Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3157/12.4TBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: LIVRANÇA. ALONGUE. CARTA DE INTERPELAÇÃO
Data do Acordão: 10/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 32º DA LULL.
Sumário: Não pode ser qualificado como anexo ou alongue de uma livrança uma carta a interpelar o avalista do subscritor para proceder ao pagamento, ainda que lhe conceda um prazo diverso do prazo de vencimento exarado na livrança.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I - RELATÓRIO

1.1.- A exequente - “BANCO B…, S.A.”, com sede na Rua … – instaurou na Comarca de Viseu acção executiva, para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum, contra os executados – H… e M…, residentes na ...

Fundamenta a pretensão executiva numa livrança subscrita pela sociedade “C…, Lda.” e avalizada pelos executados, reclamando o pagamento de € 97.003,45.

1.2. – Os executados deduziram oposição à execução, alegando-se, em síntese, a excepção da prescrição da acção (art. 70 LULL), porquanto sendo o título executivo uma livrança, com vencimento em 20/11/08 e uma vez citados para a execução em 19/11/2012, já decorreu o prazo prescricional de três anos.

Contestou a exequente, defendendo-se, em síntese:

O processo de insolvência da sociedade subscritora e a confirmação da validade do contrato de locação financeira, impediram a instauração da execução.

A data de vencimento da livrança é de 6/11/2009, conforme carta que constitui um alongue do título, pelo que não está prescrita a acção.

1.3.- No saneador julgou-se procedente a oposição e extinta a execução.

1.4. - Inconformada, a exequente recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:

1.5.- Os executados recorreram subordinadamente, com as seguintes conclusões:

...


II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1.- O objecto dos recursos

A prescrição da acção contra os executados, que avalizaram a livrança dada à execução ( art.70 LULL) e a data do vencimento.

2.2.- Os factos provados

Os subscritores e os avalistas de uma livrança são todos solidariamente responsáveis para com o portador, o qual tem o direito de accionar todas as pessoas individual ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que eles se obrigaram (art.47 e art.77 da LULL.).

Segundo o art.30 da LULL, o pagamento de uma letra de câmbio ou de uma livrança (art.77) pode ser em todo ou em parte garantido por aval, configurando-se a obrigação do avalista como uma obrigação de garantia autónoma, cuja extensão e conteúdo se afere pela obrigação do avalizado (arts.7 e 32 LULL).

Com efeito, dada a natureza jurídica do aval, quer o mesmo seja havido como uma “fiança com regime jurídico especial”, quer se lhe atribua o carácter de uma “garantia objectiva”, sempre se trata de uma garantia autónoma, distinta de qualquer outra obrigação cambiária. E o facto do avalista responder da mesma maneira que o avalizado (art.32 LULL), apenas pretende significar que o conteúdo da obrigação do avalista é o mesmo que a da obrigação do avalizado, significando que muito embora a obrigação do avalista seja igual à do avalizado, não assume a mesma figura cambiária deste.

Por outro lado, a autonomia da obrigação do avalista mantém-se mesmo que seja nula a obrigação do avalizado, salvo se a nulidade proceder de vício de forma (art.32 §2º LULL), respeitante aos requisitos externos da obrigação cambiária do aceitante ou subscritor da livrança.

Pelo aval constituem-se dois grupos de relações: os do portador com o avalista e as do avalista com o avalizado e obrigados precedentes.

Problematiza-se no recurso a prescrição da acção contra os executados, que avalizaram a livrança dada à execução, cujo prazo é de três anos a contar do vencimento (art.70 LULL).

A sentença considerou a data do vencimento em 6/11/2009 e como foram citados em 19/11/2012, a acção está prescrita.

A exequente/apelante considera que tendo a execução sido instaurada em 24/10/2012, não se encontra prescrita por haver sido interrompida em 29/10/2012 (cinco dias após a propositura).

Os executados/apelantes defendem a prescrição porque a data do vencimento não é a de 6/11/2009 (mencionada na carta), mas a exarada no título, ou seja, 20/11/2008.

A primeira questão que importa analisar contende com a data do vencimento, quanto a saber se deve considerar-se a de 20/11/2008 (conforme consta da livrança) ou a de 6/11/2009.

A sentença recorrida justificou a data do vencimento em 6/11/2009 com a data mencionada na carta junta a fls. 177 e 179 (de 27/10/2009) e endereçada aos executados, na qual se refere se refere “ Uma vez que V. Exa se obrigou como avalista, estamos a interpelá-lo para proceder ao pagamento da referida livrança, a crescida de juros de mora, no montante total de 81.100,73, concedendo-lhe para o efeito prazo até 06 de Novembro de 2009”.

Para tanto, qualificou a carta como um alongue do título, o que é contestado pelos executados/apelantes.

Efectivamente a carta não pode ser concebida como anexo ou alongue da livrança, visto tratar-se de uma mera interpelação para pagamento.

O anexo ou alongue é tido como “uma folha de papel que se cola à letra (geralmente no sentido do comprimento) a fim de permitir que se escreva nela o que for necessário, quando o espaço da letra já se encontra totalmente utilizado. É um prolongamento da letra e está sujeito às regras aplicáveis a esta” (Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, 5ª ed., pág. 100).

Conforme elucida Vaz Serra, “ A folha anexa é um prolongamento da letra e está, portanto, sujeita às regras aplicáveis a esta. A folha anexa não é apenas destinada aos endossos, podendo dela constar o aval (…)”, e mais rigorosamente trata-se de “ um prolongamento do verso da mesma letra”( BMJ nº 61, pág. 190 e segs.).

Só quando não há espaço no título é que é permitida a folha anexa ou folha de alongamento, e como refere Gonsalves Dias, “Esta exigência da lei funda-se na autarquia e compleição formal do título, pela regra absoluta e inderrogável de que o título só vale pelas suas declarações literais (Da Letra e da Livrança, vol. VI, pág. 140).

Como bem observaram os executados nas alegações, a carta da exequente não pode ser considerada um alongue, pois não faz sequer parte integrante da livrança.

Por outro lado, também não releva como convenção extra-cartular, como acordo de prorrogação, por tal obstar o princípio da literalidade (cf. Carolina Cunha, Letras e Livranças, pág.388 e 400).

Sendo assim, a data de vencimento é a de 20/11/2008. Como a execução foi instaurada em 24/10/2012 e os executados citados em 19/11/2012, é manifesto o decurso do prazo prescricional de três anos.

2.5. – Síntese conclusiva

Não pode ser qualificado como anexo ou alongue de uma livrança, uma carta a interpelar o avalista do subscritor para proceder ao pagamento, ainda que lhe conceda um prazo diverso do prazo de vencimento exarado na livrança.


III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:

1)

Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

2)

Condenar a Apelante/exequente nas custas.

Coimbra, 14 de Outubro de 2014.


( Jorge Arcanjo - Relator )

( Teles Pereira )

(Manuel Capelo)