Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1002/08.4TBTNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
ANULABILIDADE
DECLARAÇÃO INEXACTA
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 429º DO CÓDIGO COMERCIAL
Sumário: I – O art. 429º do Código Comercial, não obstante a referência à nulidade, prevê a anulabilidade do contrato, em virtude de declarações inexactas ou reticentes.

II - Recai sobre o segurado, no momento da formação do contrato, a obrigação de comunicar ao segurador todas as circunstâncias conhecidas que possam influenciar a determinação do risco, que no caso do seguro do ramo Vida consistirá essencialmente na informação sobre o estado de saúde da pessoa a segurar, informação normalmente obtida através do questionário fornecido pela seguradora.

III - Para a invalidade do contrato de seguro não basta apenas a demonstração da declaração inexacta ou reticente, sendo indispensável ainda a prova de que ela influiria sobre a existência ou condições do contrato, ou seja, da verificação do nexo de causalidade entre a inexactidão e a outorga do contrato, cujo ónus recai sobre a Seguradora.

IV - Querendo a Seguradora prevalecer-se de uma cláusula de exclusão da cobertura, constante da apólice, cabe-lhe, por força dos arts 5º, nº 3 e 6º, nº 1 do DL nº 446/85, o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e informação, como exigência do chamado “princípio da transparência” e que pressupõe o conhecimento completo e efectivo do clausulado pela contraparte.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1. - O Autor – A… – instaurou (4/9/2008), na Comarca de Torres Novas, acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus – B… Companhia de Seguros SA e Banco … SA.

Alegou, em resumo:

Em 23 de Junho de 1999, o Autor e a sua mulher E…, contraíram empréstimo (contrato nº…) de € 65.093,12 junto do Banco …, destinado à aquisição de imóvel para habitação permanente, a ser pago durante 29 anos.

O Autor e a esposa celebraram com a Ré B… um contrato de seguro do ramo vida (titulado pela apólice nº…), através do qual a Seguradora se obrigou a pagar ao Banco mutuante, na qualidade de credor hipotecário, a parte do capital em dívida em caso de morte ou de invalidez total ou permanente e o remanescente aos herdeiros legais da pessoa segurada em caso de morte.

No dia 3 de Dezembro de 2006 faleceu a esposa E…, cuja morte foi comunicada aos Réus, mas o Banco continuou a debitar a prestação e a Seguradora não pagou a dívida àquele.

Pediu:

a) - A condenação da Ré B… a pagar ao Banco a quantia em dívida, no valor de € 56.235,61;

b) - A condenação do Banco … a restituir-lhe todas as quantias que cobrou e vier a cobrar depois do óbito de E…, que à data da propositura da acção ascende a € 7.951,47.

Contestou a Ré B…, defendendo-se, em síntese:

Nos termos das condições gerais da apólice estava excluído o risco de morte resultante de “doença pré-existente”, e que fazia parte a proposta de seguro subscrita pelo Autor e esposa.

Sucede que quando subscreveram a proposta e preencheram o questionário clínico, omitiram que a falecida E… padecia de Diabetes Melittus, tratando-se com insulina.

A falta de informação sobre a doença impediu a Seguradora de analisar o risco, agravar o prémio ou recusar o contrato, sendo, por isso, nulo o contrato de seguro (art.429 Código Comercial).

Contestou o Banco … excepcionando a nulidade do contrato de seguro, por falta da informação da doença.

No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância.

1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença (fls.303 e segs.) que, julgando procedente a acção, condenou as Rés:

a) – B… a pagar a quantia em dívida pelo Autor ao Banco … após 3 de Dezembro de 2006 e referente ao contrato mencionado na alínea A);

b) – o Banco … a restituir ao Autor as quantias que cobrou após 3 de Dezembro de 2006.  

1.3. – Inconformada, a Ré B… recorreu de apelação (fls.322 e segs.), com as seguintes conclusões:

Contra-alegou o Autor (fls.336 e segs.) no sentido da improcedência do recurso.


II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – O objecto do recurso:

As questões submetidas a recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, são as seguintes:

(In)validade do contrato de seguro – “nulidade “ em virtude de declarações inexactas ou recitentes (art.429 Código Comercial);

Âmbito do seguro e comunicação da cláusula de exclusão constante do art. 6º, nº1, a) (“ doenças pré-existentes”) das Condições Gerais (ónus da prova).

2.2. – Os factos provados:

1) O autor e a sua mulher E… outorgaram em 23 de Junho de 1999, no Cartório Notarial de Torres Novas com a então denominada “Companhia Geral de Crédito…SA” actualmente “Banco … SA” mediante título particular o contrato nº ... – Alínea A) dos factos assentes.

2) No contrato aludido em A) o autor e a sua mulher declararam que solicitaram e obtiveram do Banco… um empréstimo no montante de 13.050.000$00, que equivale a 65.093,12 €, no Regime de Crédito Bonificado para aquisição de um imóvel exclusivamente destinado à sua habitação própria permanente – Alínea B) dos factos assentes.

3) O autor e sua mulher obrigaram-se além do mais a reembolsar o Banco… do referido montante de 65.093,12 € no prazo de 29 anos a contar daquela data, mediante 348 prestações mensais e sucessivas de capital e juros – Alínea C) dos factos assentes.

4) Nas circunstâncias do contrato aludido em A) o Banco… fez depender o empréstimo da adesão a um seguro de vida, destinado a garantir aos beneficiários do crédito à habitação o pagamento da respectiva dívida, no caso de ocorrer um imprevisto que pusesse em causa a sua capacidade financeira, como a morte ou a invalidez absoluta – Alínea D) dos factos assentes.

5) Mediante o contrato de seguro do ramo vida titulado pela apólice nº …, celebrado entre o autor e sua mulher E… com a ré B… aquela ré obrigou-se a pagar ao Banco… na qualidade de credor hipotecário a parte do capital em dívida em caso de morte ou de invalidez total ou permanente e o remanescente aos herdeiros legais da pessoa segurada em caso de morte – Alínea E) dos factos assentes.

6) O capital seguro era, à data do início do contrato (1.07.2002) de 72.325,70 €, quer no caso de morte, quer no caso de invalidez permanente – Alínea F) dos factos assentes.

7) No dia 3 de Dezembro de 2006 E… faleceu no estado de casada com o autor A – Alínea G) dos factos assentes.

8) A morte da segurada E… foi comunicada à ré B – Alínea H) dos factos assentes.

9) O contrato de seguro aludido em E) foi subscrito em 1 de Julho de 2002 na mesma data em que teve o seu início – r q 1

10) A morte de E… foi de causa indeterminada – r q 2

11) A morte da segurada E… foi comunicada ao réu Banco… – r q 3

12) Até à data presente os réus declinaram considerar amortizada a dívida da segurada E – r q 4

13) O Banco continua a debitar a prestação do empréstimo ao autor e à sua mulher após a morte desta – r q 5

14) O Banco cobrou desde 3 de Setembro de 2006 até à data em que foi instaurada a presente acção em 4 de Setembro de 2008 as seguintes quantias: Dezembro de 2006: 294,83 €; Janeiro de 2007: 289,36 €; Fevereiro de 2007: 295,79 €; Março de 2007: 295,79 €; Abril de 2007: 295,79 €; Maio de 2007: 295,79 €; Junho de 2007: 295,79 €; Agosto de 2007: 397,66 €; Setembro 2007: 397,55 €; Outubro de 2007: 396,88 € e 395,22 €; Novembro de 2007: 395,22 €; Dezembro de 2007: 294,83 €; Janeiro de 2008: 395,22 €; Fevereiro de 2008: 395,22 €; Março de 2008: 395,22 €; Abril de 2008: 395,22 €; Maio de 2008: 395,22 €; Junho de 2008: 395,22 €; Julho de 2008: 415,04 €; Agosto de 2008: 415,04 €; Setembro de 2008: 415,04 € – r q 6

15) No momento em que foi subscrita a proposta de seguro, a qual deu entrada nos serviços da ré seguradora em 19.6.2002 a falecida E… padecia de diabetes Mellitus, sendo insulino tratada pelo menos desde o ano de 1991 – r q 7

16) Na data em que foi subscrita a proposta de seguro e preenchido o questionário clínico que dela faz parte integrante, ao autor e a sua falecida esposa E…, não lhes foi perguntado pela seguradora se aquela segurada padecia de diabetes Mellitus e se à data já era insulino tratada, com o esclarecimento de que do questionário anexo à proposta não havia qualquer pergunta sobre a diabetes – r q 8

17) Caso a seguradora tivesse conhecimento que a segurada E… padecia de diabetes Mellitus desde o ano de 1988 a ré seguradora na posse dessa informação teria solicitado o preenchimento de um questionário específico para aquela patologia, devendo tal questionário ser preenchido pelo médico assistente da segurada E – r q.s 9 e 10

18) Em Junho de 2006 a segurada E… já apresentava sintomas de osteomielite crónica do pé esquerdo, denominado pé de diabético, com sinais infecciosos do pé com destruição óssea, tendo necessidade de ser submetida a intervenção cirúrgica para limpeza do foco de infecção – r q 13

19) Este facto, associado à doença da diabetes de que padecia a segurada E… contribuiu para a sua morte – r q 14

2.3. – O mérito do recurso:

A sentença recorrida considerou válido e eficaz o contrato de seguro, rejeitando a excepção da “nulidade”(art.429 Código Comercial), com fundamento em que o questionário clínico era omisso sobre a diabetes, logo - “não foram prestadas pelo autor e sua falecida mulher, declarações que não tinham correspondência com a verdade, pela elementar razão de nada lhes ter sido perguntado sobre diabetes”.

E sendo válido o contrato de seguro, a Seguradora não provou, como lhe incumbia, ter comunicado a cláusula geral constante das condições gerais da apólice (cláusula 6ª) que excluía da cobertura de riscos a morte resultante de doença pré-existente, e informado que nela se incluía a situação de quem padecesse de diabetes Mellitus e fosse insulino tratado.

Objecta a Ré/apelante dizendo que a omissão de declarações essenciais configura causa de nulidade do contrato e competia ao Autor alegar e provar que a Ré não lhe comunicou a cláusula de exclusão.

2.3.1. - (In)validade do contrato de seguro – “nulidade “ em virtude de declarações inexactas ou recitentes (art.429 Código Comercial ):

Porque o contrato de seguro foi celebrado em 1 de Julho de 2002 (r.q.1º), não tem aplicação o novo regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo Dec. Lei nº 72/2008 de 16/4, em vigor desde 1 de Janeiro de 2009.

Problematiza-se no recurso a chamada “declaração do risco”, no âmbito do contrato de seguro do ramo Vida, que implica o dever de declaração exacta de todos os factos ou circunstâncias com influência na validade e condições do contrato.

Dispõe o art.429 do Código Comercial – “ Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”.

         Pese embora a referência à nulidade, é convergente a opinião de que o preceito legal prevê a anulabilidade do contrato, ou seja, a anterior “nulidade relativa”, por razões de ordem histórica e por estarem em causa interesses particulares e não qualquer norma de natureza pública (cf., por ex., MOITINHO DE ALMEIDA, O Contrato de Seguro, pág.61, CALVÃO DA SILVA, RLJ ano 133, pág.221, Ac do STJ de 19/10/93, C.J. ano I, tomo III, pág.74, de 3/3/98, C.J. ano VI, tomo I, pág.103 e de 15/6/99, BMJ 488, pág.381).

O fundamento da anulabilidade radica na exacta determinação do risco do contrato de seguro, sancionando-se as declarações inexactas ou reticência de factos conhecidos do segurado e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, porque a seguradora ou não teria concluído o contrato (erro essencial) ou exigiria outras condições mais onerosas para o segurado (erro incidental).

Tem-se entendido que sobre o segurado recai o ónus de, no momento da formação do contrato, comunicar ao segurador todas as circunstâncias conhecidas que possam influenciar a determinação do risco, que no caso do seguro do ramo Vida consistirá essencialmente na informação sobre o estado de saúde da pessoa a segurar. Este ónus resulta, além do mais, do princípio da boa fé, precisamente porque a avaliação do risco depende das informações prestadas pelo segurado no momento da formação do contrato.

Mas que informações?

Aquelas que a Seguradora considera relevantes, ou seja, as que constam do questionário, pois é através dele que procura obter a avaliação do risco (cf., por ex., Ac STJ de 17/10/2006, em www dgsi.pt., de 27/5/2008, C.J. ano XVI, tomo II, pág.81). Note-se que o art.24 do DL nº 72/2008 veio alargar o dever de declaração para lá do questionário.

A sentença recorrida rejeitou a possibilidade de declarações inexactas ou declarações reticentes com o argumento de que do questionário de 25/5/2002 (cf. doc. fls. 123 e 124) não constava qualquer pergunta sobre a diabetes.

Muito embora no questionário não se mencione directamente a diabetes, a verdade é que tanto a 1ª pergunta, como até a 3ª pergunta contêm suficiente amplitude para abranger a doença da falecida E…, referenciada como a 2ª pessoa segura.

A 1ª pergunta contém a seguinte redacção – “ Já o aconselharam a consultar um médico, ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica?” – e a resposta assinalada foi “Não”.

Quando se pergunta se foi aconselhada a submeter-se a algum tratamento, abarca todo o tipo de tratamento médico, visando-se alcançar a doença com a indicação do tratamento.

Sabendo-se que a falecida E… padecia de diabetes Mellitus e era insulino tratada, pelo menos desde 1991 (r.q.7º), a resposta negativa é inexacta.

Também à pergunta 3ª (“Tem alguma alteração física ou funcional (…)?”) respondeu negativamente, quando a diabetes é provocada por “alteração funcional” do pâncreas na produção de insulina.

Deste modo, pode concluir-se pela verificação de declaração inexacta relativamente à doença da diabetes.

Só que para a invalidade do contrato de seguro não basta apenas a demonstração da declaração inexacta, sendo indispensável ainda a prova de que ela influiria sobre a existência ou condições do contrato, ou seja, da verificação do nexo de causalidade entre a inexactidão e a outorga do contrato, cujo ónus recai sobre a Seguradora (cf. JOSÉ VASQUES, Contrato de Seguro, pág.223 e segs., Ac STJ de 4/3/2004, C.J. ano XII, tomo I, pág.102, de 17/11/2005, C.J. ano XIII, tomo III, pág.120, Ac RC de 18/10/2005, C.J. ano XXX, tomo IV, pág.31).

Ora, a este propósito, apenas se provou que caso a Ré Seguradora tivesse conhecimento de que a segurada E… padecia de diabetes, teria solicitado o preenchimento de um questionário específico, através do respectivo médico assistente (cf. r.q.9º e 10º), mas não demonstrou que após essa análise estivesse em condições de avaliar o risco, determinasse o agravamento das coberturas ou recusasse o contrato (cf. respostas negativas aos quesitos 11º e 12º).

Muito embora não fosse de exigir à Ré Seguradora a prova de que o segurado tinha conhecimento daquela influência, mas tão somente dos factos ou circunstâncias inexactamente declaradas ou omitidas (cf., por ex., Ac do STJ de 9/9/2010, em www dgsi.pt, Ac RG de 9/3/2005, C.J. ano XXX, tomo II, pág.279), era, no entanto, indispensável a prova do nexo de causalidade entre essa inexactidão e a outorga do contrato, que não fez.

A primeira conclusão que se extrai é a de que o contrato de seguro é válido.

2.3.2. - Âmbito do seguro e comunicação da cláusula de exclusão constante do art.6º nº1 a) (“ doenças pré-existentes”) das Condições Gerais (ónus da prova):

A Ré excepcionou (arts.4º e 5º da contestação) com a exclusão do contrato de seguro da diabetes, nos termos das condições gerais da apólice (art.6º nº1 a), por se tratar de “doença pré-existente”.

A sentença argumenta que a Ré não alegou, como lhe cabia, ter comunicado e informado que essa cláusula geral excluía da cobertura de riscos a morte resultante de doença pré-existente.

A Ré/apelante objectou dizendo que era sobre o autor que impendia o ónus de alegar a não comunicação da referida cláusula geral, facto que omitiu na petição inicial, pelo que a sentença dele não podia conhecer, violando o art.264 CPC.

Nas condições gerais da apólice, preceitua o art.6º ( “exclusões na cobertura de riscos”) nº1 a) – “ Não se considera coberto por este contrato o risco de morte resultante de doença pré-existente – Toda a alteração involuntária do estado de saúde da pessoa segura não causada por acidente e susceptível de constatação médica objectiva e que tenha sido objecto de um diagnóstico inequívoco ou que com suficiente grau de evidência se tenha revelado em data anterior à da celebração do presente contrato, salvo o caso em que tenha havido comunicação formal à seguradora e aceitação por parte desta mediante condições que para o efeito tenham estabelecidas”.

Trata-se de uma cláusula, não propriamente de exclusão da responsabilidade, mas de cláusula limitativa do objecto do contrato de seguro, visto destinar-se a definir o conteúdo da obrigação, significando não fazer parte do objecto do contrato, logo da prestação da seguradora, os sinistros nas condições aí previstas.

         Os contratos de seguros, como contratos de adesão, devem ser submetidos a controlo judicial não só ao nível da tutela da vontade do segurado, tomando-se em conta os critérios interpretativos dos arts.236 e 237 do CC, como também ao nível do conteúdo das condições gerais do contrato, relevando, para tanto, as normas de ordem pública (art.280 do CC) e as cláusulas gerais da boa fé (arts.227 nº1 e 762 nº2 do CC).

         O DL nº446/85 de 25/10 estabelece, como princípio geral, que “ as cláusulas gerais são interpretadas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular, em que se incluam “ (art.10º). Adoptando-se uma metodologia semelhante à do Código Civil (art.236 e segs.) (cf. Ac do STJ de 15/5/2001, C.J. ano IX, tomo II, pág.82), dá-se, no entanto, prevalência a uma justiça individualizadora, ao remeter-se para o contexto de cada contrato singular. Porém, constituindo um claro afloramento do princípio geral da justiça contratual, o art.11 nº1 determina que “ as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contraente indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real“, prevalecendo, na dúvida, o sentido mais favorável ao aderente (nº2).

         Neste contexto, o sentido que se colhe da interpretação da cláusula ao excluir do âmbito da cobertura a “doença pré-existente” pressupõe que seja ela a causa exclusiva do sinistro, mas não se provou a causa da morte de Elisa (cf. relatório de autópsia de fls.60 a 65, no qual se exarou que a morte “foi de causa indeterminada”). O que se provou foi apenas que a infecção do pé esquerdo, com sintomas de osteomielite crónica, associada à doença da diabetes, contribuiu para a sua morte (cf. r.q. 14º). Sendo assim, não tem aqui aplicação a exclusão contida na referida cláusula.

         De resto, por força dos arts.5º nº3 e 6 nº1 do DL nº 446/85 competia à Ré Seguradora a ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e informação, como exigência do chamado “princípio da transparência”, e que pressupõe o conhecimento completo e efectivo do clausulado pela contraparte (cf. ALMENO DE SÁ, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, pág. 190 e segs.).

No sentido de que o ónus da alegação e prova da comunicação cabe à seguradora, cf., por ex., Ac STJ de 1/2/2000, de 24/3/2001, Ac RC de 16/11/2010, disponíveis em www dgsi.pt, Ac RC de 30/11/2004, C.J. ano XXIX, tomo V, pág.28.

Pois bem, considerando que a distribuição do ónus da prova se deve fazer segundo a “teoria da norma”, dada a imposição legal, expressa no nº3 do art.5º do DL nº 446/85, o facto ter sido a Ré Seguradora quem se quis prevalecer da cláusula 6ª da apólice, é de aceitar a orientação jurisprudencial prevalecente de que competia à Ré Seguradora, e não ao autor, o ónus de alegar e provar a comunicação da cláusula, o que não logrou.

Em resumo, improcede a apelação, confirmando-se, embora com diversa fundamentação, a sentença recorrida.

         2.4. – Síntese conclusiva:

1. O art.429 do Código Comercial, não obstante a referência à nulidade, prevê a anulabilidade do contrato, em virtude de declarações inexactas ou reticentes

2. Recai sobre o segurado, no momento da formação do contrato, a obrigação de comunicar ao segurador todas as circunstâncias conhecidas que possam influenciar a determinação do risco, que no caso do seguro do ramo Vida consistirá essencialmente na informação sobre o estado de saúde da pessoa a segurar, informação normalmente obtida através do questionário fornecido pela seguradora.

3. Para a invalidade do contrato de seguro não basta apenas a demonstração da declaração inexacta ou reticente, sendo indispensável ainda a prova de que ela influiria sobre a existência ou condições do contrato, ou seja, da verificação do nexo de causalidade entre a inexactidão e a outorga do contrato, cujo ónus recai sobre a Seguradora.

4. Querendo a Seguradora prevalecer-se de uma cláusula de exclusão da cobertura, constante da apólice, cabe-lhe, por força dos arts.5º nº3 e 6 nº1 do DL nº 446/85, o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e informação, como exigência do chamado “princípio da transparência”, e que pressupõe o conhecimento completo e efectivo do clausulado pela contraparte.


III – DECISÃO

         Pelo exposto, decidem:

1)

Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

2)

         Condenar a Ré/apelante nas custas.

         Remunerar a Ex.ma Advogada, patrona oficiosa do Autor/apelado, com 9 UR ( Portaria nº 1386/2004 de 10/11 ).


+++

Jorge Arcanjo (Relator)
Isaías Pádua
Teles Pereira