Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1649/17.8T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ALIMENTOS
ALIMENTOS EDUCACIONAIS
IRRAZOABILIDADE
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 06/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 1880, 1905 Nº2 CC, DL Nº 122/2015 DE 1/9
Sumário: I - A parte não tem o ónus de provar sub causas ou factos contra exceptivos; assim, e no âmbito do artº 1905º nº2 do CC, provado pelo pai que o filho não teve aproveitamento escolar, sobre este impendia o ónus de provar factos justificativos desta falta de aproveitamento.

II - A «irrazoabilidade» fundamentadora da inexigência de alimentos pós menoridade – artº 1905º nº2 do CC – substancia-se, vg., pela prova dos rendimentos e despesas dos pais e filhos, relacionamento afectivo, respeito e, fulcral e decisivamente, aproveitamento, ou não aproveitamento, académico.

III -Provado que o filho frequentou um curso de três anos que exigia a realização de 33 unidades curriculares, tendo, nos três anos, apenas realizado 3 unidades curriculares que correspondem apenas a ¼ das 12 unidades exigidas para se transitar no 1º ano, e que, neste ano, estudou em regime nocturno pós laboral, de dia ajudando a mãe no café dela, é inexigível, por irrazoável, que o pai contribua alimenticiamente para além do 1º ano lectivo.

Decisão Texto Integral:





ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO E COIMBRA

1.

L (…) deduziu embargos à execução para pagamento de dívida de alimentos instaurada por M (…) com base em decisão homologatória de acordo de regulação das responsabilidades parentais do filho de ambos, proferida pela CRC de (...) e datada de 24.02.2014.

Invocou a ilegitimidade da exequente, com fundamento na maioridade do filho credor que não comprovou a qualidade de estudante para além da menoridade, a falta de título executivo desde 18 de Março de 2014 (data em que o filho perfez 18 anos de idade) até à entrada em vigor do DL 122/2015 de 1/09, o facto deste ter começado a trabalhar, o insucesso escolar do filho que, na sua óptica, permite qualificar como abusivo o direito de exigir alimentos e, finalmente, a carência de meios económicos para suportar os alimentos peticionados.

A exequente contestou pugnando pela improcedência dos embargos.

Foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade e falta de título executivo

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«…julgo totalmente improcedente a presente oposição mediante embargos à execução e absolvo a exequente embargada do pedido formulado pelo embargante nos presentes autos de oposição à execução, cujo prosseguimento determino para cobrança do crédito de alimentos e respectivos acessórios até Julho de 2017 inclusive.»

3.

Inconformado recorreu o embargante.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. O divórcio entre o Recorrente e a Recorrida aconteceu a 24 de Fevereiro de 2014;

2. Não houve qualquer acção onde se reclamasse valores anteriores a essa data nem havia divórcio que o justificasse;

3. Não foi reclamado qualquer valor anterior a esta data;

4. O filho M (…) atingiu a maioridade em 17 de Março de 2014;

5. Não foi feita qualquer prova que o filho prosseguia a sua formação profissional após atingir a maioridade;

6. O filho M (…) inscreveu-se no ensino superior no ano lectivo de 2014/2015;

7. O filho M (…) inscreveu-se em regime pós-laboral e só mudou para regime diurno no ano 2016/2017;

8. O curso em que o M (…) se inscreveu tinha 33 unidades curriculares nos 3 anos de curso;

9. O M (…) nunca passou do primeiro ano, podendo até dizer que não logrou passar do primeiro semestre dado que apenas obteve aproveitamento em 3 módulos;

10.O filho M (…) desistiu dos estudos em Junho de 2017 por falta de aproveitamento;

11.Dada a falta de fundamento legal para peticionar alimentos em data anterior à homologação de divórcio, nunca poderia a Douta Sentença condenar ao pagamento de alimentos de data anterior a Fevereiro de 2014;

 12.Dada a falta de prova de manutenção da formação académica após atingir a maioridade, ou seja, em Março de 2014, a necessidade de pagamento de alimentos cessou nessa data;

 13.Dado que não foi feito qualquer acordo ou qualquer regulação referente aos alimentos educacionais após o filho se ter inscrito no instituto, não há lugar à obrigação de os suportar;

14.Dado que o filho trabalhava durante o dia, não se justifica a necessidade de alimentos que apenas agora surge;

15.Dada a falta de aproveitamento e interesse que verificou desde sempre é irrazoável a manutenção de alimentos educacionais por parte do executado;

16.Qualquer decisão que condene o executado ao pagamento das quantias exigidas é violadora do disposto nos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil.

