Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1525/19.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 06/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 17 G Nº4, 32 Nº3 CIRE, 23 DA LEI Nº 22/2013 DE 26/2, LEI Nº 32/2004 DE 20/1, PORTARIA Nº 51/2005 DE 20/1
Sumário: I – Em conformidade com o disposto no art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial – aprovado pela Lei nº 22/2013 de 26/02 – o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização tem direito a uma remuneração fixa (nº 1) e a uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor (nº 2).

II – Essa remuneração variável apenas é devida quando, no âmbito do processo de revitalização, seja efectivamente aprovado e homologado um plano de recuperação com vista à revitalização da empresa;

III – Não tendo sido ainda publicada a portaria a que alude a citada disposição legal – portaria que haveria de estabelecer os valores e as regras a considerar na fixação da remuneração de acordo com os critérios previstos na lei – a remuneração fixa deverá corresponder, por regra, ao valor estabelecido na Portaria nº 51/2005 de 20/01 que, com referência ao anterior estatuto do administrador da insolvência (aprovado pela Lei nº 32/2004, de 20/01), determinou o valor do montante fixo da remuneração devida ao administrador da insolvência.

IV – Essa Portaria (nº 51/2005) não fornece, contudo, qualquer critério para fixação da remuneração em função do resultado da recuperação do devedor (o único factor considerado nessa Portaria prende-se com o resultado da liquidação) e, como tal, não tem aplicação no âmbito de processo de revitalização; nessas circunstâncias e na falta de outro elemento ou critério legal, a remuneração variável do administrador judicial em processo de revitalização – quando devida – terá que ser fixada com recurso à equidade tendo em conta as circunstâncias previstas no nº 2 do art. 23º da Lei nº 22/2013 e que se reconduzem ao resultado da recuperação do devedor, ou seja, ao valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano (nº 3 da norma citada).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.T (…), S.A., com sede (…), acompanhada pela sua credora “C (…), Lda”, com sede (…) , veio instaurar processo especial de revitalização e, por despacho proferido em 13/05/2019, foi nomeado como administrador judicial provisório o Dr. A (…)

Em 11/06/2019, o Sr. Administrador veio juntar a lista provisória de créditos a que alude o art. 17.º-D do CIRE, tendo relacionado quinze créditos no valor global de 10.161.582,25€.

A Devedora e o Sr. Administrador acordaram em prorrogar o prazo das negociações por trinta dias.

A Requerente (devedora) veio apresentar um plano de revitalização e o Sr. Administrador veio, posteriormente, apresentar o resultado da votação.

O processo veio, no entanto, a terminar sem aprovação de qualquer plano, sendo certo que, depois de o Sr. Administrador, na sequência de notificação que para tal lhe foi efectuada, ter apresentado o seu parecer – onde concluiu que a devedora não estava em situação de insolvência e que o processo deveria ser encerrado nos termos e para os efeitos do nº 2 do artigo 17.G do CIRE – foi proferida decisão em 04/02/2020 que declarou findo o processo sem aprovação de plano de recuperação (artigos 17.º-G, nºs 1 e 2, e 17º-J, nº 1, al. b), ambos do CIRE), mais determinando a notificação da Requerente e do Sr. Administrador para se pronunciarem quanto à remuneração a fixar.

O Sr. Administrador veio pronunciar-se dizendo que tinha direito à remuneração fixa no valor de 2.000,00€ acrescido de IVA à taxa de 23% e à remuneração variável de 50.000,00€ (acrescida de IVA) por ser esse o limite legal previsto no nº 6 do art. 23.º do Dec. Lei nº 52/2019 de 17/04 e tendo em conta que a remuneração adequada seria de 60.000,00€, atendendo: ao período em que exerceu as suas funções, ao número de credores e valor dos créditos, à complexidade do processo e ao tempo despendido.

A Requerente pronunciou-se dizendo que apenas deveria ser fixada uma remuneração de 2.000,00€ por aplicação do art. 32º, nº 3, do CIRE.

Por despacho proferido em 03/03/2020, foi fixada ao Sr. Administrador uma remuneração global no valor de 5.000,00 € (cinco mil euros), a que acresce IVA à taxa legal em vigor, acrescida de 500,00 € (quinhentos euros) de provisão para despesas.

Discordando dessa decisão, a devedora T (…), S.A., veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. A questão que aqui se coloca à douta apreciação do Meritíssimo Tribunal “ad quem”, resume-se a saber se o montante fixado é equitativo em função da atividade desenvolvida pelo Sr. Administrador Judicial Provisório nomeado nos autos.

2. Nos termos do disposto no art.º 23, nº 1 da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, o AJP em PER tem direito a uma remuneração fixa, de acordo com o montante estabelecido em portaria e ainda a uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, considerando-se, como tal, o valor determinado com base no valor dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.

3. Até à presente data, não foi publicada a portaria prevista no artigo 23.º da citada Lei, pelo que, atenta a lacuna legal, cabe ao juiz a competência para fixar a remuneração devida tendo por base um juízo de equidade.

4. Devem ainda ser observadas as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.

5. O PER um procedimento que é essencialmente extrajudicial e em que a intervenção principal é dos mandatários dos devedores, passando os AJPs a ter um papel secundário, que se resume ao inicio e ao final do processo, regra geral o da elaboração das Listas provisórias de créditos e o da comunicação da votação do plano e respetiva aprovação ou não aprovação, funcionando como mero mediador.

6. Destarte, ao AJP apenas competem aspetos de mera fiscalização ou supervisão.

7. As funções do administrador judicial provisório no âmbito do PER são limitadas, sendo a sua intervenção no processo em regra por um período de tempo muito inferior ao da intervenção do administrador da insolvência, em sede de processos de insolvência, pelo que não poderá em caso algum ser premiada com uma maior remuneração.

8. No caso concreto, temos que o processo teve uma duração normal, nenhum dos créditos revestia especial complexidade, portanto sem especial dificuldade de análise, que não o lançamento dos mesmos na respetiva lista provisória de credores, trabalho essencialmente administrativo, sendo que a Devedora sempre prestou colaboração ao Exmo. Sr. AJP, não havendo a registar qualquer impugnação à lista provisória.

9. Todo o processo negocial foi da iniciativa da Devedora, sendo que, o Administrador não teve participação nesse processo, o mesmo sucedendo relativamente à elaboração do plano.

10. Assim, o processo especial de revitalização em causa foi simples, tendo o AJP exercido as suas funções por um curto período de tempo e as mesmas limitaram-se às diligências instrumentais e formais que lhe são exigidas, sem acrescida complexidade ou morosidade, nomeadamente na elaboração da lista provisória de créditos, pelo que a remuneração por tal atividade já se encontra abrangida pela parte fixa da remuneração legalmente prevista.

11. A previsão do nº 1 do artigo 23º da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, estatui uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, tendo o presente processo terminado sem aprovação do plano, tal significa que a recuperação da devedora não ocorrerá pela via judicial e, portanto, em função da atividade desenvolvida pelo AJP.

12. É manifestamente excessiva a remuneração global fixada de €5.000,00 (a que acresce IVA), acrescida de provisão para despesas de €500,00.

13. Examinando a jurisprudência em situações idênticas à dos presentes autos, os valores fixados de remuneração variável são muito inferiores ao que resulta do Despacho recorrido, pelo que deverá, em obediência o princípio da igualdade, ser reduzida a remuneração do AJP fixada no Despacho recorrido.

14. Sopesados todos os elementos, e sempre com o devido respeito, que se diga, é todo, é justo, adequado e proporcional fixar a remuneração global do AJP, no presente processo, por aplicação do referido artigo 32.º, n.º 3, do CIRE, no valor de 2.000,00 €.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao recurso interposto, revogando-se o douto despacho recorrido, substituindo-se por outro que fixe a remuneração do exmo. Sr. AJP, no presente processo, no valor global de 2.000,00 €.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II.

Questão a apreciar

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber qual o valor da remuneração que deve ser fixada ao administrador que teve intervenção no presente processo especial de revitalização.


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III.

A decisão recorrida fixou em 5.000,00€ a remuneração devida ao Sr. Administrador (acrescida de IVA).

Na fixação desse valor, teve em consideração que a portaria a que alude o Estatuto do Administrador Judicial - portaria que haveria de definir a remuneração devida – ainda não foi publicada e que, nessas circunstâncias, importava ponderar as concretas funções exercidas, bem como o número e o valor dos créditos em causa nos autos. Nessas circunstâncias, ponderando o número de credores, o valor dos créditos e o valor despendido pelo Sr. Administrador com as tarefas efectivamente realizadas (designadamente, a elaboração da lista provisória de credores e do parecer a que alude o art. 17º-G, nº 4, do CIRE), considerou que o valor de 5.000,00€ era um valor ajustado.

A Apelante discorda dessa decisão, sustentado que tal remuneração deve ser fixada em 2.000,00€. Argumenta, para o efeito: que, na falta de publicação da aludida portaria, a remuneração deve ser fixada de acordo com a equidade ou por aplicação do art. 32º, nº 3, do CIRE; que o processo não revestiu qualquer complexidade, sendo que a elaboração do plano e o processo negocial foi da iniciativa da Apelante, não tendo sido aprovado qualquer plano e que, nessas circunstâncias, o valor fixado é manifestamente excessivo, considerando adequado o valor de 2.000,00€.

Analisemos, então, a questão.

No que toca à remuneração do administrador judicial, dispõem os nºs 1 e 2 do art. 23º do respectivo Estatuto – aprovado pela Lei nº 22/2013 de 26/02 – que:

1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia.

2 - Os administradores judiciais referidos no número anterior auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado na portaria referida no número anterior”.

Não há dúvida, portanto, que o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização (é esse o caso dos autos) tem direito a uma remuneração fixa (nº 1) e a uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor (nº 2).

Dispõe, por outro lado, o nº 3 que, para esse efeito, “…considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme o regime previsto na portaria referida no n.º 1” e, conforme disposto no nº 4, o valor alcançado por aplicação das regras referidas será “…majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1”.

Sucede, no entanto, que a portaria a que alude a norma citada – que estabeleceria os valores e as regras a considerar na fixação da remuneração de acordo com os critérios previstos na citada disposição legal – não foi publicada até hoje, colocando-se, por isso, a questão de saber quais os critérios a ter em conta na fixação da remuneração devida ao administrador judicial provisório no âmbito de processo especial de revitalização.

Poderia, eventualmente, entender-se que, na falta de publicação da aludida portaria, a remuneração devida ao administrador judicial provisório em processo especial de revitalização seguiria as regras legais para a fixação da remuneração devida ao administrador judicial provisório no processo de insolvência (a que se reportam os arts. 31º a 33º do CIRE). Será essa, ao que parece, a posição da Apelante. Sucede que, em conformidade com o disposto no art. 27º do actual Estatuto do Administrador Judicial, tal remuneração, deve atender ao volume de negócios do estabelecimento, à prática de remunerações seguida na empresa, ao número de trabalhadores e à dificuldade das funções compreendidas na gestão do estabelecimento, além de ter em conta a extensão das tarefas que lhe são confiadas e tais critérios não se adequam minimamente à fixação da remuneração devida ao administrador em processo de revitalização uma vez que as funções em questão são substancialmente diferentes e não podem ser equiparadas.

Nessas circunstâncias, tem sido equacionada a possibilidade de aplicação da Portaria nº 51/2005 de 20/01 que, com referência ao anterior estatuto do administrador da insolvência (aprovado pela Lei nº 32/2004, de 20/01), determinou o valor do montante fixo da remuneração devida ao administrador da insolvência, bem como as tabelas relativas ao montante variável dessa remuneração.

É certo, no entanto, que a nossa jurisprudência tem vindo a entender – maioritariamente – que tal portaria não é aplicável à fixação da remuneração do administrador judicial provisório no processo especial de revitalização, sustentando que tal remuneração deverá ser fixada com recurso à equidade[1].

É indiscutível que a aludida portaria não se reporta especificamente à remuneração devida ao administrador judicial provisório no processo de revitalização. Na verdade, à data da publicação da Lei nº 32/2004 e da aludida Portaria nº 51/2005, não existia o processo especial de revitalização e a figura do administrador judicial provisório que, à data, já se encontrava previsto na lei (cfr. artigos 31º a 33º do CIRE) tinha – e continua a ter – funções diferentes daquelas que estão a cargo do administrador no âmbito do processo especial de revitalização; esse administrador provisório era nomeado como medida cautelar, tinha funções de administração do património do devedor e a sua remuneração era fixada nos termos do artigo 24º da citada Lei nº 32/2004 (tendo em conta a extensão das tarefas que lhe eram confiadas, o volume de negócios do estabelecimento, a prática de remunerações seguida na empresa, o número de trabalhadores e a dificuldade das funções compreendidas na gestão do estabelecimento), sendo certo que a Portaria nº 51/2005 não se reportava a tal remuneração e apenas estabelecia a remuneração do administrador da insolvência.

Não obstante esse facto e na falta de outro elemento legal que concretize o modo de fixação dessa remuneração, nada obsta, no nosso entender, a que se atenda – ainda que, como elemento referencial e orientador, no âmbito de um juízo equitativo –, ao valor da remuneração fixa que se encontrava estabelecido para o administrador da insolvência no artigo 1º da Portaria nº 51/2005 – valor que corresponde, por regra, ao valor de 2.000,00€ – por ser esse o valor base que o legislador entendia ser adequado para remunerar o exercício dessas funções ainda que elas não assumissem complexidade. Veja-se que o nº 1 do art. 23º da Lei nº 22/2013 abarca na sua previsão o administrador judicial provisório em processo de revitalização e o administrador da insolvência em processo de insolvência (não estabelecendo, portanto, uma diversidade de critérios para as respectivas remunerações) e a sua redacção é idêntica à redacção do art. 20º da anterior Lei nº 32/2004; nessas circunstâncias, parece que essa remuneração (fixa) deverá ser idêntica para ambas as categorias de administradores e, na falta de outro valor que esteja legalmente fixado, pode e deve considerar-se o valor que se encontrava previsto na Portaria nº 51/2005 para o administrador da insolvência.

O mesmo não acontece com a remuneração variável, uma vez que os critérios estabelecidos na referida Portaria não se adequam minimamente à remuneração do administrador judicial provisório no âmbito do processo de revitalização.

Com efeito, sabemos que, em conformidade com o nº 2 do art. 23º da Lei nº 22/2013, tal remuneração varia em função do resultado da recuperação do devedor (e, conforme disposto no nº 3, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano). Ora, a Portaria nº 51/2005 não continha qualquer critério para fixação da remuneração em função do resultado da recuperação do devedor, sendo que o único factor considerado prendia-se com o resultado da liquidação, que, conforme determinava o nº 3 do art. 20º da Lei nº 32/2004, correspondia ao montante apurado para a massa insolvente depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com excepção da remuneração referida no número anterior e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. Assim, porque o processo de revitalização não comporta qualquer liquidação, visando apenas a aprovação de um plano de recuperação com vista à revitalização do devedor, é certo que aquele critério é imprestável e totalmente inadequado à fixação da remuneração devida ao administrador no processo de revitalização.

Nessas circunstâncias, essa remuneração (variável) do administrador judicial provisório terá que ser fixada com recurso à equidade tendo em conta as circunstâncias previstas no nº 2 do art. 23º da Lei nº 22/2013 e que, como referimos, se reconduzem ao resultado da recuperação do devedor, ou seja, ao valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano (nº 3 da norma citada).

Todavia, dispondo a lei que o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização aufere – além da remuneração fixa – uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor e dispondo também que se considera resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, parece dever concluir-se que tal remuneração só poderá existir na medida em que seja efectivamente aprovado e homologado um plano de revitalização; só nesse caso se poderá falar em “resultado da recuperação do devedor” e em “credores integrados no plano” e, portanto, só nesse caso se configuram os factores em função dos quais é fixada aquela remuneração.

Refira-se, aliás, que tal remuneração variável terá na sua génese a intenção de incentivar os administradores a desenvolver esforços no sentido de alcançar o melhor resultado possível ao nível da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente e visa premiar os administradores pelo resultado efectivamente obtido e que se presume resultar, pelo menos em parte, do seu empenho e do seu esforço.

Refira-se a esse propósito o que constava da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 112/IX – que veio a dar origem ao anterior Estatuto do Administrador da Insolvência (aprovado pela Lei n.º 32/2004) – onde se dizia: “No que respeita à remuneração, estabeleceu-se um regime misto constituído por uma parte fixa e outra variável. Assim, a par de um montante fixo suportado pela massa insolvente, cria-se um sistema de prémios cujo montante varia em função da efectiva satisfação dos créditos.

Este sistema garante, quer uma maior certeza no que respeita ao montante da remuneração, em virtude da existência de critérios objectivos, quer um incentivo que premeia o bom exercício da actividade”.

Essa mesma intenção também se colhe na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 107/XII – que veio a dar origem ao actual Estatuto do Administrador Judicial (aprovado pela Lei n.º 22/2013) – onde se lê:

No domínio das remunerações dos administradores judiciais, há a referir algumas alterações que importa sublinhar.

Assim, passa a dispor-se que à remuneração fixa a que têm direito, acresce uma remuneração variável para os administradores judiciais provisórios e para os administradores da insolvência que almejem a aprovação de plano de recuperação.

Mais uma vez, estamos perante uma alteração que radica no pressuposto em que assenta toda a reforma do regime de insolvências e de recuperação de empresas operada pelo XIX Governo Constitucional, que procura privilegiar a recuperação de empresas em detrimento da sua liquidação, sendo notória a necessidade de se estimularem os administradores judiciais a promoverem, na medida do que lhes seja possível, a referida recuperação, também por via de incentivos remuneratórios que o potenciem”.

Justifica-se, portanto, em nosso entender, que a remuneração (variável) do administrador judicial em processo de revitalização apenas tenha lugar quando aí seja efectivamente aprovado e homologado um plano de recuperação com vista à revitalização da empresa; só nessa situação se justificará o prémio remuneratório que o legislador pretendeu conceder ao administrador por via dessa remuneração que varia em função do resultado da recuperação do devedor (resultado que se mede pelo valor dos créditos a satisfazer nos termos do plano). Neste sentido também depõe o art. 29º, nº 3, do actual Estatuto do Administrador Judicial – onde se determina que “A remuneração variável relativa ao resultado da recuperação do devedor é paga em duas prestações de igual valor, sendo a primeira liquidada no momento da aprovação do plano de recuperação e a segunda dois anos após a aprovação do referido plano, caso o devedor continue a cumprir regularmente o plano aprovado” –, já que, ao determinar que a primeira prestação desse remuneração é paga no momento da aprovação do plano, o legislador está, naturalmente, a pressupor que, sem a aprovação de um plano, não há lugar a qualquer remuneração variável.

Ora, no caso que analisamos, o processo de revitalização terminou sem a aprovação e homologação de qualquer plano de recuperação e, nessas circunstâncias, não há lugar a qualquer remuneração variável que, conforme dissemos, pressupunha e efectiva homologação de um plano.

Nessas circunstâncias, o Sr. Administrador apenas terá direito à remuneração fixa que se encontra prevista no nº 1 do art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial (Lei n.º 22/2013, de 26/02) e, na falta de publicação da portaria aí mencionada, tal remuneração deverá corresponder, conforme dissemos supra, ao valor que resulta da Portaria nº 51/2005 de 20/01 que, com referência ao anterior estatuto do administrador da insolvência (aprovado pela Lei nº 32/2004, de 20/01), determinou que o valor da remuneração fixa era, por regra, de 2.000,00€.

Assim e em face do exposto, procede o recurso e, revogando-se a decisão recorrida na parte em que fixou o valor da remuneração devida ao Sr. Administrador, determina-se que tal remuneração será de 2.000,00€.

Custas:

Não existindo qualquer isenção de custas e não existindo, propriamente, uma parte vencida no presente recurso, pensamos que as custas terão que ser suportadas pela Apelante não obstante a procedência do recurso que veio interpor. Em primeiro lugar, porque, na falta de parte vencida, é a Apelante que retira algum proveito do recurso (527º do CPC) e, em segundo lugar, porque, nos termos do art. 17º-F, nº 11, do CIRE, as custas do processo de revitalização são da responsabilidade da empresa (devedora) e, como tal, também serão da sua responsabilidade as custas devidas pelos recursos interpostos que não devam ser imputadas a outrem.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Em conformidade com o disposto no art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial – aprovado pela Lei nº 22/2013 de 26/02 – o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização tem direito a uma remuneração fixa (nº 1) e a uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor (nº 2).

II – Essa remuneração variável apenas é devida quando, no âmbito do processo de revitalização, seja efectivamente aprovado e homologado um plano de recuperação com vista à revitalização da empresa;

III – Não tendo sido ainda publicada a portaria a que alude a citada disposição legal – portaria que haveria de estabelecer os valores e as regras a considerar na fixação da remuneração de acordo com os critérios previstos na lei – a remuneração fixa deverá corresponder, por regra, ao valor estabelecido na Portaria nº 51/2005 de 20/01 que, com referência ao anterior estatuto do administrador da insolvência (aprovado pela Lei nº 32/2004, de 20/01), determinou o valor do montante fixo da remuneração devida ao administrador da insolvência.

IV – Essa Portaria (nº 51/2005) não fornece, contudo, qualquer critério para fixação da remuneração em função do resultado da recuperação do devedor (o único factor considerado nessa Portaria prende-se com o resultado da liquidação) e, como tal, não tem aplicação no âmbito de processo de revitalização; nessas circunstâncias e na falta de outro  elemento ou critério legal, a remuneração variável do administrador judicial em processo de revitalização – quando devida – terá que ser fixada com recurso à equidade tendo em conta as circunstâncias previstas no nº 2 do art. 23º da Lei nº 22/2013 e que se reconduzem ao resultado da recuperação do devedor, ou seja, ao valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano (nº 3 da norma citada).


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IV.
Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte em que fixou em 5.000,00€ o valor da remuneração devida ao Sr. Administrador, fixando-se essa remuneração no valor de 2.000,00€ (dois mil euros) acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

Coimbra, 22 de Junho de 2020.

Maria Catarina Gonçalves ( Relatora )

Maria João Areias

Freitas Neto


[1] Cfr., designadamente, os Acórdãos da Relação do Porto de 05/02/2018 (processo nº 914/16.6T8AMT.P1) e de 16/05/2016 (processo nº 631/15.4T8AVR-A.P1); o Acórdão da Relação de Coimbra de 16/02/2016 (processo nº 5543/14.6T8CBR.C1 e o Acórdão da Relação de Guimarães de 12/07/2016 (processo nº 2032/14.2TBGMR.G1), disponíveis em http://www.dgsi.pt.