Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5248/08.7TBLRA-A-C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL
CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
INEPTIDÃO
INTERVENÇÃO PROVOCADA
Data do Acordão: 01/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.193, 325 CPC, DL Nº 269/98 DE 1/9, DL Nº 107/05 DE 1/7
Sumário: 1. - Não é inepta, por falta de causa de pedir, a petição em que a autora, apesar de narrar ter fornecido ao réu os materiais que discrimina e que constam do orçamento junto (portas, fixos, sacadas e janelas, em número, modelos e dimensões aí referidos), com indicação do valor total, não descreve todavia os valores parcelares desses materiais, nem a data em que os forneceu.

2.- O regime da acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato tem como paradigma o regime do processo sumaríssimo e o legislador dotou tal acção das características de brevidade, simplicidade e concisão, como se vê dos art. 1º a 4º do DL nº 269/98 de 1.9, com última redacção dada pelo DL nº 107/05 de 1.7.

3. Nesta acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato não há lugar ao chamamento por intervenção provocada passiva, tanto mais que não vem configurada qualquer situação de pluralidade de devedores, nem o caso vem configurado como sendo de litisconsórcio necessário ou voluntário.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

I - Relatório:

J (…), Lda instaurou acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (DL nº 269/98 de 1.9) contra V (…), empresário, pedindo a condenação deste a pagar-lhe €9 629,48 acrescida de juros à taxa legal, vincendos desde a citação.

Para o efeito, alegou, em resumo, que:

No exercício da sua actividade de fabricação de elementos metálicos de construção e a pedido do réu, forneceu-lhe os materiais que discrimina e que constam do orçamento junto (portas, fixos, sacadas e janelas, em número, modelos e dimensões aí referidos), cujo valor total de € 20 339,48 seria pago pelo réu e pela dona da obra onde aqueles seriam aplicados, (…), de acordo com a seguinte menção constante do orçamento: «O preço do sr. V ... c/ material normal é de 6.703€ + IVA. Logo o cliente terá de pagar a diferença de 10.022€ + IVA» ([1]). No decorrer da obra, houve alterações nos materiais, tendo o aumento de valor sido acordado entre a autora, o réu e a dona da obra. O réu obrigou-se a pagar o valor constante do referido orçamento nos escritórios da autora, mas até hoje a A. apenas recebeu a quantia de € 10.710,00 paga pela dona da obra conforme doc nº 2. Deve assim o Réu à A. a quantia de € 9.629,48 mais juros.

Juntou dois documentos.

O réu contestou, invocando a nulidade do processo por ineptidão da petição e a ilegitimidade passiva (porque demandada na acção devia ser a dona da obra, (…)); impugnando o alegado, por nada dever à autora (porquanto os materiais foram fornecidos sim à dona da obra, a pedido desta, e os negócios em causa foram feitos com e no interesse desta); e suscitando a intervenção da dita dona da obra nos termos dos art. 325º e segs do CPC, por ser ela a responsável pelo pagamentos dos materiais fornecidos e porque, a ser o réu condenado, o réu terá direito de regresso e o montante deverá ser suportado pela dona da obra.

A A. ofereceu articulado de resposta, pronunciando-se sobre as invocadas ineptidão e ilegitimidade; e juntou cópia da sentença proferida na acção sumária nº 5249/04.4TBLRA, em que a mesma autora demandou a dita dona da obra para pagamento dos materiais ainda em dívida, tendo a ré sido absolvida do pedido por se ter provado que a ré pagara a parte do preço dos materiais que excedia o preço dos materiais inicialmente acordados, nada mais sendo devido pela ré à autora.

Seguiu-se o despacho de 9.3.2009, mediante o qual a 1ª instância indeferiu a arguição da referida nulidade, julgou o réu parte legítima e indeferiu a intervenção provocada. E aí foi ordenada por fim a conclusão dos autos ao Senhor Juiz de círculo para o mesmo designar data para julgamento.

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, que foi admitido para subir em separado e com efeito meramente devolutivo. Apresentou alegação, concluindo:

1. Por Despacho proferido nos autos de processo nº 5248/08.7TBLRA, que correm termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, foi indeferida a excepção da ineptidão da petição inicial, a excepção ilegitimidade passiva invocada pelo Réu, bem como foi indeferido o incidente de intervenção provocada requerida pelo Apelante.

2. Entende o Apelante que o douto despacho indefere a excepção da ineptidão da petição inicial e a intervenção provocada sem fundamentos factuais e/ou legais para tal.

3. Relativamente à excepção da nulidade de todo o processado (ineptidão da petição inicial) o Tribunal a quo entendeu que a mesma devia ser indeferida com fundamento de que a causa de pedir foi identificada.

4. Entende o recorrente que a causa de pedir e o pedido não estão identificados na petição inicial da Autora.

5. A Autora não identifica quais os materiais que foram vendidos ao Réu, em que quantidades, por que preço e em que datas, fazendo apenas referência a um orçamento para uma obra a executar na Memória.

6. Pelo que entende o recorrente que a excepção da nulidade de todo o processado deve ser julgada procedente e em consequência ser a petição inicial considerada inepta.

7. Quanto à questão da intervenção provocada de terceiros, entendeu o Meretissímo Juiz “a quo” que o processo em causa não admite a intervenção de terceiros por ser um processo especial cuja tramitação é mais célere e mais simples.

8. O Decreto-Lei nº 269/98 de 1 de Setembro, que regula as acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, não faz referência à possibilidade de haver ou não intervenção provocada de terceiros.

9. Entende o Juiz “a quo” que a intervenção provocada não é compatível com a natureza do processo em causa, por ser um processo com uma tramitação mais célere.

10. “A intervenção principal (provocada) destina-se às situações em que está exclusivamente em causa a própria relação jurídica invocada pelo autor ou em que os terceiros sejam garantes da obrigação a que se reporta a causa principal”.

11. A intervenção acessória (provocada) destina-se aos casos em que ocorre a existência de uma relação jurídica material conexa com aquela que é objecto da acção.

12. Nos presentes autos foi requerida a intervenção principal provocada, uma vez que é a dona da obra que tem a relação jurídica com a Autora, sendo o Réu um terceiro em relação às partes, e a chamada a devedora principal.

13. Este incidente processual não está restrito apenas a algumas formas processuais.

14. Apesar de estarmos perante um processo cuja tramitação é mais célere não parece que a intervenção provocada seja incompatível com o mesmo.

15. O Decreto-Lei que regula a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias não restringe a possibilidade de ser admitida a intervenção provocada de terceiros.

16. Tal como o regime da intervenção provocada não se restringe a determinadas formas de processo.

17. O Decreto-Lei que regula a presente acção não regula a situação de haver ou não possibilidade de intervenção provocada de terceiros.

18. Ora, não estando esta matéria regulada neste dispositivo legal deve-se aplicar o regime geral do Código de Processo Civil.

19. O regime geral da intervenção provocada não está restrito a determinadas formas processuais.

20. A intervenção provocada tem como finalidade chamar à demanda pessoas que estejam relacionadas com a relação jurídica controvertida, ou pessoas que possam ser demandadas, em acção posterior a título, de direito de regresso.

21. A intervenção provocada faz parte do direito de defesa dos demandados, e não pode apenas ser utilizada para algumas formas processuais, até porque essa utilização restrita geraria situações de desigualdade e discriminação, violando assim princípios fundamentais e constitucionais.

22. O despacho da juiz “a quo” viola assim princípios essenciais do direito constitucional e do direito processual civil, tais como o direito de defesa e o direito ao contraditório.

23. A intervenção provocada tem como finalidade a descoberta da verdade material, sendo essencial para os presentes autos a intervenção provocada da dona da obra.

24. Nos autos em apreço é imprescindível a intervenção provocada da dona da obra, uma vez que a mesma é a responsável pelo pagamento das mercadorias entregues e necessárias para a execução da obra.

25. O despacho recorrido é discriminatório e viola princípios gerais e básicos do direito constitucional e processual civil.

26. O despacho recorrido deve ser revogado, sendo substituído por outro que admita a excepção da nulidade do processado, absolvendo o réu da instância, ou caso assim se não entenda no que não se concede, seja admitida a intervenção provocada da dona da obra.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se o douto despacho recorrido substituindo-o por outro que admita a excepção da nulidade do processado, e a intervenção provocada de terceiros, com todas as legais consequências.

Não há contra-alegação.

Correram os vistos.

Nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

II - Fundamentos:

As questões suscitadas no recurso são as que emergem das conclusões da alegação (cf. art. 684º nº 3 do CPC) e consistem em reapreciar se se verifica ou não a nulidade de todo o processado por ineptidão da petição inicial e se deve ou não ser admitida a intervenção provocada de (…), alegada dona da obra. A contestação filiou a ineptidão na falta da causa de pedir.

1. Sobre a ineptidão por falta de causa de pedir:

A presente acção é uma acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, a qual segue o regime especial erigido pelo DL nº 269/98 de 1.9, posteriormente alterado por vários diplomas.

Preceitua o artigo 1º, nº 1, do Regime anexo ao DL nº 269/98 de 1.9, com alteração pelo DL nº 107/2005, de 1.7, rectificado pela Declaração de Rectificação nº 63/2005, de 19.8, que «Na petição, o autor exporá sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos, devendo mencionar se o local indicado para citação do réu é o de domicílio convencionado, nos termos do nº 1 do artigo 2º do diploma preambular».
E preceitua o artigo 3º, nº 1, do mesmo regime especial, a respeito dos “Termos posteriores aos articulados”, que «Se a acção tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa». O que, na falta de regime especial sobre essas nulidades, evidentemente remete para o regime geral das nulidades de processo constante do CPC, onde se encontra o artigo 193º que preceitua nos nºs 1 e 2:
«1— É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
«2— Diz-se inepta a petição: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir».

O réu estriba a invocação da ineptidão da petição na consideração de que tal peça não identifica quais os materiais que foram vendidos ao réu, em que quantidades, por que preços e em que datas, fazendo apenas referência a um orçamento para uma obra a executar na Memória (vd. conclusão 5ª, que reproduz o já invocado na contestação).

Ora, o réu ou não leu a petição ou produz afirmações desgarradas da realidade da alegação, que não devia ignorar.

A petição enuncia no artigo 2º da petição que forneceu ao réu os materiais que discrimina e que constam do orçamento junto: portas, fixos, sacadas e janelas, em número, modelos e dimensões aí referidos. Indica depois o valor total de € 20 339,48 (que incluirá o IVA referido no orçamento).

É certo que a petição não descreve os valores parcelares desses materiais nem a data em que os forneceu. É no orçamento junto que consta a data de 2002. Mas aquelas omissões não implicam a falta de fundamentação do pedido, a qual legalmente deve ser sucinta (art. 1º nº 1 citado). A provar-se que ocorreu o fornecimento dos materiais pela autora ao réu a pedido deste, por dado preço, tal é suficiente para se considerar consubstanciado o direito que a autora faz valer através do pedido.

Donde se conclui que a petição não enferma da nulidade invocada.

2. Sobre a intervenção provocada:

O réu suscitou a intervenção principal provocada da dita dona da obra nos termos dos art. 325º e segs do CPC, por ser ela a responsável pelo pagamentos dos materiais fornecidos e porque, a ser o réu condenado, o réu terá direito de regresso e o montante deverá ser suportado pela dona da obra.

A 1ª instância indeferiu o requerimento de intervenção provocada, com a seguinte fundamentação:

«O Dec.Lei 269/98 nada refere quanto à possibilidade de, nesta forma processual, serem suscitados incidentes.

«Todavia, tal “omissão” não é mais do que a natural consequência da adopção de uma técnica legislativa que remete para o Código de P. Civil a previsão e regulamentação de questões comuns a todas as formas processuais, sejam elas comuns ou especiais.

«Deste modo, para se poder aferir se num determinado processo é admissível um certo incidente, há que, antes do mais, determinar se com base nas normas que determinam quais as disposições reguladoras de cada forma de processo - arts. 460.º a 466.º -, tal incidente tem cabimento nessa concreta forma processual - v.g. especial, executivo, comum.

«Por outro lado, dever-se-á, ainda, determinar se tal incidente é por natureza admissível, isto é, se tal incidente tem cabimento ou se adequa ao processo em causa.

«Ora, se quanto ao primeiro pressuposto apontado, nada parece obstar a que ao processo especial previsto no aludido diploma legal, se apliquem os incidentes previstos nos arts. 302.º e segs., já quanto ao segundo pressuposto - compatibilidade com a natureza do processo em questão -, uma tese que sufrague uma aplicação indiscriminada de todos os incidentes processuais ao processo especial deve merecer algumas reservas.

«Este processo, como é sabido, tem por fim a discussão, tão breve quanto possível, de causas de maior simplicidade - substantiva e processual; maior simplicidade esta traduzida no diminuto valor que o pedido encerra.

«Por outro lado, nesta forma de processo especial, apenas são admitidos dois articulados, a significar que é perfeitamente descabida a tramitação processual, relativa aos incidentes de intervenção de terceiros, prevista no CPC».

Afigura-se-nos que no caso concreto a decisão é correcta.

Deve antes de mais ter-se em atenção que o legislador enveredou pelo aludido regime de acção especial, tomando como paradigma o regime da acção sumaríssima e dotando tal acção especial das características de brevidade, simplicidade e concisão. Brevidade na tramitação e nos prazos, simplicidade dos actos das partes e do juiz, concisão na exposição e na fundamentação.

Tal é o que confessadamente se encontra no preâmbulo do dito DL nº 269/98 de 1.9 e que ressalta do regime específico constante do dito Anexo (com última redacção dada pelo DL nº 107/05 de 1.7), donde se transcreve:

Artigo 1.º (Petição e contestação):

1 - Na petição, o autor exporá sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos, devendo mencionar se o local indicado para citação do réu é o de domicílio convencionado, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do diploma preambular.

2 - O réu é citado para contestar no prazo de 15 dias, se o valor da acção não exceder a alçada do tribunal de 1.ª instância, ou no prazo de 20 dias, nos restantes casos.

3 - A petição e a contestação não carecem de forma articulada, devendo ser apresentadas em duplicado, nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo Civil.

4 - O duplicado da contestação será remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento.

Artigo 2.º (Falta de contestação):

Se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente.

Artigo 3.º (Termos posteriores aos articulados):

1 - Se a acção tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa.

2 - A audiência de julgamento realiza-se dentro de 30 dias, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 155.º do Código de Processo Civil às acções de valor não superior à alçada do tribunal de 1.a instância.

3 - Quando a decisão final admita recurso ordinário, pode qualquer das partes requerer a gravação da audiência.

4 - As provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas, se o valor da acção não exceder a alçada do tribunal de 1.ª instância, ou até cinco testemunhas, nos restantes casos.

5 - Em qualquer dos casos previstos no número anterior, não pode a parte produzir mais de três testemunhas sobre cada um dos factos que se propõe provar, não se contando as que tenham declarado nada saber.

Artigo 4.º (Audiência de julgamento):

1 - Se as partes estiverem presentes ou representadas, o juiz procurará conciliá-las; frustrando-se a conciliação, produzem-se as provas que ao caso couber.

2 - Não é motivo de adiamento a falta, ainda que justificada, de qualquer das partes e, nas acções de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, também a dos seus mandatários.

3 - Nas acções de valor superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, em caso de adiamento, a audiência de julgamento deve efectuar-se num dos 30 dias imediatos, não podendo haver segundo adiamento.

4 - Nas acções de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, quando as partes não tenham constituído mandatário judicial ou este não comparecer, a inquirição das testemunhas é efectuada pelo juiz.

5 - Se ao juiz parecer indispensável, para boa decisão da causa, que se proceda a alguma diligência, suspenderá a audiência na altura que reputar mais conveniente e marcará logo dia para a sua realização, devendo o julgamento concluir-se dentro de 30 dias; a prova pericial é sempre realizada por um único perito.

6 - Finda a produção de prova, pode cada um dos mandatários fazer uma breve alegação oral.

7 - A sentença, sucintamente fundamentada, é logo ditada para a acta.

Donde se retira, designadamente: o processo reduz-se a dois articulados; não há lugar ao articulado de resposta à contestação, devendo a resposta do autor a eventuais excepções ou nulidades invocadas na contestação ocorrer oralmente no início da audiência de julgamento; não há lugar a reconvenção; as provas são oferecidas em audiência e não com os articulados; são inadmissíveis despacho pré-saneador, audiência preliminar e despacho saneador; aos articulados segue-se a marcação e realização da audiência de julgamento, a não ser que após os articulados o juiz haja de julgar procedente alguma excepção dilatória ou nulidade de que lhe cumpra conhecer ou haja de decidir logo do mérito da causa (cf. nesse sentido, Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5ª ed, 2005, pág. 78/79, 109, 112/120).

Identicamente, não há lugar ao processamento próprio dos incidentes de intervenção (provocada) de terceiros, designadamente ao processamento a que se referem os art. 326º e 327º do CPC. Em seguida aos articulados (petição e contestação), não há lugar a outros trâmites processuais facultativos, antes da marcação e realização da audiência de julgamento, salvo que após os articulados o juiz pode julgar procedente alguma excepção dilatória ou nulidade de que lhe cumpra conhecer. Assim, em seguida aos articulados, o juiz pode conhecer de questões processuais antes da marcação do julgamento, mas apenas para julgar procedente alguma excepção dilatória ou nulidade de que lhe cumpra conhecer, e não para julgar improcedente alguma excepção dilatória ou nulidade, nem para deferir ou indeferir os termos de intervenção (provocada) de terceiros.

A intervenção provocada tem como finalidade fazer intervir pessoas que estejam “relacionadas com a relação jurídica controvertida”, mas diversamente do que o apelante parece concluir não basta uma qualquer conexão com a situação jurídica material.   

Aliás, o artigo 329º do CPC, a respeito das especialidades da intervenção passiva suscitada pelo réu, preceitua:
1— O chamamento de condevedores ou do principal devedor, suscitado pelo réu que nisso mostre interesse atendível, é deduzido obrigatoriamente na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, no prazo em que esta deveria ser apresentada.
2— Tratando-se de obrigação solidária e sendo a prestação exigida na totalidade a um dos condevedores, pode o chamamento ter ainda como fim a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir.
3— Na situação prevista no número anterior, se apenas for impugnada a solidariedade da dívida e a pretensão do autor puder de imediato ser julgada procedente, é o primitivo réu logo condenado no pedido no despacho saneador, prosseguindo a causa entre autor do chamamento e chamado, circunscrita à questão do direito de regresso.

Ora, não vem configurada qualquer situação de pluralidade de devedores do mesmo montante de crédito, ou de solidariedade da dívida, ou de situação em que a lei conceda algum direito de regresso a favor do réu e a cargo da dona da obra, mesmo que o réu haja de ser condenado nesta acção. A haver tal condenação, e se o réu considerar que com o correspondente pagamento ocorre uma deslocação patrimonial indevida para a dona da obra à custa do património do réu quanto ao pagamento do valor dos materiais inicialmente orçados, o que terá de fazer não é agir contra dona da obra em regresso mas sim intentar acção de enriquecimento sem causa.

Também o caso não vem configurado como sendo de litisconsórcio necessário ou voluntário.

O réu requereu a intervenção alegando que responsável pelo pagamento dos materiais fornecidos é a dona da obra. Para o efeito, invocou que ela é que é a devedora. Embora o ser ou não ser devedor seja questão de direito, a decidir sobre a factualidade do convencionado em termos obrigacionais, o réu também alegou que o fornecimento foi feito a pedido da dona da obra. Ficou por perceber se o pedido foi feito por ela ao ora réu ou à autora. Todavia, se não se provar que a convenção de fornecimento dos materiais foi celebrada entre a autora e o réu (como vem na petição), tanto basta para a acção improceder, pelo que também por esta via ficamos sem perceber o afã do réu em pretender a intervenção da dona da obra no lado processual passivo.

O que vale por dizer: não está configurada alguma situação que, indepen-dentemente da especialidade de regime desta acção, legitime a intervenção do terceiro.

Por tudo isso, discordamos da posição do apelante segundo a qual, neste caso concreto, a intervenção provocada faria parte do seu direito de defesa.

Donde, e por todo o exposto, a questão tem solução negativa para o apelante.

Em síntese final:

1.Não é inepta, por falta de causa de pedir, a petição em que a autora, apesar de narrar ter fornecido ao réu os materiais que discrimina e que constam do orçamento junto (portas, fixos, sacadas e janelas, em número, modelos e dimensões aí referidos), com indicação do valor total, não descreve todavia os valores parcelares desses materiais nem a data em que os forneceu.

2.O regime da acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato tem como paradigma o regime do processo sumaríssimo e o legislador dotou tal acção das características de brevidade, simplicidade e concisão, como se vê dos art. 1º a 4º do DL nº 269/98 de 1.9, com última redacção dada pelo DL nº 107/05 de 1.7.

3. Nesta acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato não há lugar ao chamamento por intervenção provocada passiva, tanto mais que não vem configurada qualquer situação de pluralidade de devedores, nem o caso vem configurado como sendo de litisconsórcio necessário ou voluntário.

 

III - Decisão:

Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, mantendo as decisões impugnadas.

Custas a cargo do apelante.


Virgílio Mateus ( Relator )
Carvalho Martins
 Carlos Moreira


[1] Esse documento, junto como doc nº 1, refere antes do excerto transcrito: «O nosso melhor preço para os vãos acima referidos de acordo com o que cliente escolheu é de 16.752 € + IVA». Primo conspectu, «vãos» será designação genérica de portas, fixos, sacadas e janelas antes discriminadas no mesmo documento.