17.Assim, condenando o executado ao pagamento dos € 150,00 (cento e cinquenta euros) devidos a título de alimentos do mês de Março de 2014 e decidindo pela improcedência da execução no restante peticionado, se faria acostumada justiça.

Inexistiram contra alegações.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Inexigibilidade dos alimentos, por irrazoáveis, vg.,  por falta de aproveitamento escolar do filho.

5.

Foram dados como provados os seguintes factos:

A) M (…) instaurou a 29-03-2017 contra L (…) a execução principal, para cobrança coerciva das prestações alimentares devidas ao filho comum das partes, nascido a 17-03-1996, desde novembro de 2013 até à data da instauração da execução, juros vencidos e despesas com a instauração da execução, pensões e juros vincendos, com fundamento na decisão da CRC de (...) reproduzida a fls. 87- 95 destes autos e 5-12 da execução que, em 24-02-2014, decretou o divórcio entre as partes e homologou definitivamente o acordo de regulação das responsabilidades parentais do filho credor dos alimentos peticionados celebrado entre as partes em 30-10-2013– fls. 2 e seg da execução.

B) Tal regime de regulação das responsabilidades parentais prevê que ambos os pais exerçam as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho, em relação ao filho credor dos alimentos, ficando este a residir com a mãe e ficando o pai a pagar uma prestação alimentar de 150€ (cento e cinquenta euros) mensais, a creditar numa identificada conta aberta em nome da mãe, a actualizar anualmente em função da variação da taxa de inflação divulgada pelo INE, bem como metade das despesas médicas e medicamentosas na parte não comparticipada, das despesas de educação e vestuário e de todas as despesas que os pais entendam necessárias ou convenientes para a formação e bem-estar do filho – fls. 87-95 destes autos e 5- 12 da execução.

C) O filho ingressou na Escola Superior e Tecnologia e Gestão de (...) ao abrigo do Concurso Nacional de Acesso no curso de Gestão de Empresas (póslaboral) no ano lectivo 2014/2015, tendo feito matrícula em 26-09-2014 e pedido mudança para regime diurno no ano lectivo de 2016/2017 – doc de fls. 16.

D) O curso referido em C) é composto por três anos lectivos e comporta no seu plano de estudos 33 unidades curriculares assim divididas: os primeiro e segundo anos possuem seis unidades curriculares por cada semestre e o terceiro ano possui, no primeiro semestre, seis unidades curriculares e, no segundo semestre, três unidades curriculares – doc de fls. 16-17.

E) Até 08-06-2017, o filho obteve aproveitamento em três unidades curriculares no curso referido em C) - doc de fls. 16.

F) Nos anos lectivos de 2014/2015, 2015/2016, 2016/2017, o filho esteve sempre inscrito no primeiro ano curricular do curso referido em C) -doc de fls. 16 e 81 e fls. 134.

G) O filho deixou de estudar em Julho de 2017, por não ter tido aproveitamento – fls. 66.

H) O embargante foi informado pela exequente que o filho frequentava o curso referido em C) – fls. 135.

I) O embargante não pagou prestações alimentares ao filho pelo menos desde Novembro de 2013 – fls. 135.

J) O embargante recebeu, de 2012 a 2014, prestações do fundo de desemprego suíço; em 2016 a quantia de cento e vinte euros mensais pela frequência de um curso remunerado que frequentou durante esse ano e, desde Julho de 2018, quatrocentos e vinte euros mensais pela frequência de um curso remunerado com duração até Dezembro de 2019 – fls. 135-136.

K) O embargante vive na casa dos próprios pais.

L) A exequente explora o café que era anteriormente explorado pelo casal – fls. 135.

