Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
97/14.6T8ABC-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
SENTENÇA
NULIDADE
FACTOS
CONTRADIÇÃO
RECURSO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
PASSAGEM DA GRAVAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
HIPOTECA
DIREITO DE RETENÇÃO
Data do Acordão: 03/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.615, 640, 662 CPC, 334, 754, 755 Nº1 F) CC
Sumário: 1 - Ainda que inseridas na sentença, lato sensu, não pode confundir-se a contradição entre factos provados, que acarreta a anulação da decisão sobre a matéria de facto - al. c) do nº2 do artº 662º do CPC -, com a contradição do decidido na sentença stricto sensu, que implica a sua nulidade – artº 615º nº 1 al. c) CPC.

2 - A contradição entre dois factos provados, causa da anulação da decisão sobre a matéria de facto – artº 662º nº2 al. c) do CPC - apenas existe quando são, logicamente, incompatíveis um com o outro, de tal modo que cada um deles exclui ou acarreta a inexistência do outro.

3.- A total omissão – sem qualquer referência ao lugar dos depoimentos na gravação – da obrigação prevista no artº 640º nº2 al. a) do CPC, implica, ex vi deste segmento normativo, a rejeição do recurso sobre a matéria de facto.

4 - Atenta, vg. a imediação e oralidade, existindo depoimentos testemunhais antagónicos e convencendo-se o juiz, fundadamente, sobre uma das versões, a sua convicção apenas pode ser censurada se o recorrente infirmar a razão de ciência ou credibilidade das testemunhas, ou aduzir outro meio de prova que inequivocamente convença no sentido contrário ao aceite.

5 - Não constitui abuso de direito, por violação da boa fé, da lealdade negocial e do sentimento de justiça prevalecente na comunidade, alicerçante de embargos de executado, o facto de a hipoteca constituída sobre terreno de construção abranger, entre outras, duas frações autónomas nele depois construídas, não obstante a credora hipotecária saber que estas frações poderiam ir para a propriedade do executado por virtude de permuta do terreno, que era seu.

6 - A diferença entre o valor da quantia exequenda e o valor do bem imóvel dado à penhora que possa descambar na desproporcionalidade ou excesso desta deve ser relevante, e sobre o executado impendendo o ónus de provar factos materiais que clamem tal conclusão.

7 – Como norma especial que é, a al. f) do nº1 do artº 755º do CC tem de ser interpretada nos seus precisos termos, e sem desvirtuamento da regra geral do artº 754º, pelo que, vg., o direito de retenção nela previsto apenas se aplica no caso de contrato promessa e não de contrato definitivo já cumprido.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

R (…) veio, por apenso à execução que lhe foi movida  por C (…), S.A., deduziu oposição mediante embargos de executado, cumulada com oposição à penhora.

Pediu:

Que a execução seja julgada extinta, com todas as demais e legais consequências daí decorrentes, incluindo com a extinção da hipoteca que onera as frações autónomas “C” e “D”, penhoradas nos autos.

Ou caso, assim não se entenda, julgar-se a penhora subjetivamente e objetivamente ilegal, em violação do princípio da proporcionalidade.

Ou,  caso a execução haja de prosseguir contra o Oponente, reconhecer-se o  seu direito de retenção sobre as frações penhoradas, para garantia do seu crédito de €200.856,12.

Alegou, em síntese:

Celebrou um contrato de permuta com a sociedade co executada E (…) Lda., mediante o qual deu a esta um lote de terreno e a mesma se obrigou a dar-lhe duas frações autónomas do prédio a construir nesse lote, o que veio a suceder.

Sobre as frações existe registo de hipoteca a favor da exequente em evidente abuso de direito e prejuízo do executado/opoente por enriquecimento sem causa da exequente e dos co-executados.

 Alegou ainda, em síntese, que a penhora das duas frações autónomas em questão é ilegal porquanto qualquer uma delas seria suficiente, por si só, para liquidar a dívida exequenda.

Assiste-lhe  o direito de retenção sobre as fracções penhoradas, devendo ser pago com prioridade sobre a exequente quanto ao produto da venda do imóvel.

A exequente contestou.

Alegando, em resumo:

Desconhecia a permuta até à instrução do requerimento executivo, pois caso conhecesse teria acautelado o expurgo da hipoteca, inexistindo, por isso, qualquer abuso de direito ou enriquecimento sem causa da exequente.

 A aquisição do direito de propriedade pelo executado/opoente é inoponível à hipoteca constituída a favor da exequente, sendo que a penhora realizada é válida e não excessiva.

Inexiste fundamento legal para o invocado direito de retenção.

Pediu a improcedência da oposição.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual se decidiu:

«…julga-se a oposição mediante embargos de executado procedente e, em consequência, declara-se extinta a execução contra o executado/opoente.»

3.

Inconformada recorreu a exequente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

 (…)

Contra alegou o recorrido pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e  639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Nulidade da sentença- artº 651º nº1 al. c) do CPC.

2ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

3ª- (Im)procedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Diz a recorrente que a sentença é nula  nos termos do artigo 615º nº1 al. c) do CPC.

Para tanto alega que as respostas dadas aos pontos 10 e 11 dos factos provados são contraditórias ou ambíguas.

A recorrente mistura e confunde conceitos e realidades jurídicas distintas -  decisão sobre a matéria de facto e sentença, hoc sensu -  os vícios a elas atinentes e os efeitos destes decorrentes.

Efetivamente, e ainda que presentemente a decisão sobre a matéria de facto passe, formalmente, a constar na sentença – lato sensu considerada - tal decisão não se confunde nem é totalmente absorvida pela sentença – stricto sensu .

A  qual, nuclearmente, se consubstancia na subsunção dos factos apurados às normas legais pertinentes, de uma forma lógica e coerente, e na respetiva decisão – artº 607º nº3 do CPC.

 Na verdade a contradição da sentença traduz-se na  oposição dos fundamentos com a decisão reconduzindo-se a um vicio lógico no raciocínio do julgador, em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direção diferente - cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 1981, 5º, 141, Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, 1978, 3º, 302 e Abílio Neto, Breves Notas ao CPC, 2005, 195.

Já na decisão sobre a matéria de facto, importa apurar se a convicção que acarreta -  outrossim de uma forma lógica e congruente,  ou, ao menos, não contraditória ou intoleravelmente incongruente -, a prova de certos factos e a não prova de outros, está consonante com os meios probatórios produzidos.

No domínio do CPC pretérito existia uma autonomia processual das duas decisões: a da matéria de facto e a da sentença final.

Então se entendendo que existia uma clara diferenciação entre os artºs 653º nº 2 e o artº 668º, vg. a sua al. b) do nº 1.

Pois que «aquele primeiro dever aponta exclusivamente para a justificação da concreta base de apuramento da matéria de facto «qua tale», enquanto que o segundo deixa subentender a justificação ou motivação da decisão final «vis a vis» o direito substantivo concretamente aplicável» - cfr. Ac. do STJ de 06.12.2004  dgsi.pt.p. 04B3896.

Porém, tal entendimento mantém-se atual, no âmbito do NCPC, pois que, não obstante a alteração meramente circunstancial/formal de a decisão sobre a matéria de facto constar na sentença, lato sensu, é evidente, que as duas decisões – a sobre os factos provados e não provados e  a decisão final -  são,  na sua génese, natureza e finalidade, lógica e teleológicamente, diferentes, e por isso obedecendo  a critérios e requisitos específicos e não necessariamente coincidentes.

E a tal autonomia aludindo, ou a mesma deles se retirando, os nºs 3 e 4 do artº 607º do CPC, sendo que aquele se reporta à sentença final, stricto sensu, e este se refere à anterior decisão sobre os factos.

Aliás, esta diferenciação repercute-se no sancionamento dos vícios respetivos.

Os do artº 615º, vg. o atinente à contradição ou ambiguidade previsto no nº1 al. c), reportam-se à sentença, tout court, e acarretam a  sua nulidade.

A falta e insuficiência fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, ou contradição das respostas e dos factos dados como provados, apenas tem a ver com esta decisão, como dimana do disposto no artº 662º, podendo acarretar a modificabilidade desta pela Relação, a sua anulação ou o reenvio do processo à 1ª instância para  cabal fundamentação: nº1 e nº2 als. c) e d).

5.1.2.

No caso sub judice.

O que a recorrente defende é que existe uma contradição ou ambiguidade nas respostas dadas aos pontos 10 e 1 1 dos factos provados.

Logo, e como é evidente, eles reportam-se à decisão sobre a matéria de facto  e não à sentença.

Urge, pois, verificar se  o vício da contradição, ou da obscuridade, previsto no artº 66º nº2 al. c) existe.

O respetivo teor:

10.ºA exequente tinha conhecimento da existência e do conteúdo da “permuta” referida em 1.º por ocasião da celebração da escritura e do registo da hipoteca referidas em 2.º e 6.º.

11.ºSe a exequente tivesse conhecimento da “permuta” referida em 1.º teria acautelado o expurgo da hipoteca e o ressarcimento por conta da “abertura de crédito” referida em 2.º aumentando o valor a distratar sobre as fracções autónomas “A”, “B”, “E”, “F”, “G” e “H”, sem contemplar as fracções “C” e “D”.

A contradição emerge quando um facto é, lógicamente – material ou juridicamente – incompatível com o outro, de tal modo que cada um deles exclui ou acarreta a inexistência  do outro.

Assim sendo, tal contradição, in casu, inexiste.

Na verdade, o facto 11 não está formulado na afirmativa, como se ele se tivesse efetivamente verificado, mas antes emerge condicionalmente ou como mera possibilidade.

 Como assim, não se pode dizer que a sua ocorrência é, logicamente, incompatível com o facto 10.

Neste diz-se que a recorrente teve conhecimento da permuta.

Mas no facto 11 não se diz, nem dele necessariamente resulta, que ela não teve conhecimento da permuta.

A prova do facto 11 surge na sequência do alegado pela insurgente – artº 19º da contestação.

A recorrente  disse que tivesse conhecimento da permuta, teria efetivado uma certa e determinada atuação.

Tendo o tribunal dado como provado tal conhecimento e entendendo que a atuação alegada teria interesse para a decisão da causa, consignou-a, pois que apenas assim – ie. se o consignasse nos provados -, sobre ele se poderia pronunciar em sede de subsunção e interpretação jurídicas.

O facto 11 serve apenas para esclarecer a atitude da exequente  e se retirarem as consequências, aliás confessadas, para o caso de ela ter conhecimento da permuta, como, em função do provado em 10, efetivamente teve.

Destarte, o facto 11 não contraria o 10: antes com ele, logicamente, se conexiona, e, maxime na economia do alegado pela recorrente, o complementa.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Por conseguinte - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.2.2.

Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de  9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

Na verdade:

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  sup. cit.

Assim, estatui, adrede, o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

Perante o estatuído neste ultimo segmento normativo tem-se entendido, por um lado, que:

«A exacta indicação das passagens da gravação…não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa…Daí que ao recorrente…seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.» - Ac. da RC de 17-12-2014, p. 6213/08.0TBLRA.C1 in dgsi pt.

Ou, noutra nuance:

 «Sempre que o recorrente impugne a decisão sobre a matéria de facto, deve observar o ónus de impugnação previsto no artº 640º do nCPC, nomeadamente deve indicar as exatas passagens da gravação dos depoimentos testemunhais em que se baseia para discordar do decidido, sob pena de rejeição do recurso quanto à reapreciação da prova.» - Ac. da RC de 16.03.2016, p. 1598/14.1T8LRA.C1.

Na verdade, ainda que o tribunal da Relação tenha de fundar a sua própria convicção, tal não significa que tenha de realizar um novo julgamento com total reapreciação de todos os meios probatórios produzidos.

Como se viu, a letra da lei não permite tal eventual entendimento.

E nem tal perspetiva se compadeceria com a índole e natureza deste tribunal ad quem, a qual exige uma tendencial depuração das questões, aliás, sempre necessária a uma desejável celeridade decisória que, obviamente, sairia prejudicada.

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genéricamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas ou das objetivas evidencias e emanações probatórias, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.

Tudo, aliás, para se poder cumprir a exigência de o recorrente transmitir à parte contrária os seus argumentos, concretos e devidamente delimitados, de sorte a que esta possa exercer cabalmente o contraditório – cfr. neste sentido, os Acs. da RC de  29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 16.06.2015, p. nº48/11.0TBTND.C2, ainda inédito; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

Finalmente:

«. No âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações.» - Acs. do STJ 15.09.2011, p. 455/07.2TBCCH.E1.S1 e de  de 09.02.2012, 1858/06.5TBMFR.L1.S1, aquele citando  Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pg. 157, nota 333.

5.2.3.

No caso vertente.

5.2.3.1.

A recorrente não cumpre a exigência legal de «indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso».

Na verdade, este ónus nem sequer se cumpre com a indicação genérica de onde começa e termina todo o depoimento de cada testemunha.

Mas antes com a concreta, concisa e precisa delimitação da parte, ou partes, do(s) depoimento(s) na(s) qual(is) a recorrente alicerça a sua pretensão.

Tudo com o aludido fito legal de uma maior determinação e sintetização dos meios probatórios a apreciar pelo tribunal ad quem de sorte a consecutir a almejada celeridade e a definir adequadamente as funções e responsabilidades dos dois tribunais de instancia.

Efetivamente, a permissão de uma reapreciação total e ilimitada da prova produzida, para além do handicap supra referido, atribuiria ao tribunal da Relação uma missão para a qual, pela natureza das coisas e pela falta de elementos que existem no tribunal da 1ª instância (vg. imediação e oralidade), não está vocacionado; e, inclusive, constituiria até uma apriorística e intolerável desconfiança nas capacidades técnicas e humanas do  Sr. Juiz a quo.

Ora, como ressuma do teor das conclusões,  a recorrente não cumpre tal ónus delimitador.

Pois que nem nas conclusões nem no corpo das alegações não indica a concreta passagem da gravação dos depoimentos em que funda o recurso, nem, sequer, o início e o fim de tais depoimentos.

Limitando-se a fazer referências, por reporte à gravação, genéricas e indeterminadas.

5.2.3.2.

Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, esta pretensão estaria votada ao insucesso.

Está em causa a pretensão da não prova do facto 10, atinente ao conhecimento por banda da recorrente da escritura de permuta.

O Sr. Juiz fundou tal resposta nos seguintes termos:

Ponderou-se primeiramente o depoimento das testemunhas (…) irmã do executado e que, entre o mais, outorgou a escritura de permuta em representação deste (conforme consta no documento), e da testemunha (…), antiga TOC da sociedade E (…), Lda., e funcionária administrativa de uma outra empresa do “grupo”, pertencente aos mesmos sócios, que igualmente esteve presente por ocasião da outorga da escritura de permuta, e acompanhou o processo relativo à concessão do empréstimo para a construção do prédio no lote de terreno, tendo ambas relatado a sua intervenção e participação directa nas respectivas situações, o que fizeram de forma espontânea, objectiva e que mereceu credibilidade.

…foi ainda ouvido como testemunha J (...) antigo funcionário da CGD (reformado), gerente do balcão das Caldas da Rainha entre 2001 e 2007, tendo afirmado que desde início do ano de 2007 que esteve ausente por doença, tendo saído para outro balcão em Abril. Mais afirmou que não esteve presente na escritura de permuta, até porque se encontrava doente, e que não se recordava de nada relativamente a tal negócio.

….as testemunhas (…) afirmaram sem hesitações que o mesmo esteve presente e levou cópia da escritura e, ainda que a primeira apenas tivesse descrito genericamente a pessoa em termos físicos (ou seja, poderia sempre admitir-se alguma confusão com a pessoa, embora, naturalmente, face ao lapso de tempo decorrido, tal fosse até compreensível, assim como a mudança de características físicas da pessoa), o certo é que a testemunha (…) afirmou claramente que era aquele, pessoa que conhecia devido às suas funções (afirmou mesmo que esteve presente em reunião com este a propósito do empréstimo)…

…o depoimento prestado pela testemunha (…) conforme referido, foi prestado de forma objectiva e que aparentou isenção, merecendo credibilidade, sendo que a versão apresentada afigura-se verosímil à luz da experiência comum e da normalidade das coisas, conforme abaixo se menciona, pelo que, face à incompatibilidade com o declarado pela testemunha J (...) não se valorou positivamente a versão deste.

Por outro lado, importa considerar que se afigura que, à luz da experiência comum e da normalidade das coisas, a CGD não poderia deixar de conhecer a escritura de permuta para efeitos do procedimento interno de empréstimo…

… torna-se pouco claro como foi viável todo o necessário processamento prévio do empréstimo quando essa aquisição apenas foi registada no mesmo dia em que foi registada (provisoriamente) a hipoteca (diferente poderia ser, naturalmente, se o imóvel estivesse previamente registado a favor da “E (...) ”)…

…Dito de outra forma, sendo o registo provisório da hipoteca uma fase relativamente avançada do processo interno relativo à concessão do empréstimo (cuja escritura foi outorgada em 19/04/2007), afigura-se que a CGD, antes desse registo provisório, que não pode deixar de pressupor pelo menos uma espécie de “pré-aprovação” (senão mesmo a aprovação) da operação financeira (tal como sucede na generalidade dos simples empréstimos para aquisição de habitação própria), teria logicamente que exigir e conhecer, como elemento relevante para a apreciação da aludida concessão da abertura de crédito, o documento que atestava a aquisição do direito de propriedade por parte da sociedade E (...) , Lda., ou seja, a escritura de permuta (também a testemunha (…) referenciou que a CGD não aprovava o empréstimo e possibilitava os registos provisórios antes da permuta…

Repare-se ainda que a certidão matricial utilizada no registo provisório da hipoteca mencionava o executado/opoente como proprietário (fls. 172 e 205) e que os elementos relativos ao processo de licenciamento da construção encontravam-se em nome do ora executado/opoente (só em 26/04/2007 foi requerido o averbamento a favor da sociedade E (…) fls. 170), sendo expectável que a CGD procurasse inteirar-se da exacta situação da aquisição da propriedade e demais aspectos relacionados desde o início…».

Assim se alcança que o julgador, desde logo e determinantemente, valorou os depoimentos das testemunhas do executado, rectius a testemunha (…), em detrimento  do depoimento da testemunha da exequente (…).

Perante depoimentos contraditórios face a um facto pessoal – presença do (…) no ato de outorga da escritura de permuta -, é evidente que ou aquelas testemunhas  estão, ou esta está, a mentir.

Tal seria caso paradigmático para acareação.

A recorrente vem agora queixar-se de que esta não foi efetivada e invocar o argumento a seu favor.

Mas, tal como bem aduz o recorrido, este argumento volta-se contra si.

É que estamos perante um processo de cariz privado em que em causa estão apenas interesses de ordem particular e económica.

Logo, emergem com toda a pertinência e acuidade os magnos princípios do dispositivo e da auto responsabilidade das partes.

Acresce que a acareação pode efetivar-se, não apenas a título oficioso, como, outrossim, a requerimento da parte – artº 523º do CPC.

Ora estando a recorrente devidamente representada em audiência, ela não impetrou a acareação.

Pelo que, agora, é irrelevante que venha esgrimir tal fundamento, até porque a questão da acareação está arrumada, porque passado o tempo da sua realização.

Aliás é de notar que  a própria audição da testemunha (…)  efetivou-se, não porque a  oponida a tivesse indicado,  mas antes porque foi determinada oficiosamente  ao abrigo do artº 526º nº1 do CPC – fls  213º vº.

Assim, é caso para dizer que, não fora a iniciativa do tribunal, tal contradição nem sequer surgiria, ficando nos autos apenas a relevar os depoimentos das restantes testemunhas.

E, perante estes, maxime pelos das testemunhas invocadas pelo julgador, obviamente que  a  sua convicção sobre o conhecimento da permuta por banda da recorrente sempre emergiria.

Não pode, pois, sequer, imputar-se ao Sr. Juiz a quo, falta de iniciativa ou imobilismo no sentido da descoberta da verdade.

Antes estas deficiências se indiciando por banda da recorrente.

Na verdade, alega ainda ela que o Juiz deveria ter oficiosamente confirmado, junto da sua direção de pessoal, no sentido de vir juntar aos autos documento que comprovasse a veracidade do alegado, ou seja, ausência da testemunha (…)no trabalho.

Mas então é caso para perguntar. Porque ela não juntou o documento, pois que os seus próprios serviços eram os únicos que o podiam emitir?

Vale isto para dizer que, alicerçando-se nuclearmente a convicção do Sr. Juiz  na valoração dos depoimentos das aludidas testemunhas, e não logrando a executada, por qualquer modo, infirmar ou contrariar o seu teor – quer por destruição/descredibilização da sua razão de ciência ou credibilidade, quer por força de outro meio probatório –, aquelas convicção e valoração não podem ser censuradas.

Valendo a qui o já supra mencionado em 5.2.1.

Ademais, mostram-se acertadas, ou, ao menos, admissíveis, as ilações que o julgador retirou, quanto ao conhecimento da permuta por parte da recorrente, com base nas regras da experiência comum e da normalidade das coisas.

Na verdade, não faz sentido – a não ser por virtude de intolerável descuido ou desleixo por banda da  exequente, a qual tal não alegou e provou – que uma instituição de crédito, mais a mais de cariz público, e que em última análise e como hodiernamente se está a ver, é financiada pelo dinheiro dos contribuintes, não se certifique da situação jurídica do bem sobre o qual vai incidir uma hipoteca, mais a mais quando ela se destina  a garantir um avultado empréstimo de 600.000 euros e cujas responsabilidade podem ultrapassar os 900.00 mil euros.

 É natural que, pelo menos a partir do momento em que  a instituição perspetiva como séria e viável a possibilidade de concessão de crédito, deva precaver-se informando-se sobre a quem, porque motivo a que título pertence, e em que condições se encontra, o bem dado como garantia.

No caso vertente nada se provou no sentido de que assim não foi.

Antes pelo contrário, os factos provados nos pontos 1º 2º, 5º e 6º e as respetivas datas apontam  que assim foi.

Efetivamente, na data da constituição da hipoteca – 19.04.2007 -, já o lote tinha sido registado  -  em 03.04.2007 -, como propriedade da firma, tendo a aquisição como causa a permuta com o ora opoente.

Nesta conformidade, pelo menos naquela data é suposto que ela teve conhecimento da permuta, estando ainda a tempo, de, se assim o considerasse necessário, suspender a efetivação da escritura hipotecária para se inteirar dos termos em que a permuta foi realizada e adaptar as condições da hipoteca em função da concreta situação do bem hipoteca(n)do.

5.2.4.

Nesta conformidade, os factos a considerar são os provados na 1ª instância, a saber:

1.º Mediante escritura pública de 22/03/2007, denominada “Permuta”, cuja cópia se encontra a fls. 90 e segs., M (…), em representação do ora executado/opoente, como primeira outorgante, e A (…) e F (…) na qualidade de sócios gerentes da sociedade E (…), Lda., como segundos outorgantes, declararam, entre o mais, o seguinte: “A primeira, em nome do seu representado, DÁ à representada dos segundos o seguinte:

prédio urbano composto de terreno para construção urbana, sito em Quinta da Cutileira, lote 5, freguesia de Caldas da Rainha (Nossa Senhora do Pópulo), concelho de Caldas da Rainha, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número dois mil quinhentos e noventa e nove, registado a favor dele, representado, pela inscrição G – dois, registada a autorização de loteamento pela inscrição F - um do número dois mil quinhentos e noventa e três, a que corresponde o alvará de loteamento número oito barra noventa e sete de trinta e um de Julho, inscrito na matriz sob o artigo 9414 com o valor patrimonial tributário de 61.937,48 €, pelo valor de CENTO E NOVENTA MIL EUROS.

Os segundos, em nome da sociedade sua representada, dão em troca ao representado da primeira o seguinte:

a) BEM FUTURO - Fracção Autónoma com a letra “C”, destinada a Habitação e parqueamento com letra C, pendente da constituição da propriedade horizontal, , correspondente ao primeiro andar direito, do prédio urbano, a CONSTRUIR, de acordo com o projecto número quinhentos e noventa e seis barra dois mil e seis, aprovado em seis de Setembro de dois mil e seis, pela Câmara Municipal de Caldas da Rainha, pelo valor de NOVENTA MIL EUROS;

b) BEM FUTURO - Fracção Autónoma com a letra “D” ,destinada a Habitação e parqueamento com letra D, pendente da constituição da propriedade horizontal, , correspondente ao primeiro andar esquerdo, do prédio urbano, a CONSTRUIR, de acordo com o projecto número quinhentos e noventa e seis barra dois mil e seis, aprovado em seis de Setembro de dois mil e seis, pela Câmara Municipal de Caldas da Rainha, pelo valor de CEM MIL EUROS. no lote de terreno para construção, acima descrito e ora permutado.

Os segundos outorgantes, na referida qualidade, ficam obrigados a concluir o edifício no qual se vão integrar as referidas fracções autónomas, de acordo com o projecto referido e já aprovado, e ainda a outorgar a escritura de constituição da propriedade horizontal, a entregar as mencionadas fracções autónomas, completamente prontas e concluídas, e livres de quaisquer ónus ou encargos no prazo máximo de doze meses, após a celebração desta escritura, para cumprimento da obrigação aqui assumida.

Que a propriedade do lote transmite-se pelo presente acto, adquirindo-se as fracções, nos termos Iegais, com a sua construção.

Que recebendo bens em valor de igual montante, nada têm mais a receber uns dos outros.”

2.º Mediante escritura pública de 19/04/2007, denominada “Abertura de crédito com hipoteca e fiança”, cuja cópia se encontra a fls. 8 e segs. da execução, correspondente informaticamente ao n.º PT00350183010811891, a ora exequente declarou conceder à sociedade E (…)s, Lda., um empréstimo sob a forma de abertura de crédito até ao montante de 600.000 €, para cuja garantia aquela constituía hipoteca voluntária sobre o prédio descrito na CRPredial de Caldas da Rainha sob o n.º 2599, registado a favor da sociedade pela inscrição G-3, hipoteca essa já registada provisoriamente pela inscrição C-1.

3.º Mais consta na escritura referida em 2.º que “A hipoteca é feita por tempo indeterminado, subsistirá enquanto se mantiver qualquer das responsabilidades que assegura, e abrange, além do mais, todas as construções e benfeitorias que existam à data da presente escritura e as que, de futuro, venham a existir no referido imóvel, obrigando-se os segundos outorgantes a requerer e promover os respectivos averbamentos na Conservatória do Registo Predial competente, ou, se o não fizerem, fica a Caixa autorizada a requerê-los, caso em que os correspondentes recibos ficarão a constituir elementos referidos a esta escritura para efeitos de exequibilidade”.

4.º Consta na nota de débito que se encontra a fls. 37 da execução que o capital em dívida no âmbito da operação referida em 2.º é de 67.882,69 €, sendo os juros entre 19/01/2010 e 18/09/2014 de 29.825,82 €.

5.º Mostra-se inscrita (Ap. 6 de 03/04/2007) a aquisição do direito de propriedade sobre o prédio descrito na CRPredial de Caldas da Rainha sob o n.º 2599 (freguesia Caldas da Rainha – Nossa Senhora do Pópulo), a favor da sociedade E (...) , Lda., por permuta com o ora executado/opoente.

6.º Mostra-se inscrita (Ap. 7 de 03/04/2007) a constituição de hipoteca voluntária sobre o prédio descrito na CRPredial de Caldas da Rainha sob o n.º 2599, a favor da ora exequente, para garantia de abertura de crédito, até ao montante máximo de 902.100 €.

7.º Mostra-se inscrita (Ap. 2 de 20/03/2008) a constituição da propriedade horizontal sobre o prédio descrito na CRPredial de Caldas da Rainha sob o n.º 2599, com as fracções autónomas “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G” e “H”.

8.º Mostram-se inscritos (Aps. 26 de 04/09/2008, 5 de 26/09/2008, 25 de 10/10/2008, 10 de 17/10/2008, 886 de 07/05/2009 e 3252 de 23/07/2009) os cancelamentos parciais da hipoteca referida em 6.º quanto às fracções autónomas “H”, “E”, “F”, “G”, “B” e “A”.

9.º Mostra-se inscrita (Ap. 2115 de 21/12/2009) a aquisição do direito de propriedade sobre as fracções autónomas “C” e “D” do prédio descrito na CRPredial de Caldas da Rainha sob o n.º 2599, a favor do ora executado/opoente, por permuta.

10.ºA exequente tinha conhecimento da existência e do conteúdo da “permuta” referida em 1.º por ocasião da celebração da escritura e do registo da hipoteca referidas em 2.º e 6.º.

11.ºSe a exequente tivesse conhecimento da “permuta” referida em 1.º teria acautelado o expurgo da hipoteca e o ressarcimento por conta da “abertura de crédito” referida em 2.º aumentando o valor a distratar sobre as fracções autónomas “A”, “B”, “E”, “F”, “G” e “H”, sem contemplar as fracções “C” e “D”.

12.ºO executado/opoente procedeu ao pagamento da quantia de 524,52 € a título de IMT e imposto de selo em virtude da permuta referida em 1.º

13.ºO executado/opoente procedeu ao pagamento da quantia de 10.331,60 € a título de imposto de mais valias em virtude da permuta referida em 1.º.

14.ºEm 21/12/2009 o executado/opoente obteve a entrega das chaves das fracções autónomas “C” e “D”.

15.ºConsta no “contrato de arrendamento” que se encontra a fls. 31 e segs. que o executado/opoente, em 02/08/2012, procedeu ao “arrendamento” a terceiros da fracção autónoma “D”.

16.ºConsta no “contrato de arrendamento” que se encontra a fls. 37 e segs. que o executado/opoente, em 25/09/2013, procedeu ao “arrendamento” a terceiros da fracção autónoma “C”.

17.ºConsta no “cálculo de valores de expurgação” que se encontra a fls. 204 que a exequente avaliou a totalidade das fracções autónomas do prédio sito na Quinta da Cutileira, Lote 5, com um PVT global de 1.050.000 €, para um valor de expurgação global de 660.010 €, cabendo às fracções autónomas “A”, “B”, “E”, “F”, “G” e “H” um PVT conjunto de 794.000 €, para um valor de expurgação conjunto de 499.090 €, e às fracções “C” e “D” um PVT conjunto de 256.000 €, para um valor de expurgação conjunto de 160.920 €.

18.ºA fracção autónoma “C” tem um valor de mercado actual de 99.000 €.

19.ºA fracção autónoma “D” tem um valor de mercado actual de 110.000 €.

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

O Sr. Juiz discorreu doutamente quanto ao instituto do abuso de direito.

No caso concreto, entendeu que a hipoteca era válida, eficaz e oponível/estendível, relativamente ao executado/opoente, com os  seguintes, nucleares, fundamentos:

«… estando em causa fracções autónomas, “o momento que releva para a transferência do direito de propriedade há-de ser o da individualização e autonomização jurídica das fracções. Que se opera através da constituição do regime da propriedade horizontal. Tal como flui dos arts. 1414.º, 1415.º, 1417.º e 1418.º do Código Civil”.

Consequentemente, a sociedade “E (…)”, enquanto proprietária do lote de terreno, tinha o direito de onerar o dito lote de terreno através da constituição da hipoteca voluntária a favor da ora exequente – arts. 1305.º, 688.º. n.º 1, alínea a) e 715.º do CC –, como efectivamente fez…

Portanto, a situação factual dos autos configura uma questão que tem merecido uma resposta aparentemente pacífica por parte da jurisprudência em casos semelhantes:  “A hipoteca constituída por empresa construtora a favor de um banco, com vista a garantir o empréstimo concedido para a construção do prédio e fracção permutada com o respectivo terreno, é válida e eficaz e prevalece sobre os registos posteriores a ela, não sendo oponível ao credor hipotecário, não interveniente no contrato de permuta, a cláusula determinante da cedência da fracção predial no sentido de ser transmitida livre de quaisquer ónus ou encargos” – cfr. Ac. da RC de 12/03/2013, anteriormente citado. No mesmo sentido, entre outros, cfr. o anteriormente citado Ac. da RP e ainda o Ac. da RC de 11/03/2014.»

Não obstante, julgou a oposição procedente com fundamento no abuso de direito, precisamente com essencial alcandoramento nos factos  provados 10 e 11.

Não porque considerasse existir uma situação de venire contra factum proprium, pois que:

«não se vislumbra qual a situação de confiança que possa ter sido criada junto do executado/opoente e que agora seja posta em causa com a instauração da execução, porquanto o executado/opoente não teve intervenção no contrato de abertura de crédito nem existe ou, pelo menos, não foi alegado qualquer comportamento (factum proprium) da exequente para com o executado/opoente.».

Mas mais acrescentando:

«Todavia, conforme anteriormente referido, o abuso de direito não se reconduz apenas aos “comportamentos típicos abusivos” que têm vindo a ser frequentemente identificados, antes “reside na disfuncionalidade de comportamentos jurídico-subjectivos por, embora consentâneos com normas jurídicas permissivas concretamente em causa, não confluírem no sistema em que estas se integrem“ – Menezes Cordeiro, cit.

Portanto, “Os grupos típicos de actuação abusiva usualmente referidos e os próprios princípios mediantes de concretização da boa fé não esgotam as possibilidades criativas do sistema nem, consequentemente, as possibilidades de abuso do direito...

Dito de outra forma, “O instituto do abuso de direito, bem como os princípios da boa fé e da lealdade negocial são meios de que os tribunais devem lançar mão para temperar situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, o faz de uma maneira que, objectivamente, – e atenta a especificidade do caso –, conduz a um resultado que viola o sentimento de justiça prevalecente na comunidade, que, por isso, repudia tal procedimento, que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em concreto o adultera” – Ac. da RL de 12/12/2013, disponível em www.dgsi.pt.

Vertendo novamente ao caso concreto e sendo claro que a instauração da execução contra o executado/opoente encontra acolhimento legal e representa um aparente legítimo exercício de um direito por parte da exequente/credora hipotecária (cfr. o anteriormente exposto), a análise que se impõe realizar, para efeitos de eventual abuso de direito, só poderá relacionar-se com a circunstância da exequente não ter actuado em determinadas circunstâncias conforme a própria reconhece que teria actuado nessas mesmas circunstâncias.

Considerando o que se afigura que deveria ser a exemplar gestão da cobrança do crédito por parte da exequente, esta, sabendo da existência do contrato de permuta, deveria ter acautelado e obtido o ressarcimento do seu crédito através das restantes fracções, exigindo um “valor de expurgação” adequado e suficiente à realização desse objectivo nas restantes fracções autónomas, o que a própria exequente reconhece que teria feito caso conhecesse a permuta – e que, afinal, conhecia.

Portanto, a exequente, em vez que ter atribuído um “valor de expurgação” de 76.530 € e de 84.390 € às fracções “C” e “D” poderia ter rateado esses valores pelas restantes fracções autónomas, as quais, considerando o PVT atribuído pela própria exequente, seriam efectivamente suficientes para garantir a totalidade do “valor de expurgação” (660.010 € vs 794.000 €), comportamento que a exequente reconhece que adoptaria se conhecesse a “permuta”.

Com o devido respeito, afigura-se que não é curial, legítimo e correspondente ao uso normal do direito, que a exequente, apesar do aludido conhecimento e das circunstâncias concretas do caso que permitiam outro comportamento, e que a própria admite que teria, nada tivesse feito nesse sentido, mantendo a hipoteca quanto às fracções “C” e “D” após ter distratado a hipoteca quanto a todas as outras fracções sem que tivesse recebido valores suficientes para garantia da totalidade do seu crédito, procurando agora, através da acção executiva apensa, a cobrança do remanescente desse crédito à custa das aludidas fracções autónomas.

Dito de outra forma, considera-se que a exequente tinha a possibilidade de obter o ressarcimento do seu crédito à custa das restantes fracções autónomas que sabia não terem objecto da permuta, pelo que se entende que excede, de forma ilegítima, o exercício do seu direito de obter o ressarcimento desse crédito se o faz intentando contra o ora executado/opoente uma acção executiva com base na garantia real (hipoteca) de que é titular e incidente sobre as fracções autónomas mas que não deveriam constituir garantia do referido crédito, segundo o comportamento que a própria exequente reconhece que teria (mas não teve, por razões desconhecidas – circunstância que não se afigura decisiva para a questão).

Daqui resulta, portanto, que se considera, com o devido respeito, estarem verificados os pressupostos do abuso de direito, no sentido de que o resultado do exercício do direito da exequente quanto ao executado/opoente surge como intolerável e ofensivo do sentimento jurídico dominante, não sendo equilibrado, justo e proporcional que, nas aludidas circunstâncias, o executado/opoente se veja confrontado com uma execução decorrente do comportamento contraditório da exequente quanto à constituição da hipoteca (que abrangeu as fracções autónomas a “permutar”, apesar da exequente não as incluir caso conhecesse a permuta, como afinal conhecia à data).».

Perscrutemos.

Desde logo  o julgador atribui demasiada importância ao  facto 11: Se a exequente tivesse conhecimento da “permuta” referida em 1.º teria acautelado o expurgo da hipoteca e o ressarcimento por conta da “abertura de crédito” referida em 2.º aumentando o valor a distratar sobre as fracções autónomas “A”, “B”, “E”, “F”, “G” e “H”, sem contemplar as fracções “C” e “D”.

Trata-se de posição assumida pela exequente/oponida em sede de defesa processual, no calor da disputa, a qual, para o efeito sobre a conclusão da sua atuação com má fé, vale o que vale, ou seja, muito pouco.

Nas palavras do próprio opoente/recorrido é uma mera «afirmação “retórica”, para criar convicção de que não teve conhecimento…da permuta»

Tal afirmação apenas aqui relevaria se se provasse que ela foi proferida antes da constituição da hipoteca.

E, mesmo neste estádio, dependendo os seus efeitos das circunstâncias envolventes.

Sendo que estes efeitos mais se compaginariam com a figura da reserva mental, ou, eventualmente, das declarações não sérias, ou seja, quando muito, implicaria a nulidade da declaração ou o dever de indemnizar – artºs 244º e 245º do CC.

Ou, então, com o abuso de direito, na modalidade do venire.

Há, pois, apenas , ou determinantemente, que perspetivar a atuação da exequente ao tempo  da celebração de todos os negócios jurídicos e os demais contornos a eles atinentes decorrentes dos factos provados.

Ora tal como bem expendeu o julgador, os efeitos jurídicos decorrentes da construção do edifício em propriedade horizontal no terreno em causa, apenas emergem quando esta escritura de propriedade horizontal é outorgada.

Até aí o que existe, e existia no caso vertente, é, e era, um terreno para construção.

Tanto assim que o que na escritura de permuta  se trocou, foi um  bem presente – o lote de terreno – por dois  bens futuros – as duas frações autónomas.

Nesta conformidade, e porque nem sequer era certo, à data da constituição da hipoteca, que as frações autónomas seriam efetivamente edificadas, obviamente que a hipoteca teria de incidir, como incidiu, sobre o terreno.

Assim sendo, e mesmo tendo a exequente conhecimento da permuta, não se antolha, até esta fase negocial, qualquer  atuação da  mesma  eivada de má fé.

Seguidamente, edificadas as frações e constituída a propriedade horizontal, faz todo o sentido que a hipoteca incida sobre todas as frações construídas no terreno.

É que a permuta, tal como bem expende o julgador, é um contrato oneroso, sinalagmático e tendencialmente comutativo.

Com ela o recorrido obteve uma contrapartida, um benefício patrimonial.

Ou seja, tem muitas similitudes com o contrato de compra e venda.

Assim sendo, não se alcança motivo para destrinçar, rectius, beneficiar, o recorrido em detrimento dos proprietários, presumivelmente compradores, das restantes frações.

Antes pelo contrário, a oneração do recorrido consecute uma distribuição de responsabilidades mais justa e equitativa.

Pois que, como se viu, relativamente à hipoteca, todos os proprietários das frações se encontrariam futuramente na mesma situação de sujeição e não se provou que, à data, a exequente criasse para com o recorrido qualquer expetativa de exclusão da hipoteca das suas frações.

Sendo ainda de notar que a definição da quota parte de responsabilidades das frações, maxime o “cálculo de valores de expurgação”  a que alude o ponto 17 dos provados, e tal como que se alcança a fls. 204 se verificou em 28.07.2008.

E que o registo da aquisição da propriedade  das frações em nome do recorrido apenas foi efetivado posteriormente  em 21.12.2009.

Ou seja, e considerando os efeitos das regras registrais relativamente a terceiros e a sua prevalência perante uma situação  material/substancial desconforme, naquela data à exequente nem sequer podia ainda ser oposta tal aquisição.

Por outras palavras: a exequente, pelo menos formalmente, nem sabia ainda que as frações do recorrido a este pertenciam.

Daqui decorre que nem à exequente pode, pelo menos formalmente, ser imputada qualquer censurável atitude em desfavor do executado, nem a este, pelo menos formalmente, assistia jus a tutela de qualquer expectativa porventura antes criada e que nem se provou ter existido.

Destarte, e versus o  expendido pelo Sr. Juiz a quo, não se vislumbra acervo factual  bastante para se poder concluir que a exequente atuou  em abuso de direito por violação da  boa fé, da lealdade negocial e do sentimento de justiça prevalecente na comunidade.

5.3.2.

Resta ainda apreciar os outros dois fundamentos aduzidos na primeira instância pelo embargante e que nela não foram conhecidos- artº 665º nº2 do CPC.

5.3.2.1

Assim e no atinente ao excesso  de penhora.

A regra geral, quanto ao objeto da execução, é que todos os bens do devedor que nos termos da lei substantiva  - artºs 601º a 603º e 833º do CC quanto ao devedor e 818º quanto a terceiro  - respondam pela dívida exequenda, estão sujeitos à execução - artº 735º nº1 do CPC.

Esta regra é, porém, mitigada.

Desde logo e no que aqui releva, pelo apelidado princípio da proporcionalidade da penhora, pois que esta deve limitar-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, assim se pretendendo evitar uma excessiva, onerosa, e desnecessária afetação da posição do devedor.

Efetivamente e nos termos do artº 735º nº3 do CPC:

«A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.»

Depois pelo condicionamento da ordem da realização da penhora, já que esta deve  começar pelos «bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente» – artº 751º nº1.

No domínio do código anterior resultava que os bens imóveis só deviam, em princípio, ser indicados à penhora subsidiáriamente, na falta de outros bens.

 Privilegiando-se a penhora de contas bancárias, salários, vencimentos, outros rendimentos, ou bens móveis, os quais deviam ser primeira e preferencialmente penhorados pelo agente de execução, mesmo que o exequente tivesse indicado outros bens – vg. imóveis – previamente aqueles  – artº 834ºnº1.

O que era entendido como preferível, desde logo porque a natureza de tais proventos ou bens permite uma mais célere e menos dispendiosa concretização do pagamento.

Assim se operando o justo equilíbrio entre o referido princípio da proporcionalidade e o princípio da necessidade da realização célere do crédito exequendo.

Todavia a penhora de imóveis era já então ab initio admissível, ainda que o seu valor não se adequasse, por excesso, ao montante do crédito exequendo, quando outros bens não existissem ou o valor dos mesmos presumivelmente não permitisse a satisfação integral do credor no prazo de seis meses - artº 834º nºs1 e 2.

Assim se abrindo uma exceção ao referido princípio da proporcionalidade o qual deve ceder perante o prevalecente mencionado princípio da necessidade do pagamento, porque fito primordial, primeiro e último, da execução – Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª ed. p.244.

No domínio do atual NCPC tal exceção foi alargada, pois que agora o agente da execução já não está sujeito aquela vinculação do anterior artº 834º nº1.

Antes devendo respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados – os quais, assim, podem, ser, desde logo, imóveis – salvo se tais indicações violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora, ou violem manifestamente a pretensão de fácil e rápida obtenção do valor pecuniário destinado ao pagamento – artº 751º nº2 do NCPC.

Ademais, atento o disposto no artº 751º nº3 do NCPC, manteve-se a regra  do anterior artº 834º nº2 ,  no sentido de, ab initio, se permitir penhora de imóveis  mesmo que o seu valor não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, desde que:

a) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 12  meses, no caso da dívida não exceder metade do valor da alçada do tribunal da 1ª instancia e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado;

b) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 18  meses , no caso da dívida exceder metade do valor da alçada do tribunal da 1ª instancia e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado;

c) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses nos restantes casos.

Acresce que:

« A diferença entre o valor da quantia exequenda  e o valor do bem imóvel dado à penhora que possa descambar na desproporcionalidade ou excesso desta deve ser relevante, e sobre o executado impendendo o ónus de provar factos materiais que clamem tal conclusão.»- Ac. da RC de 09.09.2014, p. 1860/13, inédito.

No caso sub judice o julgador chegou a abordar esta questão quando expendeu:

«apenas se sabe que a quantia exequenda total é de 97.708,51 €, sendo 67.882,69 € de capital (e o restante juros). Admitindo-se que a exequente disponibilizou a totalidade da quantia constante na “abertura de crédito” (como pressuposto no “cálculo de valores de expurgação”), poder-se-ia questionar o fundamento para se manter a hipoteca existente sobre ambas as fracções autónomas (“C” e “D”) e não apenas sobre uma delas, contrariando o próprio “mapa” de expurgação que a exequente delineou.

Com efeito, para ter efectuado o distrate da hipoteca quanto às outras fracções autónomas a exequente, respeitando o seu próprio “mapa” de expurgação, teria de ter recebido 499.090 € (soma do capital dessas outras fracções indicado na coluna “valor de expurgação”), pelo que, sendo o valor ora em dívida a título de capital de 67.882,69 €, a exequente terá recebido ainda uma quantia de 93.027,31 € (660.000 € - 499.090 € - 67.882,69€), que teria sido aparentemente suficiente para distratar a hipoteca sobre uma das fracções pertencentes ao executado/opoente. Trata-se, porém, de circunstancialismo que não é possível apurar devidamente pela ausência de alegação de outros factos essenciais, pelo que se afigura que nenhuma outra consequência é possível retirar.»

E de facto assim é.

Nem os factos alegados, nem os provados, permitem concluir pela desproporção relevante entre a quantia exequenda e  valor dos imóveis penhorados que implique a emergência de um juízo de desproporcionalidade da penhora.

Considerando que os juros e demais encargos são relevantes, tanto assim que, como refere  embargante nos artºs 41º e 42º da pi, os juros contados entre 2010 e 2014 ascenderam  a quase trinta mil euros, é de concluir que, em função do lapso temporal de mais alguns anos – e já decorreram cerca de dois anos e meio desde a propositura da ação – que previsivelmente  sobrevirá até à satisfação da quantia exequenda, tais encargos se alcandorem a valor idêntico.

O que, previsivelmente, remeterá o valor a pagar para além de cento e dez mil euros, ou até, para além de cento e vinte mil.

Ao que se adicionará o valor das custas que saem precípuas.

Ora  ascendendo o valor de mercado do imóvel mais valioso a 110 mil euros – ponto 19º - e não sendo líquido que a venda, se se  vier a realizar, atinja tal valor – antes, como costuma ser usual,  sendo mais plausível que se quede  por verba inferior -, é evidente que o excesso ou desproporção inexiste,  pelo que, consequentemente, não se pode desonerar qualquer dos imóveis da penhora.

5.3.2.2.

Invocou ainda o oponente o seu direito de retenção sobre as frações nos termos do artº 755º nº1 al. f) do Código Civil.

 Entendendo que, assim,  goza do direito de ser pago com preferência aos demais credores, nomeadamente gozando do direito de prevalência sobre a hipoteca, ainda que o registo desta seja anterior, nos termos do artigo 759º do CC, pelo valor atribuído às frações permutadas acrescida dos encargos que teve que suportar com a transação nomeadamente em termos de mais valias e demais encargos, no valor global de 200.856,12€ ( duzentos mil oitocentos e cinquenta e seis euros e doze cêntimos).

Diz, para tanto, que tal segmento normativo se aplica também ao contrato promessa de permuta.

Estatui o mesmo, sob a epígrafe, “casos especiais”:

« Goza(m) ainda do direito de retenção: O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º ».

Vemos assim que estamos perante uma norma especial  que prescreve para além da previsão da regra geral do artº 754º, pelo que  ela tem de ser interpretada nos seus precisos termos, ou, ao menos, com abrangência tal que não a retire do âmago e âmbito daquela regra geral, de tal sorte que ela, e a respetiva figura jurídica do direito de retenção, fiquem  desvirtuados.

 Na verdade, e mutatis mutandis, tal se retira da jurisprudência do nosso mais alto tribunal quando nele se decidiu:

«O direito de retenção concedido na al. f) do n.º 1 do art.º 755 visa a tutela compensatória pelo incumprimento definitivo do contrato-promessa, prevista no art.º 442, não envolvendo a tutela moratória a que se reportam os art.ºs 805 e 806, todos do CC.» - Ac. do STJ de 08.10.2002, p. 02A2624, in dgsi.pt.

Ora o referido segmento normativo, e como dele  meridianamente emerge, estatui apenas para o contrato promessa, o qual, admite-se pode também ser o de permuta.

Mas no caso dos autos não temos apenas um mero contrato promessa de permuta, mas um verdadeiro contrato definitivo de permuta que, como tal, produziu os seus efeitos.

Por outro lado, esta norma exige que o não cumprimento seja imputável à outra parte, o que exige a formulação de um juízo de culpa que é alheio ao jaez da ação executiva e não foi colocado/impetrado, adrede, nos embargos.

Destarte, o caso não se subsume na previsão de tal norma.

E, apesar de o recorrente a não invocar, outrossim, se não integra na regra geral  do artº 754º do CC, pois que, no rigor dos princípios, o oponente não está obrigado a entregar certa coisa e, pelo menos em certa medida e até certo ponto, o seu crédito  ora invocado não resulta de  despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.

Ele está é obrigado a pagar em função do título executivo apresentado, o qual, como se viu, tem virtualidades para alicerçar a execução.

Procede, brevitatis causa, o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º do CPC.

I - Ainda que inseridas na sentença, lato sensu, não pode confundir-se a contradição entre factos provados, que  acarreta a  anulação da decisão sobre a matéria de facto -  al. c) do nº2 do artº 662º do CPC -, com a contradição do decidido  na sentença stricto sensu, que implica a sua nulidade – artº 615º nº 1 al. c).

II - A contradição  entre dois factos provados, causa da anulação da decisão sobre a matéria de facto – artº 662º nº2 al. c) do CPC -  apenas existe quando são, logicamente,  incompatíveis um  com o outro, de tal modo que cada um deles exclui ou acarreta a inexistência  do outro.

III - A total omissão – sem qualquer referência ao lugar dos depoimentos na gravação – da obrigação prevista no artº 640º nº2 al. a) do CPC, implica, ex vi deste segmento normativo, a rejeição do recurso sobre a matéria de facto.

IV - Atenta, vg. a imediação e oralidade, existindo depoimentos testemunhais antagónicos e convencendo-se o juiz, fundadamente, sobre uma das versões, a sua convicção apenas pode ser censurada se o recorrente infirmar a razão de ciência ou credibilidade  das testemunhas, ou aduzir outro meio de prova que inequivocamente convença no sentido contrário ao aceite.

V - Não constitui abuso de direito, por violação da  boa fé, da lealdade negocial e do sentimento de justiça prevalecente na comunidade, alicerçante de embargos de executado, o facto de a hipoteca constituída sobre terreno de construção abranger, entre outras, duas frações autónomas nele depois construídas, não obstante a credora hipotecária saber que estas frações poderiam ir para a propriedade do executado por virtude de permuta do terreno, que era seu.

VI -  A diferença entre o valor da quantia exequenda  e o valor do bem imóvel dado à penhora que possa descambar na desproporcionalidade ou excesso desta deve ser relevante, e sobre o executado impendendo o ónus de provar factos materiais que clamem tal conclusão.

VII – Como norma especial que é, a al. f) do nº1 do artº 755º do CC tem de ser interpretada nos seus precisos termos, e sem desvirtuamento da regra geral do artº 754º, pelo que, vg., o direito de retenção nela previsto apenas se aplica no caso de contrato promessa e não de contrato definitivo já cumprido.

7.

Deliberação.

Termos em que se julga o recurso procedente, se revoga a sentença, e se ordena a continuação da execução contra o aqui recorrido.

Custas pelo recorrido.

Coimbra, 2017.03.14.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos