,00!

58. Tendo o Tribunal formado a convicção de que a factura e a nota de débito devem ser corrigidas - o que só por mera hipótese académica se admite - tendo condenado a Recorrida que o valor em dívida é de € 3 012,00, impunha-se que, quer nos factos provados quer na exposição da sua convicção, expusesse o raciocínio que fez, com base nos factos e números trazidos ao processo, por forma a explicar como chegou àquela quantia;

59. Consubstanciando esta falta de fundamentação o uma nulidade da sentença nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC;

60. O salto da conclusão de estão caducos os valores de consumos referentes ao período compreendido entre 04/10/2019 a 30/11/2020 para a decisão de redução da nota de débito para € 3 012,00 tem de ser necessariamente acompanhado e ter respalde em factos - que no nosso entendimento não resultaram alegados e muito menos provados - que permitam concluir, sem dúvida, que é aquele valor e não outro que foi indevidamente calculado e cobrado pela Recorrida, e que por esse motivo tem de ser reduzido;

61. Sob pena de ser uma decisão arbitrária e que se limita, sem fundamento em nenhum facto, em validar, sem mais, a pretensão da Recorrida a pagar apenas o que acha que é devido!

62. Não tendo sido produzida qualquer prova relativamente ao valor de € 3 012,00 e mantendo o Tribunal o sentido da decisão impunha-se que a decisão fosse no sentido de condenar a Recorrente a rectificar a factura e a nota de débito a expurgar os valores referentes a 04/10/2019 a 30/11/2020;

63. Ainda assim, o Tribunal a quo validou, sem qualquer sentido critico, os valores que a Recorrida entendia que devia pagar, sem se ter preocupado em perceber se efectivamente esses valores estariam certos ou não,

64. Sendo que esta falta de fundamentação fere de nulidade da sentença proferida.

65. Face ao exposto é forçoso concluir que andou mal o Tribunal a quo dar provimento à pretensão da Recorrida, impondo-se a revogação desta decisão por uma outra que reconheça que, face ao acordo de pagamento celebrado não era legitimo à Recorrida incumprir mesmo alegando a prescrição ou, caso mantenha a decisão, que seja suprida a nulidade arguida através da revogação do valor arbitrado pelo Tribunal a quo como sendo o devido pela Recorrida por um outro a apurar pelo Tribunal a quem ou pela Recorrente.

Não foi oferecida resposta.

No despacho que admitiu o recurso, o Sr. Juiz de Direito, designadamente com fundamento em que apenas a propositura da acção faz suspender ou interromper o prazo de prescrição ou caducidade que se encontre a correr, sustentou que não se verifica a nulidade da sentença arguida pela apelante.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes termos:

2.1. Factos provados.

1. A autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de comercialização de combustíveis, reparação e venda de veículos automóveis e respetivos acessórios, bem como, ao comércio de restauração, café e bar.

2. A ré é sociedade que se dedica à compra e venda de energia, sob a forma de eletricidade e outras, bem como ao exercício de atividades e prestações de serviços afins e complementares daquelas.

3. Em 03.10.2019 a Ré e Autora celebraram um contrato de fornecimento de energia para o local de consumo sito no ... n.° 9001, ... ... (CPE ...).

4. Atualmente a potência contratada é de €. 41,4 KVA (tri-horário diário).

5. Durante o período de vigência do contrato a Ré forneceu energia elétrica para o local de consumo identificado em 3).

6. Como contrapartida pelos serviços prestados pela Ré, a Autora obrigou-se a pagar o respetivo preço, acrescido dos encargos e impostos legais.

7. A Autora detém, no local referido em 3), uma oficina de reparação e manutenção de veículos automóveis, serviço de lavagem dos mesmos, posto de abastecimento de combustíveis, restaurante e cafetaria, além de serviços administrativos e de logística.

8. Estes equipamentos e serviços são alimentados pela eletricidade que é fornecida pela Ré.

9. A Autora sempre pagou todas as faturas emitidas pela Ré, nos prazos estabelecidos, à exceção da fatura/nota de débito em causa nos presentes autos.

10. O contador para efeitos de leitura da energia consumida, no período em causa nos presentes autos, sempre esteve e está disponível para consulta.

11. A 6 de maio de 2021, a Ré enviou à Autora um único documento, no qual menciona a fatura número ...23 no valor de € 1.091,80 e uma nota de débito com o número ...94 na quantia de € 7.944,74 a que acrescia a contribuição para o audiovisual, no montante de € 3,02, tudo num total de € 9.039,56 (nove mil, trinta e nove euros, cinquenta e seis cêntimos).

12. A fatura imputada à Autora corresponde aos períodos de 3 de abril a 2 de maio de 2021, sendo que a nota de débito emitida e enviada juntamente com a referida fatura se refere ao período de 4 de outubro de 2019 a 2 de abril de 2021.

13. Entre 4 de outubro de 2019 a 2 de abril de 2021, a Ré emitiu regularmente as suas faturas, sendo que o fez por estimativa.

14. A Autora, através da área de cliente solicitou esclarecimentos sobre a nota de débito enviada, tendo, nesse seguimento, a Ré enviado um email à Autora com o seguinte teor:

«Caro(a) cliente,

Agradecemos o seu contacto em que nos pede esclarecimentos sobre a sua faturação.

Quando não existem leituras temos de estimar o consumo Analisada a situação, informamos que quando não existe registo de leituras comunicadas pelo cliente ou pelo Operador da Rede de Distribuição (ORD), o consumo tem de ser calculado por estimativa. Se existir um histórico de consumo, as estimativas são calculadas segundo o consumo registado no ano anterior. Caso não exista histórico, o consumo deve ser calculado segundo o “Guia de Medição, Leitura e Disponibilização de Dados” disponibilizado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). O acerto é feito quando é registada uma leitura O acerto ao consumo é feito na fatura seguinte ao registo de uma leitura válida.

No acerto é abatido o valor cobrado por estimativa ao valor do consumo real.

Recebemos uma leitura real. Confirmamos que recebemos uma leitura real no dia 21 de abril de 2021. Assim, a fatura n° ... de 9 039,56 €, emitida a 6 de maio de 2021, inclui acertos de consumo desde a data da última leitura real, a 4 de outubro de 2019.

Abatemos o valor cobrado por estimativa.

Entre 4 de outubro de 2019 e 2 de abril de 2021 a faturação foi emitida por estimativa, considerando que não houve registo de leituras reais. Assim, na fatura n° ... de 9 039,56 € abatemos o valor cobrado por estimativa no período em causa, no total de 9 398,77 €. A este valor, acresce a taxa de IVA em vigor.

A sua faturação foi corretamente emitida.

Com base no que indicámos, consideramos que a faturação foi corretamente emitida.

Para receber uma fatura com consumo real envie as suas leituras mensalmente durante o período indicado na sua fatura através:

- Área de cliente: edp.pt (também disponível em app para iOS e Android)

- Formulário: edp.pt/leituras

- Linha de atendimento automático: 800 10 53 53 (gratuita 24h).

Estamos disponíveis para esclarecer as suas dúvidas.

Poderá esclarecer as suas dúvidas em qualquer momento na área de apoio ao cliente em edp.pt. Para qualquer questão adicional, contacte-nos através da área de cliente, da app EDP Zero, das linhas de atendimento 808 53 53 53 ou 213 53 53 53 (dias úteis das 8h às 22h), ou das nossas lojas.

Caso pretenda, informamos que pode apresentar esta reclamação à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).

Com os nossos cumprimentos,

CC

Diretor Comercial»

15. Em 03.6.2021 a Autora apresentou uma reclamação, no livro de reclamações on-line, com o seguinte teor:

«Exmos. Senhores,

Na qualidade de titular do contrato com a EDP Comercial relativo ao CPE indicado, vimos por este meio, contestar a cobrança de dívida documento anexo ND2021 22/...94. Parte do valor aqui cobrado já se encontra prescrito. De fato, nos termos do artigo 10° da Lei 23/96, de 26 de julho, o direito ao recebimento do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após sua prestação.

Desta forma estão prescritas todas as cobranças nos períodos 4 out a 31 dez 2019, 1 jan a 27 jan 2020 e 28 jan a 30 nov. 2020.

Com relação ao valor efetivo a pagar (após o desconto do valor prescrito e/ou erros de faturação) vimos propor o pagamento da dívida em 24 prestações mensais, iguais e sucessivas, com valores de acordo com o novo documento corrigido a ser efetuado.

O nosso contador sempre esteve disponível para leitura que deveriam ter sido feitas, muito embora até se entenda que as estimativas podem ser feitas de 3 em 3 meses, desconhecemos a razão por não tenham sido efetuadas pelos vossos serviços.

Mais se informa que solicitamos a averiguação pelos vossos serviços técnicos de eventual erro na contagem das leituras no nosso consumo de energia e reparação ou troca do contador se necessário.

Sem prejuízo do acima exposto e solicitado, enviaremos cópia desta carta à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos e a outras entidades responsáveis.

Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos,

Com melhores cumprimentos,

AA (Sócio)»

16. Em resposta à reclamação referida em 15), a Ré enviou um e-mail à Autora com o seguinte teor:

«Caro(a) cliente,

Agradecemos o seu contacto em que nos pede esclarecimentos sobre a faturação de consumos de energia. A fatura n° ...52 é relativa ao período de 3 de abril de 2021 a 2 maio de 2021.

Analisada a situação, confirmamos que a fatura n° ...52 de 9 039,56 €, emitida a 6 de maio de 2021, é relativa ao período de 3 de abril de 2021 a 2 maio de 2021 do seu contrato de eletricidade.

Os consumos faturados são relativos ao consumo real de 4 outubro de 20219 a 21 de abril de 2021.

Acrescentamos que a fatura n° ...52, inclui o consumo real entre 4 outubro de 2019 a 21 de abril de 2021. O valor dos consumos apenas caduca 6 (seis) meses após a emissão da fatura.

A caducidade existente para os serviços públicos essenciais, estabelecida na Lei n.° 23/96, de 26 de Julho, na redação dada pela última alteração introduzida pela Lei n.° 51/2019, de 29 de Julho, prevê que o direito da EDP Comercial a receber o valor dos consumos apenas caduca 6 (seis) meses após a emissão da fatura.

O valor dos consumos deve ser pago. O consumo foi faturado num período inferior a 6 (seis) meses após o pagamento da fatura. Assim, não se aplica a caducidade existente para os serviços públicos essenciais, pelo que o valor dos consumos deve ser pago.

Estamos disponíveis para esclarecer as suas dúvidas.

Poderá esclarecer as suas dúvidas em qualquer momento na área de apoio ao cliente em edp.pt. Para qualquer questão adicional, contacte-nos através da área de cliente, da app EDP Zero, das linhas de atendimento 808 53 53 53 ou 213 53 5353 (dias úteis das 8h às 22h), ou das nossas lojas. Caso pretenda, informamos que pode apresentar esta reclamação à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).

Com os nossos cumprimentos, CC»

17. Em 17.10.2021 foi emitido um aviso de corte.

18. A autora não se conformou com tal posição e manteve a intenção de não liquidar a fatura em questão, procedendo ao pagamento das que, entretanto, se foram vencendo, isto porque não foi possível pagar parcialmente a fatura e nota de débito emitida com data de 6 de maio de 2021, relativo ao valor que a Autora reconhece dever.

19. Em face da recusa do pagamento da referida fatura/nota de débito, a Ré interpelou por diversas vezes a Autora, afirmando que ia proceder ao corte de energia, através de SMS e através de e-mail.

20. O corte, a existir, paralisava por completo a atividade e teria custos financeiros imediatos e afetaria a imagem e credibilidade da autora.

21. Os valores até ao momento pagos pela Autora, e identificados em 24), correspondem ao montante que esta reconhece que deve.

22. Em 28.10.2021 a Ré enviou uma carta à Autora a informar que, foi formalizado um Acordo para o pagamento da quantia de € 9 039,56, em 18 prestações sendo as 16 primeiras no valor de € 502,00 e a 17.9 e última no valor de € 505,56, sendo que a primeira prestação se vencia a 28.10.2021.

23. A Autora, no âmbito do Acordo pagou 06 prestações, no valor global de € 3.012,00 tendo a Ré emitido os competentes recibos.

24. No período em discussão foram emitidas, entre outras as seguintes faturas:

N® faturadata emissão
Valor
Período de facturaçãoData pagamento
FT1038290213702.11 2020
735 88
03/10/2020 a 02/11/2020
17/11/2020
FT270001189771
03/12/2020
711,75
03/11/2020 a 02/12/2020
21/12/2020
FT34000047815603.01 2021
736,78
03 12 2020 a 02 01.21
19/01/2021
FT34000467492203.02 2021
767 10
03.1.2021 a 02.02.202119/02/2021
TF34000928011206.03 2021
670.72
03.02 2021 a 02.3.202122/03/2021
FT340013918198
03 4 2021
724,72
03.03.2021 a 02 4.202119/04/2021

2.2. Factos não provados.

Com relevo para a decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:

a) O aviso de corte emitido a 17.10.2021 deveu-se à ausência de resposta da Autora e foi o único emitido.

b) O contacto referido em 21) ocorreu a 19.10.2021.

c) O Acordo referido em 22) tinha por objeto 19 prestações.

d) A E Redes enviou cartas a informar da impossibilidade de recolha de leitura a 24.12.2020, 04.4.2021 e 16.4.2021 que apenas tiveram resposta em 21.4.2021 e que deram lugar à emissão da Nota de Débito em discussão.

2.3. O Tribunal de provém recurso adiantou para justificar o julgamento referido em 2.1. e 2.2. a motivação seguinte:

(...) Na verdade, os únicos factos controversos prendiam-se com a localização do contador e se a Ré “ameaçou” ou não a Autora com o corte de energia.

Assim, quanto a esses factos e quanto aos demais factos, sujeitos à livre apreciação do Tribunal, o

Tribunal, em sede de audiência final, tomou as declarações de parte do legal representante da Autora, DD, das testemunhas arroladas pelo Autor, AA (sócio da Autora), BB (trabalhadora da Autora) e EE (eletricista que presta serviços de manutenção e instalação de eletricidade para a Autora) e, ainda, a testemunha arrolada pela Ré, FF (ex-funcionário da Ré, gestor da dívida) (...)

Quanto à outra questão controversa, isto é, a questão de se saber em que contornos foi celebrado o

Acordo de Pagamento, ou seja, se a Ré “ameaçou” a Autora de proceder ao corte de energia, este Tribunal entendeu dar como provado de que a Ré interpelou por diversas vezes, afirmando que ia proceder ao corte de energia, através de SMS e e-mail (facto 19°) e que, nessas circunstâncias, a Autora não teve outra opção, senão solicitar o pagamento em prestações dado que o corte acarretaria prejuízos (facto 20°), uma vez que no local de laboração a sociedade detém uma oficina de reparação e manutenção de veículos automóveis, serviço de lavagem dos mesmos, posto de abastecimento de combustíveis, restaurante e cafetaria, além de serviços administrativos e de logística (facto 7.°), os quais dependem de energia elétrica.

Para o efeito, teve-se em conta os depoimentos das testemunhas AA (sócio da Autora) e BB (funcionária da Autora), os quais descreveram que a Ré enviou diversas SMS, tendo inclusive um funcionário chegado a ir ao local para proceder ao corte.

Mais, estes referiram que tendo em conta os equipamentos que usam e atividades que desenvolvem no local, precisavam, impreterivelmente, de eletricidade e, por isso, perante as ameaças de corte, outra opção não lhes restou senão solicitar um acordo de pagamento em prestações.

Quanto às interpelações por e-mail, pese embora as testemunhas não tenham feita alusão à mesma, a verdade é que decorre do conhecimento geral que a Ré costuma adotar esse procedimento, aliado ao documento n° 1 junto pela Ré com o requerimento de 16.052022 (...)

Quanto à emissão do corte de aviso a 17.10.2021 (facto 17.°), teve-se em conta o documento n.° 1 junto com o requerimento de 16.05.2022, o qual consubstancia um e-mail no qual consta, precisamente, um aviso de corte. Contudo, não resultou provado que o mesmo foi emitido no seguimento da ausência de resposta da Autora e tendo em conta o demais provado, certamente não foi a única interpelação (cfr. facto 20°). - Facto a) (...)

3. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos.

3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (art.° 635 n°s 2, 1^ parte, e 3 a 5 do CPC).

Está assente, sem controversão, que a apelante a apelada concluíram entre si um contrato de fornecimento de electricidade. Trata-se de um contrato atípico, de natureza comercial, que congrega elementos próprios do contrato de compra e venda e de prestação de serviços (art.°s 405.° do Código Civil, 2.°, 3.° e 13.°, n.° 2, do Código Comercial).

O litígio das partes gravita, precisamente, em torno da extinção, por prescrição e/ou caducidade, do fundamental direito que a para a apelante emerge desse contrato: o de perceber o preço convencionado da energia que forneceu à apelada. A sentença impugnada concluiu que o crédito da apelante referente à fatura número ...23 no valor de € 1.091,80 se encontra prescrito e que os créditos não reconhecidos pela Autora referentes à nota de débito com o número ...94, ou seja, os demais créditos da Ré tirando aqueles que a Autora procedeu ao pagamento e que se contabilizam em € 3.012,00 (cfr. facto 23.°), encontram-se caducos e que tendo ficado provado que perante a recusa de pagamento por parte da Autora, a Ré interpelou a Autora por diversas vezes afirmando que ia proceder ao corte de energia (facto 19.°) e que o corte teria consequências pesadas (facto 20.°), tendo em conta a atividade económica da Autora (facto 7.°) para a qual os seus equipamentos carecem de eletricidade (facto 8.°) e por isso teve de solicitar o pagamento em prestações, mas sem que tenha reconhecido a totalidade do direito de que se arrogava a Ré ser titular (cfr. factos 15.°, 18.°, 21.° e 23.°), a apelada não agiu em abuso do direito.

A apelante acha, porém, que a sentença impugnada ao julgar provado que, em face da recusa do pagamento da referida factura/nota de débito, a ré interpelou por diversas vezes a autora, afirmando que ia proceder ao corte de energia através de SMS e através de e-mail, incorreu num error in iudicando - por não se mostrarem juntos os SMS e os e-mails - que a ausência de leituras reais não lhe é imputável, e que a apelada ao concluir o acordo de pagamento das dívidas de fornecimento se reconheceu devedora do respectivo valor, e ao propor a acção para requerer a anulação de um valor que tinha reconhecido como devido, age em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium. Por último, no ver da apelante, a sentença é nula por falta de fundamentação.

Sendo estas as questões concretas controversas que importa resolver, há que ponderar, para a sua resolução, por um lado, se a sentença impugnada incorreu, ao julgar provado o facto indicado, no erro de julgamento que a impugnante lhe imputa e, por outro, as causas de extinção do crédito da apelante representadas pela caducidade e pela prescrição, os pressupostos do venire e, por último, a causa de nulidade substancial daquela sentença representada pela falta de fundamentação.

Dado que está indicado que logo nos desembaracemos dos objectos do recurso puramente procedimentais, a exposição subsequente abrir-se-á com a questão do valor negativo da nulidade da sentença contestada.

3.2. Nulidade substancial da decisão impugnada.

Segundo a recorrente a decisão impugnada encontra-se ferida com vício de fundamentação, por não expor o raciocínio com base no qual concluiu pela redução do valor e da nota de débito a € 3 012,00, já pagos pela apelada.

A falta de motivação ou fundamentação da sentença verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um qualquer pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão (art.° 615.°, n° 1, a), do CPC). A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais, embora se deva notar que apenas a ausência absoluta de qualquer fundamentação - e não a fundamentação, avara, insuficiente ou deficiente - conduz à nulidade da decisão. Realmente, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta, completa, de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor persuasivo da decisão - mas não produz nulidade[1] (art.°s 208.°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, e 154.°, n° 1, do CPC).

Uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do seu bom fundamento. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes. A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade, sendo exigida para controlar a coerência interna e a correção externa dessa mesma decisão. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.

A sentença impugnada concluiu que o crédito da Ré referente à fatura número ...23 no valor de € 1.091,80 se encontra prescrito e que os créditos não reconhecidos pela Autora referentes à nota de débito com o número ...94, ou seja, os demais créditos da Ré tirando aqueles que a Autora procedeu ao pagamento e que se contabilizam em € 3.012,00 (cfr. facto 23°), encontram-se caducos.

Portanto, não pode dizer-se que a sentença não produziu as razões - não interessando para o caso, se certas ou erradas - em que apoiou o seu veredicto, que não elucidou as partes a respeito dos motivos da decisão. A sentença dá, pois, a conhecer, com a suficiência exigível, os fundamentos da decisão. A eventual incorreção desses fundamentos resolve-se num error in iudicando e não no error in procedendo, como é caracteristicamente aquele em que assenta a nulidade, por falta de motivação, da sentença.

Não há, pois, a mínima razão para, pelo apontado fundamento, ter a sentença contestada por nula.

3.3. Error in iudicando da matéria de facto.

Independentemente da reapreciação dos actos de prova realizados na 1^ instância - e mesmo da renovação dessas provas ou da produção, na instância de recurso, de novas provas - a Relação pode censurar o erro do Tribunal de 1^ instância na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa sempre que aquele Tribunal (art.° 666.°, n.° 1, do CPC):

- Tenha violado a exigência de certa prova, como sucederá no caso de julgar provado um facto com base num meio de prova diverso daquele que a lei exige, ou violado uma proibição de produção ou de valoração de prova (art°s 354.°, n.° 1, e 364.°, n.° 1, do Código Civil);

- Haja atribuído a um meio de prova um valor probatório que a lei não lhe reconhece ou recusado, a esse mesmo meio de prova, um valor que a lei lhe atribui (art.° 662.°, n.° 1, in fine, do CPC)

Em todos estes casos, o exercício pela Relação das suas atribuições de correcção da decisão da matéria de facto do Tribunal de 1^ instância não está na dependência da reponderação das provas produzidas naquela instância, o que se explica por ser o simples resultado da aplicação de regras imperativas de direito probatório material - que constitui matéria de direito (art.° 607.°, n.° 4, exvi art.° 663.°, n.° 2 do CPC).

Do que decorre, desde logo, esta consequência: a actuação, pela Relação, nos casos apontados, dos seus poderes de controlo não tem sequer de ser integrado por um pedido da parte.

Segundo a apelante, o Sr. Juiz de Direito errou ao julgar provado que a Ré interpelou por diversas vezes a Autora, afirmando que ia proceder ao corte de energia, através de SMS e através de e-mail. Fundamento: não se mostram juntas - dado que se trata de documentos electrónicos - as representações escritas dos SMS e dos e-mails - o que é exacto.

Atendendo aos fundamentos da sua exigência, o documento pode ser exigido pela lei ou pelas partes ad substantiam; neste caso, o documento não pode ser substituído por outro meio de prova, nem por outro documento que não seja de força probatória superior; o documento pode ser exigido, pela lei ou pelas partes ad probationem; nesta hipótese, o documento pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório (art.°s 323.°, n.° 1, 345.°, n.° 2, e 364.°, n.° 2 do Código Civil).

Ora, a lei não exige que o envio de um SMS ou de uma mensagem de correio electrónico só possa provar-se pela junção da sua representação escrita e, no caso, essa exigência também não deriva de qualquer convenção das partes. Nada obstava, portanto, que a prova desse envio fosse feita por recurso à prova de que se socorreu o decisor da 1.9 instância: a prova testemunhal.

Em qualquer caso, deve notar-se que, mesmo tendo por procedente a impugnação da apelante, apenas importaria suprimir do apontado ponto de facto, a referência aos SMS e aos e-mails, dado, que patentemente, o facto relevante - a interpelação da apelada e a ameaça do corte do fornecimento de energia eléctrica - pode provar-se por qualquer meio e os depoimentos das testemunhas são, quanto àquela afirmação de facto, concludentes.

De resto, mostra-se provado, com o n.° 17 - sem qualquer controversão - que a apelante emitiu em 17.10.2021 um aviso de corte.

A impugnação deduzida pela apelante contra o apontado enunciado de facto referido deve, pois, ter-se por improcedente.

3.4. Prescrição e caducidade do direito do prestador de serviço público essencial ao recebimento do preço.

A Lei n.° 23/96, de 26 de Julho, segundo a declaração do próprio legislador, criou no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais (art.° 1.°, n.° 1).

O sujeito a quem é disponibilizada a tutela, de feição imperativa, não é, portanto, o consumidor final enquanto tal, i.e. de acordo com o direito nacional e europeu, aquele que adquire a fornecedores profissionais bens ou serviços para uso e fruição própria (ou alheia) e não para uso profissional (art.° 2.°, n.° 1, da Lei n.° 24/96, de 31 de Julho): essa tutela é disponibilizada ao utente, definido como a pessoa singular ou colectiva a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo (art.° 1.°, n.° 3, da Lei n.° 23/96, de 26 de Julho).

Utente é, portanto, tanto o pequeno consumidor, como a pequena ou média empresa, a empresa multinacional, etc. A todos é garantido um elevado nível de defesa, destinada a compensar a vulnerabilidade do utilizador do serviço em face do maior poder contratual do prestador dele.

Não parece, assim, exacta a afirmação de que, apesar de tudo, aquele diploma legal visou proteger o consumidor privado, particularmente o pequeno consumidor, tendo optado por fazê-lo de modo indirecto, tutelando o utente em geral[2]. A lei tutela, de forma indistinta e inteiramente homogénea, tanto o consumidor como o não-consumidor.

A prestação do serviço de fornecimento de energia eléctrica é um serviço público essencial (art.° 1.°, b) da Lei n.° 23/96, de 26 de Julho, na sua redacção actual).

O direito do prestador de serviço público essencial ao recebimento do preço prescreve o prazo de seis meses após a sua prestação (art.° 10, n.° 1, da Lei n.° 23/96, na sua redacção actual).

A prescrição - de que o Código Civil não dá uma noção - assenta num facto jurídico involuntário: o decurso do tempo. A ideia comum que lhe preside é a de uma situação de facto que se traduz na falta de exercício dum poder, numa inércia de alguém que, podendo ou porventura devendo actuar para a realização do direito, se abstém de o fazer[3] [4].

Verificada a prescrição, o seu beneficiário tem a faculdade de, licitamente, recusar a prestação a que estava adstrito (art° 304.°, n.° 1, do Código Civil).

A prescrição não tem, portanto, uma eficácia extintiva, antes de limita a paralisar o direito do credor, dado que apenas confere o direito potestativo de a invocar: se este direito não for exercido, a obrigação mantém-se civil, não se produzindo quaisquer efeitos; se a prescrição for invocada, a obrigação converter-se-á em obrigação natural - como tal inexigível, mas com so/utio retendi.

O instituto da prescrição visa, no essencial, tutelar o devedor, relevando-o da prova. À medida que o tempo passa, o devedor terá maior dificuldade em fazer a prova do cumprimento. Na falta da prescrição, qualquer pessoa poderia ser demandada novamente a todo o tempo por débitos que foi pagando ao longo da vida. A não ser a prescrição, o devedor ficaria numa posição permanentemente fragilizada, dado que nunca estaria seguro de ter deixado de o ser. Complementarmente, a prescrição serve ainda objectivos de ordem geral, atinentes à certeza e segurança jurídicas[5].

A prescrição opera após o decurso de um prazo: o início deste prazo é, portanto, um elemento estruturante. No tocante ao início do prazo de prescrição a nossa lei adoptou o sistema objectivo: o prazo da prescrição inicia o seu curso quando o direito puder ser exercido, portanto, independente do conhecimento que disso tenha ou possa ter o credor (art.° 329.° do Código Civil)[6].

Expirado o prazo da prescrição, o devedor, para que ela produza efeitos, tem o direito - potestativo - de a invocar, judicial ou extrajudicialmente, expressa ou tacitamente (art.° 304.°, n.° 2, do Código Civil). Invocada, pelo devedor, a prescrição produz este efeito fundamental: paralisação do direito do credor, visto que torna lícito ao devedor recusar o cumprimento, bem como opor-se, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (art.° 303.° do Código Civil).

O prazo da prescrição está, porém, sujeito a interrupção.

A interrupção da prescrição resolve-se no acto ou no efeito de por termo ao processo prescricional. Verificada a interrupção, fica inutilizado todo o prazo, entretanto já decorrido, podendo, quando muito, ocorrer o reinício do processo de prescrição (art.° 326.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil).

Assim a prescrição interrompe-se, designadamente, pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respetivo titular, contra quem o direito pode ser exercido, reconhecimento que pode ser meramente tácito, desde que os factos que o exprimam sejam inequívocos ou concludentes: por comparação com a regra geral, o regime do reconhecimento tácito é, aqui, por razões ou necessidades de certeza, mais exigente (art.°s 217° e 325.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil). Dado que o efeito do reconhecimento se dá por força da lei, o reconhecimento é um acto jurídico simples e não um negócio jurídico. É controverso se o reconhecimento interruptivo deve ser puro e simples. Mas nada parece impedir um reconhecimento interruptivo condicional, desde que a condição não lhe retire o carácter de autêntico reconhecimento. Diversamente, se o excipiente declarar conhecer o direito do credor, mas fizer depender esse reconhecimento de uma condição, não se dará a interrupção, devendo sustentar-se a mesma conclusão no caso de o reconhecimento ser feito com reserva suscpetível de excluir o seu efeito recognitivo.

Sempre na lógica de protecção dos utentes de serviços essenciais que notoriamente a anima, a lei estabelece que, se por erro do prestador do serviço, foi paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do recebimento da diferença do preço caduca dentro de seis meses após aquele pagamento (art.° 10.°, n.° 2, da Lei n° 23/96, de 26 de Julho, na sua redacção actual). O prazo para a propositura da acção é, também, de seis meses, contados desde a prestação do serviço ou do pagamento inicial, conforme o caso (art.° 10.°, n.° 4, da Lei 23/96, de 26 de Julho, na sua redacção actual).

A tutela do utilizador é, portanto, neste particular, prosseguida por recurso ao instrumento técnico da caducidade.

A caducidade traduz a extinção de uma posição jurídica pela verificação de um facto stricto sensu, dotado de eficácia extintiva[7]. Em sentido estrito, a caducidade exprime a cessação de situações jurídicas pelo decurso de um prazo a que estejam sujeitas. A caducidade só é impedida pela prática do acto a que a lei ou a convenção atribuam semelhante efeito (art.° 331.°, n.° 1, do Código Civil).

No caso, da leitura ainda que meramente oblíqua do preceito que a estabelece, conclui-se que se trata de uma caducidade simples, quer dizer, não punitiva, dado que se limita a prever a cessação da situação jurídica pelo decurso do prazo, legal, visto que é predisposta directamente pela lei, e relativa a matéria disponível: a sua apreciação não é oficiosa (art.°s 330.°, 331.°, n.° 2, e 333.° do Código Civil).

A caducidade produz, ao contrário da prescrição, um efeito extintivo, na espécie sujeita, do direito ao percebimento da diferença entre o preço pago e o consumo efectuado. Dado que este direito é disponível, a caducidade confere ao utente o direito potestativo de, através de declaração de vontade, que consiste em invocá-la, por termo àquele direito.

Tendo em conta a origem do direito que se refere a caducidade - erro do prestador do serviço - e a exiguidade do respectivo prazo, é possível isolar o objecto da tutela: a protecção dos interesses económicos dos utentes.

Notoriamente, visou-se evitar a ruína do devedor pela acumulação de débitos. A razão essencial desta caducidade é, na verdade, proteger o utente contra a acumulação da sua dívida que, por exemplo, de dívida de mensalidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital, susceptível de o arruinar, ou na hipótese mais benigna, de lhe causar sérios embaraços financeiros, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de meses ou mesmo de anos[8]. Situação tanto mais indesejável e grave quanto é certo que a sua causa próxima radica num facto que não é imputável ao utente - mas inteiramente ao prestador de serviço: o erro deste quanto ao valor do serviço ou bem efectivamente consumido, relativamente ao preço cujo pagamento exigiu ao utilizador.

O prazo de caducidade não se interrompe nem se suspende, senão nos casos em que a lei o determine (art.° 328.° do Código Civil). A caducidade só é impedida pela prática, dentro do prazo legal, do acto a que lei atribui eficácia impeditiva; se, porém, o prazo se referir a direito disponível, a caducidade é também impedida pelo reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido (art.° 331.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil). Estando em causa um acto de natureza judicial, o acto impeditivo da caducidade é a simples propositura da acção, i.e., o recebimento pela secretaria judicial da petição inicial respectiva; o reconhecimento só será impeditivo se tiver o mesmo efeito que teria a prática do acto sujeito a caducidade; uma vez impedida a caducidade, o direito a que se refere fica exposto às regras da prescrição que, por isso, lhe serão aplicáveis, começando a prescrição a correr, se o facto impeditivo consistir no reconhecimento, desde o acto correspondente.

A apelante sustenta que a falta de leitura do instrumento de medição da energia fornecida não lhe é imputável, dado que essa leitura compete ao operador de rede - no caso a empresa E-Redes - apenas lhe competindo a comercialização da energia e a facturação dos consumos de acordo com as leituras que lhe são comunicadas por esse operador, estando totalmente dependente das leituras feitas por esse mesmo operador, para facturar os consumos reais de cada local de consumo. Esta alegação não é exacta.

De harmonia com o Regulamento n.° 1129/2020, de 30 de Dezembro (RRC), emitido pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, os operadores de rede são as entidades responsáveis pela leitura dos equipamento de medição das instalações dos clientes, numa periodicidade que não deve exceder três meses entre duas leituras; todavia, ao comercializador da energia é também facultada a leitura daqueles equipamentos (art.° 37.°, n.°s 2 e 3, c)).

Portanto, a recorrente não pode alijar a responsabilidade da falta de leituras dos equipamentos de medição dos consumos no operador de rede e, muito menos, no cliente. Dito doutro modo: a omissão da leitura do equipamento de contagem e, consequentemente, a utilização de métodos para estimar o consumo, deriva de um facto que também lhe e imputável, visto que pode, também ela, proceder à leitura desses instrumentos de medição. Mais do que uma faculdade, trata-se de um verdadeiro ónus: a apelante pode, ou não, exercê-la, mas caso não a exerça expõe o seu direito ao percebimento da diferença do preço da energia efectivamente fornecida, à caducidade, não podendo prevalecer-se, contra o utente, da violação pelo operador de rede da sua obrigação de proceder à leitura periódica dos instrumentos de medição do consumo e de lha comunicar em tempo útil.

De resto, à mesma conclusão se chegaria, na ausência da apontada norma regulamentar, por aplicação da lei civil geral. Desde que a apelante se serve do operador de rede para cumprir a sua fundamental obrigação de fornecimento da energia eléctrica, ela é - objectivamente - responsável, perante o utente, pelos actos ou omissões daquele, como se tivessem sido praticados por ela mesma, sendo irrelevante, para o efeito, que o não tenha escolhido (art.° 800.°, n.° 1, do Código Civil).

De modo que, para o que ao caso do recurso interessa, nada obsta a que o terminus a quo do prazo, de 6 meses, da prescrição e da caducidade, se situe no momento da prestação do serviço ou do pagamento do preço de valor inferior ao do consumo real efectuado, respectivamente.

À luz destas considerações - maxime da característica comum da prescrição e da caducidade, quando referida a direitos disponíveis, de harmonia com a qual tanto aquela como esta têm de ser invocadas pelo devedor - temos por certo o seguinte:

Relativamente ao crédito referido na factura com o valor de € 1 091,80, emitida em 6 de Maio de 2021, dado que se refere a fornecimentos de 3 a 21 de Abril de 2001 - como base em leitura real - e de 22 de Abril de 2001 a 1 de Maio de 2001 - com base em consumos estimados, é seguro que não foi atingido pela prescrição. Porquê? Porque a apelada não opôs ao crédito correspondente essa mesma prescrição.

Realmente, na reclamação que deduziu, electronicamente, contra a factura e a nota de débito - datada de 3 de Junho de 2021 - a apelada apenas invocou a prescrição dos créditos da apelante relativos aos fornecimentos realizados de 4 de Outubro de 2019 a 30 de Novembro de 2020 - prescrição que, aliás, não é aplicável, dado que o se trata é de caducidade, por relativamente a esses consumos ter sido paga importância inferior à que corresponde aos consumos realmente efectuados. O mesmo se verifica no tocante à petição inicial apresentada pela apelada: também neste articulado a recorrida não invocou, relativamente àquele crédito, a prescrição, tendo-se limitado a reiterar a prescrição que alegou na reclamação: a relativa à diferença do preço dos consumos efectuados entre 4 de Outubro de 2019 e 30 de Novembro de 2020.

O crédito constante da nota de débito, datada de 6 de Maio de 2021, no valor de € 7 944,74, refere- se a acertos de consumos verificados no arco temporal compreendido entre 4 de Outubro de 2019 e 2 de Abril

Portanto, apenas se deve considerar atingido pela caducidade o direito à diferença do preço relativas aos consumos de 4 de Outubro de 2019 a 30 de Outubro de 2020, aliás, como se observou, em linha com a alegação da apelante, contida, tanto na reclamação que deduziu, embora - incorrectamente - referida à prescrição, como na petição inicial; aquele crédito no tocante aos consumos ocorridos entre 1 de Dezembro de 2020 e 2 de Maio de 2021, esse, não caducou.

Portanto, a decisão impugnada não é correcta quando concluiu pela extinção por prescrição do crédito documentado na factura que ostenta o valor de € 1 091,80 e, irrestritamente, pela extinção, por caducidade, dos créditos inscritos na nota de débito. Patentemente, aquela sentença esqueceu uma característica comum da prescrição e da caducidade, esta quando referida a direitos disponíveis: que não são de conhecimento oficioso, necessitando, para a sua actuação, de ser integradas por uma invocação do devedor.

Este ponto é deveras significante, dado que torna lícito, no caso, o exercício, pela apelante, da particular e enérgica forma de autotutela dos seus créditos, representada pela faculdade de suspensão do fornecimento do serviço público, no caso de electricidade (art.° 5.°, n.°s 1 a 4, da Lei n.° 23/96, de 26 de Julho, na versão consolidada). Efectivamente desde que os créditos da apelante se não mostram extintos, na totalidade, por prescrição e/ou caducidade, as ameaças de corte do fornecimento de electricidade que dirigiu à apelada devem ter-se por lícitas e, portanto, não pode dizer-se, á puridade, que a última foi coagida a concluir o acordo de pagamento dos débitos em prestações (art.° 255.°, n.°s 1 a 3, do Código Civil).

Os factos incontroversamente adquiridos para o processo mostram que a apelada, confrontada com as ameaças de suspensão do fornecimento, propôs o pagamento dos débitos em prestações mensais - mas não de todas as dívidas - mas apenas das que não se mostrassem extintas pela prescrição - rectior, pela caducidade - como linearmente decorre da sua declaração: com relação ao valor efetivo a pagar (após o desconto do valor prescrito e/ou erros de faturação) vimos propor o pagamento da dívida em 24 prestações mensais, iguais e sucessivas, com valores de acordo com o novo documento corrigido a ser efetuado.

A apelante, porém, apresentou à apelada um plano de pagamento em prestações - mas de todas as dívidas, incluindo as extintas pela caducidade., dado que, como se lê na matéria de facto, foi formalizado um Acordo para o pagamento da quantia de € 9 039,56, em 18 prestações sendo as 16 primeiras no valor de €502,00 e a 17.- e última no valor de €505,56, sendo que a primeira pretação se vencia a28.10.2021 - acordo no âmbito do qual a apelada 6 prestações, no valor global de € 3.012,00 tendo a Ré emitido os competentes recibos.

Em vista disto, a apelante sustenta, por um lado, que com aquele acordo e com aqueles actos de pagamento, a apelada reconheceu o valor em dívida e, por outro, que ao propor a acção, depois desse reconhecimento, age em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

O eixo da questão concreta controversa transita, assim, para a questão do abuso do direito, com fundamento no venire. Há que tornar patentes os respectivos pressupostos.

3.5. Abuso do direito, modalidade de venire contra factum proprium.

Apesar de o abuso do direito ser de conhecimento oficioso[9], o mais distraído dos operadores ou observadores judiciários não pode deixar de notar que quase não há processo em que as partes, per abundantiam, ou á míngua de outros argumentos, não invoquem o abuso de direito. Por contraste - e por certo também em consequência da erosão que o instituto sofre com a sua indevida convocação - há casos em que tal arguição de todo se justificaria, mas em que, inexplicavelmente, se omite a sua invocação.

O abuso do direito deve ser usado sempre que necessário. O que não deve é ser banalizado, exigindo-se sempre uma ponderação cuidadosa dos seus requisitos e, portanto, a correcção, no caso concreto, da sua intervenção, sobretudo quando esta conduza a uma solução contrária à lei estrita[10].

De outro aspecto, o abuso do direito, exprimindo um nível último e irrecusável de funcionalização dos direitos á realização dos interesses que justificam o seu reconhecimento, é um instituto de carácter poliédrico e multifacetado como logo se depreende a partir da tipologia dos actos abusivos que se incluem na categoria e com os quais se procura densificar a indeterminação do conceito correspondente.

Assim, são reconduzidos ao abuso do direito, por exemplo, o venire contra factum proprium, quer dizer, a proibição do comportamento contraditório; a supressio (supressão)[11], ou seja, a neutralização de um direito que durante muito tempo se não exerceu, tendo-se criado, pela própria conduta, uma expectativa legítima de que não iria ser exercido, e a surrectio, i.e., o surgimento de um direito por força de um comportamento contraditório qualificado pelo decurso do tempo[12].

Dos vários tipos de actos abusivos possíveis, a conduta do recorrente é, prima facie, reconduzível a uma situação de venire contra factum proprium nuli conceditur.

Segue-se, por isso, que o controlo da adequação material da solução disponibilizada pelo abuso do direito exige uma valoração global de todos os elementos à luz do ponto de vista da tutela da confiança legítima.

Como já se notou, na doutrina portuguesa, a proibição do venire contra factum próprio tem sido localizada dentro dos quadros do abuso do direito[13]. Mas não falta quem o situe na tutela da confiança - formulando como requisitos para a proibição do comportamento contraditório a existência de uma situação objectiva de confiança, o investimento de confiança do lado da pessoa a proteger e a imputabilidade ao agente daquela situação[14] - ou o análise no quadro das regulações típicas de comportamentos abusivos[15]. Neste último enquadramento, a locução venire conta factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. Reclama, portanto, dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo - o primeiro - o factum proprium - é contrariado pelo segundo[16]. Trata-se de tutelar uma situação de confiança, enquanto factor material da boa fé[17]. Deste modo, há venire contra factum proprium, por exemplo, quando uma pessoa, em termos que, especificamente, não a vinculem, manifesta a intenção de não praticar determinado acto e, depois, pratica- o, violando a confiança da contraparte de que isso não ocorreria. Assim, uma pessoa que manifeste a intenção de não exercer um direito potestativo ou um simples direito subjectivo, mas acaba por exercê-lo, actua contra facta propria. O exercício do direito, nestas condições, é inadmissível. Haveria abuso do direito (art.° 344.° do Código Civil)[18].

Na jurisprudência, a proibição do venire é também reconduzida ao abuso de direito. Faz-se notar, aliás, que dentro da boa fé em sentido objectivo, o instituto com que com mais frequência se depara na jurisprudência é o venire contra factum proprium[19]. Está nessas condições, por exemplo, a possibilidade de obstar à invocação de nulidade resultante de vício de forma, através do abuso de direito.

O venire contra factum proprium - que constitui reflexo do afinamento ético do Direito moderno - é um tipo não compreensivo de exercício inadmissível de direitos e, como tal, tem uma grande extensão. Mas nem toda conduta contraditória do exercente lhe é redutível. Exige-se, para que essa redução seja possível, um investimento de confiança realizado pela contraparte contra quem o direito é exercido, fundado na expectativa, lícita ou legítima, de que tal exercício não ocorreria, uma qualquer situação de confiança que deva ser protegida contra o exercício do direito pela contraparte.

Assim, em primeiro lugar, reclama-se um comportamento anterior do exercente do direito que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança; exige-se, depois, a imputabilidade aquele quer do comportamento anterior quer do comportamento actual; de seguida, há que verificar a necessidade e o merecimento do prejudicado com o comportamento contraditório; por último, há que averiguar a existência do investimento de confiança ou baseado na confiança, causado por uma confiança subjectiva, objectivamente justificada.

O principal efeito do venire é, naturalmente, o da inibição do exercício de poderes jurídicos ou de direitos, em contradição com o comportamento anterior.

Como é comum, a parte queixa-se, sempre da má fé da contraparte, esquecendo que, também ela, deve actuar sempre também de boa fé.

O prestador de serviço público essencial é, expressa e injuntivamente, vinculado ao princípio da boa fé, que o adstringe ao dever de, na prestação do serviço, actuar de boa fé em conformidade com os ditames que decorrem da natureza pública desse serviço, e de ter em conta a importância dos interesses dos utentes que se pretende proteger (art.° 3.° da Lei 23/96, de 26 de Julho, na sua versão actual). Dever de agir de boa fé que também deve ser acatado nos preliminares e na formação de um qualquer contrato, e no cumprimento das obrigações e no exercício dos direitos que dele emergem (art.°s 227.° e 762.°, n.° 2, do Código Civil).

Pois bem. Tendo a apelada proposto à apelante o pagamento em prestações das dívidas de consumos de eletricidade que não se mostrassem extintas por prescrição - sciiicet, por caducidade - a apelada, indiferente àquele facto extintivo, apresentou-lhe um plano de pagamento de todas as dívidas. Uma tal atitude da apelante é notoriamente desconforme com a boa fé, dado que um prestador eticamente ordenado ou aprumado não deve - valendo-se da sua superioridade contratual e da absoluta essencialidade para o utente do serviço público que presta - impor ao utente a conclusão de um contrato que inclua, entre as prestações, créditos que se mostrem extintos. Mas foi justamente esta a atitude da apelante que, valendo- se da vulnerabilidade da apelada, lhe impôs a conclusão de um contrato de transacção - preventiva ou extrajudicial - em cujas prestações, a cargo daquela, incluiu os créditos extintos por caducidade (art.° 1248.° do Código Civil). Que esta atitude viola, severamente, o princípio da boa-fé é coisa que se explica por si.

É exacto que a apelada procedeu ao pagamento de 6 prestações convencionadas no apontado contrato de transacção. Mas um tal acto de pagamento só envolveria o reconhecimento da divida caducada se acaso, a apelante tivesse designado que o cumprimento se referia a essa divida, coisa que a recorrida não fez, uma vez que não imputou aquele acto de cumprimento parcial a qualquer débito específico. De outro aspecto, operada a caducidade, ao devedor é licito opor-se, por qualquer meio, ao exercício do direito caducado, v.g., recusando o cumprimento da prestação referida ao direito caducado, incluída no contrato de transacção que a contraparte lhe impôs. É verdade que o direito potestativo do devedor de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito de crédito surge disposto na lei para o crédito prescrito (art.° 304.°, n.° 1, do Código Civil). Mas nada obsta à aplicação analógica desta disposição ao crédito atingido por caducidade, dado que a consequência que decorre da regra que regula o caso previsto - o do crédito prescrito - é adequada para o caso omisso - o do crédito caducado (art.° 10.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil). Dito doutro modo: o caso omisso é análogo ao caso previsto, dado que os princípios que orientam a regulação do caso previsto - deter, potestativamente, por qualquer modo, o exercício do crédito prescrito - podem ser transpostos para a solução do caso omisso - conceder ao devedor de crédito caduco o direito, potestativo, de se opor, por qualquer meio, à actuação daquele crédito.

Independentemente da correcção destas considerações, tem-se por certo que a apelante ao incluir entre as prestações do contrato de transacção os créditos atingidos pela caducidade - contra a proposta expressa e a alegação inequívoca da apelada dessa caducidade - não actuou de boa fé. Ergo, a confiança que tenha depositado na satisfação da divida caducada não é legítima ou fundada nem é, por falta de merecimento, digna de tutela. De resto, a matéria de facto disponível também não convence ou inculca que a apelante tenha feito, fundada na confiança, um qualquer investimento de confiança que não seja a simples expectativa - indevida - de recebimento do preço da prestação do serviço caducado.

De tudo isto, retira-se esta conclusão: a da improcedência das excepções peremptórias do reconhecimento do direito e de abuso desse direito, na dimensão de venire contra factum proprium.

Como decorre das considerações anteriores, apenas se devem ter por atingidos pela caducidade pela caducidade o direito à diferença do preço relativas aos consumos de 4 de Outubro de 2019 a 30 de Outubro de 2020, discriminados na nota de débito, dado que só relativamente a esse crédito foi oposta pela apelada, ainda que erroneamente qualificada como prescrição, a caducidade. E dos créditos não caducados - a que deve adicionar-se o crédito no valor de € 1 091,80, a apelada apenas satisfez a quantia de € 3 012,00 - valor que, como correctamente nota a apelante na sua alegação - é insuficiente para os solver integralmente.

Assim, à apelada apenas assiste o direito de exigir da apelante a redução da factura/nota de crédito emitida em 6 de Maio de 2021, na exacta medida dos créditos caducados.

Ao concluir pela extinção por prescrição e/ou caducidade de todos os créditos inscrito naquela factura/nota de crédito, a sentença impugnada decidiu mal. Importa, pois, revogá-la e logo a substituir por outra que determine a redução apenas no tocante aos créditos realmente atingidos pela caducidade.

O recurso deverá, assim, proceder, mas apenas parcialmente.

- O direito do prestador do serviço público essencial de fornecimento de energia eléctrica ao recebimento do preço prescreve o prazo de seis meses após a sua prestação;

- O direito do prestador deste serviço público essencial à diferença do preço, resultante do pagamento de preço inferior ao consumo efectuado, caduca dentro de seis meses após aquele pagamento;

- Dado que comercializador de energia eléctrica pode proceder à leitura do instrumento de medição dos consumos realizador pelo utente, não lhe é lícito alijar no operador de rede, e muito menos no utilizador, a falta de leitura periódica daquele equipamento;

- A prescrição e a caducidade, a última quando referida a direitos disponíveis, partilham uma característica comum: não são de conhecimento oficioso, recaindo sobre o devedor o ónus de a invocar;

- Age em violação do especial de dever de boa fé que o vincula relativamente ao utente, o prestador do serviço público essencial que inclui, no contrato de transacção, tendo por objecto os respectivos créditos, prestações do preço relativamente aos quais o utente invocou, eficazmente, a caducidade;

- O direito potestativo do devedor de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito de crédito prescrito é também aplicável, por analogia, ao direito caducado;

- A confiança que o prestador do serviço público essencial tenha depositado na satisfação da divida caducada não é legítima ou fundada nem é, por falta de merecimento, digna de tutela, o que exclui a procedência da excepção peremptória do abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

A recorrente e a recorrida deverão suportar, porque sucumbem, reciprocamente no recurso, e na medida dessa sucumbência, as custas dele (art.° 527.°, n.°s 1 e 2, do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, julga-se o recurso parcialmente procedente, revoga-se a sentença impugnada e, consequentemente, condena-se a apelante, EDP - Comercialização de Energia SA, a reduzir a factura/notada de crédito, que emitiu no dia 6 de Maio de 2021, no tocante ao valor dos créditos resultantes do acerto de consumos feitos pela apelada, A..., Lda., de 4 de Outubro de 2019

a 30 de Outubro de 2020, considerando, no valor global de todos os seus créditos, o valor de € 3 012,00, já pago pela última.

Custas pela apelante e pela apelada, na proporção da respectiva sucumbência.

2023.03.28



[1] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1945, pág. 140; Ac. STJ 10.05.2021 (3701/18.3T8VNG.P1.S1)
[2] António Menezes Cordeiro, Da Prescrição do Pagamento dos Denominados Serviços Públicos Essenciais, O Direito, Ano 133°, 2001, IV (Outubro -Dezembro), pág. 774. Isto não prejudica, naturalmente, a conclusão de que a Lei n° 23/96, tem um objectivo de protecção do consumidor, comum às leis de defesa do consumidor, que permite incluí-la no Direito do Consumo. Cfr., do mesmo autor, A Natureza Civil do Direito do Consumo, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor António Marques dos Santos, vol. I, Almedina, Coimbra, pág. 575.
[3] José Dias Marques, Prescrição Extintiva, Coimbra, 1953, pág. 4.
[4]            António Menezes Cordeiro, Da prescrição do pagamento dos denominados serviços públicos essenciais, cit. págs. 803 a 805 e Tratado de Direito Civil Português, I, T, IV, Almedina, Coimbra, 2007 (reimpressão), pág. 172. Contra, sustentando que a prescrição não converte a obrigação civil numa obrigação natural, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 4^ edição, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 381.
[5] António Menezes Cordeiro, Da Prescrição do Pagamento dos Denominados Serviços Públicos Essenciais, cit., págs. 788 e 789. Não parece, assim, que a prescrição tenha por fundamento o interesse do credor, incitando-o a exigir o cumprimento das obrigações, e sancionando-o pela negligência na actuação do seu crédito como sustenta, por exemplo, Manuel de Andrade - Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Reimpressão, Coimbra, 1992, págs. 445 e 446. Como nota Menezes Cordeiro - loc. cit. - o interesse do credor é, sempre, o dispor do máximo de pretensões, podendo ordenar no tempo, de harmonia, com as suas conveniências, o exercício dos seus direitos.
[6] Cfr. Vaz Serra, RLJ Ano 107.°, pág. 296.
[7]            António Menezes Cordeiro, Da Caducidade no Direito Português, Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques, Almedina Coimbra, 2007, pág. 7.
[8] Calvão da Silva, RLJ, Ano 132.°, pág. 134.
[9]   Cfr., v.g., Acs. do STJ de 22.11.94 e 25.11.99, CJ, STJ, II, III, pág. 157 e VII, III, 124, respectivamente.
[10]           Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, 2^ edição, Almedina, 2000, págs. 247 e 248.
[11]           Cfr. v.g., o Ac. da RE de 26.11.1987, CJ, XII, V, pág. 268 e de 23.01.1986, CJ, XI, I, pág. 231, e do STJ de 03.05.1990, BMJ n° 397, pág. 454, e de 11.03.1999, www.dgsi.pt.
[12]           Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, cit. págs. 250 a 262 ,e Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, Coimbra, 1984, § 30, págs. 797 e ss.
[13]           A proibição era já conhecida antes do actual Código Civil. Cfr. Manuel de Andrade, Algumas questões em matéria de injúrias graves como fundamento do divórcio, Coimbra, 1956, pág. 73 e Adriano Vaz Serra, Abuso do direito (em matéria de responsabilidade civil) BMJ n.° 85, pág. 331.
[14]           Baptista Machado, Tutela da confiança e venire contra factum proprium, Obra Dispersa, Braga, 1991, págs. 345 a 420.
[15] António Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, Coimbra, 1984, § 28.
[16]           Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, pág. 742 e 745, e Baptista Machado, Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium, RLJ ano 118, págs. 9, 101, 169 e 227 e Acs. do STJ de 22.11.94, BMJ n.° 441, pág. 305, de 04.10.1979, BMJ n° 290, pág. 352, de 03.05.1990, BMJ n° 397, pág. 454, de 03.10.1991, BMJ n° 410, pág. 776, da RC de 03.12.1991, CJ, V, pág. 79, da RL de 17.06.1986, IV, 143, e da RC de 11.05.1989, CJ 89, III, pág. 192, e de 18.11.1993, V, pág. 219.
[17]           Acs. da RP de 19.12.1996, CJ, V, pág. 226, da RL de 29.11.1994, CJ, V, pág. 50, da RP de 18.11.1993, CJ, V, pág. 219, da RC de 3.12.1991, CJ, V, pág. 79, e da RP de 15.05.1990, CJ, III, pág. 194.
[18]           Acs. RP de 29.09.1997, CJ, V, pág. 200, e do STJ de 3.05.1990, BMJ n.° 397, pág. 454. Para uma definição doutrinária de abuso de direito, cfr. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, pág. 43.
[19]           Paulo Mota Pinto, Sobre a proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) no Direito Civil, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume comemorativo, Coimbra, 2003, págs.
294 e 295.