M) Enquanto esteve inscrito no curso em regime nocturno, o filho prestou auxílio à mãe no café.

N) Houve um corte de relações entre a exequente e o filho, por um lado, e os avós paternos do filho, por outro lado, devido a questões de partilha do património do dissolvido casal anteriormente constituído pelas partes.

6.

Apreciando.

6.1.

A julgadora decidiu, de jure, a causa, aduzindo o seguinte, essencial, discurso argumentativo:

«De acordo com o disposto nos art. 1877º e 1878º do CC, nos poderes deveres que integram o exercício das responsabilidades parentais inclui-se, entre outras, a obrigação, a cargo dos pais, de prover ao sustento dos filhos menores não emancipados.

Por outro lado, dispõe o art. 1879º do CC que os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos.

Contudo, se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo 1879º do CC na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete - vide art. 1880º do CC…

Até à entrada em vigor da lei nº 122/2015 de 1/09, cabia ao alimentando maior o ónus da alegação e da prova do quadro circunstancial que justifica a manutenção da obrigação alimentar que impende sobre os pais de filhos menores não emancipados, extensível, nos termos do art. 1880º do CC, aos pais de filhos maiores ou emancipados, aplicando-se o disposto no art. 342º, nº 1 do CC.

A partir da entrada em vigor da lei nº 122/2015 de 1/09, passou a impender sobre o progenitor o ónus de provar que cessou a obrigação de prestar alimentos a filho maior antes de ter completado os 25 anos de idade, atenta a redacção dada ao art. 1905º nº 2 do CC.

Na verdade, compete agora ao progenitor devedor provar que o processo de educação ou formação profissional do filho ficou concluído antes dos 25 anos de idade, que foi livremente interrompido ou que é irrazoável a exigência de prestar alimentos…

No caso vertente, resulta que, tendo atingido a maioridade em 17-03- 2014, o filho ingressou no ensino superior nesse mesmo ano, encontrando-se a frequentar o primeiro ano do curso quando em 1-10-2015 entrou em vigor a Lei nº 122/2015.

…para que a referida obrigação perdure após a maioridade, "é necessário a formação razoavelmente exigida e o normal rendimento da actividade escolar" …

…é manifesta a razão de ser dessa limitação: "os alimentos não foram estabelecidos na lei para estímulo da indolência e da preguiça" …

Assim, a obrigação referida no art. 1880º do CC só se mantém se a não profissionalização não resultar de culpa grave do filho …

Até à entrada em vigor do citado diploma legal, no caso de existir algum atraso considerável no percurso escolar do filho, competiria então a este – ou à embargada - alegar e provar que o atraso verificado no seu percurso escolar não lhe era censurável e, assim, provar a razoabilidade do pedido formulado, pois que…"o ora maior só manterá o direito a alimentos se se verificar o condicionalismo referido no art. 1880º do CC, mas, para tanto, terá de convencer judicialmente o obrigado de que o direito existe (...)".

No caso vertente, resulta da factualidade apurada que o filho não dispõe de rendimentos próprios, encontrando-se assim concretizada a necessidade do filho em que lhe sejam prestados alimentos pelos pais, e que é razoável exigir do progenitor o cumprimento da obrigação alimentar, pelo tempo normalmente necessário para que aquela formação se complete, já que concluiu o secundário no tempo normal, encontrando-se a frequentar o ensino superior aquando da entrada em vigor da Lei 122/2015.

Com a entrada em vigor de tal diploma legal, ficou a impender sobre o embargante o ónus de alegar e provar que cessou a obrigação de prestar alimentos a filho maior antes de ter completado os 25 anos de idade, atenta a redacção dada ao art. 1905º nº 2 do CC.

Competia-lhe assim provar que o filho deixou de estudar antes de atingir os 25 anos de idade, que interrompeu os estudos, que deixou de ser razoável exigir o pagamento de alimentos.

Ora, analisados os factos, resulta que, não obstante apenas ter obtido aproveitamento em 3 das 33 unidades curriculares nos 3 anos em que frequentou o ensino superior, não surtiram apuradas as causas de tal insucesso escolar e, nomeadamente, que o mesmo se tenha ficado a dever a qualquer incúria, indolência ou descuido do filho na prossecução dos estudos.

