Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
430/15.3T8MGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: FIANÇA
BENEFÍCIO DE EXCUSSÃO
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
INCUMPRIMENTO
Data do Acordão: 12/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - M.GRANDE - JUÍZO C. GENÉRICA - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 627, 634, 638, 651, 652 CC, 17-A, 217, 218 CIRE
Sumário: 1 – O benefício de excussão previsto no artigo 638.º do Código Civil não é invocável no âmbito da ação declarativa.

2 – Existindo incumprimento do plano de revitalização tem aplicação o disposto no artigo 218.º do CIRE, por força do disposto no n.º 3 do artigo 17.º-A do CIRE (redação do Decreto-lei n.º 79/2017, de 30 de junho), onde se dispõe que se aplicam ao PER «…todas as regras previstas no presente código que não sejam incompatíveis com a sua natureza».

3 – O disposto no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE aplica-se à fiança.

Decisão Texto Integral:








I. Relatório

a) A Autora, agora recorrida, instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra os Réus, ora recorrentes, com o fim de obter a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de EUR 37.353,62, acrescida dos juros vencidos, no montante de € 249,02, e vincendos, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Como fundamento, e resumidamente, invocou a venda à Ré P (…) de equipamentos industriais destinados à produção industrial de moldes em aço, a qual não os pagou, figurando no contrato como fiador o réu V (…) bem como a existência de um Processo Especial Revitalização contra a 1.ª Ré, tendo sido aprovado e homologado um plano de recuperação, em Abril de 2013, que consagrava um período de carência de vinte e quatro meses após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano e previa o pagamento em trinta e duas prestações trimestrais, sendo que a 1.ª Ré procedia ao pagamento de 20% do capital, com perdão dos restantes 80% de capital e da totalidade dos juros vencidos e vincendos. Contudo, a 1.ª Ré não procedeu a qualquer pagamento, razão pela qual ficaram sem efeito o perdão do capital e juros previstos no plano.

Os Réus contestaram invocando a inexigibilidade do crédito, porquanto a Autora não os interpelou para pagar, tendo o Réu V (…) alegado que goza do benefício da excussão prévia, que é parte ilegítima e que a fiança caducou, uma vez que a Autora não demandou o Réu V (…) nos dois meses seguintes ao vencimento da obrigação.

Na fase do despacho saneador foi proferida a seguinte decisão:

«Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

- condenar a R. P (…), S.A. a pagar à A. A (…) LDA. o montante de € 7.470,72 (sete mil quatrocentos e setenta euros e setenta e dois cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos até à data da propositura da acção, no montante de € 3,77 (três euros e setenta e sete cêntimos), bem como dos juros de mora que se vencerem desde aquela data até integral pagamento, à taxa supletiva legal para as obrigações comerciais;

- condenar o R. V (…) a pagar à A. A (…), LDA. o montante de € 37.353,62 (trinta e sete mil trezentos e cinquenta e três euros e sessenta e dois cêntimos), acrescidos de juros de mora, desde a citação até integral e efectivo pagamento;

- no mais, julgar a acção improcedente, por não provada, dela absolvendo os RR.

Custas por A. e RR., sendo o decaimento da A. de 1% e dos RR. de 99% – artigo 527.º, n.º 1, e 2 do Código de Processo Civil».

b) É desta decisão que recorrem os Réus, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

c) A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

II. Objeto do recurso

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e por fim com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 - Em primeiro lugar, o Recorrente argumenta que é parte ilegítima porque consta efetivamente da declaração em que assumiu ser fiador que beneficiava da prerrogativa de excussão prévia dos bens do devedor e, por isso, tal declaração é relevante para afastar a disposição do artigo 101.º do Código Comercial invocada na sentença.

2 - Em segundo lugar, cumpre verificar se ocorreu a extinção da fiança face ao disposto no artigo 652.º, n.º 1, do Código Civil.

3 - Em terceiro lugar, verificar-se-á se a dívida em que o Recorrente (fiador) foi condenado não deverá ser a mesma em que foi condenada a Ré afiançada, isto é, EUR 7.470,72, nos termos da redução sofrida no âmbito do plano de recuperação homologado por sentença, ao invés da condenação sofrida pelo fiador em EUR 37.353,62, sendo esta a quantia devida pela afiançada antes da homologação do plano.

4 - Em quarto lugar, analisar-se-á a questão de saber se é aplicável ao PER o regime previsto no artigo 218.º do CIRE, por analogia, do qual resulta que é necessário interpelar o devedor para que, na falta de pagamento da prestação devida, tal omissão implique ficarem sem efeito a moratória e perdão de dívida constantes do plano de revitalização.

III. Fundamentação

a) Matéria de facto

1 – A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico de moldes em aço para a indústria de plásticos.

2 – A 1.ª Ré é uma sociedade comercial que se dedica à fabricação de moldes para injeção de plásticos.

3 – O 2.º Ré é o administrador único da 1.ª Ré.

4 – Em 11 de Junho de 2010, a Autora e a 1.ª Ré subscreveram o documento intitulado "Contrato de Compra e Venda de Equipamentos", tendo aquela declarado vender e esta declarado comprar um retificadora Plana ELB 1500x800, duas retificadoras Jung 600x220, uma máquina de afiar Fresas Deckel, uma máquina de erosão de penetração Ona Techno H600 CNC, uma máquina CNC Anayak VH 800 e um engenho de furar MAS V050 - 1500, pelo preço de €100.000 (cem mil euros), acrescido de IVA (cfr. doc. de fls. 18, que aqui dou por integralmente reproduzido).

5 – Em 16 de Junho de 2011, Autora e Rés subscreveram o documento intitulado "Declaração de Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento", do qual consta, designadamente, o seguinte (cfr. doc. de fls. 21v, que aqui dou por integralmente reproduzido):

"É estabelecido o presente acordo de pagamento relativo ao contrato de compra e venda de equipamentos cujo incumprimento nos pagamentos obrigou a esta declaração de dívida e acordo de pagamento:

1 – P (…), S.A. declara para os devidos e legais efeitos que é devedora da sociedade A (…), LDA. do valor de € 61.200 (...).

5 – Na qualidade de Fiador, V (…), garante expressa e pessoalmente o bom e pontual pagamento pela P (…) SA, sem renunciar ao exercício da excussão prévia do devedor".

6 – Por conta do acordo referido em 5), a 1.ª Ré liquidou os montantes de EUR 20.400 (vinte mil e quatrocentos euros) e EUR 17.500 (dezassete mil e quinhentos euros).

7 – No âmbito do Processo Especial de Revitalização da 1.ª R., que correu termos na 2.ª Secção de Comércio de Alcobaça - J1, com o n.º 2093/12.9TBACB, foi apresentado um plano de recuperação que reconhecia à A. um crédito sobre a 1.ª Ré no montante de EUR 37.353,62, a título de capital, e EUR 249,02, a título de juros de mora, mais se prevendo o "pagamento de 20% do capital, com perdão dos restantes 80% de capital e da totalidade dos juros vencidos e vincendos

123456789101112
1%1%1%1%1%1%1%1%2%2%2%2%16,00%
131415161718192021222324
2%2%2%2%4%4%4%4%4%4%4%4%40,00%
2526272829303132
5%5%5%5%6%6%6%6% 44,00%

8. O plano de recuperação referido em 7) foi homologado por sentença proferida em 5 de Abril de 2013 e transitada em julgado em 29 de Abril de 2013.

b) Apreciação da questão objeto do recurso.

1 – Ilegitimidade do Réu.

O Recorrente argumenta que é parte ilegítima porque consta da declaração em que assumiu ser fiador que beneficiava da prerrogativa de excussão prévia dos bens do devedor e, por isso, tal declaração é relevante para afastar a disposição do artigo 101.º do Código Comercial invocada na sentença.

Verifica-se que, efetivamente (cfr. facto provado n.º 5), que ficou escrito no contrato intitulado «Declaração de Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento» que o ora Réu declarou se fiador, mas não renunciava ao «exercício» da excussão prévia do devedor.

Deve entender-se que se quis dizer «benefício» onde está «exercício», muito embora esta última palavra também sirva para expressar a ideia inerente à pretensão tida em vista, que é só responder perante o credor depois deste ter esgotado as possibilidades de ser pago através do património do devedor.

Não assiste razão ao recorrente, pela seguinte razão:

No artigo 638.º do Código Civil determina-se:
«1. Ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito. 2. É lícita ainda a recusa, não obstante a excussão de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor».

Verifica-se pelo teor desta norma, quando refere «excussão de todos os bens», que a mesma tem em vista a respetiva aplicação na ação executiva, na ação em que, estando definido o crédito, o credor pede a penhora de bens do devedor ou de terceiro, se for o caso, para através deles obter o pagamento daquilo que lhe é devido.

No caso dos autos, o credor e o devedor movem-se no âmbito de uma ação declarativa, na qual não se colocam questões relativas à penhora de bens e à necessidade de excutir primeiramente os bens do devedor antes de penhorar os bens do fiador.

Improcede, pelo exposto esta argumentação.

2 - Em segundo lugar cumpre verificar se ocorreu a extinção da fiança face ao disposto no artigo 652.º, n.º 1, do Código Civil, onde se dispõe o seguinte:
«Se a obrigação principal for a prazo, o fiador que gozar do benefício da excussão pode exigir, vencida a obrigação, que o credor proceda contra o devedor dentro de dois meses, a contar do vencimento, sob pena de a fiança caducar; este prazo não termina sem decorrer um mês sobre a notificação feita ao credor».

A resposta é negativa.

Como se referiu na sentença, para que a caducidade tivesse operado impunha-se que o fiador tivesse levado ao conhecimento do credor a exigência de proceder contra o devedor dentro de dois meses, a contar do vencimento, sob pena da fiança ficar sem efeito.

Ora, tal exigência não se mostra ter sido feita, pelo que não pode invocar-se a caducidade.

Improcede, por conseguinte, este fundamento do recurso.

3 - Em terceiro lugar, cumpre verificar se é aplicável ao PER o regime previsto no artigo 218.º do CIRE, por analogia, do qual resulta que é necessário interpelar o devedor para que, na falta de pagamento da prestação devida, tal omissão implique ficarem sem efeito a moratória e perdão de dívida constantes do plano de revitalização.

A resposta é afirmativa.

Antes da alteração introduzida no n.º 3 do artigo 17.º-A do CIRE, a que abaixo se aludirá, a jurisprudência já se pronunciava nesse sentido ([1]).

Assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 9 de março de 2017 (Maria Purificação Carvalho): «Ao PER aplica-se o disposto no artº 218 do CIRE embora com as necessárias adaptações, uma vez que “a natureza, características e finalidades do procedimento (PER) impõem sempre uma cuidada averiguação de se as regras devem ser aplicadas de forma automática ou adaptada”», argumentando-se que,

 «…dispõe o art. 17 n.º 5 que se aplicam em matéria de homologação e aprovação as regras do Título IX, em especial os art. 215.º e 261.º.
Ora como bem se anota no artigo acima assinalado o Titulo IX do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa estende-se entre os arts:

- 192º a 208º- Cap. I- Disposições Gerais.

- 209º a 216º- Aprovação e Homologação.

- 217º a 222º- Execução.

Parece-nos assim clara a intenção do legislador do PER de remissão para todo o Titulo IX do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e não apenas para as regras de aprovação e homologação - se fosse esse o caso a remissão teria sido feita apenas para o Capitulo II do Titulo IX».

Embora tratando outra matéria, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de novembro de 2014, no processo 414/13.6TYLSB (Ana Paula Boularot) também se sustentou a aplicação ao PER do Titulo IX do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: «A unidade do sistema jurídico, impõe que as leis se interpretem umas às outras, o que, no caso em apreço, conduz à asserção de que, não contendo as regras específicas relativas ao PER – constantes dos arts. 17.º-A a 17.º-I, qualquer dispositivo específico de onde deflua quais os itens a observar aquando da elaboração do «plano» e remetendo aquele normativo, para o Título IX, respeitante ao «Plano de Insolvência», embora se destacando o que preceituam os arts. 215.º e 216.º, igualmente insertos naquele Título, mas não descartando a aplicação de todos os outros que o enformam, parece não se poder concluir que as regras respeitantes àquele plano insolvencial não tenham aplicação no PER».

V - Embora sejam realidades diversas, porque o plano de revitalização é uma

No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de Janeiro de 2016 (Helena Melo) também se considerou que «Em caso de incumprimento do plano de revitalização, afigura-se mais adequada a aplicação por analogia do disposto no art. 218.º do CIRE, atenta a proximidade deste regime do plano de revitalização, regime de insolvência para o qual as normas do processo de revitalização, nalguns casos, expressamente remetem (cfr. artigo 17.º F, nºs 3, 4 e 5), com as especialidades resultantes do facto de não existir no PER uma sentença de verificação e graduação de créditos, afastando a aplicabilidade do nº 2 do art. 218.º», argumentando-se que «…atenta a proximidade deste último regime do plano de revitalização, regime de insolvência para o qual as normas do processo de revitalização, nalguns casos, expressamente remetem (cfr. artigo 17.º F, nºs 3, 4 e 5), também se nos afigura mais adequada a aplicação por analogia do disposto no art. 218.º do CIRE ao incumprimento do plano de revitalização, no sentido do defendido por (…) com as especialidades resultantes do facto de não existir no PER uma sentença de verificação e graduação de créditos, afastando a aplicabilidade do n.º 2 do art. 218.º».

Presentemente, dada a alteração introduzida no n.º 3 do artigo 17.º-A do CIRE, pelo Decreto-lei n.º 79/2017, de 30 de junho, afigura-se que será consensual a aplicação do disposto no artigo 218.º ao processo de revitalização.

Com efeito, refere-se agora neste normativo que ao processo especial de revitalização se aplicam «…todas as regras previstas no presente código que não sejam incompatíveis com a sua natureza».

Ora, não prevendo o Capitulo II do CIRE disposições sobre o incumprimento do plano de recuperação, logicamente se aplicam as regras previstas para o incumprimento do plano de insolvência dada a respetiva semelhança de situações.

Conclui-se pela aplicação do disposto no artigo 218.º.

Dispõe-se neste artigo, na parte que agora interessa, o seguinte:
«1 - Salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito:
a) Quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor;
b) Quanto a todos os créditos se, antes de finda a execução do plano, o devedor for declarado em situação de insolvência em novo processo.
2 - A mora do devedor apenas tem os efeitos previstos na alínea a) do número anterior se disser respeito a créditos reconhecidos pela sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitadas em julgado.
3 - Os efeitos previstos no n.º 1 podem ser associados pelo plano a acontecimentos de outro tipo desde que ocorridos dentro do período máximo de três anos contados da data da sentença homologatória».

Exige-se nesta norma, para que haja incumprimento definitivo que o credor interpele por escrito o devedor em mora para cumprir em 15 dias com a prestação e juros moratórios, mas só nos casos em que o crédito foi reconhecido «… pela sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitadas em julgado».

Se o crédito não foi reconhecido «… pela sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitadas em julgado», a mora do devedor não gera a consequência da perda de efeitos da moratória ou do perdão previstos no plano.

No caso dos autos, verifica-se que não há prova de que o devedor tenha sido interpelado por escrito pela Autora para pagar as prestações em dívida e juros moratórios.

Por conseguinte, não se pode afirmar que o incumprimento seja definitivo, por outras palavras, que o perdão da dívida tenha ficado sem efeito.

Deste modo, a Autora só pode exigir da Ré «P (…)», as prestações que estiverem em dívida.

No caso, a Ré foi condenada a pagar a totalidade da dívida, pelo que não tendo existido recurso nesta parte se deverá manter a condenação.

Passando à questão seguinte relativa à responsabilidade do Réu V (…)

4 - Em quarto lugar, vejamos se a dívida em que o Recorrente (fiador) foi condenado deverá ser a mesma em que foi condenada a Ré afiançada, isto é, em EUR 7.470,72, nos termos da redução sofrida pela dívida no âmbito do plano de recuperação homologado por sentença, ao invés da condenação sofrida que foi em EUR 37.353,62, sendo esta a quantia devida pela afiançada antes da homologação do plano

A resposta é negativa pela seguinte razão:

O artigo 217.º do CIRE estabelece as consequências gerais da execução do plano de insolvência e seus efeitos, nestes termos:

«1. Com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados.

2 - A sentença homologatória confere eficácia a quaisquer atos ou negócios jurídicos previstos no plano de insolvência, independentemente da forma legalmente prevista, desde que constem do processo, por escrito, as necessárias declarações de vontade de terceiros e dos credores que o não tenham votado favoravelmente, ou que, nos termos do plano, devessem ser emitidas posteriormente à aprovação, mas prescindindo-se das declarações de vontade do devedor cujo consentimento não seja obrigatório nos termos das disposições deste Código e da nova sociedade ou sociedades a constituir.

3 - A sentença homologatória constitui, designadamente, título bastante para:

a) A constituição da nova sociedade ou sociedades e para a transmissão em seu benefício dos bens e direitos que deva adquirir, bem como para a realização dos respetivos registos;

b) A redução de capital, aumento de capital, modificação dos estatutos, transformação, exclusão de sócios e alteração dos órgãos sociais da sociedade devedora, bem como para a realização dos respetivos registos.

4 - As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos.

5 - A sentença homologatória produz de imediato os efeitos referidos nos n.os 1 a 3, ainda que seja interposto recurso».

Resulta do n.º 4 deste artigo que as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor, como é o caso do perdão da dívida, não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação.

Esta norma é uma norma especial que protege os credores do devedor e, mediatamente este último.

Dada esta especialidade, sobrepõem-se às regras constantes dos artigos 627.º, n.º 2: «A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor»; 631.º, n.º 1, «A fiança não pode exceder a dívida principal…»; 634.º, nos termos da qual «A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor»; e 651.º «A extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança», todos do Código Civil.

E há razões para esta prevalência, as quais visam a viabilização de planos de recuperação e de insolvência com vista à recuperação das empresas.

Com efeito, se em consequência da homologação do plano de revitalização ou de recuperação os credores perdessem, em parte, os seus direitos contra terceiros garantes da obrigação, como é o caso aqui em apreço em relação ao fiador, os credores não teriam, ou poderiam não ter, qualquer interesse em viabilizar planos de revitalização ou de recuperação que passassem, por exemplo, pelo perdão parcial da dívida.

Esta interpretação resulta corroborada pela evolução legislativa nesta matéria.

Com efeito, no âmbito do artigo 63.º do anterior Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de abril, esta disposição tinha o seguinte teor:
«As providências de recuperação a que se refere o artigo anterior não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores contra os coobrigados ou os terceiros garantes da obrigação, salvo se os titulares dos créditos tiverem aceitado ou aprovado as providências tomadas e, neste caso, na medida da extinção ou modificação dos respetivos créditos».

Esta disposição foi objeto de crítica dos autores Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda, nos seguintes termos:

«Duvidosa, na perspectiva da viabilização da empresa, a regra do artigo 63.º pretende, todavia, tutelar os interesses daquele que, juntamente com ela, respondem perante os credores. Com efeito, uma vez que a aprovação e a aceitação pelos credores da providência de modificação ou extinção de crédito os faz perder a faculdade de actuar contra os coobrigados e garantes, natural é esperar uma maior relutância no apoio a essas providências» ([2]).

Esta crítica foi acolhida, pois o atual texto legal sobre a matéria já não faz coincidir a responsabilidade dos coobrigados e garantes com a responsabilidade do devedor resultante das providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor.

Improcede também, pelo exposto, este argumento, cumprindo julgar o recurso improcedente.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.


*

Coimbra, 12 de dezembro de 2017

Alberto Ruço ( Relator )

José Vítor Amaral

Luís Cravo



[1] Acórdãos consultáveis em www.dgsi.pt
[2] Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Insolvência Anotado, 2.ª edição (reimpressão). Lisboa, Quid Iuris, 1997, pág. 192.