Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1306/07.3PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: ROUBO
SEQUESTRO
CONCURSO DE CRIMES
PROVA POR RECONHECIMENTO
Data do Acordão: 09/22/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 26º,29º,31º158ºE 210º DO CP; 124ºE 125º 127º E 147º, 355º, 410º, 412º E 428º DO CPP
Sumário: 1.No respeito do disposto no artigo 127º do CPP, o tribunal pode dar crédito a parte de um depoimento e não dar a outra; importa é explicite de forma clara e precisa as razões objectivas de tal valoração diferenciada.

2.O facto do tribunal não dar crédito às declarações em audiência de julgamento de uma testemunha, que negam a autoria dos factos perlo agente, contraditoriamente às que configuraram o acto de reconhecimento efectuado três anos, não põe em causa aquele reconhecimento.

3.Não se verifica concurso efectivo entre os crimes de roubo e de sequestro quando a privação da liberdade da vítima não ultrapassa período necessário, em função das circunstâncias concretas em que os factos ocorreram, para se apoderarem dos bens daquela.

Decisão Texto Integral: 63

I. RELATÓRIO.
No processo Comum n.º 1306/07.3PCCBR.C1 após dedução de acusação, pronúncia e julgamento, os arguidos:
1- A titular do B.I. n.º 10671…. casado, empregado de balcão, filho de F e de A, nascido a 29 de … de 1972, na freguesia … de Coimbra, residente … Fundão, actualmente preso no EP de Coimbra à ordem destes autos;
2- Ó, titular do B.I. na 30191…, divorciado, filho de Ó.A e de P nascido a 26 de … de 1951, na freguesia …. concelho de Estarreja e residente no EP de Coimbra;
Foram condenados, o arguido A como co-autor de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 2, al. b) e 204.º, n.º 2, al. f ) do Código Penal, na pena de três anos de prisão e como co-autor de um crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.º 1 daquele mesmo diploma legal, na pena de dois anos de prisão.
Em cúmulo jurídico destas duas penas, na pena de três anos e seis meses de prisão.
O arguido Ó , como co-autor de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 2, al. b) e 204.º, n.º 2, al. f ) do Código Penal, na pena de três anos de prisão e como co-autor de um crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.º 1 daquele mesmo diploma legal, na pena de dois anos de prisão.
Em cúmulo jurídico destas duas penas, na pena de três anos e seis meses de prisão.
Foram ainda os arguidos condenados nas custas do processo e declarados perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos e constantes a fls 1293.

Os arguidos interpuseram recurso da decisão, tendo este Tribunal numa primeira decisão, anulado o julgamento, que entretanto foi repetido. Foi proferida nova decisão que condenou novamente os arguidos pelos mesmos crimes e penas.
É desta última decisão que os arguidos recorrem, concluindo na sua motivação o seguinte:
Recurso do arguido A :

1.ª TENDO O DOUTO Tribunal “a quo”, na sequência da reapreciação de algumas questões decorrentes da ordem de reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426.º do CPP, emanada do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, «mantido, no essencial, a decisão de facto tomada aquando da 1.ª audiência, considerando que tal decisão não foi minimamente infirmada pela prova produzida na presente audiência» (cfr. Motivação de facto) fica lícito ao recorrente percutir, com as devidas adaptações, as alegações de recurso que deduziu aquando do 1.º recurso, o que ora faz.
Mais lhe cumpre também enfatizar que, como é consabido, em sede processual penal não é ao arguido que cumpre provar a sua inocência, antes é sobre a acusação que impende o ónus de provar a culpa do arguido, o que não fez.
Assim, considerando que:
2.ª Da prova produzida em Audiência de Julgamento, gravada em suporte digital, decorre que: ENCONTRAM-SE INCORRECTAMENTE julgados os seguintes factos que o Tribunal “A QUO” deu como provados, ou seja, que da prova produzida tenha resultado provado que: na madrugada de 25/05/07 o arguido A, sozinho ou acompanhado, se tenha dirigido para a Rua .., em Coimbra, em qualquer veículo automóvel (designadamente o Renault de matrícula M---47.., modelo 1901’S) e, por maioria de razão, que para aí se tenha dirigido por saber que lá, a aguardar clientes, se encontravam mulheres que se dedicam à prostituição; que nesse local tivesse avistado C que aí se dedicava à prostituição (com ou sem a vigilância de R) e que tivesse decidido retirar-lhe alguns dos valores que trouxesse consigo exercendo, se necessário, actos de violência e ameaças sobre ela; que para o efeito tenha transportado consigo qualquer tipo de arma; que tivesse conduzido o veículo até onde aquela se encontrava na dita rua em frente ao stand da Seat; que cerca das 2:00 horas tivesse parado a viatura, falado com a C e combinado manter com ela relações sexuais a troco de dinheiro e que aquela, para o efeito, tivesse entrado em algum veículo por ele conduzido; que, sozinho ou acompanhado tivesse conduzido qualquer veículo até ao parque de estacionamento sito nas traseiras da Central de Camionagem da Rodoviária, para local ali próximo ou distante, mais ou menos movimentado, onde tivesse entregue qualquer quantia pecuniária à C para com ela manter, durante alguns minutos, no banco dianteiro do pendura, relações sexuais; que tivesse mantido com ela qualquer relação de sexo; que alguma vez tivesse colocado a viatura dos autos ou outra qualquer viatura em movimento, tomado a EN341 rumo a Taveiro, aumentado sob qualquer pretexto a velocidade; que tivesse percorrido alguns Kms, apercebendo-se ou não de que era seguido por um qualquer veículo; que tivesse, nessa ou noutra ocasião, com arma que trouxesse consigo ou que lhe tivesse sido disponibilizada por outrem, efectuado qualquer disparo na direcção daquela viatura; que entretanto tivesse invertido a marcha de qualquer veículo, abandonado a estrada e tomado o caminho de acesso a Vila Pouca do Campo; que pouco depois tivesse abrandado a velocidade do veículo, tivesse dito à C para lhe dar os valores que esta tinha consigo e que ela, com receio de agressões ou de perda da vida, lhe tenha entregue fosse o que fosse; que alguma vez se tivesse apossado e feito seu qualquer bem que à C pertencesse, que lhe tivesse aberto a porta do lado do pendura do veículo e a tivesse atirado para a rua; que alguma vez tivesse agredido a C, provocando-lhe qualquer lesão; que tivesse agido voluntária, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e vontades, na execução de plano com outrem previamente combinado, com vista à prática de qualquer conduta que sabia proibida e punida por lei; que tivesse actuado com qualquer propósito concretizado de fazer seus quaisquer bens que sabia não lhe pertencerem e ciente de que contrariava a vontade de terceiro legítimo proprietário; que tivesse atingido a ofendida na sua integridade física e ou a tivesse intimidado com uma arma de fogo objecto consabidamente apto a ser considerado um meio letal de agressão susceptível de causar à ofendida sério receio pela sua integridade física e pela própria vida, de modo a impossibilitar-lhe qualquer capacidade de reacção; que tivesse agido com o intuito concretizado de privar a ofendida da sua liberdade de movimentos, obrigando-a a manter-se no interior de qualquer veículo e a acompanhá-lo nos termos descritos, ciente de que o fazia contra a vontade daquela.
3.ª Para a decisão proferida o Tribunal atendeu, de acordo com a fundamentação apresentada, ao depoimento da testemunha C. Porém valorizou-o apenas na parte em que concorria para a tese da acusação e ignorou-o ou desvalorizou-o na inversa.
Relativamente aos demais elementos constantes do processo, o tribunal “a quo” valorizou apenas os que concorriam a favor da tese da acusação, tendo ignorado ou desvalorizado os que tendiam para tese inversa.
Assim, desvalorizou a negação da autoria feita pela ofendida e pela testemunha (cfr. respectivamente, suporte áudio, identificado na Motivação de recurso) porque não concorria para a tese da acusação.
4.ª Tendo a ofendida, a uma bateria de questões que sobre a identificação dos autores dos factos lhe foi feita, sob juramento, afirmado insistentemente que o recorrente não foi autor dos factos, não se vê como pôde vingar no douto acórdão recorrido posição contrária.
5.ª Tendo a testemunha C, sob juramento, afirmado em audiência que o recorrente não foi autor dos factos, negando, por isso, a validade de “reconhecimento” a que procedeu porque feitos com manifesta falta de convicção (confusão, engano, nervos), não pode o tribunal “a quo” afirmar que a testemunha depôs confirmando, no essencial, a materialidade dos factos.
6.ª Igual afirmação não pode o tribunal “a quo” fazer depois dos avanços e recuos, da testemunha quanto ao n.º de disparos e à respectiva autoria. Na verdade, se na 1.ª audiência, com a memória menos fraca afirmou «eles atiraram tiros»; agora, na 2.ª audiência, afirmou «os que iam dentro do carro», depois de muito instada, disse que «foi o que ia a conduzir» que crédito pode merecer tal depoimento?!
7.ª Também não pode fazer igual afirmação o douto tribunal “a quo” se, contendendo com a descrição dos factos ocorridos constantes de 7 a 14 dos Factos Provados a ofendida, i. é, conjugando o plural e acabando no singular, afirma que a arma «estava com o agressor atrás e ele deu-a ao da frente para disparar contra o carro dor R». A ofendida não se pode esquecer que o banco da frente do pendura estava inclinado (mercê dos actos sexuais) e que, na circunstância, já o “agressor”/2.º indivíduo estava sentado nesse banco segurando-a.
Ia, por conseguinte, o 2.º indivíduo ao lado da janela direita da frente do veículo e podia, efectivamente ter disparado sem danificar os vidros (vidros que, se danificados, eram bem passíveis de conserto até à data da apreensão da viatura).
Não colhe, assim, a explicação constante da Motivação de Facto.
Também pela circunstância de a testemunha da PJ/V, ter afirmado uma TROCA DE TIROS entre os indivíduos dos 2 veículos.
8.ª Existe contradição patente no douto acórdão recorrido quando este, para contornar dificuldades, afirma como inócua a questão dos disparos e, seguidamente, em paradoxo, inclui tal questão nos factos essenciais – cfr. Motivação de Facto.
9.ª O douto tribunal “a quo” não pode afirmar que o depoimento da ofendida confirma a materialidade das agressões sofridas no que tange à autoria das mesmas. Com efeito, é a própria quem afirma que se atirou do carro em andamento deixando os seus haveres espalhados dentro do carro. Por maior apego à vida, não se importou com tais haveres, prejudicada ficando a prática do crime de roubo.
De resto, as lesões em causa conformam-se bem como resultado da fuga do veículo em andamento (ainda que brando).
Como tais afirmações crê o recorrente que fenece a verificação dos pressupostos dos tipos de crimes de que foi indevidamente acusado e pelos quais se encontra indevidamente condenado.
10.ª Certas não podem ser também as conclusões do douto acórdão no que tange à pretensa vigilância e perseguição. A testemunha C só pode supor a verificação de uma coisa e outra já que não podia ver e não viu e ao referir que esteve 5 ou 10 minutos, depois de ficar na rua, à espera do R, conjugada com o facto de este vigiar a mulher L (que estava a trabalhar em casa) e só a C. caso estivesse perto daquela, inculca bem a ideia de que o seu depoimento versa uma história fantasiada. Em 5 ou 10 minutos fazem-se, de carro, muitos Kms!
11.ª Por outro lado, há que bem entender as coisas: a testemunha alude a um código de estratégia vigorante entre si e o R.
Referindo que o acto sexual demorava 10 minutos ao fim dos quais se dava um toque de telemóvel ao R para o informar que estava ali tudo terminado. Que razão levaria o R a não parar de telefonar antes de transcorridos os 10 minutos? É que as relações sexuais terão ficado pelo meio! E quem dava os toques não era o Ri e sim a testemunha!
Também por aqui se crê que o depoimento da testemunha C é um caos de resto bem patente na enunciação errática e a conta gotas dos pertences alegadamente roubados!
12.ª Se é lícito à testemunha C, com a sua ainda tenra idade, não se lembrar de alguns factos, por maIoria de razão o R que é bastante mais velho ou o inspector V.
Neste particular, o douto acórdão recorrido usa manifestamente dois pesos e duas medidas.
Quando afirma que o R anotava sempre todas as matrículas esquece-se a ofendida C que ele não estava pelas imediações porque guardava a sua mulher L (em casa) e, de resto, a ofendida só pode supor que assim era, não pode afirmá-lo de modo tão absoluto.
Perguntada como soube a matrícula espanhola a ofendida referiu «Porque eu trabalhava à noite» o que é bem elucidativo da autenticidade e coerência dos seus depoimentos.
13.ª Não tendo a testemunha da PJ/V adiantado prova cabal (passou o tempo a repetir as respostas que a Mui Digna Representante do Ministério Público lhe levava nas perguntas e, quando tal não acontecia (o que foi raro), a refugiar-se na falta de memória e na confirmação do que devia estar nos autos e não tendo nunca aludido ao Ri como «protector da prostituta», não se vê com que base pode o douto tribunal recorrido inventar e ajuramentar uma tal designação.)
14.ª Tendo o reconhecimento do pretenso autor dos factos, ora recorrente, sido objecto de impugnação (o do A pelo próprio com fundamentos que explanou em requerimento que nunca teve despacho apesar de acusar a falta de cumprimento dos requisitos legalmente previstos para a sua validade – art. 147.º, 1, 2 e 7 do CPP) e posto em crise pelas testemunhas, jamais pode o douto tribunal recorrido deixar de retirar daí as consequências legalmente previstas e absolver o recorrente.
15.ª Bastará atentar nas descrições dos pretensos autores dos factos para se concluir que muita confusão há-se ter havido nos “reconhecimentos” sendo tão aberrantes as contradições aí existentes (no confronto das alturas, cor da pele, etnia) como pode na Motivação de Facto consignar-se a «concludência das descrições físicas»?!
Bastará analisar o que consta nos TIR’s dos arguidos para se perceber que tal afirmação jamais pode merecer crédito.
16.ª Se é licito afirmar que de modo algum é crível que fossem logo duas testemunhas a enganarem-se nos reconhecimentos, igualmente o é afirmar que não são os arguidos os autores dos factos porque foram logo duas testemunhas a negar essa autoria!
17.ª Se a testemunha R nunca alegou engano ou confusão alguma não pode dar-se isso por assente na Motivação de Facto.
18.ª Se a testemunha R nunca disse que viu bem o arguido A ao volante nem o conotou com qualquer disparo não pode a Motivação de facto consignar tais factos.
De resto, contrastaria com a afirmação da testemunha C que deixou claro que esperou 5 a 10 minutos até que o R chegasse para socorrê-la, o que diz bem da falta de vigilância in casu e com as afirmações desta quanto aos disparos e com as do agente da PJ que aludiu à troca de tiros entre veículos.
19.ª Sendo consabido que o valor dos indícios biológicos, como meio de prova dos factos e dos seus autores, é relativo, não se concebe que tenham concorrido para a decisão como se absoluto fosse o seu valor.
20.ª Constando dos autos que o recorrente foi detido, preventivamente, à ordem dos mesmos em 23 de Agosto de 2007, permanecendo ininterruptamente detido, desde aí e até à data de 23/02/2009, não se vê como pôde o Mm.º Juiz “a quo”, ao arrepio do previsto no art. 80.º, n.º 1 do C. Penal, deixar de operar na pena fixada, o competente DESCONTO por que se protesta em caso de a condenação ser para manter.
21.ª Tendo a ofendida afirmado a prática de relações sexuais com o condutor do veículo interveniente nos factos acusados e protestando até pela análise do produto recolhido dessa prática no preservativo usado que fez questão de juntar, análise essa que revelando perfis genéticos dela afastou a autoria do recorrente, não se vê como pôde o Mm.º Juiz “a quo” pura e simplesmente ignorar a relevância de tal prova pericial e, ao seu arrepio, militar a favor da condenação do recorrente como co-autor – vide autos – fls. 43.
Consta dos autos a entrega dos preservativos por parte da ofendida.
O douto acórdão recorrido não é realista na fundamentação relativa à falta de perfis genéticos (note-se que o sexo foi oral e vaginal e é pouco crível que mesmo relações sexuais interrompidas não revelassem os perfis genéticos de ambos e só de um). A “história” “criada” para “contornar” a importância do preservativo usado é pura ficção!
22.ª Tendo o douto acórdão recorrido valorizado, como «elemento DECISIVO de prova, que determinou a convicção do tribunal» a carta de fls. 828 a 830 dos autos, sob o pretexto de que aí se aludia o sequestro (e roubo, dirá o recorrente, com suporte no teor da dita carta), ignorando, sem haver razão idónea para tal, que o recorrente no primeiro interrogatório do arguido detido foi confrontado com a imputação desses ilícitos, (o Mmº Juíz de turno no 1.º interrogatório de arguido detido, ocorrido em 22/08/2007 no TIC de Coimbra acrescentou ao sequestro o crime de roubo qualificado e o arguido ficou a saber porque ficava detido em prisão preventiva, soube da viatura e do Ó) ao mesmo tempo que foi acompanhando o evoluir dos autos e, não se entende como se pode extrair daí a conclusão de que foi autor porque, de outro modo, não saberia que se tratava de sequestro (e roubo).
Aliás, tendo um valor probatório tão DECISIVO não se concebe que não tenha sido objecto de uma única referência em sede de julgamento. É que aí o equívoco era completamente desfeito, como o será pela mera análise dos passos dados, no tempo, nos autos.
O arguido A, logo que, detido pela PJ, foi presente ao Mmº Juiz de turno, isto em Agosto de 2007. Ficou logo a saber que estava indiciado do crime de sequestro e de roubo qualificado.
Note-se que a carta em apreço não tem data, o envelope também a não apresenta legível mas percebe-se bem o carimbo dos CTT inserto no envelope a referência ao ano de 2008. É, por conseguinte, seguro que é de data posterior à de verificação do primeiro interrogatório do arguido detido que acusou, a mais que sequestro, o roubo qualificado (detenção Agosto/2007 e carta é de 2008 – cfr. autos).
23.ª Tendo, nessa carta, referenciado o nome de JAl (= R) e chamado à ofendida A, não se vê como pode o Mm.º Juiz “a quo” interpretar, para o que à acusação interessa, o conhecimento do Jardel e não ter interpretado o erro quanto ao nome da ofendida para o efeito contrário.
24.ª O douto acórdão recorrido também carece de coerência no que respeita à interpretação dos factos tal como foram narrados pela ofendida (única que os viveu e única que, no essencial, os poderá narrar). Neste contexto, outra versão (cfr. Motivação de Recurso) se apresenta irrefutável segundo as regras da experiência e na interpretação do homem médio.
25.ª Tendo a ofendida, única testemunha que poderá narrar os factos (a testemunha R pouco ou nada de relevante viu e nada de relevante afirmou), feito uma descrição que, pela lógica, carreia caminho diverso da “lógica” que presidiu ao douto acórdão recorrido, deverá este ser corrigido no sentido daquela interpretação (cfr. Transcrição da prova expressa na Motivação de Recurso).
26.ª Não se vislumbrando, no douto acórdão recorrido, uma ordem que permita apurar qual foi o verdadeiro móbil do crime, não se vê como pode este ter-se por configurado e, por maioria de razão, o concurso de crimes.
27.ª Em face da prova produzida, conjugada com a relatividade dos elementos de prova que suportou o douto acórdão recorrido, crê o recorrente que a dúvida é incontornável, daí decorrendo, como necessidade, a aplicação do princípio “in dubio pro reo”.
28.ª Tendo o Mm.º Juiz “a quo”, certamente com o objectivo de calibrar para ambos os arguidos idêntica medida da pena, subvertido o sentido dos Relatórios Sociais de fls. 1326 a fls. 1328 (como do que, quanto à pulseira electrónica, o precedeu e favorecia a aplicação de tal medida de substituição à prisão preventiva), no que tange aos currículos criminais e ao comportamento dos arguidos, atendendo discriminatoriamente a essas qualificativas aí previstas para cada um, deve ocorrer ponderada análise de tal Relatório, com reflexo na medida da pena (redução).
29.ª Para a decisão proferida o Tribunal recorrido atendeu, de acordo com a fundamentação apresentada, ao depoimento da ofendida e da testemunha R apenas levando em conta, de tais depoimentos, quanto corroborava a tese da acusação, desvalorizando-se, em modo grosseiro, quanto, desses depoimentos, representava o inverso.
30.ª No que foca ao depoimento da ofendida, constante do CD de (- cfr. Motivação de Recurso) e, bem assim, o da testemunha R, são peremptórias em afirmar a não autoria do recorrente.
31.ª O tribunal “A QUO” para além de desvalorizar esta significativa revelação, ignorou ainda contradições relevantes para se aferir da credibilidade deste depoimento da ofendida, nomeadamente algumas contradições que se prendem com o enquadramento temporal e a sequência dos factos.
32.ª No que diz respeito ao relatório médico tido em conta pelo tribunal recorrido na elaboração do acórdão em recurso, cumpre apenas referir que o mesmo, para além de não atestar, naturalmente, o autor ou responsável pelas lesões que a ofendida apresentava, também não esclarece se as mesmas são resultado de uma coronhada ou da queda do veículo em andamento (esta última é a hipótese mais consentânea com as inúmeras lesões e com a sua dispersão pelas diversas partes do corpo – vide autos).
33.ª Com esta decisão, de forma grave e indesculpável se viola um princípio universalmente aceite e um dos mais importantes ao nível do processo de natureza criminal que é o princípio “in dubio pro reo”, já para não se falar da violação de princípios constitucionais como o princípio da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2 da CRP) e o princípio do acusatório (art. 32.º, n.º 5 da CRP);
34.ª Decisão que igualmente viola o inserto no art. 147.º, n.os 1, 2 e 7 do CPP.
35.ª Entre nós não vigora o princípio da presunção da culpabilidade, pelo que não é ao arguido que cabe fazer prova da inocência, mas é, em virtude da natureza acusatória do processo penal, ao Ministério Público que cabe fazer a prova inequívoca (“a prova para além de qualquer dúvida razoável”) da culpabilidade do arguido, só podendo o mesmo ser condenado se não se afigurar ao Tribunal mais nenhuma explicação razoável para o sucedido, o que não acontece manifestamente no caso sub judice;
36.ª Apesar de o Tribunal recorrido ser livre na apreciação que faz da prova produzida e de ser o único com contacto directo como essa mesma prova (no que toca ao nível da prova testemunhal), certo é que não podemos ver aí um garante da correcção das suas decisões, ainda para mais num caso como o dos presentes Autos em que nenhuma prova foi feita que aponte indiscutivelmente o recorrente como autor/culpado dos factos de que vem acusado;
37.ª Em situações como a presente, em que o Tribunal recorrido pura e simplesmente se agarrou com “unhas e dentes” ao depoimento interessado da ofendida apenas e só na parte em que este permitia viabilizar a tese da acusação, desvalorizando pura e simplesmente o depoimento dela, por não credível, na parte em que não militava a favor da tese da acusação, dever-se-á sempre privilegiar o princípio da justiça formal, alterando a decisão em tudo que não esteja conforme com os princípios constitucionais e até supra-constitucionais que norteiam o nosso ordenamento jurídico-penal, pois só assim se dará cabal cumprimento aos valores que devem nortear a boa administração da justiça, para a qual todos temos o dever de contribuir;
38.ª É incontestável que deveria a factualidade supra referida e dada como provada no acórdão, ora objecto de recurso, ser corrigida e alterada por forma a serem dados como não provados tais factos;
39.ª Da prova produzida, não resulta evidente (nem sequer aparente) que foi o arguido quem praticou os factos que lhe são imputados na acusação pública e, portanto, que tenha incorrido nos crimes de que vem acusado;
40.ª Se o Mm.º Juiz do Tribunal “A QUO” tivesse feito uma correcta interpretação e valoração de todos os depoimentos prestados em audiência de Julgamento, dando por não provada a acusação pública no que à autoria dos crimes de roubo e sequestro concerne, naturalmente que não teria condenado, como condenou, o aqui recorrente;
41.ª Ao decidir como decidiu nos termos constantes do douto Acórdão em recurso, o Tribunal “A QUO” violou o disposto nos arts. 147.º, n.º 1, 2 e 7 e 127.º do CPP, 210.º, n.º 2, al. b), 204.º, n.º 2, al. f), art. 158.º, n.º 1 e art. 80.º, n.º 1 todos do Código Penal e art. 32.º, n.º 2 e 5 da CRP, dos quais fez uma incorrecta interpretação e aplicação ao caso em apreço.
42.ª O roubo consome o sequestro e, pelos factos dados como provados, jamais haveria lugar ao concurso de tais crimes. De resto, pela descrição da testemunha C numa interpretação crítica de lógica correcta, nenhum dos crimes se verifica.
43.ª O Mm.º Juiz do tribunal “a quo”, ao arrepio da prova e fora da lógica dos factos que julgou provados, valorou a produção do evento de acordo com a livre apreciação da prova, dando apenas crédito à versão da ofendida na parte que lhe interessava para o corroborar da tese da acusação, desvalorizando ou não considerando outras provas e o seu depoimento na parte em que descriminalizava o evento.
44.ª Mas o Mm.º juiz do tribunal “a quo” não pode deixar de ter dúvidas quanto à autoria dos crimes.
De resto, quer a ofendida quer a única “testemunha” dos factos acusados, afirmaram categoricamente em julgamento que não era o arguido A o autor ou co-autor de tais factos;
A testemunha R, que foi quem terá identificado a viatura alegadamente interveniente nos factos, confrontado com uma foto da viatura não a reconheceu e afirmou categoricamente que a viatura em causa não tinha a traseira batida, ao contrário da que constava das fotos;
Os vestígios periciais não são, há-de o douto tribunal “a quo” convir, susceptíveis de, em absoluto, permitir ligar o arguido à prática dos factos acusados, e são, de resto, manifestamente escassos para sequer a indiciar.
45.ª O Mm.º juiz do tribunal “a quo” desvalorizou tudo quanto contrário à tese da acusação. Consta, com efeito dos autos, que a ofendida manteve relações de sexo (oral e vaginal) com o arguido A e juntou para análise científica o desiderato dessa relação (vide autos). O resultado foi negativo apenas quanto a ele. Os perfis genéticos da ofendida estavam lá!
O Tribunal “a quo” desvalorizou por completo este elemento de prova de valor incontornável para a afirmação da não autoria do A e agora, ao arrepio do que consta dos autos, “ficcionou uma história” para dar como irrelevante uma prova tão fundamental para dar nota da inocência do A.
É que consta dos autos (fls. 43) que a testemunha e ofendida C entregou à polícia 01 preservativo usado e 02 preservativos não usados – Vide autos.
No usado consta o perfil genético dela mas não o do arguido A.
Se ab initio a ofendida afirmou como co-autor o titular do produto constante do preservativo usado nas relações sexuais e o resultado foi negativo, é líquido que o A não foi o autor dos factos.
Parece impossível que o Mm.º Juiz do tribunal “a quo” tivesse apreciado livremente as provas e, ao arrepio do que consta dos autos, viesse “ficcionar uma história” para passar a escasso valor probatório facto tão importante.
ESTA PROVA É INCONTORNÁVEL E REBATE, sem lugar a dúvidas, a importância que, forçadamente, se conferiu a outros de valor não absoluto (cfr. alegados vestígios biológicos).
O tribunal “a quo” revela parcialidade na apreciação das provas e arbitrariedade na apreciação das mesmas.
Daí decorre incorrecta apreciação das provas e consequentemente violação da lei.
Não fez assim o Mm.º Juiz do tribunal “a quo” uma análise crítica e global rigorosa – competia-lhe - de toda a prova produzida, à luz das regras da experiência.
De acordo com o art. 127.º do CPP a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador que indica, assim, um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até, porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha.
Ao desvalorizar a PROVA (TESTE AO ESPERMA QUE DEU NEGATIVO) não se pode dizer que o Mm.º Juiz “a quo” apreciou livremente a prova de acordo com um juízo crítico atenta às regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Pelo contrário, fez uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo imotivável.
É um facto que os autos relatam: a ofendida entregou 01 preservativo usado e 02 não usados. E não se pode esquecer que era aquele usado o certo já que eram sempre deitados fora no local, afirmou a ofendida.
Daqui decorre a necessidade de mobilização do princípio IN DUBIO PRO REO atento que o tribunal, em face disto, não podia deixar de estar num pleno de dúvida irremovível na apreciação das provas.
E daí que não mereça censura a factualidade dada como provada e respeitante ao arguido ora recorrente - integradora dos crimes por que foi condenado.
46.ª A violação dos princípios probatórios, mormente do princípio IN DUBIO PRO REO, constitui fundamento para a afirmação do vício da decisão contemplado no art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP. Como referem Simas Santos e Leal-Henriques, padece a decisão de erro notório quando, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o sendo comum, um homem médio facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis.
Está assim em crise nos presentes autos a correcção do enquadramento jurídico-penal efectuado no acórdão.
47.ª É à acusação que cabe provar a culpa do arguido e não a este que cabe provar a sua inocência.
O tribunal “a quo”, ao afirmar que «como resulta dos factos Provados, este tribunal colectivo manteve, no essencial, a decisão de facto que fora tomada aquando da 1.ª audiência, considerando que tal decisão não foi minimamente infirmada pela prova produzida na presente audiência, violou, sem lugar a dúvidas, aquele princípio basilar do direito processual penal e deve, por isso, ser nula.»
48.ª Não tendo ninguém, em nenhum dos julgamentos, afirmado o que ficou a constar do item 12 dos factos provados e só tendo sido consignado porque fazia parte da acusação, fica lícito concluir pela imparcialidade do douto tribunal expressa na “vontade” de “a todo o custo” condenar o arguido.
49.ª Tendo o douto acórdão recorrido considerado a questão dos disparos, para o que importa facticamente apurar quanto aos factos essenciais inócua, contradiz-se quando, ao enumerar os factos essenciais, incluí, precisamente, os disparos.
50.ª Vigilância, perseguição e anotação da matrícula – a testemunha C não viu, não o pode, por isso, afirmar, como não pode também, afirmar que não vieram tiros do outro veículo, tudo suposições que o douto Acórdão recorrido não pode, nem deve, entender como Factos Provados.
51.ª Contendo as instâncias já explicitas são respostas, não se poderão validar os depoimentos que nelas se fundam.
52.ª Não tendo em parte nenhuma da gravação, a testemunha da PJ aludido a testemunha como «protector da prostituta» não poderá constar do douto acórdão recorrido tal infundada afirmação.
53.ª Razões da impugnação dos reconhecimentos feita em requerimento, pelo arguido, tem que ser objecto de despacho nos autos e não foi: houve preterição de formalidades essenciais e violação da lei.
54.ª Reconhecimentos – discrepantes quanto às alturas, cor de pele e etnias. Não pode, por isso, o douto acórdão recorrido afirmar descrições físicas concludentes quando estas objectivamente o não são (quanto à altura, cor de pele e etnia) – cfr. os TIR’s dos arguidos.
55.ª Tendo a ofendida afirmado que se atirou do veículo em andamento e não sendo as agressões descritas em auto incompatíveis com a conclusão de que estas são desiderato ou consequência desse acto, não se vê que possam os arguidos ser, por tal, responsabilizados.
56.ª É tão válido afirmar que não é crível que logo duas pessoas se tenham enganado no que toca aos reconhecimentos como referir que não foi só uma a negar a autoria, foram logo duas!
57.ª Não tendo a testemunha R alegado engano ou confusão alguma, nem dito que vira bem o arguido A ao volante, não é lícito concluir como, relativamente a tais questões, conclui o douto acórdão recorrido.
(De resto, se a testemunha C afirmou que o Rui só chegou junto dele 5 ou 10 minutos depois!...)
58.ª Tendo a testemunha R afirmado na 1.ª audiência, referindo-se à C, «não a tinha visto, não sabia onde é que ela estava» fica lícito concluir como certeza a afirmação também por ele aí feita de que «nunca os vi nem conheço de lado nenhum».
59.ª Os vestígios biológicos têm, em termos de prova, valor relativo. Donde, jamais se poderá concluir, por eles, com o necessário grau de certeza, o que quer que seja quanto à autoria dos factos.

Ao decidir nos termos constantes do douto Acórdão em recurso, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 147.º, n.os 1, 2 e 7, 127.º e 410.º, n.º 2 al. c) do CPC, arts. 210.º, n.º 2 al. b), 204.º, n.º 2 al. f), 158.º, n.º 1 e 80.º, n.º 1 todos do Código Penal e 32.º, n.º 2 e 5 da C.R.P..

Recurso do arguido Ó :
1 - Vem o presente recurso, que versa sobre matéria de facto e de direito, interposto do douto acórdão proferido nos presentes autos, que condenou o ora recorrente como co-autor de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pela conjugação dos artigos 210 n. 2 ai. b) e 204v, n. 2, ai. f) do Código Penal, na pena de três anos de prisão e como co-autor de um crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158 n. 1 daquele mesmo diploma legal, na pena de dois anos de prisão;
2 - Em cúmulo jurídico destas duas penas, na pena de três anos e seis meses de prisão;
3 - Foram os seguintes, os factos julgados como provados e relevantes para a boa decisão da causa, MAS QUE SE ENCONTRAM INCORRECTAMENTE JULGADOS: Na madrugada de 25 de Maio de 2007 os arguidos dirigiram-se para a Rua …, em Coimbra, no veículo automóvel, de cor branca, marca Renault, modelo 1901 ‘S e matrícula M-47.., onde sabiam encontrarem-se mulheres que se dedicam à prostituição a aguardar clientes .Nesse local avistaram C que aí se dedicava à prostituição, a qual estava sob vigilância de R, e logo decidiram retirar-lhe alguns dos valores que trouxesse consigo exercendo, se necessário, actos de violência sobre ela .Para o efeito, os arguidos transportavam consigo uma pistola pequena, cujas concretas características não foi possível apurar. Então, o arguido Ó escondeu-se na mala da viatura e o arguido A conduziu o veículo até ao local onde aquela se encontrava, na referida Rua.. em frente ao Stand da Seat. O arguido A, cerca das 02,00 horas, parou a viatura, falou com a C e combinou manter com ela relações sexuais a troco de vinte e cinco euros, tendo aquela, para o efeito, entrado no veículo. O arguido A, na companhia da C, conduziu o veículo até ao parque de estacionamento situado nas traseiras da Central de Camionagem da Rodoviária, um local ali próximo menos movimentado, onde, e depois de ter entregue a quantia de vinte e cinco Euros à C, manteve relações sexuais com aquela durante alguns minutos no banco dianteiro do pendura.
Quando se encontravam a manter essa relação de sexo, o arguido Ó saiu da mala do carro, abordou a C, agarrou-a e puxou-a para si. Quando a C fazia força em sentido contrário tentando libertar-se, o arguído Ó empurrou-a para a zona de colocação dos pés, do lugar do passageiro da frente, onde ele se sentou e ficou sobre ela mantendo-a segura. De imediato, o arguido A colocou a viatura em movimento, tomou a estrada nacional na 341, no sentido de Taveiro, e, ao aperceber-se que alguém os seguia, aumentou a velocidade. No percurso o arguido Ó com a coronha da arma desferiu-lhe várias pancadas na cabeça e vários murros e socos em diversas partes do corpo, designadamente na cabeça, cara e pernas. Depois dessas agressões e de terem percorrido alguns quilómetros aperceberam-se que continuavam a ser seguidos por um veículo. Nessa altura, o arguido A, com a indicada arma, que entretanto lhe tinha sido entregue pelo arguido Ó, efectuou pelo menos dois disparos na direcção da viatura que seguia atrás deles, conduzida por R. Entretanto, os arguidos inverteram a marcha do veículo, abandonaram a estrada e tomaram o caminho de acesso a Vila Pouca do Campo. Pouco depois abrandaram a velocidade do veículo, disseram à C para lhes dar os valores que tinham consigo ao que ela, com receio que os arguidos prosseguissem com as agressões e até lhe tirassem a vida, entregou-lhes quatro telemóveis, marca Nokia, modelo 1100, no valor de 40,00 euros cada um, uma carteira no valor de 15,00 euros, um fio em ouro no valor de trezentos euros. Na posse desses bens, que fizeram seus, abriram a porta do lado do pendura do veículo e atiraram a C para a rua. Como consequência directa e necessária das agressões acabadas de descrever, resultou para a C, na região occipital, ferimento suturado com dois pontos, medindo 1,5 cm de comprimento, na região frontal, equimose violácea medindo 4 cm x 2 cm, na pálpebra superior esquerda, equimose violácea, medindo 4,5 cm x 1,5 cm, com discreto edema subjacente, na pálpebra inferior direita, escoriação com 1 cm x 5 mm, na face mucosa do hemilábio superior direito, equimose violácea com 1,5 cm de diâmetro, a nível da crista ilíaca esquerda, duas equimoses violáceas, medindo a maior 3 cm x 1 cm e a menor 2 cm x 1,5 e, no terço superior da face Antero-interna da perna direita, equimose violácea medindo 7 cm x 4 cm, lesões que lhe determinaram directa e necessariamente oito dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho. Os arguidos agiram voluntária, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e vontades, na execução do plano entre eles previamente combinado, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Actuaram com o propósito concretizado de fazerem seus os bens acima mencionados, que sabiam não lhes pertencerem, e cientes de que contrariavam a vontade do seu legítimo proprietário, a mencionada C. Para tanto, não se coibiram de atingir a ofendida na sua integridade física e de a intimidar com uma arma de fogo, objecto que sabiam apto a ser considerado um meio letal de agressão, cientes de que este era susceptível de causar à ofendida sério receio pela sua integridade física e pela própria vida, de modo a impossibilitar qualquer capacidade de reacção. Agiram, ainda, com o intuito concretizado, de privar a ofendida da sua liberdade de movimentos, obrigando-a a manter-se no interior do veículo e acompanhá-los nos termos descritos, bem sabendo que o faziam contra a vontade daquela.
4 - Como consta da Motivação de Facto do douto Acórdão recorrido, o tribunal “a quo” decidiu manter no essencial a decisão de facto que fora tomada aquando da P audiência, considerando que tal decisão não foi infirmada pela prova produzida na presente audiência, baseando a sua convicção nas Declarações da testemunha C, da testemunha R, da testemunha V, e como elemento decisivo, a carta de fis 828 a 830, apreendida ao arguido Ó, ora recorrente, e os exames de fis 200 e seguintes.
5 - Não podemos concordar com a tese plasmada na douto Acórdão recorrido e que, ab initio, se funda em erro notório na apreciação da prova e em manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
6 - O arguido não praticou os factos pelos quais veio acusado e pelos quais foi condenado.
7- O Tribunal “a quo”, concede toda a credibilidade quanto à realidade fáctica dos episódios relatados pela testemunha/ofendida C, mas essa credibilidade cai por terra, para o mesmo Tribunal quando a mesma testemunha/ofendida insiste e repete (como o tinha feito em sede de primeiro julgamento) não corresponderem os arguidos à identidade dos sujeitos que a agrediram. A verdade é que HÁ ERRO SOBRE OS SUJEITOS.
8- O arguido, ora recorrente prestou declarações em audiência, onde relata que nada tem a ver com os acontecimentos e justifica o porquê. Da inquirição resulta que o recorrente nada sabe dos factos, e que na altura destes se encontrava em Talayuela a trabalhar num bar.
9 — Quanto ao ponto 9 dos Factos não provados inexiste quer prova documental, quer qualquer prova testemunhal que infira esta declaração do arguido de que se encontrava em Espanha. Estamos assim, salvo melhor juízo, perante um erro notório na apreciação da prova, pois não há nada nem ninguém que indique que o arguido não estava em Espanha na data dos
factos. Há sim, as suas declarações em que diz que estava. Deveria assim o ponto 9 dos factos não provados ter sido dado como provado e em consequência imediata absolver o arguido.
10 - A testemunha C, também ofendida nos presentes autos, prestou declarações (depoimento gravado em sistema informático Habilus — CD único de 22-02-2010, das 12:24:01 às 12:56:41) tendo declarado ao Tribunal que o arguido que estava presentes em Audiência de Discussão e julgamento — Ó O. - não ser o autor dos factos da Acusação.
11 - O mesmo é dizer que a referida testemunha/ofendida não identifica o ora Recorrente como o autor do crime de que vem acusado, ao invés, de uma forma clara e perfeitamente normal afirma de livre vontade que não foi ele!
12- Até o Meritíssimo Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal “a quo” sabe, como revelou, que não era possível uma identificação cabal e sem dúvidas quanto à pessoa do agressor não condutor da viatura!
13 - Há assim erro notório na apreciação da prova, impondo-se, pelo que fica exposto, decisão diversa da recorrida no sentido da absolvição do Recorrente por não ter sido identificado como sendo o agressor da ofendida, antes ter sido negado o seu envolvimento e até presença;
14 - Ora quer só por si, quer conjugada com as regras da experiência comum, quando uma testemunha que está na veste também de ofendida, chega a juízo e declara sob juramento que o arguido que está presente na sala e acusado pelos factos vertidos na acusação não é o autor dos factos de que vem acusado, a absolvição e imediata extinção do procedimento criminal é por demais consequência imediata e normal tendo devido o douto Tribunal recorrido ter decidido pela absolvição do arguido, na medida em que não se podem considerar como provados os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17 e 18 dos “factos provados”, mas sim terão que dar-se como não provados;
15 - As declarações da Testemunha/ofendida, segundo o Tribunal a quo, são credíveis e valoradas quando podem não ser abonatórias a favor do arguido, já não merecendo qualquer credibilidade quando são proferidas a favor daqueles, não obstante serem essas mesmas declarações a base da convicção do Tribunal;
16 — Também a testemunha da Acusação, R declarou que não conhecia o arguido de “lado nenhum”;
17 — O reconhecimento pessoal feito nas instalações da Polícia Judiciária de Coimbra não pode também ser valorado inequivocamente e ter o valõr de prova que lhe é atribuído, na medida em que o reconhecimento (constante de fis 724/726), não é exacto, muito menos tendo sido “precedido de descrições físicas concludentes”. Com efeito, a descrição feita a fis. 726 refere um dos agressores (que se quer fazer crer — o que não se aceita - com que seja o ora recorrente Ó) como um indíviduo com uma compleição física totalmente dísparate e em nada coincidente com a do ora recorrente, conforme documentalmente se pode verificar a fis 67 — Ficha Biográfica da Polícia Judiciária.
18 — Ou seja, o ora recorrente tem uma compleição física no que diz respeito à idade e altura que não corresponde minimamente à descrição em vários momentos dada pela ofendida (mais de sete anos de idade e quase mais 15 cm de altura).
19 — A fis. 727 dos autos é evidente que o ora recorrente foi levado para o reconhecimento pessoal com a indumentária do estabelecimento prisional, o que desde logo vicia necessariamente o juízo de quem vai reconhecer.
20 - Os factos não ocorreram “dias antes”, como refere o douto Acórdão Recorrido. Há que diferenciar o tempo que decorreu entre a prática dos factos ( e a data em que foi feito o reconhecimento pessoal do ora recorrente ( ou seja 228 dias depois! Quase 8 meses depois! A memória da ofendida não poderia estar assim tão “fresca” como o Tribunal quer fazer crer.
21 - Nunca houve lugar ao reconhecimento do recorrente por parte da testemunha R;
22 - Há erro notório na apreciação da prova, impondo-se, pelo que fica exposto, decisão diversa da recorrida no sentido da absolvição do Recorrente por não ter sido identificado como sendo o agressor da ofendida tendo sido incorrectamente dados como provados os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17 e 18 da matéria dada como provada, sendo que os mesmo se teriam que, por força do exposto, dar por não provados.
23 — Não há vestígios de sangue no carro, não obstante a ofendida ter declarado que sangrou abundantemente dentro deste, além de que a perícia feita ao veículo não revela quaisquer dados que permitam dizer ter havido tentativas de limpeza.;
24 - Não há qualquer prova produzida que permita concluir, com os mínimos necessários de segurança e certeza, que o arguido praticou os factos de que vinha acusado, sendo a única decisão possível e prudente, caso dúvidas houvesse quanto à evidente inocência do arguido, em obediência a todas as regras que enformam o nosso sistema processual penal, a absolvição;
25 - Para que a prova seja apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, necessário se torna que tenha sido produzida prova em audiência de discussão e julgamento, o que não é o caso dos presentes autos, mormente no que diz respeito ao que foi erradamente considerado como “elemento decisivo de prova” - a carta (fis 828 a 830 dos autos);
26 -Não há uma verdadeira e sustentada motivação, para terem sido dados como provados os factos assim considerados pelo Tribunal a cjuo, uma vez que não há como concluir com um mínimo de certeza e segurança que o arguido praticou os factos por que foi condenado;
27— Antes pelo contrário, na medida em que a ofendida diz claramente que não foi o Recorrente;
28 - Se alguma dúvida houvesse em relação à inocência do arguido, sempre se terá que dizer que deveria o Tribunal ter absolvido o ora recorrente em respeito ao princípio fundamental in dubio pro reo, que manifestamente foi violado;
29 - Não são os arguidos que têm que provar a sua inocência, mas sim a acusação que tem que provar a sua culpa;
30- A acusação não logrou provar a culpa dos arguidos;
31 - O Tribunal a quo, não só não aceitou a verdade vertida das palavras da ofendida como, na falta de certeza, decidiu contra o Arguido.
32 - O elemento decisivo de prova que determinou a convicção do tribunal foram as “movimentações no sentido de o arguido A conseguir montar uma justificação para o sequestro da ofendida” ( certidão de folhas 815 e seguintes, isto é, da carta de folhas 828 a 830) nunca tendo sido feita uma peritagem para saber quem verdadeiramente a escreveu;
33- Não há prova nos autos, nem foi feita em julgamento qualquer prova que valide ou ateste a veracidade do que está plasmado em tal documento;
34- Não existe qualquer nexo de causalidade entre a existência da carta e os factos dados como provados;
35 — O ora recorrente esteve presente em audiência de discussão e julgamento, respondeu a tudo quanto lhe foi inquirido e nem uma pergunta lhe foi feita em relação à referida carta (estando prejudicado o direito ao contraditório);
36 — É patente e inequívoco que no espírito do Mui douto Colectivo se criaram dúvidas acerca dos factos (fld 14 e fls 16 do Douto Acórdão Recorrido);
37 - Deveria o douto Tribunal recorrido ter decidido pela absolvição do Recorrente, na medida em que a não provada autenticidade da carta impõe que não possam dar-se por provados os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17 e 18 da matéria dada como provada, mas antes se tenham os mesmo que dar por não provados.
38 - Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá a bem da verdade e com o devido respeito, que houve uma errónea qualificação jurídico-penal das condutas julgadas, pois no crime de roubo o âmbito da limitação à liberdade ambulatória pode trazer problemas de concurso — aparente ou real — entre sequestro e roubo.
39 — Atentando nos pontos 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13 e 14 da fundamentação de facto — factos provados — e na sua sequência resulta evidente que os arguidos teriam planeado e executado um crime de roubo, servindo o sequestro de crime-meio.
40 - A manutenção da ofendida C sem liberdade ambulatória só durou até ao momento em que, já sem a perseguição de outro carro, disseram à ofendida para lhes entregar os valores que tinha consigo e, (ponto 14 dos factos provados).
41 - O mesmo é dizer que a privação da liberdade não excedeu o estritamente necessário à consumação do roubo, pelo que deve o recorrente ser absolvido do crime de sequestro.
42 - Ao decidir da forma expendida no douto Acórdão recorrido, violou o Tribunal a quo, entre outros, os artigos 1 e 3 do Código do Processo Penal, os artigos 40v, 158v, 204 e 210 do Código Penal, os artigos 13 e 32 da Constituição da República Portuguesa, e os princípios da livre apreciação da prova, da legalidade, do contraditório, da tipicidade e da “nulia poena sine culpa”, e da presunção de inocência dos arguidos ou in dubio pro reo.
*
Foi apresentada resposta, pelo magistrado do Mº Pº, que concluiu pela improcedência dos recursos.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto sustenta a alteração do enquadramento jurídico-penal dos factos assentes (inexistência de concurso de crimes), mantendo-se no mais o acórdão recorrido.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
*
Em face das conclusões dos recursos interpostos pelos dois arguidos, são as seguintes as questões que importa conhecer:
- a) recurso do arguido A: i) impugnação da matéria de facto por contradição na fundamentação; ii) erro notório na apreciação da prova por virtude de valoração indevida da prova por reconhecimento e valoração indevida da prova biológica; iii) violação do princípio do in dubio pro reo; iv) concurso dos crimes de roubo e sequestro;
- b) recurso do arguido Ó: i) erro notório na apreciação da prova e manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; ii) invalidade do reconhecimento efectuado; iii) contradição entre a fundamentação e a decisão; iv) violação do princípio do in dubio pro reo; v) inexistência de concurso dos crimes de roubo e sequestro;

Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:
a ) Factos provados
1 - Na madrugada de 25 de Maio de 2007 os arguidos dirigiram-se para a RUA,,,l, em Coimbra, no veículo automóvel, de cor branca, marca Renault, modelo … e matrícula M-47…, onde sabiam encontrarem-se mulheres que se dedicam à prostituição a aguardar clientes.
2 - Nesse local avistaram C que aí se dedicava à prostituição, a qual estava sob vigilância de R, e logo decidiram retirar-lhe alguns dos valores que trouxesse consigo exercendo, se necessário, actos de violência e ameaças sobre ela.
3 - Para o efeito, os arguidos transportavam consigo uma pistola pequena, cujas concretas características não foi possível apurar.
4 - Então, o arguido Ó escondeu-se na mala da viatura e o arguido A conduziu o veículo até ao local onde aquela se encontrava, na referida Rua Padre Estevão Cabral em frente ao Stand da Seat.
5 - O arguido A, cerca das 02,00 horas, parou a viatura, falou com a C e combinou manter com ela relações sexuais a troco de vinte e cinco euros, tendo aquela, para o efeito, entrado no veículo.
6 - O arguido A, na companhia da C, conduziu o veículo até ao parque de estacionamento situado nas traseira da Central de Camionagem da Rodoviária, um local ali próximo menos movimentado, onde, e depois de ter entregue a quantia de vinte e cinco euros à C, manteve relações sexuais com aquela durante alguns minutos no banco dianteiro do pendura.
7 - Quando se encontravam a manter essa relação de sexo, o arguido Ó saiu da mala do carro, abordou a C, agarrou-a e puxou-a para si.
8 - Quando a C fazia força em sentido contrário tentando libertar-se, o arguido Ó empurrou-a para a zona de colocação dos pés, do lugar do passageiro da frente, onde ele se sentou e ficou sobre ela mantendo-a segura.
9 - De imediato, o arguido A colocou a viatura em movimento, tomou a estrada nacional na 341, no sentido de Taveiro, e, ao aperceber-se que alguém os seguia, aumentou de velocidade.
10 – No percurso o arguido Ó com a coronha da arma desferiu-Ihe várias pancadas na cabeça e vários murros e socos em diversas partes do corpo, designadamente na cabeça, cara e pernas.
Depois dessas agressões e de terem percorrido alguns quilómetros aperceberam-se que continuavam a ser seguidos por um veículo.
11 - Nessa altura, o arguido A, com a indicada arma que entretanto lhe tinha sido entrgues pelo arguido Ó, efectuou pelo menos dois disparos na direcção da viatura que seguia atrás deles conduzida por R.
12 - Entretanto, os arguidos inverteram a marcha do veículo, abandonaram a estrada e tomaram o caminho de acesso a Vila Pouca do Campo.
13 - Pouco depois abrandaram a velocidade do veículo, disseram à C para lhes dar os valores que tinha consigo ao que ela, com receio que os arguidos prosseguissem com as agressões e até lhe tirassem a vida, entregou -lhes quatro telemóveis, marca NOKIA, modelo 1100, no valor de 40,00 euros cada um, uma carteira no valor de 15,00 euros, um fio em ouro no valor de trezentos euros.
14 - Na posse desses bens, que fizeram seus, abriram a porta do lado do pendura do veículo e atiraram a C para a rua.
15 - Como consequência directa e necessária das agressões acabadas de descrever resultou para a C, na região occipital, ferimento suturado com dois pontos, medindo 1,5 cm de comprimento, na região frontal, equimose violácea medindo 4 cm x 2 cm, na pálpebra superior esquerda, equimose violácea medindo 4,5 cm x 1,5 cm, com discreto edema subjacente, na pálpebra inferior direita, escoriação com 1 cm x 5 mm, na face mucosa do hemilábio superior direito, equimose violácea com 1,5 cm de diâmetro, a nível da crista ilíaca esquerda, duas equimoses violáceas, medindo a maior 3 cm x 1 cm e a menor 2 cm x I cm, na fossa ilíaca esquerda, equimose violácea com 2,5 cm x 1,5 cm, na região lombar à esquerda da linha média, equimose violácea com 5 cm x 1,5 cm e, no terço superior da face antero-interna da perna direita, equimose violácea medindo 7 cm x 4 cm, lesões que lhe determinaram directa e necessariamente oito dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho.
16 - Os arguidos agiram voluntária, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e vontades, na execução do plano entre eles previamente combinado, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
17 - Actuaram com o propósito concretizado de fazerem seus os bens acima mencionados, que sabiam não lhes pertencerem, e cientes de que contrariavam a vontade do seu legítimo proprietário, a mencionada C.
Para tanto, não se coibiram de atingir a ofendida na sua integridade física e de a intimidar com uma arma de fogo, objecto que sabiam apto a ser considerado um meio letal de agressão, cientes de que este era susceptível de causar à ofendida sério receio pela sua integridade física e pela própria vida, de modo a impossibilitar qualquer capacidade de reacção.
18 - Agiram, ainda, com o intuito concretizado, de privar a ofendida da sua liberdade de movimentos, obrigando -a a manter -se no interior do veículo e a acompanhá-los nos termos descritos, bem sabendo que o faziam contra a vontade daquela.
19 – O arguido A é o mais novo de uma família com quatro filhos, da zona de Ansião. Esteve com os pais até cerca dos 22 anos, altura em que emigrou para a Itália em busca de trabalho.
Concluiu o 9.º ano aos 17 anos e começou a trabalhar em Pombal numa serralharia mecânica.
Foi extraditado de .. par Portugal para cumprir aqui uma pena de 9 anos de prisão, tendo cumprido 7 anos, tendo sido libertado em .. de 2002.
Em 2006 encontrou trabalho num bar de alterne na zona do … onde conheceu uma mulher natural da Ucrânia, com a qual casou, tendo nascido desta união uma filha.
À data da 1ª audiência estava detido em prisão preventiva desde 23 de Agosto de 2007.
Nos dois anos anteriores trabalhou como barman, porteiro e motorista em bares de alterne na zona do … auferindo um salário de cerca de €700,00 euros mensais.
Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo n.º …/99, do 2.º juízo do tribunal da comarca de Cantanhede, por roubo e falsificação, na pena de cinco anos de prisão, em cúmulo.
Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo n.º …/99, do 2.º juízo do tribunal da comarca de Cantanhede, por roubo e falsificação, praticados em 1994, na pena de cinco anos de prisão, em cúmulo.
Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo n.º…/00.4TBPCV, do tribunal da comarca de Penacova, por roubo, praticado em 1994, na pena de cinco anos e nove meses de prisão.
Em cúmulo destas penas veio a ser condenado na pena de 9 anos de prisão.
20 – O arguido Ó nasceu no seio de uma família com situação económica estável. Estudou até aos 18/19 anos e tirou um curso de serralharia mecânica, actividade que exerceu.
Casou por duas vezes e tem três filhos.
Foi preso em 1981 e condenado numa pena de 20 anos, por vários crimes, entre eles o de homicídio qualificado, tendo gozado de dois perdões que reduziram a pena para 15 anos.
Foi-lhe concedida liberdade condicional em 1991.
Voltou a ser preso em 2000 para cumprir a pena que actualmente cumpre.
Teve algumas saídas precárias, nas após a saída de Dezembro de 2006 não regressou, tendo sido preso em Janeiro de 2008.
Mantém um comportamento prisional adequado.
Foi condenado no âmbito do processo de querela n.º../82, do 3.º juízo, 2.ª secção, do tribunal da comarca de Aveiro, por ameaças, ocultação de menor, homicídio voluntário e detenção de estupefacientes, na pena, em cúmulo, de vinte anos de prisão.
Foi condenado no âmbito do processo comum singular n.º …/94, da 1.ª secção do tribunal da comarca de Cantanhede, por caça ilegal, praticado em 1993, na pena de 100 dias de multa, que foi declarada perdoada por aplicação da lei de amnistia.
Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo n.º …/99, do 2.º juízo do tribunal de círculo da comarca de Coimbra, por passagem de moeda falsa, praticado em 1997, na pena de um ano de prisão, com execução suspensa.
Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo n.º ---/98.0JACBR, da 1.ª secção da Vara Mista da comarca de Coimbra, por lenocínio, sequestro, porte de explosivos e ofensa à integridade física, praticados em 1998, na pena de onze anos e seis meses de prisão, em cúmulo.
b ) Factos não provados.
1 - Não provado que os arguidos soubessem «… algumas sob a vigilância de Rui Correia».
2 - Não provado «…de cor prateada».
3 - Não provado «…através do banco traseiro» e que tivesse agarrado a ofendida pelas costas».
4 - Não provado «…imprimiu à viatura a velocidade de cerca de 160 K/h». Enquanto isso, a C ao ver a referida arma de fogo que os arguidos transportavam consigo no banco do pendura conseguiu agarrá-la».
5 - Não provado «…tirou-lhe a pistola da mão».
6 - Não provado que as agressões tivessem durado cerca de dez minutos.
7 – Não provado que o arguido Ó tenha, pouco depois, dado também dois tiros, com a mesma pistola, na direcção do veículo.
8 – Não provado que a vítima tivesse sido despojada de €50,00 euros em dinheiro e que a sua carteira valesse 40, 00 euros.
9- Não provado que o arguido Ó estivesse em Espanha na data da prática dos factos, que só tenha tido conhecimento dos mesmos após a sua detenção e que tal lhe tenha causado a maior estranheza e perplexidade.

c ) Motivação de facto.

Como resulta dos factos provados, este tribunal colectivo manteve, no essencial, a decisão de facto que fora tomada aquando da 1ª audiência, considerando que tal decisão não foi minimamente infirmada pela prova produzida na presente audiência.
De facto, o depoimento da testemunha C foi no sentido de confirmar a materialidade dos factos na sua generalidade, apenas divergindo no que concerne aos tiros disparados e ao autor dos mesmos, que desta vez teria sido o condutor do veículo (o que conseguiu ver, apesar de ter a cabeça no chão do veículo, pelo facto de ter voltado a cabeça na direcção do volante e da janela do lado do condutor), sendo desta vez o número de disparos o de 4. Não é porém crível que a memória desta testemunha se apresente mais clara mais de um ano depois do que anteriormente, pelo que o tribunal ficou convicto, considerando o anteriormente referido pela testemunha, de que os disparos terão sido pelo menos 2, e que os mesmos foram desferidos pelo condutor (arguido A), já que este era o único com condições de o fazer, por se encontrar junto à janela. O arguido Ó encontrava-se no banco de trás (a testemunha referiu que o outro indivíduo aí se encontrava) e não teria condições de disparar, havendo o risco de danificar os vidros da viatura, e não resulta do exame da mesma que tivesse vidros partidos ou com buracos de balas.
Diga-se no entanto que a questão dos disparos é absolutamente inócua no que importa facticamente apurar quanto aos factos essenciais, e estes foram confirmados pela testemunha Carla (quanto à sua actividade de prostituição, a abordagem de um indivíduo para a prática de acto sexual, o ingresso na viatura, a saída de outro indivíduo, pelo interior da mesma, vindo da mala, as agressões, a colocação da Carla com a cabeça no local dos pés do lado frontal direito do veículo o arranque da viatura, a perseguição efectuada por R, que exercia protecção à sua actividade, os disparos, a subtracção de bens e a sua apropriação pelos indivíduos, a abertura da porta e a projecção da testemunha para o solo da estrada).
Relevante foi o depoimento de C no que se refere a quem anotou a matrícula da viatura, que a mesma referiu ter sido o R, que igualmente a transmitiu à Polícia, referindo até que o R, para protecção das prostitutas, anotava sempre as matrículas das viaturas em que as mesmas entravam. E, não deixa de ser estranho que a testemunha R tenha afirmado não se lembrar de ter fornecido a matrícula à Polícia, ou sequer de a ter anotado, quando sempre o fazia, não sendo de modo algum verosímil que de tal se não recordasse, sobretudo em face do que aconteceu posteriormente, mas também porque se tratava de viatura de matrícula espanhola, o que a distingue desde logo das demais. Além disso, como resulta de fls. 96/97, R reconhecera a viatura (tal como Carla Sofia), de tal forma que até apontou o facto de a mesma se encontrar amolgada atrás. De resto, a testemunha V , inspector da PJ, referiu ter sido o protector da prostituta quem forneceu a matrícula.
Certo é que, mais uma vez, a testemunha C referiu que os indivíduos em causa não eram os arguidos, apesar de inequivocamente os haver reconhecido, quer fotográficamente, quer pessoalmente, como resulta dos autos de reconhecimento de fls. 130 (arguido A), de fls. 322/324 (arguido A) e de fls. 724/726 (arguido Ó), tudo isto precedido de descrições físicas concludentes.
E também a testemunha R reconheceu, sem margem para dúvidas, o arguido A (que conduzia a viatura), como resulta de fls. 325/327.
Curiosamente, tendo sido referido no anterior acórdão que o normal era que a testemunha referisse desde logo não se tratar daquelas pessoas, embora fossem parecidas (até porque as terá visto antes da entrada para a sala de audiências), veio agora, de forma quase espontânea, referir não se tratar do arguido Ó (único presente na recente audiência), cabendo aqui dizer que “é pior a emenda que o soneto”, já que a memória da testemunha não pode agora estar mais “fresca” do que então, decorrido que foi mais de um ano, por forma a permitir-lhe ser agora mais peremptória do que o fora há mais de um ano atrás.
De facto, os reconhecimentos já referidos foram-no “sem margem para quaisquer dúvidas”, quer fotográficos, quer pessoais, não colhendo o argumento de que os arguidos estariam vestidos de forma diversa, com traje prisional, e com aspecto menos cuidado do que os figurantes, nem o aduzido pela testemunha, de que se encontraria confusa, pois os factos haviam ocorrido apenas dias antes e dificilmente se esquece a “cara” de quem tão barbaramente atacou, ainda por cima tendo, antes disso, mantido relações sexuais com um deles.
Acresce que de modo algum é credível que fossem logo duas pessoas (testemunhas C e R) a “enganarem-se” em tais reconhecimentos, não sendo verosímil que R também estivesse “confuso” aquando desse acto, quando viu bem o arguido A ao volante do veículo, devido à sua acção de “vigilância” e perseguiu a viatura, de onde o A até disparou uma arma de fogo na direcção do seu veículo.
Também não colhe minimamente a afirmação do arguido Ó no sentido de que emprestou o veículo (que efectivamente lhe pertencia, como resulta de fls. 65/66) ao arguido A, tendo permanecido em Espanha, pois não é crível que o arguido A se deslocasse a Espanha, a 180Km. da fronteira, para ir pedir emprestado ao arguido Ó um veículo manifestamente em mau estado, com amolgadelas. Se necessitasse de uma viatura, o que não é plausível, ter-lhe-ia ficado menos dispendioso proceder a aluguer de uma. E de qualquer modo, como se deslocou ao local, para ir buscar um veículo de que necessitava ?
Mas se tinha viatura, porque quereria utilizar aquela, de matrícula espanhola ?
O certo é que é fora de dúvida que a viatura de matrícula espanhola, pertença do arguido Ó, foi aquela que foi usada para a prática dos factos, pois foram encontrados nela vestígios da presença da vítima C no seu interior, como o Vestígio Z2-E… (pêlo recolhido no exterior da garrafa de água encontrada no veículo- fls 202 e 853)
Mas também dos arguidos foram encontrados vestígios.
Do arguido Ó temos:
Vestígio Z1-E.., pêlo recolhido no assento do condutor - folhas 201 e 853; vestígio Z1-E.., garrafa de água de folhas 209 e 853; vestígio Z1-E.., pêlo recolhido na zona do tapete do lugar do condutor
Do arguido A, temos:
Vestígio Z1-E.., pêlo recolhido na zona do tapete do lugar do condutor - folhas 202 e 853; vestígio Z3-E.., pêlos recolhidos nos assentos traseiros.
Mas o elemento decisivo de prova que determinou a convicção do tribunal foi aquele que mostra terem existido movimentações no sentido de o arguido A conseguir montar uma justificação para o sequestro da ofendida.
Tais movimentações constam da certidão de folhas 815 e seguintes, isto é, da carta de folhas 828 a 830, apreendida ao arguido Ó quando foi realizada uma busca na casa da Sr.ª ME, no dia 3 de Janeiro de 2008, …, em Aveiro ( folhas 827), onde à data morava provisoriamente.
Desta carta consta uma folha com a morada para onde devia ser mandada a resposta, tratando-se da morada do arguido … ( ver TIR do arguido A a folhas 311).
Na carta de folhas 830 é feita uma descrição dos factos que coincide no essencial com o que consta da acusação, pretendendo o arguido A conseguir que não fosse dado como presente na cena dos acontecimentos.
Nessa carta alude-se aos crimes de roubo e sequestro como sendo os que constam da acusação e refere-se o nome de A e R JAl (a testemunha declarou em audiência ser conhecido pela alcunha de «JA).
Não há dúvida de que a carta em causa respeita aos factos que constam da acusação e constitui uma tentativa do arguido A se libertar da Autoria de tais factos.
Este elemento de prova sobreleva todas as dúvidas que se possam levantar nos autos, sendo que o próprio Acórdão do TRC não põe em causa este raciocínio em si mesmo, optando por apontar questões de pormenor que, de algum modo, pudessem infirmar as conclusões da sentença recorrida.
Ora, entende o tribunal que as conclusões antes formuladas de modo algum foram infirmadas pelo esclarecimentos ora logrados efectuar.
Desde logo, não foi feita qualquer prova de que o arguido Ó se encontrasse em Espanha no dia dos factos, ou de que só tivesse tomado conhecimento dos mesmos após a sua detenção. E a verdade é que o arguido Ó teve essa oportunidade de provar tal afirmação, não sendo exigível à acusação a prova do facto negativo correspondente, para além da que foi efectuada.
Quanto à inexistência de vestígios de sangue de C na viatura (sendo certo que a mesma afirmou ter sangrado em consequência da agressão à coronhada), tal questão é irrelevante, pois a viatura só foi apreendida em 5/6/2007 em Espanha (10 dias após os factos), podendo ter sido lavado com produto adequado o local onde o sangue se encontrava.
No mais, ficou suficientemente esclarecido ter sido o R a fornecer a matrícula da viatura espanhola à Polícia.
Resta a questão do preservativo examinado (fls. 852), que revelou um perfil genético masculino distinto dos arguidos (lado interno) e um perfil genético feminino de C (lados interno e externo).
À primeira impressão, este resultado poderia ser relevante no sentido de excluir a intervenção do arguido A nos factos (foi ele quem manteve relações sexuais com C). Todavia, para se concluir dessa forma, teria de se partir do princípio de que foi aquele o preservativo utilizado por quem interveio nos factos, o que não se afigura estar sequer indiciado.
Em primeiro lugar, não há dúvidas de que foi naquela viatura que os factos ocorreram (foi reconhecida pelas testemunhas C e R a fls. 96/97, tendo este tirado a matrícula e foram encontrados vestígios de C). Ora, a viatura pertencia ao arguido Ó e, mesmo que a tivesse emprestado ao arguido A (argumento que não colhe, como já foi referido), tal implicaria o seu uso pelo arguido A, não o excluindo, sendo certo que a mesma foi encontrada posteriormente na posse do arguido Ó, a quem foi apreendida, não tendo por isso sido usada por terceiros diversos dos arguidos, nem alguma vez foi referido que a viatura tenha sido entretanto furtada ou emprestada a outrem. E, chama-se aqui a atenção para a “carta” já referida, na qual se refere “ o Ó tem de dizer que eu não tive nada a ver com isto”, “eles têm provas dele – o carro, fotos, etc”.
A verdade é que não se sabe se o preservativo recolhido no parque de estacionamento foi o mesmo usado nas relações sexuais em causa.
Foi recolhido naquele local mais tarde; os factos ocorreram de noite; não há garantias de que a vítima não se tivesse equivocado no local, já que o parque é um espaço situado debaixo de um viaduto com pilares iguais uns aos outros, podendo ser fácil o equívoco, principalmente para uma prostituta que para aí se dirigiria variadas vezes.
Nada garante que o preservativo não estivesse ligado a outra situação de tráfico sexual, inclusive da mesma ofendida.
Acresce que C referiu na presente audiência que foi aquele o preservativo recolhido por ter aspecto de utilização mais recente, inculcando a ideia de que outros preservativos ali se encontravam.
Não despiciendo foi o facto de a testemunha C ter referido que a relação sexual não terminou, tendo ficado a meio, devido à intervenção do outro indivíduo, vindo da mala, já que tal circunstância exclui a existência de qualquer perfil genético masculino no preservativo efectivamente usado. Além disso, o acto sexual foi interrompido pelo surgimento do arguido Ó, tendo o veículo arrancado do local de imediato, não sendo plausível que o arguido A ali mesmo retirasse o preservativo e o deixasse naquele local.
Em suma, as questões de pormenor apontadas, que podem inculcar dúvidas, são largamente sobrelevadas pela concludente prova que consiste na carta de fls. 830, claramente elucidativa da participação de ambos os arguidos nos factos e da sua prática, tal como vêm narrados na acusação, pela que as eventuais dúvidas estão longe de poderem considerar-se relevantes para o efeito da aplicação do princípio “in dúbio pró reo”.
Relevaram ainda os autos de denúncia de fls. 2, 3 e 8, os documentos de fls.45, 47, 49, 65/66, 85, 87, 88/94, 96/97, 135/140, 200 e ss., 212/213, 328, 635/636, 721, 724/727, 835,836,852, 1059 , os CRCs dos arguidos de fls 1035 e 1045 e relatórios sociais.
Foram ainda relevantes o depoimento da ofendida, quanto aos valores subtraídos e o relatório da medicina legal, quantoa às lesões sofridas pela mesma.
Relativamente ao dolo, constata-se o mesmo da actuação concreta dos arguidos, toda ela orientada no sentido do roubo, com uso de pistola, que revela preparação prévia e concertada.
Quanto aos factos não provados, já foi feita referência à circunstância de sobre os mesmos não ter sido efectuada qualquer prova, com destaque, no caso vertente, para os alegados em contestação pelo arguido Ó .
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Recurso do arguido A

Desde já se diga, como questão prévia que as conclusões apresentadas pelo recorrente apresentam algum déficite de clareza e, nesse sentido as questões suscitadas serão conhecidas da forma que se apresentam.
Importa, também, sublinhar o que está em causa no recurso da matéria de facto, nomeadamente despistar e sanar os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso – vejam-se os Ac. do STJ de 16.6.2005, Recurso n.º 1577/05), e de 22. 6. 2006 do mesmo Tribunal.
O recurso sobre a matéria de facto, garantia que resulta directamente do âmbito do princípio constitucional do direito ao recurso, assumindo-se como uma fortíssima garantia de defesa, não consubstancia, em momento algum um novo julgamento.

Assente este princípio fundamental, a dimensão normativa estabelecida no CPP relativa ao recurso sobre a matéria de facto, assume duas dimensões:
a) a possibilidade de recurso que resulta da restrita aplicação estabelecida no artigo 410º nº 2 referente à correcção dos vícios aí referenciados por simples referência ao texto da decisão recorrida;
b) a que resulta da ampla possibilidade concedida à impugnação da matéria de facto resultante de erros de julgamento, por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido que se alude no artigo 412º nº 3.
*
No que respeita ao conhecimento do recurso sustentado nos vícios a que se refere o artigo 410º nº 2, em causa nos presentes autos, tendo em conta as conclusões formuladas, é jurisprudência pacífica a praticamente uniforme que aqueles vícios, em todas as suas alíneas (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão) têm que resultar da própria decisão/sentença, como documento único, embora essa conjugação possa ser referente às regras da experiência (cf. Ac. STJ 17 de Março de 2004).
Assim a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que se alude no artigo 410º n.º 2 alínea b), e o erro notório na apreciação da prova, consubstanciam, respectivamente, a inexistência de factos provados suficientes, a incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório da apreciação da prova efectuada pelo Tribunal.
Tudo isto, repete-se, desde que resulte do próprio texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
Recorde-se que estes vícios, podendo e devendo ser alegados, são no entanto de conhecimento oficioso.
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Efectuadas estas considerações, relevantes para que se compreenda o decidido, vejamos cada um dos pontos suscitados.
i) impugnação da matéria de facto por contradição na fundamentação;
Sintetizando o objecto de discordância do recorrente sobre esta dimensão do recurso importa constatar que o mesmo se insurge quanto ao facto de o Tribunal ter desvalorizado a negação, em audiência de julgamento, do depoimento da ofendida e testemunha C bem como da testemunha R relativa à identificação do arguido como autor dos factos essenciais em causa (agressão à C e roubo de determinados objectos identificados). Vale a pena sublinhar que outros pontos são questionados pelo recorrente, nomeadamente em relação aos tiros e à autoria dos mesmos que, serão analisados na sequência da apreciação global do recurso, tendo em conta que se trata de matéria pontual que, sendo relevante, deve ser vista em conjunto com toda a prova.
Da análise da fundamentação da sentença onde consta a prova produzida e a análise crítica da prova fundamento dos factos provados (no que respeita ao arguido A e também no que respeita ao arguido Ó) o Tribunal sustentou essencialmente a sua convicção em vários meios de prova, que analisa criticamente de uma forma clara e, no que respeita à matéria em causa nesta dimensão do recurso, se pode enquadrar em quatro tipos de meios de prova.
Assim desde logo no depoimento directo da testemunha C prestado em audiência, no que respeita às circunstâncias em que ocorreram os factos, tipo dos objectos roubados e seu valor (que não a identificação dos arguidos na audiência). Em segundo lugar os reconhecimentos efectuados pelas testemunhas C e R na fase de inquérito (fls 322/324, 724/726 e 352/327) que identificam os arguidos como autores dos factos. Em terceiro lugar o Tribunal funda a sua convicção nos vestígios biológicos encontrados no veículo que estabelecem a conexão dos arguidos com a viatura propriedade do arguido Ó que foi utilizada nos autos. Finalmente numa carta que se encontra junta aos autos (fls 815 e seguintes apreendida numa morada provisória do arguido Ó, em Janeiro de 2008, em que é efectuada uma descrição dos factos e segundo o tribunal, «constitui uma tentativa do arguido A se libertar da autoria dos factos».
Deixando de lado, por ora, a questão dos vestígios e da prova por reconhecimento – que serão apreciadas autonomamente - importa verificar se, no que respeita à prova por declarações se constata alguma patologia enquadrável nos vícios do 410º n.º 2 ou mesmo outros de conhecimento oficioso.
O Tribunal na sua fundamentação, esclarece que não valorando globalmente o depoimento C e R aproveitou dos seus depoimentos, no que respeita ao cerne da questão – a identificação do arguido A como autor dos factos – apenas alguns pontos que conectou com outros de meios de prova.
Duas questões se colocam. Poderia fazê-lo? Podendo, será essa prova suficiente para suportar a demonstração fáctica da matéria em causa?
Quanto à permissão para tal metodologia há que afirmar inequivocamente que sim, de acordo com o princípio fundamental e estruturante da aquisição e valoração da prova em processo penal, assente na liberdade do juiz em apreciar a prova segundo as regras da experiência e de acordo com a sua livre convicção – vide artigo 127º do CPP. Nada impede que se valore uma parte de um depoimento e não se valore outra, desde que isso seja justificado e tenha uma razão própria e identificada. E no caso concreto tem. A testemunha C presta um depoimento que em relação ás circunstâncias em que ocorreram os factos é o suporte do Tribunal e na parte em que nega a imputação dos mesmos aos arguidos não é valorado, tendo em conta que em momento anterior e em meio de obtenção de prova anterior (reconhecimento) teve outro comportamento. E o Tribunal nesse sentido fez a distinção.
Daí que não exista qualquer contradição na prova e na sua fundamentação nesta matéria.
Outra questão será saber se essa prova será suficiente para suportar os factos dados como provados e não provados.
Sobre isso importa no entanto que previamente se conheça das restantes questões relativa à prova suscitadas pelo recorrente porquanto a decisão global estará dependente da apreciação das duas questões relativas à validade dos reconhecimentos e das provas biológicas e ainda da conexão global dos outros meios de prova.
ii) erro notório na apreciação da prova por virtude de valoração indevida da prova por reconhecimento e valoração indevida da prova biológica.

a) A questão dos reconhecimentos.

O recorrente sobre a questão, essencial, da prova por reconhecimento que, conforme foi referido é uma das «traves mestras» probatórias em que se sustenta a decisão da primeira instância, questiona não só a valoração efectuada pelo tribunal sobre qualquer meio de prova como também a própria validade do meio. É isso que decorre das suas pouco claras, diga-se, conclusões. Veja-se na conclusão 14ª quando refere «Tendo o reconhecimento do pretenso autor dos factos, ora recorrente, sido objecto de impugnação (o do A pelo próprio com fundamentos que explanou em requerimento que nunca teve despacho apesar de acusar a falta de cumprimento dos requisitos legalmente previstos para a sua validade – art. 147.º, 1, 2 e 7 do CPP) e posto em crise pelas testemunhas, jamais pode o douto tribunal recorrido deixar de retirar daí as consequências legalmente previstas e absolver o recorrente.
Comece por dizer-se, antes do mais que a prova por reconhecimento, assume a natureza de um meio de prova autónomo em relação à prova por declarações, sendo «um meio de prova “pré-constituido” pois que, pela sua natureza e pelas conclusões apresentadas por estudos em psicologia da memória, deve ser realizado temporalmente o mais próximo possível da prática do acto ilíicto – no início do inquérito, portanto – inadequado para, ex novo, ser praticado em audiência de julgamento, de valor moderado mas discutível se nesta for praticado pela segunda vez, mas passível de, em audiência ser contraditado»- cf. João Gomes de Sousa,«O reconhecimento de pessoas no projecto do Código de processo penal», revista JULGAR, nº 1 p. 167 e Acórdão da Relação de Coimbra de 5.5.2010, in www.dgsi.pt.
Desde que efectuado de acordo com os requisitos legais estabelecidos no artigo 147º do CPP, a sua valoração pelo Tribunal está naturalmente dentro dos mesmos parâmetros que qualquer meio de prova validamente obtido: sujeito à livre apreciação da prova, a eu se refere o princípio estabelecido no artigo 127º do CPP.
No caso dos autos importa verificar que foram efectuados vários reconhecimentos na fase preliminar do processo envolvendo o arguido ora recorrente.
Desde logo o reconhecimento fotográfico efectuado pela testemunha C a 28.06.2007, ou seja um mês e três dias depois dos factos – cf. fls 130.
Posteriormente o reconhecimento presencial efectuado pela mesma testemunha em 22.08.2007 – cf. 322 a 324.
Finalmente o reconhecimento efectuado em 22.08.2007 pela testemunha R – cf. fls 325 a 327.
Desde já se diga que aqueles reconhecimentos foram efectuados de uma forma formalmente adequada, estando aliás no caso dos reconhecimentos pessoais, presente o advogado defensor do arguido.
Em todos os reconhecimentos referidos foi inequívoca a identificação do arguido como condutor do veículo e também autor dos factos presenciados pela testemunha C. Sublinhe-se a temporalidade em que os reconhecimentos foram efectuados em relação à data da prática dos factos (um mês e três dias, o fotográfico e cerca de três meses, os presenciais).
Ao valorar os reconhecimentos como prova válida e adequada sobre a identidade do autor dos factos o Tribunal efectuou um procedimento adequado e absolutamente justificado em relação a todo o comportamento tido pela testemunha ao longo do processo. O facto de não ter valorado as suas declarações em audiência que negavam a autoria dos factos ao agora recorrente, contraditoriamente às declarações que configuraram o acto de reconhecimento efectuado três anos antes, de uma forma válida não põe em causa este reconhecimento. Posição que aliás é usual no âmbito de situações onde a prova por reconhecimento é utilizada e tem vindo a ser aceite pela jurisprudência, nomeadamente deste Tribunal (cf. Ac. Acórdão da R. Coimbra de 14.07.2010, proc. 108/09.07 (in www.dgsi. pt., onde se refere que «Não obsta à valoração do reconhecimento do agente, maxime quando corroborado por outros meios de prova, efectuado nos termos legais no início do inquérito pela ofendida, o facto desta em audiência de julgamento ter declarado não reconhecer o agente que antes reconhecera».
Ora, como também disse o Tribunal da primeira instância – e já se sublinhou – para além do reconhecimento existiram outros (e vários) meios de prova em que o Tribunal sustentou a sua decisão.
Em síntese, o que se pode concluir é que nada há a apontar à decisão de valoração dos reconhecimentos efectuados pelo Tribunal, que para além de válidos, foram bem valorados pelo Tribunal.
b) a questão da prova biológica.
Insurge-se o recorrente, mais uma vez numa afirmação pouco sustentada, que «Sendo consabido que o valor dos indícios biológicos, como meio de prova dos factos e dos seus autores, é relativo, não se concebe que tenham concorrido para a decisão como se absoluto fosse o seu valor.
Sobre esta questão vale a pena sublinhar que o que está em causa anos autos é a utilização (valorada positivamente) pelo Tribunal na sua decisão de prova sustentada em recolha de vestigios de ADN no local onde ocorreram os factos. Conforme decorre da sentença trata-se de marcadores referentes ao arguido recorrente (ou que com ele possam ter repercussões). Sobre eles diz-se na fundamentação: «O certo é que é fora de dúvida que a viatura de matrícula espanhola, pertença do arguido Ó, foi aquela que foi usada para a prática dos factos, pois foram encontrados nela vestígios da presença da vítima Carla Sofia no seu interior, como o Vestígio Z2-.. (pêlo recolhido no exterior da garrafa de água encontrada no veículo- fls 202 e 853) Mas também dos arguidos foram encontrados vestígios. (…) Do arguido A, temos: Vestígio Z1-EV17, pêlo recolhido na zona do tapete do lugar do condutor - folhas 202 e 853; vestígio Z3-EV02, pêlos recolhidos nos assentos traseiros.
É absolutamente evidente que os vestígios encontrados no veículo pertencem ao arguido. Isso aliás, nunca foi posto em causa. O relatório pericial (a que não alude o recorrente), efectuado pelo INML é muito claro nas conclusões a que chega quanto aos vestígios que analisou (fls. 853: «o estudo do DNA mitocondrial (HVRI e HVRII) realizado nos 30 pêlos analisados de natureza humana revelou: (…) um perfil idêntico ao do arguido A, nos pêlos b) e c) do vestígio z1-EV17 e nos pêlos e9 e f) do vestígio Z3-EV02 (…)». Para além de vestígios da testemunha C e arguido Ó.
E nessas circunstâncias o que o Tribunal fez foi uma valoração desse meio de prova, conjuntamente com os restantes meios de prova validamente recolhidos e através deles utilizando a máxima de experiência de vida tirou as suas conclusões. O que não se pode dizer – porque isso o Tribunal não fez – é que se tenha dado um valor absoluto a tais meios de prova e só com eles se tenha concluído pela condenação do arguido pelos factos pelos quais estava acusado. Isso não foi feito nem o poderia ser em função da dimensão dos vestígios.
Agora o que foi feito (e bem feito, diga-se) foi a conexão de tais meios de prova com outros meios de prova e, a partir daí retirar-se a conclusão não arbitrária de que o arguido é autor dos factos.
Daí que nada se possa apontar ao Tribunal da primeira instância sobre a valoração que fez deste meio de prova.
iii) violação do princípio do in dubio pró reo e do princípio do acusatório.
O recorrente, globalmente e em vários pontos das suas conclusões suscita a questão da violação dos princípios da presunção de inocência, do in dubio pró reo e do acusatório, aparentemente sustentado na forma como o Tribunal valorou algumas as provas individualmente e não valorou outras.
Começando pela pretensa violação do princípio do acusatório, dir-se-á que, o conteúdo deste princípio sustenta-se numa estrutura tão simples (e tão profunda) como isto: a entidade que julga não deve ter funções de investigação e acusação, por um lado – dimensão orgânica - devendo o juiz mover-se dentro dos limites postos pela acusação, por outro – dimensão material. São, afinal, as duas vertentes que caracterizam o princípio da acusação (desenvolvidamente cf. José Mouraz Lopes, A tutela da imparcialidade endoprocessual no processo penal português, Coimbra Editora, 2005, p. 37.)
Ora em momento algum da sentença sub judice pode ver-se algum comportamento processual que ponha em causa este princípio nomeadamente que tenha sido ferido ou sequer beliscado o princípio da imparcialidade do Tribunal. Daí que não se possa compreender onde e em que circunstâncias sustenta o recorrente a violação deste princípio.
Quanto à violação do principio do in dubio pro reo, parece decorrer das conclusões do recorrente que tal se deve à valoração cumulativa de um conjunto de provas e à não valoração de outras, nomeadamente os depoimentos das duas testemunhas prestadas em audiência (C e R) referentes à não identificação do arguido.
O princípio da presunção de inocência é um dos princípios fundamentais em que se sustenta o processo penal num Estado de Direito.
Assumido como uma dos princípios estruturantes no âmbito da prova, nomeadamente no domínio da questão de facto, o princípio in dúbio pro reo além de ser uma garantia subjectiva «é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa» (Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3ª Edição, págs. 203-4).
O que está em causa neste princípio é, na persistência de uma dúvida razoável após a produção de prova em relação a factos imputados a um suspeito, um comando dirigido ao tribunal para «actuar em sentido favorável ao arguido» (cf. Figueiredo Dias, Direito processual Penal, 1981, p. 215).
No caso concreto não se suscitou ao tribunal qualquer dúvida razoável sobre a actuação do arguido. Ou seja, no caso, não se verifica – nem isso decorre da fundamentação de facto que sustenta a prova efectuada - qualquer ausência de certeza do tribunal sobre a factualidade dada como provada. O que acontece é que o tribunal efectuou (bem) uma valoração global de um conjunto de provas que levaram à conclusão de que o arguido praticou os factos. Assim conforme já foi referido, o tribunal sustentou a sua convicção probatória em quatro tipos de meios de prova: i) no depoimento directo da testemunha C, prestado em audiência, no que respeita às circunstâncias em que ocorreram os factos, tipo dos objectos roubados e seu valor (que não a identificação dos arguidos na audiência); ii) nos reconhecimentos efectuados pelas testemunhas C e R na fase de inquérito (fls 322/324, 724/726 e 352/327) que identificam os arguidos como autores dos factos; iii) nos vestígios biológicos encontrados no veículo que estabelecem a conexão dos arguidos com a viatura propriedade do arguido Ó que foi utilizada nos autos; iv) Finalmente numa carta que se encontra junta aos autos (fls 815 e seguintes apreendida numa morada provisória do arguido Ó, em Janeiro de 2008, em que é efectuada uma descrição dos factos e segundo o tribunal, «constitui uma tentativa do arguido A se libertar da autoria dos factos».
O processo de valoração efectuado é absolutamente legítimo, não se vislumbrando, por isso, qualquer violação do princípio da presunção de inocência do arguido no modo como o Tribunal valorou as provas e através delas fixou a matéria de facto provada e fundamentou a decisão.

iv) Concurso dos crimes de roubo e sequestro;
De uma forma sintética o recorrente alude nas suas conclusões ao facto de « O roubo consome o sequestro e, pelos factos dados como provados, jamais haveria lugar ao concurso de tais crimes». Também o Ministério Público, nomeadamente o Senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação sustenta no seu parecer que sobre esta dimensão do recurso deverá dar-se razão aos recorrentes.
Para o conhecimento desta questão do recurso importa antes de mais atentar na factualidade provada, para em função dela, se apreciar a pertinência da conclusão.
Resumidamente, (factos 1 a Y) os arguidos dirigiram-se para a Rua Estevão Cabral, em Coimbra, no veículo automóvel(…), onde sabiam encontrarem-se mulheres que se dedicam à prostituição a aguardar clientes(…) avistaram C que aí se dedicava à prostituição, (…) e logo decidiram retirar-lhe alguns dos valores que trouxesse consigo exercendo, se necessário, actos de violência e ameaças sobre ela (…) arguido Ó escondeu-se na mala da viatura e o arguido A conduziu o veículo até ao local onde aquela se encontrava, (…), falou com a C e combinou manter com ela relações sexuais a troco de vinte e cinco euros, tendo aquela, para o efeito, entrado no veículo (…) conduziu o veículo até ao parque de estacionamento(…) , manteve relações sexuais com aquela durante alguns minutos no banco dianteiro do pendura. Quando se encontravam a manter essa relação de sexo, o arguido Ó saiu da mala do carro, abordou a C, agarrou-a e puxou-a para si. (…) De imediato, o arguido A colocou a viatura em movimento, tomou a estrada nacional na 341, no sentido de Taveiro, e, ao aperceber-se que alguém os seguia, aumentou de velocidade (…) No percurso o arguido Ó com a coronha da arma desferiu-Ihe várias pancadas na cabeça e vários murros e socos em diversas partes do corpo, designadamente na cabeça, cara e pernas. Depois dessas agressões e de terem percorrido alguns quilómetros aperceberam-se que continuavam a ser seguidos por um veículo. Nessa altura, o arguido A, com a indicada arma que entretanto lhe tinha sido entregues pelo arguido Ó, efectuou pelo menos dois disparos na direcção da viatura que seguia atrás deles conduzida por R. Entretanto, os arguidos inverteram a marcha do veículo, abandonaram a estrada e tomaram o caminho de acesso a Vila Pouca do Campo. Pouco depois abrandaram a velocidade do veículo, disseram à C para lhes dar os valores que tinha consigo ao que ela, com receio que os arguidos prosseguissem com as agressões e até lhe tirassem a vida, entregou -lhes quatro telemóveis, marca NOKIA, modelo 1100, no valor de 40,00 euros cada um, uma carteira no valor de 15,00 euros, um fio em ouro no valor de trezentos euros. Na posse desses bens, que fizeram seus, abriram a porta do lado do pendura do veículo e atiraram a C para a rua».
A questão do concurso real ou aparente entre o crime de sequestro e roubo tem sido debatida na jurisprudência e doutrina ao longo dos anos, podendo sintetizar-se alguma dimensão de unanimidade na constatação de que não há concurso real dos crimes de roubo e sequestro, se o ofendido, embora retido e impossibilitado de se deslocar durante momentos, foi logo libertado, após os arguidos lhe terem tirado valores , tendo havido por parte destes uma só intenção: roubar (ver. por todos o Ac STJ 14.5.1997 CJ STJ 1997 T II pg. 205.
Ou seja o que está em causa é saber se a dimensão da privação da liberdade foi além do necessário para se atingirem os fins que se tinham quando o que se pretendia era apenas roubar a vítima.
Da factualidade provada decorre à evidência que os arguidos queriam roubar a vítima. O facto de a terem retido com violência na viatura não pode ser dissociado da perseguição que foram sujeitos (e com que provavelmente não contavam) sendo certo que está provado que após a perseguição e logo que se encontraram na posse dos bens, que fizeram seus « abriram a porta do lado do pendura do veículo e atiraram a C para a rua. Ou seja a privação da liberdade da vítima, que foi um facto, não ultrapassou o período necessário, em função das circunstâncias concretas em que os factos ocorreram, para se apoderarem dos bens da vítima. Como se refere no Ac. do STJ de 10.10.2007 in www.dgsi.pt, «a violação do bem jurídico não tem autonomia funcional», ficando a protecção do bem jurídico consumida pela específica construção do crime de roubo. Daí que não possa deixar de concluir-se que, na situação em apreciação, estamos na presença de um único crime de roubo e não de um concurso de crimes.
Nessa medida o recurso do recorrente é, nesta parte, procedente, absolvendo-se portanto o arguido do crime de sequestro.
Assim, e em conformidade, altera-se a decisão recorrida quanto à condenação pelo crime de sequestro mantendo-se a decisão da primeira instância quanto ao crime de roubo, incluindo a pena aplicada de três anos de prisão.
*

Recurso do arguido Ó.
Vejamos cada uma das dimensões suscitadas por este recorrente.
i) erro notório na apreciação da prova e manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
Relativamente a este ponto o recorrente insurge-se contra o facto de o Tribunal ter dado como provada a sua participação nos factos e não ter valorado as suas declarações que prestou no sentido de estar ausente de Portugal no momento dos factos, em Espanha e ter emprestado a sua viatura ao arguido A. Mais se insurge quanto ao facto de o tribunal não ter valorado o depoimento da testemunha C que expressamente referiu em audiência que não tinha sido o arguido o agressor bem como o depoimento da testemunha R que também referiu que não conhecia o recorrente.
Não repetindo as considerações jurídicas efectuadas sobre a natureza do recurso da matéria de facto em causa efectuadas a propósito do recuso do arguido A (para onde se remetem, por serem, para este recurso, pertinentes) apenas se repetirá que este recurso assumindo-se como uma fortíssima garantia de defesa, não consubstancia, em momento algum um novo julgamento.
Por outro lado e como matriz que condiciona todo o conhecimento do recurso (que põe em causa o princípio da livre apreciação da prova que sustentou a tomada de posição do Tribunal de 1ª Instãncia) há que entender que o princípio da livre apreciação da prova não sendo (que não é!) um princípio de livre arbítrio na valoração prova, quando é invocado deve ser cuidadosamente percepcionado.
Ou seja, quando o mesmo é invocado deve atentar-se no modo como o mesmo está estabelecido no CPP e em que medida é que o mesmo, in casu, foi posto em causa. E ele não é posto em causa quando o Tribunal funda a sua opção probatória de forma sustentada e justificada, de um modo consistente e que permite perceber qual a escolha efectuada, porquê esta opção e não aquela e isso se mostra coerente em todo o percurso analítico efectuado.
Ora no caso (e mais uma vez, em relação à dimensão da prova que está em causa) o Tribunal justificou clara e fundadamente as suas opções. E também justificou porque não valorou as provas (que não existiram, excepto as suas – do arguido - declarações) que o arguido pretendia ver como aquelas que para si seriam o sustentáculo da sua versão, nomeadamente que estaria em Espanha a trabalhar quando da ocorrência dos factos. É explícito, o Tribunal quando refere «não foi feita qualquer prova de que o arguido Ó se encontrasse em Espanha no dia dos factos, ou de que só tivesse tomado conhecimento dos mesmos após a sua detenção».
O Tribunal não manipulou depoimentos prestados a seu bel prazer, antes os valorou como eles são efectivamente prestados, com os seus «altos» e «baixos», com as sua fragilidades e levando em conta outras provas. Daí que tenha valorado, por exemplo o depoimento da testemunha C em relação a vários pontos dos factos e não o tenha valorado noutros, como é o caso das declarações prestadas em audiência sobre o não reconhecimento do arguido recorrente (e do A).
Concretamente sobre esta questão – já apreciada no recurso do arguido A, para ao qual se remete, porque a questão é a mesma – sublinha-se mais uma vez que é válído o procedimento efectuado porque não arbitrário e justificado. Não há qualquer erro sobre os sujeitos envolvidos, como pretende o recorrente.
O Tribunal refere porque não valorou os depoimentos em que o arguido pretende ver sustentada a sua versão (nem o depoimento em audiência da testemunha C nem o depoimento da testemunha R, nem o seu próprio depoimento) e fê-lo de uma forma inequívoca não deixando dúvidas sobre o porquê da sua valoração destas provas.
Em nenhum momento da sua fundamentação é visível qualquer (dir-se-ia, a mínima!) ponta de livre arbítrio ou erro no modo como foi decidida a matéria.
Daí que não possa encontra-se nesta dimensão do recurso qualquer erro notório na apreciação da prova ou insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
ii) invalidade do reconhecimento efectuado.
Nas suas conclusões (17,18 e 19) o recorrente, sobre esta matéria refere que «O reconhecimento pessoal feito nas instalações da Polícia Judiciária de Coimbra não pode também ser valorado inequivocamente e ter o valor de prova que lhe é atribuído, na medida em que o reconhecimento (constante de fis 724/726), não é exacto, muito menos tendo sido “precedido de descrições físicas concludentes”. Com efeito, a descrição feita a fis. 726 refere um dos agressores (que se quer fazer crer — o que não se aceita - com que seja o ora recorrente Ó) como um indíviduo com uma compleição física totalmente díspare e em nada coincidente com a do ora recorrente, conforme documentalmente se pode verificar a fis 67 — Ficha Biográfica da Polícia Judiciária.Ou seja, o ora recorrente tem uma compleição física no que diz respeito à idade e altura que não corresponde minimamente à descrição em vários momentos dada pela ofendida (mais de sete anos de idade e quase mais 15 cm de altura). A fis. 727 dos autos é evidente que o ora recorrente foi levado para o reconhecimento pessoal com a indumentária do estabelecimento prisional, o que desde logo vicia necessariamente o juízo de quem vai reconhecer.
Não se repetindo, por redundante, as considerações efectuadas sobre a prova por reconhecimento (e por isso remetendo-se para o que é dito supra, no âmbito da questão decidida no recurso do arguido A), importa atentar no modo como foi realizado o reconhecimento do arguido, na fase preliminar do inquérito.
Tal reconhecimento foi efectuado em 8 de Janeiro de 2008, nas instalações da Polícia Judiciária de Coimbra, com a presença do defensor do arguido.
Tal reconhecimento foi efectuado de acordo com as regras estabelecidas no artigo 147º do CPP e nele a testemunha «reconheceu o individuo com o nº 4, sem margem para qualquer dúvida, como aquele que referiu de acordo com a descrição por si efectuada neste Auto, relativamente aos factos de que foi vítima, aquando da prática do crime a que se reportam os Autos, ocorrida no passado dia 25/05/2007».
Não resulta qualquer dúvida que o arguido foi reconhecido pela testemunha em procedimento absolutamente correcto (e sublinhe-se, na presença de advogado, defensor). Pode questionar-se – e assim o faz o recorrente – o tempo entretanto decorrido entre a prática dos factos e o reconhecimento(cerca de oito meses). Sejamos razoáveis. Se outros reconhecimentos foram efectuados nos autos com dilação mais curta (dois meses) não estamos ainda com uma dimensão desrazoável de tempo que possa pôr em causa a memória de alguém que oito meses de pois dos factos reconhece o seu autor.
Daí que nem os procedimentos nem o conteúdo resultante do reconhecimento efectuado possa ser questionado na sua validade.
E sendo válido o que o tribunal fez foi valorá-lo, juntamente com outros meios de prova e que se afiguraram ao Tribunal como mais do que suficientes para sustentar e justificar a sua decisão. Sublinha-se a prova resultante dos vestígios biológicos (sobre a qual se falará infra) e a propriedade da viatura. Questão a merecer apreciação autónoma prende-se com a carta junta a fls. 828, sobre a qual nos pronunciaremos infra.

iii) contradição entre a fundamentação e a decisão.
Sobre esta dimensão do recurso e pese embora o recorrente também alegar a questão da credibilização das testemunhas que terão negado a sua participação – que como se decidiu, não evidenciam qualquer patologia, na medida em que nesta parte o Tribunal não valorou esses depoimentos – três questões importa tratar: a questão dos vestígios biológicos, e a questão do sangue (ou da sua ausência) carta de fls 828 a 830.
a) A questão dos vestígios biológicos.
Questiona o recorrente sobre esta dimensão do recurso que a contradição reside no facto de os vestígios encontrados estarem numa garrafa de água e no assento do condutor, sendo que se deu como provado que o recorrente estaria na mala do carro, num primeiro momento e posteriormente no lugar do passageira o da frente.
Sobre a valoração dos vestígios efectuados pelo Tribunal importa atentar na decisão e sublinhar que na sua fundamentação é dito, sobre a questão, que « O certo é que é fora de dúvida que a viatura de matrícula espanhola, pertença do arguido Ó, foi aquela que foi usada para a prática dos factos, pois foram encontrados nela vestígios da presença da vítima C no seu interior, como o Vestígio Z2-EV02 (pêlo recolhido no exterior da garrafa de água encontrada no veículo- fls 202 e 853) Mas também dos arguidos foram encontrados vestígios.(…) Do arguido Ó temos: Vestígio Z1-EV10, pêlo recolhido no assento do condutor - folhas 201 e 853; vestígio Z1-EV01, garrafa de água de folhas 209 e 853; vestígio Z1-EV17, pêlo recolhido na zona do tapete do lugar do condutor.
Os vestígios encontrados – e que não foram postos em causa na sua dimensão de meio licito e válido de prova - valem apenas sobre o que decorre do seu conteúdo: o arguido terá estado na viatura.
Como se disse quando da apreciação de questão similar para o arguido A, o que o Tribunal fez foi, repete-se uma valoração desse meio de prova, conjuntamente com os restantes meios de prova validamente recolhidos e através deles utilizando a máxima de experiência de vida tirou as suas conclusões. O que não se pode dizer – porque isso o Tribunal não fez – é que se tenha dado um valor absoluto a tais meios de prova e só com eles se tenha concluído pela condenação do arguido pelos factos pelos quais estava acusado. Isso não foi feito nem o poderia ser em função da dimensão dos vestígios. A posição e o local onde os vestígios foram encontrados não entram em contradição com os factos provados, até porque, no caso do arguido era ele o proprietário do veículo. Por outro lado toda a dinâmica dos factos mostra que ocorreu alguma «confusão» no interior de um espaço relativamente exíguo como é um automóvel sendo «normal« que existissem vestígios espalhados em vários pontos no interior do veículo. Daí que não posa atribuir-se a tais vestígios um valor absoluto e único como meio de prova único que sustenta a condenação. O que não foi feito, diga-se. Agora o que foi feito (e bem feito, diga-se) foi a conexão de tais meios de prova com outros meios de prova (reconhecimento efectuado) e, a partir daí retirar-se a conclusão não arbitrária de que o arguido é autor dos factos.
Daí que nada se possa apontar ao Tribunal da primeira instância sobre a valoração que fez deste meio de prova e consequentemente, não se verifica, nesta parte do recurso qualquer patologia passível de tornar nula a decisão.

b) A questão do sangue
No âmbito deste ponto do recurso pretende o recorrente que há contradição entre o facto de a ofendida ter sido agredida e por isso ter sangrado e a inexistência de vestígios de sangue na viatura.
Sobre esta questão vale a pena sublinhar que na matéria de facto não há qualquer alusão à existência de sangue, pese embora se darem como provadas as agressões e as suas consequências. Por outro lado, sendo uma questão, dir-se-ia com algum interesse «policial», ela é no domínio da fundamentação da sentença e da prova apreciada irrelevante, como aliás foi expressamente referido na sentença: quanto à inexistência de vestígios de sangue de C na viatura (sendo certo que a mesma afirmou ter sangrado em consequência da agressão à coronhada), tal questão é irrelevante, pois a viatura só foi apreendida em 5/6/2007 em Espanha (10 dias após os factos), podendo ter sido lavado com produto adequado o local onde o sangue se encontrava.
Daí que não exista qualquer contradição na fundamentação ou entre esta a decisão, quanto a esta matéria.

c) carta de fls. 828 a 830
Insurge-se o recorrente, nesta dimensão do recurso, na suas conclusões (32 a 34) contra o facto de ao documento em causa (fls 828 a 830) nunca tendo sido feita uma peritagem para saber quem verdadeiramente a escreveu (…) Não havendo prova nos autos, que valide ou ateste a veracidade do que está plasmado em tal documento. Por outro lado Não existe qualquer nexo de causalidade entre a existência da carta e os factos dados como provados.
Sobre tal carta importa referir o seguinte. Em primeiro lugar trata-se de um documento não autenticado que foi junto aos autos ainda na fase de inquérito, após ter sido encontrado numa busca domiciliária efectuada em residência onde o arguido Ó habitou no interior de um saco que lhe pertencia.
Tal documento foi indicado como prova pela acusação e até esta fase do recurso não foi posto em causa pelo arguido.
O tribunal, na sua decisão, deu ao mesmo documento uma relevância de prova que é de sublinhar, relevância que é agora posta em causa.
Conforme se diz na sentença « o elemento decisivo de prova que determinou a convicção do tribunal foi aquele que mostra terem existido movimentações no sentido de o arguido A conseguir montar uma justificação para o sequestro da ofendida.
Tais movimentações constam da certidão de folhas 815 e seguintes, isto é, da carta de folhas 828 a 830, apreendida ao arguido Ó quando foi realizada uma busca na casa da Sr.ª ME, no dia 3 de Janeiro de 2008, …, em Aveiro ( folhas 827), onde à data morava provisoriamente.
Desta carta consta uma folha com a morada para onde devia ser mandada a resposta, tratando-se da morada do arguido A, … ( ver TIR do arguido A a folhas 311).
Na carta de folhas 830 é feita uma descrição dos factos que coincide no essencial com o que consta da acusação, pretendendo o arguido A conseguir que não fosse dado como presente na cena dos acontecimentos.
Nessa carta alude-se aos crimes de roubo e sequestro como sendo os que constam da acusação e refere-se o nome de A e RJl (a testemunha declarou em audiência ser conhecido pela alcunha de «JO»).
Não há dúvida de que a carta em causa respeita aos factos que constam da acusação e constitui uma tentativa do arguido A se libertar da Autoria de tais factos».
No que diz respeito à valoração da prova em processo penal, o princípio geral é o da sua livre apreciação, como decorre do art. 127º do C.P.Penal ("Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente"). Excepção a esta regra, a prevista no art. 169º do mesmo Código: "Consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa". Dessa força probatória legal estão excluídos os documentos particulares não autenticados, estando consequentemente abrangidos pelo princípio da livre apreciação da prova constante do art. 127º do C. Penal
Comece por referir-se que o documento em causa é uma prova válida, nunca posta em causa por nenhum dos intervenientes processuais, sendo o seu conteúdo manifestamente relevante para o objecto do processo (recorde-se que se trata de uma carta pessoal onde é efectuada uma descrição dos factos em causa no processo, que estava na posse do arguido Ó e aparentemente com um objectivo preciso: que se afastasse o arguido A dos factos ocorridos).
Em segundo lugar a questão da autoria da carta não assume a relevância que o recorrente pretende dar-lhe porque em momento alguma foi estabelecida a ligação factual (causal) entre o arguido Ó e a autoria da carta (nem isso lhe é imputado). O que acontece é que esta foi encontrada na sua residência, no interior de um saco que lhe pertencia e inequivocamente tem um conteúdo absolutamente relevante com os factos e que não podia deixar de ser levada em conta pelo Tribunal.
O Tribunal utilizou este documento como mais uma prova, a que deu um relevo inequívoco conjuntamente com as restantes prova, abundantemente descrita na sentença. Como se disse inicialmente no âmbito do conhecimento do recurso do arguido A, o Tribunal sustentou a sua convicção em quatro tipos de meios de prova: i) no depoimento directo da testemunha C prestado em audiência, no que respeita às circunstâncias em que ocorreram os factos, tipo dos objectos roubados e seu valor (que não a identificação dos arguidos na audiência); ii) em segundo lugar os reconhecimentos efectuados pelas testemunhas C e R, na fase de inquérito (fls 322/324, 724/726 e 352/327) que identificam os arguidos como autores dos factos; iii) em terceiro lugar o Tribunal funda a sua convicção nos vestígios biológicos encontrados no veículo que estabelecem a conexão dos arguidos com a viatura propriedade do arguido Ó que foi utilizada nos autos; iv) finalmente numa carta que se encontra junta aos autos (fls 815 e seguintes apreendida numa morada provisória do arguido Ó, em Janeiro de 2008, em que é efectuada uma descrição dos factos e segundo o tribunal, «constitui uma tentativa do arguido A se libertar da autoria dos factos.
Ou seja o documento em causa é apenas uma das provas em que o Tribunal sustentou a sua decisão, prova válida e valorizada igualmente de forma adequada sem qualquer pretensão exclusivista como factor de condenação e antes vista apenas como mais uma das provas legitimas e sobre as quais foi efectuado o juízo global de condenação efectuado e sustentado no restante conjunto probatório.

iv) violação do princípio do in dubio pro reo;
Sobre esta questão, o recorrente sustenta o seu recurso na inexistência de provas que permitam efectuar um registo condenatório, nomeadamente insistindo na negação da testemunha Carla em audiência em reconhecê-lo como autor dos factos.
Remetendo as considerações jurídicas sobre o princípio da presunção de inocência para o que se disse supra em relação o recurso do arguido A, sublinha-se, ainda assim, para que não fiquem dúvidas que naquele princípio o que está em causa « a persistência de uma dúvida razoável após a produção de prova em relação a factos imputados a um suspeito, um comando dirigido ao tribunal para «actuar em sentido favorável ao arguido» (cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1981, p. 215).
No caso sub judice e em relação ao arguido Ó, não se suscitou ao tribunal qualquer dúvida razoável sobre a sua participação nos factos - nem isso decorre da fundamentação de facto que sustenta a prova efectuada. O tribunal efectuou uma valoração global de um conjunto de provas que levaram à conclusão de que o arguido praticou os factos. Insiste-se: o tribunal sustentou a sua convicção probatória em quatro tipos de meios de prova: i) no depoimento directo da testemunha Carla Sofia, prestado em audiência, no que respeita às circunstâncias em que ocorreram os factos, tipo dos objectos roubados e seu valor (que não a identificação dos arguidos na audiência); ii) nos reconhecimentos efectuados pelas testemunhas C e R, na fase de inquérito (fls 322/324, 724/726 e 352/327) que identificam os arguidos como autores dos factos; iii) nos vestígios biológicos encontrados no veículo que estabelecem a conexão dos arguidos com a viatura propriedade do arguido Ó que foi utilizada nos autos; iv) Finalmente numa carta que se encontra junta aos autos (fls 815 e seguintes apreendida numa morada provisória do arguido Ó, em Janeiro de 2008, em que é efectuada uma descrição dos factos e segundo o tribunal, «constitui uma tentativa do arguido A se libertar da autoria dos factos».
O processo de valoração efectuado é absolutamente legítimo, não se vislumbrando, por isso, qualquer violação do princípio da presunção de inocência do arguido no modo como o Tribunal valorou as provas e através delas fixou a matéria de facto provada e fundamentou a decisão.

v) inexistência de concurso dos crimes de roubo e sequestro.
Insurgindo-se o recorrente quanto à condenação por dois crimes, exactamente na mesma dimensão em que a questão foi colocada pelo arguido A, resta apenas decidir a questão de forma idêntica.
Ou seja, pelos mesmos fundamentos (supra identificados) entende-se que a privação da liberdade da vítima, que foi um facto, não ultrapassou o período necessário, em função das circunstâncias concretas em que os factos ocorreram, para se apoderarem dos bens da vítima. Daí que não possa deixar de concluir-se que estamos na presença de uma situação de um único crime de roubo e não de um concurso de crimes.
Nessa medida o recurso do recorrente é, nesta parte, procedente, absolvendo-se portanto o arguido do crime de sequestro.
Assim, e em conformidade altera-se a decisão recorrida quanto à condenação pelo crime de sequestro mantendo-se a decisão da primeira instância quanto ao crime de roubo, incluindo a pena aplicada de três anos de prisão.
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III. DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos A e Ó , alterando-se tão só a qualificação jurídica dos crimes imputados a ambos os arguidos, sendo assim os arguidos condenados nos seguintes termos:
a) o arguido A, como co-autor de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 2, al. b) e 204.º, n.º 2, al. f ) do Código Penal, na pena de três anos de prisão.
b) O arguido Ó, como co-autor de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pela conjugação dos artigos 210.º, n.º 2, al. b) e 204.º, n.º 2, al. f ) do Código Penal, na pena de três anos de prisão.
Mantém-se as restantes decisões condenatórias.
Sem custas
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artigo 94º nº 2 CPP).

Coimbra, 22 de Setembro de 2010

Mouraz Lopes


Félix de Almeida