Destarte, nem se provou que o insucesso escolar do filho se fique a dever aos problemas familiares existentes entre os pais e com os avós paternos, nem se provou que tal insucesso se fique a dever a falta de empenho e de estudo por banda daquele.

Ora, de acordo com as regras relativas ao ónus da prova após a entrada em vigor da Lei 122/2015, competia ao embargante provar que essa falta de aproveitamento escolar era censurável, nomeadamente, por ser devida a falta de empenho, indolência, incúria, etc…

Tal demonstração não foi feita in casu pelo que, verificando-se que o filho continuou a estudar até Julho de 2017 (altura em que tinha 21 anos de idade) …impõe-se concluir que até Julho de 2017 são devidos os alimentos peticionados.»

6.2.

Perscrutemos.

Os argumentos aduzidos pela julgadora, vg., a impendência do ónus da prova das circunstancias exceptivas do artº 1905º nº2 do CC,  estão,  tendencialmente e em tese, curialmente apreciados.

Efetivamente estatui o  nº 2 do artº 1905º do CC:

 «Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.»

Ora  como constitui jurisprudência pacífica, «... o ónus de prova sobre qualquer uma das situações excecionais a determinar a cessação da obrigação alimentar caberá ao progenitor devedor, como facto impeditivo ou extintivo do apontado direito de manutenção da  pensão de alimentos fixada na  menoridade» (cfr. art. 342º, n.º 2, do C. Civil). […]» -  Ac. da RC de 22.01.2019, p. 16/03.5TBSPS-E.C1, in dgsi.pt.

Mas cada caso é um caso, pelo que ele deve ser apreciado, e as disposições legais a ele atinentes devem ser interpretadas, em função dos específicos contornos fáctico circunstanciais seus envolventes.

Como dimana do segmento normativo citado, são três as causas que podem obstar à obrigação alimentícia do pai ao filho maior, a saber:

I) O respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes dos 25 anos;

II) Se tiver sido livremente interrompido;

III) Se o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da exigência da pensão de alimentos.

No caso vertente, porque o primeiro requisito não se verificou e porque o segundo não releva -  já que  a decisão da 1ª instância apenas obrigou o pai até à desistência do filho do curso superior: julho de 2017 –, está apenas em causa a verificação, ou não,  do terceiro.

A substanciação do conceito indeterminado ínsito na cláusula de (i)razoabilidade verifica-se/emerge, ou não, em função da prova, ou não prova, de factos, vg.,  atinentes às possibilidades económicas do jovem, à dimensão dos recursos dos progenitores, à inobservância dos deveres dos filhos para com os pais, em particular, o desrespeito dos deveres de auxílio, assistência e respeito do filho maior para com o progenitor obrigado, e, finalmente, mas não de somenos, antes pelo contrário, ao aproveitamento, ou não aproveitamento, escolar do jovem, o qual  modela e está na génese do prolongamento desta obrigação – cfr. entre outros, o Ac . da RC de 19.12.2017, p. 1156/15.3T8CTB.C2.

No caso  sub judice apurou-se:

C) O filho ingressou na Escola Superior e Tecnologia e Gestão de (...) ao abrigo do Concurso Nacional de Acesso no curso de Gestão de Empresas (póslaboral) no ano lectivo 2014/2015, tendo feito matrícula em 26-09-2014 e pedido mudança para regime diurno no ano lectivo de 2016/2017 – doc de fls. 16.

D) O curso referido em C) é composto por três anos lectivos e comporta no seu plano de estudos 33 unidades curriculares assim divididas: os primeiro e segundo anos possuem seis unidades curriculares por cada semestre e o terceiro ano possui, no primeiro semestre, seis unidades curriculares e, no segundo semestre, três unidades curriculares.

E) Até 08-06-2017, o filho obteve aproveitamento em três unidades curriculares no curso referido em C).

F) Nos anos lectivos de 2014/2015, 2015/2016, 2016/2017, o filho esteve sempre inscrito no primeiro ano curricular do curso referido em C).

G) O filho deixou de estudar em Julho de 2017, por não ter tido aproveitamento.

Vemos, assim, que o filho estudante não atingiu, mínimamente, os patamares  exigíveis para transitar no curso,  nunca tendo  passado do 1º ano.

Já que das 33 unidades curriculares que o compunham apenas concluiu 3, o que representou apenas a quarta parte das exigíveis para o 1º ano.

Ou seja, meridiana e concludentemente, o jovem não teve aproveitamento escolar.

Diz-se na sentença que impendia ainda sobre o pai provar a causa de tal falta de aproveitamento.

Mas não é assim.

O estudo com aproveitamento é o requisito primeiro e sine qua non do prolongamento da obrigação dos progenitores no período pós menoridade.

 Logo, provada a falta de aproveitamento, impende sobre o filho provar factos que justifiquem, a mesma.

Efetivamente, estamos perante a prova de um facto  contra exceptivo  que se destina  a impedir os efeitos da prova de um facto exceptivo.

Destarte, a prova daquele facto sobre o respectivo beneficiário impende.

Sendo que esta interpretação é a que melhor se compagina com uma justa e equilibrada distribuição das regras do ónus da prova.

Na verdade, por princípio e em termos de normalidade, em melhores condições de operar a prova do facto contra exceptivo estará o aludido beneficiário do que o não beneficiário.

Onerar este com a prova de sub causas cujos factos podem até não ser do seu conhecimento ou sobre eles tiver, por vezes sérias e graves, dificuldades probatórias, seria impedir, liminar, irrazoável e insensatamente, a realização da justiça.

E deste ónus, aliás, a exequente, quiçá intuitivamente, se deu conta.

Pois que não deixou de alegar que a falta de aproveitamento escolar do filho se deveu «aos problemas familiares existentes entre os pais e com os avós paternos».

Mas este facto ela não logrou provar.

A ilação a retirar, e que releva, é que o alimentando não teve aproveitamento escolar.

 Pois que, repete-se, apesar de frequentar o ensino superior durante três anos, período durante o qual deveria terminar o curso com realização de 33 unidades curriculares, no mesmo apenas concluiu 3, as quais,  reitera-se, correspondem apenas a ¼ das 12 que, desde logo no 1º ano, deveria concluir  .

 Ademais, provou-se que, no ano lectivo de 2014/2015, o filho apenas frequentou o ensino em horário pós-laboral, em regime nocturno.

Já que nesse período  ele trabalhou no café da mãe.

Ou seja, independentemente dos motivos mais ou menos admissíveis, ou até nobres, pelos quais o jovem passou a trabalhar, certo é que tal demonstra que não estava focado inteiramente nos estudos, antes optando, com a anuência da progenitora, por abraçar uma actividade laboral.

Ora esta actividade certamente que  foi do seu interesse, e da mãe,  e teve uma expressão económico-financeira, a qual, por princípio, não se compagina com a exigência de os progenitores contribuírem, senão parcial, pelo menos totalmente, para os custos dos seus estudos.

Sendo que urge não olvidar que a responsabilidade alimentícia dos pais em sede de alimentos a filhos maiores tem, pelo menos essencial e determinantemente, como fundamento e requisito necessário, a formação educacional ou profissional no ensino superior ou equivalente, e destinando-se o auxílio alimentício, apenas ou tendencialmente, ao pagamento dos custos desta formação, que já não de outras despesas.

Tudo visto e ponderado, e sob o manto de um juízo équo -  o qual, bastas vezes, como no presente caso, deve perpassar a análise e decisão nesta matéria -, entende-se que, inclusive com alguma condescendência, pois que o jovem nem no primeiro ano do curso teve total aproveitamento, que a responsabilidade alimentícia do pai apenas pode ser exigida até ao final do ano lectivo de 2014/2015, ou seja, até julho de 2015.

Na verdade, e não obstante tal falta de aproveitamento seria,  ao menos na altura, de dar ao filho o benefício da dúvida no sentido de poder recuperar nos anos seguintes; e sendo ainda de não descurar que em tal ano o jovem estava algo sobrecarregado com o trabalho no café da mãe.

Mas para os outros dois anos já não se  antolha qualquer justificação e fundamento para a manutenção de tal responsabilidade, pois que o jovem, ao que parece já sem a ocupação no café, continuou a não ter aproveitamento académico.

E, reitera-se, sem que para tal tenha provado causa justificativa.

Finalmente o facto de se ter provado que existiu um corte de relações entre a exequente e o filho, por um lado, e os avós paternos do filho, por outro, bem como  o facto de o recorrente não ter satisfeito nenhuma das prestações alimentícias, indicia que as relações entre pai e filho, pelo menos por alguns períodos, não terão sido as melhores.

 Nesta conformidade, a manutenção de tal responsabilidade, em função do mais supra aduzido, assumiria foros de uma intolerável irrazoabilidade, o que, como se viu, a lei não permite.

Versus o defendido pelo recorrente, a sua responsabilidade dimana, no âmbito do acordo gizado no processo de divórcio, desde a data da sua instauração.

Efetivamente, os alimentos são devidos desde a data da propositura da acção- artº 2006 do CC.

Assim, e à míngua de disposição diversa no acordo  firmado pelos pais em tal processo, emerge a regra geral.

A qual não queda inaplicável por o processo ter tramitado na Conservatória do Registo Civil e não no Tribunal.

Pois que este processo, tido, numa definição possível, como uma sequência ordenada de atos, supervisionada por uma entidade com poderes de autoridade, com vista à obtenção de uma finalidade ou decisão vinculativas, assume, para o efeito que nos ocupa, o mesmo jaez de uma acção a tramitar no tribunal.

Igualmente falece o argumento recursivo de que:

«Dado que não foi feito qualquer acordo ou qualquer regulação referente aos alimentos educacionais após o filho se ter inscrito no instituto, não há lugar à obrigação de os suportar».

É que, conforme jurisprudência pacífica: «Atingida a maioridade, caso o menor não tenha ainda completado a sua formação profissional, continua a ser devida – mantém-se automaticamente -  a pensão de alimentos fixada na menoridade…» -cfr, vg., Acs. da RC de 19.12.2017, p. 1156/15.3T8CTB.C2 e de 22.05.2018, p. 1229/15.2T8FIG-A.C1 in dgsi.pt.

Destarte, os alimentos são devidos desde a data  da instauração do processo de divórcio, ou seja, e pelo que dimana dos autos,  desde novembro de 2013 e até julho de 2015,  isto é, durante 21 meses; o que, à razão de 150 euros mensais, atinge a quantia de 3.150,00 euros – três mil cento e cinquenta euros – acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações mensais alimentícias e até efectivo e integral pagamento.

Procede,  mas apenas parcialmente, o recurso.

7.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - A parte não  tem o ónus de provar sub causas ou factos contra exceptivos; assim, e no âmbito do artº 1905º nº2 do CC, provado pelo pai que o filho não teve aproveitamento escolar, sobre este impendia o ónus de provar factos justificativos desta falta de aproveitamento.

II - A «irrazoabilidade» fundamentadora da inexigência de alimentos pós menoridade – artº 1905º nº2 do CC – substancia-se, vg.,  pela prova dos rendimentos  e despesas dos pais e filhos,  relacionamento  afectivo, respeito e, fulcral e decisivamente,  aproveitamento, ou não aproveitamento, académico.

III -Provado que o filho  frequentou um curso de três anos que exigia a realização de 33 unidades curriculares, tendo, nos três anos, apenas realizado 3 unidades curriculares que correspondem apenas a ¼ das 12 unidades exigidas para se transitar no 1º ano, e que,  neste ano, estudou em regime nocturno pós laboral, de dia  ajudando  a mãe no café dela, é inexigível, por irrazoável, que o pai contribua alimenticiamente para além do 1º ano lectivo.

8.

Deliberação.

Termos em que se julga o recurso parcialmente procedente e, agora, se fixa a responsabilidade alimentícia do pai para com o filho na quantia de 3.150,00 euros, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações mensais e até efectivo pagamento.

Custas  pelas partes na proporção da presente sucumbência.

Coimbra, 2019.06.25.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos