Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4514/14.7T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
ABERTURA DE CONTA
ABERTURA DE CRÉDITO
DEVER DE INFORMAR
DEVER DE INFORMAÇÃO BANCÁRIA
DEVER DE INDEMNIZAR
Data do Acordão: 11/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – SEC. CÍVEL – J4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 74º E 77º DO DL Nº 298/92, DE 31/12; 485º C. CIVIL.
Sumário: I – Dos deveres constantes dos arts. 74º e 77º do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro decorre que em todo o processo de renovação da existência e cessação de aberturas de crédito a entidade bancária têm de manter uma contínua informação sob pena de se poderem criar situações de confiança que depois, a serem desamparadas, podem originar responsabilidade.

II - O dever de informação ocorre quando o banqueiro o tenha assumido ou quando a boa fé o exija, e fora destas hipóteses o banqueiro que preste informação coloca-se no âmbito do art. 485 nº1 do CCivil e só é responsável se agir com dolo.

III - No específico domínio do dever bancário de informar, a informação bancária dever contemplar a situação de carência especial em que se encontre o cliente do banqueiro, na perspectiva de a instituição financeira ter, e dever ter, conhecimento e experiência para, perante o caso concreto reconhecer de imediato o ponto que deve ser informado ao cliente.

IV - No âmbito do alargamento do prazo/suspensão de pagamento do capital da linha de crédito específica PME Investe IV/QREN IV, a circunstância de essa suspensão produzir efeitos a partir do início do trimestre em que ocorre a contratação do alargamento de prazo, mas o Banco apenas poder confirmar formalmente a aprovação do alargamento do prazo junto do cliente após recepção da confirmação da PME investimentos, impunha o dever de informar este mecanismo e, claramente, que enquanto a PME não confirmasse o alargamento do prazo se mantinha o dever de pagar as prestações que entretanto se vencessem.

V - Por a informação do circuito de decisão do alargamento de prazo estar na disponibilidade do banco e por ser por ele que passa todo o processamento, na economia das relações entre o banco deve entender-se que, não tendo sido prestada pela entidade bancária, tal falta constitui omissão dos deveres de diligência e informação geradora da responsabilidade de indemnizar.

VI - Os juízos de equidade são aqueles que traduzem a realização pelo julgador de juízos assentes em critérios não normativos, de modo a possibilitar ou corrigir uma rígida e estrita aplicação do direito às concretas e particulares situações da vida, recomendando equilíbrio, prudência e sentido de justiça em face dos elementos de facto disponíveis, no conhecimento do tipo e natureza de danos concretos a avaliar.

VI - o recurso à equidade para obter a quantificação de danos ligados à violação de bens eminentemente pessoais constitui elemento essencial e insubstituível para avaliar o dano, representando o juízo equitativo um verdadeiro momento constitutivo na determinação da compensação adequada, o que não acontece quando concorre para a fixação dos danos patrimoniais onde desempenha uma função meramente complementar e acessória, sendo um instrumento para suprir possíveis insuficiências probatórias relativamente a um dano, inquestionavelmente sofrido pelo lesado, mas relativamente indeterminado quanto ao seu exacto montante.

Decisão Texto Integral:          






Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Relatório

A..., Lda. intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra Banco B..., S.A., peticionando que, a final, fosse o R condenado a pagar à A. a quantia de €126.450,00 relativamente a danos patrimoniais e não patrimoniais e juros à taxa legal desde 29/12/2011 até integral pagamento; em custas e procuradoria.

Para tanto alega que em 29 de Setembro de 2009 foi concedido pelo réu à autora um crédito no montante de 50.000,00€ no âmbito da linha de crédito específica PME Invest IV/QrenIV, sob a forma de abertura de crédito, cuja liquidação era feita em prestações trimestrais de cerca de 6.000€, por meio de débito em conta, sendo que dadas as dificuldades de tesouraria da autora foi solicitado ao réu, em 2.12.2011, o alargamento do prazo da operação de crédito (consistindo no estabelecimento de um prazo de carência no pagamento do capital pelo período de 12 meses, com início retroactivo a 29 de Setembro de 2011 e até 29 de Setembro de 2012), a qual foi aceite pelo réu e formalizada em 26 de Dezembro de 2011.

Entre 29 de Dezembro de 2011 e 29 de Setembro de 2012 apenas seriam devidas quatro prestações de juros que rondavam os 400,00 €.

Em Fevereiro de 2012 foi-lhe comunicado por outra entidade bancária que existia um registo de incidente bancário na central de responsabilidades de crédito do Banco de Portugal, por incumprimento perante o B..., relativamente a uma prestação do dito crédito, o que consubstancia um engano já que à data do vencimento daquela -29.12.2011- já estava aprovada e subscrita a alteração ao contrato, estando a conta devidamente provisionada, conforme veio a ser reconhecido pelo réu em declaração por este emitida.

Tal situação causou avultados danos à autora, mormente a nível bancário com a liquidação de uma conta na CCAM, indeferimento de um financiamento em curso para aprovação, bem como danos patrimoniais decorrentes da falta de crédito para o exercício da sua actividade social e danos na imagem da autora.

 O réu apresentou contestação onde impugnou a matéria factual na qual a autora alicerça os pedidos deduzidos, arguindo que o pedido de renegociação do financiamento não suspende as prestações em curso até que ocorra o seu deferimento e posterior formalização, o que no caso só ocorreu em 10.2.2012, e que originou a comunicação ao Banco de Portugal no final de Janeiro de 2012 uma vez que a conta não se encontrava aprovisionada para pagamento da prestação do empréstimo, existindo objectivamente uma situação de mora.

Que o Banco R. anuiu a passar-lhe a declaração para demonstrar que a A. não se deixou cair voluntariamente em incumprimento, tendo o banco R. providenciado junto do Banco de Portugal para remoção do histórico da mora em causa.

Impugna os danos invocados pela autora arguindo que os reais problemas da autora residiam na sua situação financeira e não na comunicação da mora ao Banco de Portugal, o que conduziu a que a Banca se retraísse.

 Realizada audiência de audiência foi proferido despacho saneador no âmbito do qual foi julgada a regularidade formal da instância e fixado o objecto do processo e os temas de prova.

Realizado julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção “parcialmente procedente por provada, em consequência do que se condena o réu Banco B..., SA a pagar à autora A..., Ldª:

a) A quantia de 26.062,60 euros, a título de prejuízos patrimoniais por esta sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento;

b) A quantia de 20.000,00 a título de prejuízos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde as data da presente decisão e até integral pagamento.

Absolve-se o réu do demais peticionado pelo autor.”

Inconformadas com esta decisão dela recorreram autora e Réu.

Concluiu o Réu que:

...

Por sua vez, concluiu a autora, em recurso subordinado, que:

...

Em contra alegações ao recurso da Ré disse ainda o autor que o mesmo deve ser julgado totalmente improcedente.

Colhidos os vistos cumpre decidir

Fundamentação

O tribunal de primeira instância considerou provada a seguinte matéria de facto:

Além de delimitado pelo objecto da acção, pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

Na observação destas prescrições normativas concluímos que o objecto do recurso interposto pela Ré remete para a impugnação da matéria de facto e para a consequente alteração de direito decorrente dessa alteração da fixação da prova.

Por sua vez, o recurso da autora remete igualmente para a impugnação da matéria de facto e para a alteração da decisão de direito no sentido de ser a condenação fixada ser superior em termos quantitativos.

Iniciando a apreciação do mérito das apelações, pela análise da impugnação da matéria de facto, observamos que o nº1 do art. 640 do CPC estabelece que quando haja sido feita essa impugnação o recorrente deve obrigatoriamente e sob pena de rejeição especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

E acrescenta o nº2 do preceito que no caso de terem sido invocados meios probatórios gravados como fundamento do erro na apreciação do recurso, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens gravadas em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

São estes os requisitos de forma que a lei estabelece como imprescindíveis ao conhecimento da impugnação, não deixando dúvidas que a sua inobservância gera a rejeição da solicitação da impugnação.

E porque no caso em decisão tais requisitos se encontram preenchidos passamos de imediato à verificação do fundamento do que é invocado.

Quanto à impugnação da matéria de facto, no domínio da sua finalidade e limites da apreciação em sede de recurso, sabemos que o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do nº1 do art. 640 do CPC, a decisão com base neles proferida.

Os fundamentos de prova invocados para alteração da decisão facto remetem para os critérios de convicção do julgador na apreciação da prova produzida.

Quanto a esta convicção e ao modo de a apreender, o Tribunal da Relação tem a possibilidade de alterar o decidido em 1ª instância, reapreciando as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações do recorrente e do recorrido, para o que procederá, nos termos sobreditos, à audição dos depoimentos indicados pelas partes (arts. 712º, nºs 1 a), 2ª parte, e 2 e 685º-B). E pode mesmo, para proferir a sua decisão, «oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados» (art. 712º/2, 2ª parte).

A extensão desta reapreciação, que o Tribunal da Relação realiza, coincide, em tese e na amplitude, com a da primeira instância, traduzindo-se na audição dos depoimentos, atendendo aos meios probatórios que existam nos autos destinados à demonstração desses concretos pontos, apreciando-os criticamente de forma a responder-lhes convictamente e em consciência, segundo critérios razoabilidade e segurança, e emitindo um juízo de concordância ou discordância com a matéria fixada e que foi impugnada, mantendo-a ou alterando-a.

Independentemente de, a partir da exegese dos preceitos, se poder questionar a natureza da impugnação e a sua finalidade, na perspectiva do modo como funciona, aquilo que se conclui é que na apreciação da prova em recurso se realiza um juízo de valoração sobre essa prova, procedendo-se à sua apreciação e revelando-se o modo como esses concretos pontos, no escrutínio da segunda instância, deverão ser julgados.

Porém, a actividade de reapreciação, mesmo com a formação de uma convicção própria, acaba sempre por constituir um juízo sobre uma actividade anterior já que o que a lei determina é que a reapreciação a realizar pela Relação confirme ou altere a matéria anteriormente decidida. Isto é, o objecto da reapreciação, no caso que agora nos importa, é delimitado pela própria impugnação e destina-se, imediatamente, à emissão de um juízo sobre essa matéria de facto e, mediatamente, à declaração de manutenção ou de alteração dessa matéria anteriormente firmada.

Tudo isto que acabamos de dizer, atendendo à circunstância sublinhada de a apreciação da matéria de facto impugnada ser sempre uma reapreciação de uma convicção anteriormente formada, impõe que se tenha presente que o relacionamento desta instância com a prova testemunhal (a prova que o Apelante considera ter sido mal apreciada pela primeira instância em alguns aspectos) tem lugar de forma indirecta, através do acesso às gravações áudio realizadas na audiência de julgamento, recomendando pois que se valore de forma significante e com particular cuidado, a imediação que ali existiu e aqui não.

Entrando agora no concreto da apreciação da impugnação da matéria de facto,  ...

Assim quanto aos factos provados decide-se manter os mesmos sem alteração à excepção dos factos 42 e 47 que deverão ser considerados como não provados.

Quanto à decisão de direito, na sua Apelação o Réu recorrente sustenta a absolvição total dos pedidos defendendo que, com base na alteração da matéria de facto que reclamava, não tinha havido da sua parte qualquer responsabilidade pelos eventuais prejuízos sofridos pela autora, por nenhum facto ilícito ter praticado.

Ainda que a matéria de facto se tenha mantido essencialmente a mesma, e aquela que foi alterada nenhum rebate tenha na avaliação de direito da responsabilidade do réu, sempre se dirá que o contrato estabelecido entre autora e réu se inscreve nos denominados de abertura de crédito pelo qual o banqueiro se obriga a ter á disposição do cliente uma soma em dinheiro por um dado período ou por tempo indeterminado, não regulando a lei expressamente este negócio mas vindo ele referido no art. 362 como uma operação de banco[1].

Também, os arts. 74º e 77º do RGICSF (DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro) estabelecem os deveres de informação assistência, lealdade e diligência dos interesses que estão confiados à entidade bancária.

Destes deveres decorre que em todo o processo de renovação existência e cessação de aberturas de crédito há que manter fluxos contínuos de informação sob pena de se poderem criar situações de confiança que depois a serem desamparadas, podem originar responsabilidade[2].

Este dever de informação entendido agora e aqui no sentido das informações a prestar pelo banqueiro adverte para que “à partida não há qualquer dever geral, por parte do banqueiro, de prestar informações” (Canaris Bankverstagenrecht, citado por Menezes Cordeiro em op.cit. p.367). Mas esta locução geral convoca aquela outra segundo a qual o dever de informação ocorre quando o banqueiro tenha assumido ou quando a boa fé o exija. Fora destas hipóteses o banqueiro que preste informação coloca-se no âmbito do art. 485 nº1 do CCivil e só é responsável se agir com dolo.

No específico domínio do dever bancário de informar ao contrário do direito comum onde a informação diz essencialmente respeito a questões de facto, no direito bancário a informação requerida aos bancos é, no entanto, essencialmente técnico-jurídica e isto porque enquanto a factualidade ligada as negócios bancários é em regra bastante simples, já o regime jurídico envolvido pode tornar-se mais complexo por assentar muitas vezes em usso bancários ou cláusulas contratuais e procedimentos regulamentares cuja apreensão é mais complexa.

Numa advertência absolutamente certeira, Menezes Cordeiro chama a atenção para a circunstância de a informação bancária dever contemplar a situação de carência especial em que se encontre o cliente do banqueiro, na perspectiva de a instituição financeira ter, e dever ter, conhecimento e experiência para, perante o caso concreto reconhecer de imediato o ponto que deve ser informado ao cliente.

No caso em decisão obtemos da prova a narrativa de que em 29 de Setembro de 2009, o R. Banco B..., concedeu à A. um crédito no montante de 50.000,00 €, no âmbito da linha de crédito específica PME Investe IV/QREN IV, “Micro e Pequenas Empresas”, sob a forma de abertura de crédito, cuja liquidação era feita em prestações trimestrais de cerca de € 6.000,00, por meio de débito na conta à ordem n.º ..., contrato este que veio a ser objecto de uma alteração resultante de um pedido de alargamento de prazo da operação de crédito em causa.

Quanto a este pedido de alargamento do prazo a autora solicitou-o, de acordo com as instruções do B..., por comunicação que formalizou em 2 de Dezembro de 2011, e em 26 de Dezembro foi autorizado pelo Banco réu e pela G... o referido alargamento, tendo em 30 de Dezembro de 2011 sido subscrita e assinada pela autora (seus legais representantes) a adenda ao contrato de empréstimo.

Porém, esta adenda veio a ser devolvida pela G... ao Banco em final de Janeiro de 2012 na sequência de problemas com a assinatura da legal representante da A. (por não estar conforme com o B.I.) para ser feita em conformidade, tendo tal aditamento ao contrato sido finalmente processado no sistema pelo Banco em 10 de Fevereiro de 2012.

É neste contexto de solicitação de alargamento e de contratação do mesmo, com especial atenção para as datas das ocorrências que deixámos expressas, que ganha importância o facto de estando a decorrer esse processo de solicitação/contratação ter sido cobrada a prestação trimestral correspondente a Dezembro e, de forma automática, o banco réu ter assumido essa prestação como incumprida e ter feito, de forma automática também, a comunicação ao banco de Portugal do incumprimento da demandante.

Em simultâneo, como ficou provado e é matéria decisiva para a solução do recurso, no decurso do mês de Dezembro de 2011, e ainda antes da formalização da alteração, a A. foi informada ao balcão do Banco da aprovação da operação e de que a prestação do empréstimo referente a Dezembro de 2011 já estava abrangida pelo aditamento ao contrato com o pagamento de montante equivalente a juros.

Temos presente que no documento de divulgação de alargamento do prazo do financiamento, no ponto 5 se referiu que esse período de alargamento tinha o prazo de 12 meses, “com produção de efeitos a partir do início do trimestre em que ocorre a contratação do alargamento de prazo” e, no particular domínio do “Circuito de Decisão do Alargamento de Prazo” no ponto 15 desse documento de divulgação esclarecia-se o processamento do pedido de alargamento com especial referência para a declaração de que “Após a aprovação do alargamento de prazo pelo Banco, este procederá ao envio da proposta para a SGM, por via electrónica e em formato fornecido por esta”, extraindo-se daqui que, começando o processo com a aprovação do pedido pelo banco ele terminará mais tarde com a contratação e depois de verificados os requisitos não já de substância mas de forma do pedido.

Tendo sempre presente que a produção dos efeitos do pedido de alargamento se situa no início do trimestre em que ocorre a contratação do alargamento de prazo, no caso presente tal significava que os efeitos aludidos se reportariam ao trimestre que teria o seu termo em Dezembro de 2011. E é precisamente aqui que surge a questão central do que é discutido, porquanto se podemos dizer que a prestação de Dezembro de 2011, vulgo, o trimestre que nessa data terminaria, já estava abrangida pelo pedido de alargamento do prazo e suspensão de pagamento das prestações que resultava do alargamento do prazo, a verdade é que a circunstância de a contratação nessa data não estar ainda terminada pode fazer supor, como o banco réu supôs, que a prestação de Dezembro deveria ser paga, não obstante mais tarde vir a ser devolvida por os efeitos do alargamento retroagirem a um momento em que tal prestação estava incluída.

De onde dimana a ideia formada pelo banco de que o pedido de alargamento não tinha efeito suspensivo, não o afirma o banco réu mas parece decorrer de, no documento de divulgação do alargamento do prazo se dizer no ponto 15, iii, alínea e) que “O Banco apenas poderá confirmar formalmente a aprovação do alargamento do prazo junto do cliente após recepção da confirmação da PME investimentos”. Contudo, seja como seja, e mesmo tendo sido deste inciso que decorreu a determinação do banco réu de cobrar a prestação de Dezembro e, posteriormente comunicar ao Banco de Portugal o incumprimento dessa prestação, sempre teremos de concluir que o réu omitiu de forma grave e significativa o dever de informação junto da autora, comunicando-lhe que a prestação de Dezembro já não era devida e não lhe comunicando, previamente, o não efeito suspensivo do pedido de alargamento, advertindo explicita e claramente que se enquanto não lhe fosse comunicada, pelo próprio banco, a decisão de alargamento no termo do processo de contratação, ela deveria ter provisionada a conta para a eventualidade de ter de pagar uma prestação que mais tarde seria estornada.

O sentido técnico desta informação é de tal modo importante que não bastaria nunca informar o cliente de que o banco aprovara o pedido de alargamento ou mesmo que a prestação de Dezembro já estava abrangida pelo aditamento ao contrato com o pagamento porquanto sendo tudo isso tecnicamente verdade, o significado útil, previsível e conhecido pelo banco era o de que a pretensão da autora era não pagar efectivamente a prestação de Dezembro e não que a tivesse que pagar para mais tarde lhe vir a ser restituída.

A evidência e razoabilidade destas conclusões decorrem desde logo de, tendo a prestação de Dezembro sido declarada incumprida no dia 29, sem que autora tivesse provisionada a conta no respectivo valor, a verdade é que no dia subsequente ele provisionou a contra em montante mais que suficiente para que o pagamento pudesse ser feito, numa manifestação clara de que se lhe tivesse sido comunicado que a prestação só não deveria ser paga quando viesse comunicação final da entidade central da contratação, obviamente que ela teria antecipado em um dia o deposito na conta ou pedido ao banco uma moratória de um dia, para que a cobrança da prestação pudesse ser feita um dia depois. E acresce que esse dia 30 de Dezembro foi precisamente aquele em que foi subscrita e assinada pela autora (seus legais representantes) a adenda ao contrato de empréstimo.

Ainda que se tente perceber que a dicotomia divisória entre a actividade do balcão e a dos serviços centrais do banco, e bem assim as aplicações automáticas de controle e alerta de incumprimento e comunicação possam gerar uma menor atenção a situações como aquela em que se viu envolvida a autora, temos por outro lado de concluir, em termos normativos, que o ter sido comunicado ao Banco de Portugal o incumprimento da autora quanto à prestação de Dezembro de 2011 constituiu um acto ilícito e culposo gerador da obrigação de indemnizar, como se concluiu na sentença recorrida.

Para quem pretenda, como o banco recorrente, que em termos objectivos existiu um incumprimento porque uma prestação vencida em Dezembro de 2011 não foi paga pela autora e que tal incumprimento justificava plenamente a comunicação ao Banco de Portugal, teremos de obtemperar que tal lógica esquece em absoluto os deveres de informação, diligência e até de lealdade e, com este esquecimento, omite também o papel da banca como interface da concessão dos financiamentos PME, impondo este papel um conhecimento exacto e rigorosos dos termos técnico jurídicos em que se desenvolvia esse financiamento, para ser comunicado ao cliente.

Veja-se que quem tem a informação do circuito de decisão do alargamento de prazo é o banco e é por ele que passa todo o processamento, pelo que seria de elementar diligência que em vez de se limitar a responder a qualquer pedido de informação do cliente no sentido de saber se a prestação de Dezembro de 2011 estava ou não abrangida no alargamento, deveria facultar a informação (mesmo que não solicitada) de que o pedido formulado não tinha efeito suspensivo sobre o vencimento da prestação ainda que mais tarde, com o termo da contratação, a prestação eventualmente paga viesse a ser devolvida.

 Numa última observação julgamos não colher fundamento para afastar a responsabilidade do réu pela responsabilidade por facto ilícito quando argumenta que emitiu em 13 Março de 2012 uma declaração na qual constava que a autora não registava qualquer atraso ou incumprimento nessa instituição bancária e cumpria rigorosamente com todos os financiamentos concedidos; e que o valor de 6.250 € registado como Crédito Vencido na Centralização de Riscos do Banco de Portugal de Janeiro de 2012, se tinha ficado a dever a um atraso na reformulação de uma operação de crédito a que a empresa A..., Lda. é totalmente alheia.

É um facto que esta declaração evitou à autora prejuízos maiores e teria evitado ainda mais se todas as instituições bancárias a tivessem aceitado, porém, tal não aconteceu, e as instituições bancárias não estavam obrigadas a aceitá-la, porquanto o decisivo e vinculativo em matéria de incumprimento é o registo e comunicação existente no Banco de Portugal e, por outro lado, esse registo de incumprimento determinava automaticamente o encerramento da conta caucionada que a autora tinha junto da Caixa Agrícola e a não aprovação do financiamento que aí estava a ser contratado. Por outro lado, a emissão da aludida declaração no sentido de obviar ao que tinha sido realizado de forma ilícita, não omite nem desvitaliza a prática do facto legalmente indevido praticado anteriormente, nem os prejuízos a que ele eventualmente tenha dado causa.

Com esta explicação, resumimos que a comunicação de incumprimento da autora ao Banco de Portugal, feita pelo réu, constituiu um facto ilícito.

Não se trata neste domínio de reportar, na sua vertente de dever contratual, a falta do dever de informação que consistiu em não se ter comunicado à autora, quando ela o solicitou, toda a informação relevante, nomeadamente que o pedido de alargamento não teria efeito suspensivo, ou mesmo que a informação prestada, no contexto em que tinha sido pedida, só podia significar que a autora não pagaria já essa prestação nem deveria ter a conta provisionada para tal. Trata-se antes de configurar uma comunicação de incumprimento da autora feita pelo réu ao Banco de Portugal como indevida e ilícita, a partir de uma actividade anterior e que de modo não ambíguo e explícito colocou aquela na posição de ficar convencida, sem qualquer culpa sua mas sim do réu, que não teria já de pagar a prestação de Dezembro de 2011.

A prova obtida nos autos impõe precisamente esta conclusão e entendimento quando vemos que o réu comunicou no final de Janeiro de 2012 à Central de Riscos do Banco de Portugal que a autora se encontrava em situação de mora no que se refere à prestação de 29.12.2011 por não ter a conta provida nessa data com saldo suficiente ao pagamento da prestação de capital e, no entanto, a solicitação da autora de 19 de Janeiro de 2012, informa esta de que em Dezembro apenas eram devidos os juros da prestação aí vencida mas não o capital. Acresce que nesta actividade bancária não é permitido retirar responsabilidade ao réu, pelo facto ilícito apontado, com o argumento de que pode ter havido desarticulação e falta de conjugação entre a intervenção do balcão e dos serviços centrais, ou mesmo com os automatismos das aplicações de onde resultam os alertas e as comunicações, porquanto tudo se resume em verificar que o banco, entendido no seu todo organizacional, praticou um acto de comunicação de incumprimento que na situação concreta e nos termos sobreditos lhe não era permitido realizar. E não lhe era permitido realizar, mesmo objectivamente e sem repristinar o argumento da sua falta ou errónea informação à autora, porque, a fazer a comunicação de incumprimento ao Banco de Portugal, seria sempre exigível que nela fosse, também, a informação de que esse particular incumprimento se reportava a uma prestação PME e que havia sido pedido, antes do vencimento, o alargamento de prazo, ainda não contratado mas já aprovado, e que, a ser contratado, a prestação cujo incumprimento se informava não seria devida e seria devolvida ao cliente.

É manifesto que o banco réu, em qualquer caso, e mesmo sem contar com as informações que prestou ao cliente, tratou desconsideradamente a prestação de Dezembro de 2011 como um incumprimento indiferenciado, com a agravante de que, mesmo nos incumprimentos indiferenciados, e naquele período de 30 dias que mediava entre o eventual incumprimento e a comunicação ao Banco de Portugal, o réu não diligenciou com qualquer informação prestada à autora no sentido de esta pagar “à condição” a prestação, nem sequer em proceder “automaticamente ao desconto da quantia da prestação logo no dia seguinte ao seu vencimento, data em que a conta já se encontrava suficientemente provisionada.

Assim, no sufrágio das considerações e conclusões normativas que se encontram escritas na sentença recorrida concluímos também que o réu praticou um facto ilícito sendo que o “ quadro factual apurado não permite afirmar que a ré agiu com dolo, ainda que na modalidade do dolo eventual, mas antes com mera culpa ou culpa em sentido estrito porquanto o acto lesivo, ou seja, a comunicação indevidamente feita pela ré ao Banco de Portugal quanto à existência de mora da autora relativamente às suas responsabilidades para com aquela assentou na omissão de um dever de diligência”.

Do exposto julgamos clara a afirmação da verificação dos pressupostos enunciados da responsabilidade civil, mormente a culpa e a ilicitude da conduta por parte do banco réu.

Com efeito, tendo o Código Civil consagrado a tese da culpa em abstracto expressamente no artigo 487º, nº 2, o padrão de referência relativamente ao grau de diligência exigível ao réu é “a diligência de um bom pai de família em face da circunstâncias de cada caso”, isto é, não a diligência ou capacidade de que o réu é capaz em termos de organização e eficiência dos seus serviços, nomeadamente na preparação da lista dos seus clientes em mora e comunicação ao Banco de Portugal, mas a diligência que uma entidade bancária normal posicionada no mercado teria perante o caso concreto.

E neste quadro tem de concluir-se que, quer a incorrecção da comunicação, quer a omissão dos deveres de diligência e informação dos serviços do réu, quer a lentidão com que a comunicação indevida foi reparada evidenciam que a ré agiu muito aquém do padrão de diligência exigível, sendo a sua conduta passível de um forte juízo de censura.

A autora tem, pois, direito a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos de ordem patrimonial e moral (artigos 496.°, 564.° e 566.° do Código Civil), já que nas indicadas circunstâncias a ré incorreu num acto ilícito culposo”.

No domínio da contabilização dos danos, o réu recorrente sustenta que não existe facto ilícito e que, mesmo a existir, não haveria nexo de causalidade entre tal facto e os danos, quer no domínio dos patrimoniais quer no âmbito dos não patrimoniais.

Concordando com a análise que a sentença realiza quanto aos danos de natureza patrimonial, observamos que a autora reclamava a esse título o pagamento da quantia global de 104.950,00 euros, sendo 50.950,00 euros referentes ao aluguer de equipamentos no decurso do período de Maio de 2012 a Julho de 2014, em virtude da venda forçada dos equipamentos que teve de efectuar por força da situação económica criada pela actuação do Banco réu e a quantia de 54.000,00 de lucros cessantes referentes ao período situado entre Abril de 2012 e Setembro de 2014, decorrente da necessidade de parar com os transportes internacionais em virtude da situação criada pelo Banco réu. E reclamava ainda o montante de 1.500,00 euros de despesas tidas com toda esta situação.

Dando por aceite a natureza dos danos patrimoniais, em que é que eles se traduzem e a forma do seu ressarcimento (nº 1 do art. 566.º do CC) a indemnização pecuniária mede-se pela diferença entre a situação real em que o facto deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria sem o dano sofrido, tendo como referência a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos (art. 566.º, nº 2, do CC).

Temos também presente que o artigo 564º do CCivil estabelece que: « 1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

 2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.»

E sempre que não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, deverá o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver provados (art. 566º nº3 do CC).

No concreto do caso, apurou-se que a autora pedia um montante a título de dano emergente resultante dos custos com o aluguer dos equipamentos que a A. teve que vender para equilibrar a sua situação económica e financeira.

Saber se o nexo de causalidade abrange ou não esses danos impõe que se percorra um juízo valorativo a partir do art. 563 do CCivil, como a sentença realizou, fazendo notar que “o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto, e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido”[3]. E no confronto das duas formulações que se enunciaram sobre a matéria, segundo as quais, na positiva, o facto é causa adequada,  na negativa, o facto que actuou como condição do dano só deixa de ser considerado como causa adequada se, por sua natureza, se mostrar de todo inadequado ou indiferente para a sua produção, e o haja produzido apenas por força de circunstâncias excepcionais ou anómalas que ocorreram no caso concreto, tornou-se consensual que é a formulação negativa que se mostra mais defensável, dentro do espírito do sistema, pelo menos no campo da responsabilidade por factos ilícitos[4].

Na aplicação ao caso, julgamos que se ajuizou bem na sentença quando aí se considerou existir nexo de causalidade entre os danos sofridos pela autora e o facto ilícito praticado pela réu e traduzido na comunicação de incumprimento ao Banco de Portugal, porque a autora na sequência daquela comunicação viu serem-lhe «fechadas as portas» pelas instituições bancárias, mormente pelo CCAM na qual tinha uma conta caucionada que teve que liquidar, suportando em curto espaço temporal o montante da mesma na ordem dos 75.000,00€, tendo ainda que devolver o adiantamento no montante de 20.000,00 euros no âmbito de outro crédito com aquela instituição bancária que se encontrava para lhe ser concedido e que em consequência daquela comunicação lhe foi recusado – pontos 28. a 32., 34., 36., 45., 46. dos factos.

Como se continua a dizer na sentença “verifica-se que na sequência daquela comunicação e sua manutenção pelo menos até Junho de 2012, a autora viu-se confrontada com uma situação perante a Banca e sistema financeiro em geral que lhe recusou os instrumentos bancários normais e necessários ao desenvolvimento da sua actividade, seja cheques, seja o crédito necessário para o «fundo de maneio» com que aquela contava, sobretudo num período de consabida dificuldade económica, quer geral, quer especialmente na área dos transportes de mercadorias e pelo qual a autora se mostrou afectada no decurso do ano de 2011.

A A. viu-se assim sem possibilidade de recorrer às entidades bancárias para obtenção dos empréstimos com que contava, mormente da CCAM, para obter o fundo de maneio de que necessitava para cumprir todas as suas obrigações, já que teve que continuar a pagar salários, a pagar aos fornecedores e a suportar outras despesas e encargos com a Banca, bem como as necessárias ao desenvolvimento da sua actividade.

Aliado a tudo isto, resultou ainda o retraimento por parte de fornecedores e demais agentes económicos que de forma directa trabalhavam com a autora e que tendo conhecimento daquela comunicação e do «alegado» incumprimento da autora, bem como dificuldades que esta estava a passar na sequência do mesmo, se colocaram à «defesa» e deixaram de trabalhar com a autora ou lhe cortaram o crédito que até então lhe era concedido.

Destarte, resulta claro para nós que a necessidade de ter liquidez por banda da autora para acorrer às despesas imediatas que lhe surgiram na sequência desta situação foi causada pela actuação do Banco réu que culminou na comunicação ao Banco de Portugal do alegado incumprimento da A. e que veio a despoletar uma situação com manifesto prejuízo na esfera de actividade da autora, levando-a a ter de tomar opções de gestão da sua actividade, mormente com a venda de património.”

No domínio estrito da venda dos equipamentos é forçoso explicar que poderia parecer algo contraditório estar a vender o que seria necessário para o funcionamento da actividade. Contudo a justificação e razoabilidade da venda encontra-se respaldada pela circunstância de que com a venda se obtinham de imediato necessários e urgentes meios financeiros capazes de satisfazer os compromissos entretanto reclamados, sendo que com os alugueres se despenderiam quantias no imediato menos avultadas, mesmo que no cômputo geral e ao fim de um dilatado período de tempo pudessem vir a revelar-se superiores, pelo que é adequado considerar que o dano advindo para a autora com o aluguer de equipamento semelhante para desenvolver a sua actividade nos meses que se seguiram consubstancia um dano que deverá ser ressarcido pelo Banco réu.

Mas uma vez mais, na dificuldade própria de contabilização destes prejuízos, é equilibrado circunscrever o período temporal relativamente ao qual tal dano deve ser considerado, sendo igualmente razoável no contexto da prova obtida estimar em 1 (um) ano subsequente à rectificação de tal comunicação na base de dados do B.P. como o tempo expectável para que os efeitos nefastos da comunicação indevida na esfera da autora pudessem ser superados por esta.

Em concordância com a sentença, consideramos também que os custos com os alugueres que a autora teve que suportar entre Maio de 2012 e Junho de 2013, são os devidos, no valor fixado de 10.562,60 euros.

A pretensão da autora, reafirmada na sua Apelação, neste segmento da indemnização, era a de que seriam devidos todos os montantes gastos entre Maio de 2012 e Julho de 2014 no valor global de 50.950,00 euros mas a razoabilidade do juízo que se fixou na sentença recorrida tem presente todo o contexto de prova, avaliado segundo critérios de prudência e de rigor. E se a autora protesta que o representante da empresa ... afirmou que os alugueres de equipamentos se mantêm até à actualidade, se quisermos não manter estranha à prova obtida a afirmação em que tal prova se baseou, não pode deixar de se ter presente que esse mesmo ... afirmou explicitamente que a situação de dificuldade gerada pelo réu durou um ano, precisamente um ano, e situado até finais de 2012, e que depois desse ano a situação ficou resolvida e a empresa tinha recuperado totalmente a sua condição anterior.

Mesmo não sendo ortodoxo traduzir na fundamentação de direito o que fundamentou os factos, porque é nisso que a autora baseia o seu protesto, não pode esquecer-se que a prova fixada faculta, pelo que a sustentou, esta possibilidade de juízo de valor que beneficia o rigor e a equidade exigíveis. E se se diz, correctamente, que a decisão equitativa tem que ser acima de tudo justificada e se a justificação a remete a autora para o suporte fáctico, cremos que a análise desse suporte aponta mais seguramente para o juízo da primeira instância que para a sua revogação.

 Quanto aos danos patrimoniais, na modalidade dos lucros cessantes a autora reclamou o pagamento da quantia de 54.000,00€ referentes ao período situado entre Abril de 2012 e Setembro de 2014, decorrente da necessidade de parar com os transportes internacionais em virtude da situação criada pelo Banco réu, protestando agora, em recurso, ser esse o valor devido contra o que foi fixado na sentença em de 15.000,00 euros.

Julgamos no entanto que, também neste segmento indemnizatório, assiste razão à decisão recorrida porque a prova certifica que a autora em Março de 2012 deixou de efectuar transportes internacionais de mercadorias por forma a evitar um maior deficit financeiro e o agravamento da situação da empresa, passando, assim, a deixar de auferir os rendimentos de tal tipo de transporte, e que essa decisão foi tomada perante as dificuldades de tesouraria por que passava a autora no ano de 2011, bem como em virtude da não concessão dos créditos solicitados mormente o referido no ponto 5 dos factos provados por parte da CCAM e que proveriam a autora com um saldo para as despesas correntes, bem como a necessidade de pagamento do crédito referido nos pontos 2 e 6 e bem assim o clima de desconfiança que se gerou nos fornecedores da autora que conduziu a que muitos dos fornecimentos deixassem de ser a crédito e passassem a ser a pronto pagamento e, por outro lado, ainda, as dificuldades financeiras que se começavam a sentir e que não permitiriam continuar a pagar os combustíveis dentro dos prazos por falta de fundo de maneio.

Tendo sido apurado que no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2011 e 30 de Março de 2012, a autora obteve uma rentabilidade mensal na ordem de 2.258,78 €, contra uma soma simplesmente aritmética deste montante mensal, repercutido num determinado período temporal, a questão indemnizatória impõe uma valoração normativa realizada uma vez mais segundo critérios de equidade.

Sabemos, da prova, que a decisão de fecho da actividade de transportes internacionais da autora não se ficou a dever exclusivamente às consequências bancárias sofridas por ela com o registo de incumprimento no Banco de Portugal mas sim à conjugação desta circunstância com aquela outra decorrente da deficitária situação da autora face ao contexto económico que na altura experimentava sobretudo como era o caso no âmbito dos transportes de mercadorias mas que, sem dúvida, foi também resultante, como concausa, da actuação por parte do réu nos termos acima descritos.

Se por um lado temos por seguro que se não fora toda a subsequente situação criada com a comunicação da mora pelo Banco réu ao Banco de Portugal e a necessidade descrita de a autora tomar opções de gestão imediatas para redução de custos, não teria ocorrido, ou, pelo menos, não teria ocorrido a total paralisação desse tipo de actividade internacional de transporte, temos também de ponderar a existência de uma situação difícil no transporte internacional, traduzida até no valor obtido como rentabilidade mensal pela autora e uma igual situação frágil da autora que, não tendo incumprimentos bancários, não tinha também fundo de maneio, o que retira uma dimensão de inteira sustentabilidade e prognose totalmente positiva quanto ao futuro para a actividade internacional da autora em finais de 2011 e inicio de 2012. 

Neste conjunto de elementos os juízos de equidade, isto é, aqueles que traduzem precisamente a realização pelo julgador de juízos assentes em critérios não normativos, de modo a possibilitar ou corrigir uma rígida e estrita aplicação do direito às concretas e particulares situações da vida, recomendam equilíbrio, prudência e sentido de justiça em face dos elementos de facto disponíveis, no conhecimento do tipo e natureza de danos concretos a avaliar.

De facto, não deve perder-se de vista a diferença essencial que intercorre entre o recurso à equidade para obter a quantificação de danos ligados à violação de bens eminentemente pessoais – v.g. danos morais, lesão de direitos de personalidade – e o apelo a juízos equitativos para obter uma exacta e precisa quantificação de danos patrimoniais. É que, no primeiro caso, o recurso à equidade constitui elemento essencial e insubstituível para avaliar o dano, representando o juízo equitativo um verdadeiro momento constitutivo na determinação da compensação adequada a tal tipo de danos; pelo contrário, no segundo tipo de hipóteses, o recurso à equidade – consentido pelo art. 566º, nº3, do CC – desempenha uma função meramente complementar e acessória, representando um instrumento para suprir possíveis insuficiências probatórias relativamente a um dano, inquestionavelmente sofrido pelo lesado, mas relativamente indeterminado quanto ao seu exacto montante[5]

Nesta advertência, julgamos acertadas as observações que sustentaram a decisão recorrida porque temos por equitativo fixar em 50% a responsabilidade da comunicação de incumprimento ao Banco de Portugal pelo réu como causa deste dano, julgando igualmente razoável o período de 14 meses (12 meses a partir de Junho acrescidos dos meses Abril/Maio de 2012 /altura em que deixou de efectuar os transportes internacionais) pela perda da actividade da autora nos transportes internacionais, nesta avaliação, repercutido sobre o valor mensal de rentabilidade

Assim, considerando o valor mensal de rentabilidade que a autora teve em média nos meses anteriores a Março de 2012, altura em que cessou tal actividade, conjugando esse valor com o tempo estimado de 14 meses acima referido bem como a proporção de 50% indicada, o juízo de equidade alicerçado nos elementos objectivos adquiridos nos autos confirmamos como adequado por equitativo fixar a indemnização por lucros cessantes no montante de 15.000,00 euros.

Como, quanto aos danos patrimoniais não houve protesto no que se refere aos fixados pelas despesas de transporte e expediente nas deslocações, reuniões e contactos que teve que efectuar para a resolução da questão, passamos agora à avaliação da fixação do que foram estabelecidos por danos não patrimoniais.

Neste âmbito, a sentença recorrida fixou a indemnização por danos não patrimoniais na exacta quantia pedida pela autora, de 20 mil euros, ao que o réu recorrente se opõe no recurso sustentando que não só nenhuma quantia deveria ser fixada por não haver facto ilícito como também, no que agora releva, porque as circunstâncias fácticas que resultaram provadas, não assumem, no caso concreto, uma gravidade que mereça a tutela do direito.

E defende mais concretamente que os dissabores imateriais da autora, os seus eventuais receios não foram devidos a conduta do Banco-R. e, não ultrapassam aquele mínimo que, objectivamente, deva ter-se como de suportabilidade exigível, em termos de resignação, máxime, quando a autora, obteve o assentimento do próprio Banco ao pedido de alteração dos prazos de amortização do empréstimo e, quando o este, imediatamente após a reclamação verbal da autora, lhe conferiu a Declaração de 13 de Março.

A decisão recorrida enquadrou o fundamento da indemnização por danos não patrimoniais na previsão do art. 484 do CCivil, que estabelece que “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”. E na consideração de que o bom nome ou reputação abrange tudo o que se refere ao prestígio da pessoa colectiva no plano da credibilidade, prestígio e do relevo da sua actividade económica, social ou cultural, enquanto geradoras de confiança financeira, de convicção social de solvabilidade e de atracção de capitais, concluiu pela antijurisdicidade da conduta do réu ao comunicar ao Banco de Portugal o incumprimento das autora, vendo esta denegrida a sua imagem perante os restantes bancos, entidades financeiras, fornecedores e demais clientes, ficando com o seu nome comercial afectado na praça e vendo-se impossibilitada do recurso normal ao crédito, tendo algumas entidades bancárias recusado a ampliação das suas responsabilidades devido às informações provenientes do Banco de Portugal.

Cremos que esse quadro fáctico enumerado e que se retira da prova é revelador da sua habilidade, vulgo causalidade, para causar prejuízos de natureza moral ou não patrimonial que pela sua gravidade merecem a tutela do direito.

Não estamos perante prejuízos que só de forma “exaltada” ou fruto de grande e incomum susceptibilidade pudessem ser sentidos, mas antes nos confrontamos com situações que segundo um quadro de experiência comum e critério de normalidade configuram prejuízos e causa de indemnização.

Neste caso colhem particular importância de valoração o facto de a autora ser uma empresa que cumpria os seus compromissos mas numa situação de frágil equilíbrio que conseguia através de uma atenção constante às datas de vencimento das sua obrigações, máxime bancárias, e à obtenção de financiamento e, em simultâneo, o facto de o banco réu ser uma entidade conhecedora dessa anterior circunstância e, também, ter conhecimentos técnicos jurídicos que lhe impunham o dever de avaliar a credibilidade dos seus clientes e as particulares condições destes de forma a prestar-lhes a informação necessária à eficácia da satisfação dos seus compromissos.

Na apreciação destas duas condições afirmadas, a comunicação feito pelo réu ao Banco de Portugal fez romper aquele equilíbrio da autora e provocou-lhe, para lá dos danos patrimoniais apreciados anteriormente, também, danos não patrimoniais consistentes na afectação da sua imagem junto da banca, dos seus clientes e fornecedores e, ligada a esta imagem, o seu crédito como direito de personalidade das pessoas colectivas.

Tendo presente tudo isto, não esquecemos no entanto que a emissão em 13 de Março de 2012 pelo réu, a solicitação da autora, de uma declaração ilibatória de qualquer responsabilidade desta pelo comunicado incumprimento, tentou evitar que a imagem, bom nome e crédito da autora não fosse tão afectada constituindo um elemento objectivo de tentativa de “desagravo”. Sem embargo, esta atitude não neutraliza os efeitos predatórios da comunicação de incumprimento junto daqueles com quem a autora se relacionava, nem tinha, nem teve, o poder de retirar os efeitos de tal aponte porquanto só junto do banco de Portugal é que o réu poderia e deveria diligenciar no sentido de fazer desaparecer essa indevida comunicação.

Acresce que, como elemento de ponderação nesta sede, julgamos ser pertinente a circunstância de a autora ao fim de um ano se haver recomposto no seu equilíbrio e crédito, elemento temporal este que deve estar presente também na fixação dos danos não patrimoniais.      

Ora, como advertimos anteriormente, no domínio dos danos não patrimoniais o recurso à equidade constitui elemento essencial e insubstituível para avaliar o dano, representando o juízo equitativo um verdadeiro momento constitutivo na determinação da compensação adequada a tal tipo de danos e daí que a relatividade e subjectividade da fixação não deva constituir uma arbitrariedade, tendo sempre presente a intensidade da culpa do réu (no caso na forma de negligência), a circunstância de que este é uma entidade bancária que opera no mercado e a quem cabe um particular dever de diligência e cuidado, necessariamente dotada de organização empresarial e dos meios necessários para responder em condições apropriadas de qualidade e eficiência, bem como o facto de que a ré é uma sociedade comercial que tem por objecto o transporte de mercadorias, actividade em que a imagem e o bom nome assumem particular relevo pela mobilidade de contactos que envolve.

Assim, no conjunto de todas estas circunstâncias, e respeitando embora a avaliação feita em primeira instância e que enumerou de forma criteriosa e competente o seu raciocínio e ponderação, em nosso critério, na soma que todas essas circunstâncias, num quadro de crise económica a que a autora não estava isenta, propensa à suspeição sobre a consistência das empresas e, por referência ao período de tempo em que a afectação da imagem e crédito decorreu, julgamos que a indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada em 15.000,00 € (quinze mil euros).

Em resumo, não obstante a alteração da matéria de facto realizada, entendemos que a decisão de direito deve manter-se no que se refere à condenação do réu Banco «B..., SA» a pagar à autora «A..., Ldª, na quantia de 26.062,60 euros, a título de prejuízos patrimoniais por esta sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento e ser alterada quanto à condenação na quantia referente aos danos não patrimoniais e que agora em recurso se fixa, em 15.000,00 € (quinze mil euros) acrescidos de juros de mora à taxa legal desde as data da presente decisão e até integral pagamento, mantendo-se no mais a absolvição do réu no demais peticionado pelo autor.

Sumário do acórdão:

- Dos deveres constantes dos arts. 74º e 77º do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro decorre que em todo o processo de renovação existência e cessação de aberturas de crédito a entidade bancária têm de manter uma contínua informação sob pena de se poderem criar situações de confiança que depois, a serem desamparadas, podem originar responsabilidade;

- o dever de informação ocorre quando o banqueiro o tenha assumido ou quando a boa fé o exija, e fora destas hipóteses o banqueiro que preste informação coloca-se no âmbito do art. 485 nº1 do CCivil e só é responsável se agir com dolo;

- no específico domínio do dever bancário de informar, a informação bancária dever contemplar a situação de carência especial em que se encontre o cliente do banqueiro, na perspectiva de a instituição financeira ter, e dever ter, conhecimento e experiência para, perante o caso concreto reconhecer de imediato o ponto que deve ser informado ao cliente;

- no âmbito do alargamento do prazo/suspensão de pagamento do capital da linha de crédito específica PME Investe IV/QREN IV, a circunstância de essa suspensão produzir efeitos a partir do início do trimestre em que ocorre a contratação do alargamento de prazo, mas o Banco apenas poder confirmar formalmente a aprovação do alargamento do prazo junto do cliente após recepção da confirmação da PME investimentos, impunha o dever de informar este mecanismo e, claramente, que enquanto a PME não confirmasse o alargamento do prazo se mantinha o dever de pagar as prestações que entretanto se vencessem;

- por a informação do circuito de decisão do alargamento de prazo estar na disponibilidade do banco e por ser por ele que passa todo o processamento, na economia das relações entre o banco deve entender-se que, não tendo sido prestada pela entidade bancária, tal falta constitui omissão dos deveres de diligência e informação geradora da responsabilidade de indemnizar;

- Os juízos de equidade são aqueles que traduzem a realização pelo julgador de juízos assentes em critérios não normativos, de modo a possibilitar ou corrigir uma rígida e estrita aplicação do direito às concretas e particulares situações da vida, recomendando equilíbrio, prudência e sentido de justiça em face dos elementos de facto disponíveis, no conhecimento do tipo e natureza de danos concretos a avaliar;

- o recurso à equidade para obter a quantificação de danos ligados à violação de bens eminentemente pessoais constitui elemento essencial e insubstituível para avaliar o dano, representando o juízo equitativo um verdadeiro momento constitutivo na determinação da compensação adequada, o que não acontece quando concorre para a fixação dos danos patrimoniais onde desempenha uma função meramente complementar e acessória, sendo um instrumento para suprir possíveis insuficiências probatórias relativamente a um dano, inquestionavelmente sofrido pelo lesado, mas relativamente indeterminado quanto ao seu exacto montante. 

Decisão  

Pelo exposto acorda-se em:

- Julgar improcedente a Apelação da autora A..., Ldª e, em consequência, em não alterar a decisão recorrida nos termos em que aí eram propostos;

- Julgar parcialmente procedente a Apelação do réu “Banco B... S.A” e, em consequência, revogar a decisão recorrida quanto à condenação por danos não patrimoniais no valor de 20.000,00 € (vinte mil euros) alterando essa decisão para o valor de 15.000,00 € (quinze mil euros), quantia sobre a qual acrescerão juros de mora à taxa legal desde a data da presente decisão e até integral pagamento.

Mantém-se no mais a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes e apelados na proporção dos respectivos decaimentos.

Relator: Manuel Capelo

Adjuntos:

1º - Falcão de Magalhães

2º - António Domingos Pires Robalo


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[1] Vd. Menezes Cordeiro in Direito Bancário, 2ª edição p.584
[2] Menezes Cordeiro , op, cit, p. 367/368
[3] Vd. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7ª ed., pág. 897.
[4] A. Varela, ibidem, pág. 899 e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed. refundida, pág. 519
[5] Vd. ac. STJ de 28-10-2010 272/06.7TBMTR.P1.S1, in dgsi.pt