Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
301/10.0TBMIR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA
DANOS
Data do Acordão: 02/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - CANTANHEDE - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: LEI Nº 23/96 DE 26/7, DL Nº 20/2006 DE 15/2, DL Nº 172/2006 DE 23/8, ART.799 CC.
Sumário: 1.- Provado que a R. EDP deixou de fornecer energia à A. nos termos contratualmente estabelecidos, compete-lhe provar que esse incumprimento objectivo não derivou de culpa sua, pois só assim ilidirá a presunção de culpa que sobre ela impende, fixada no art. 799º, nº 1, do CC.

2.- Terá, assim, de provar que agiu de forma diligente, que desenvolveu esforços para realizar a prestação devida, que foi cauteloso e usou do devido zelo em face das circunstâncias concretas do caso, isto é que não foi negligente.

3.- Provado, pela EDP, que o cabo estava em boas condições de funcionamento, instalado de acordo com as exigências técnicas vigentes, e que as redes de transporte da energia eléctrica estavam em condições normais de exploração, sendo vigiadas e objecto de manutenção e devidamente assinaladas, não sendo previsível que a avaria pudesse ocorrer, pode-se concluir que ilidida foi a presunção de culpa.

4. Considerando, no que concerne ao fornecimento da energia, que no caso concreto ficou demonstrado que a interrupção do fornecimento de energia à A. foi devida a actuação de terceiro, e como tal comprovada, consubstancia-se um dos casos apontados como fortuitos ou de força maior, desculpante do não fornecimento de tal energia.

5.- Provado que a interrupção de energia e o subsequente “pico de tensão” que danificou os equipamentos da A. foi provocado pela danificação do cabo junto ao poste de electricidade onde estava instalado o ramal de fornecimento de energia à A., cabo danificado por uma pessoa na execução de um trabalho de corte de arbustos, encostados ao referido poste, trabalho efectuado a mando dos 2ºs RR, estes respondem objectivamente como comitentes, devendo indemnizar os prejuízos que foram provocados nos equipamentos da A.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. T (…) Lda, com sede em Mira, propôs a presente acção declarativa, com processo sumário, contra EDP Distribuição Energia S.A., com sede em Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe uma indemnização, no montante de 10.992,58 €.

Alegou, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de fornecimento de energia eléctrica, que a ré não cumpriu o dever de fornecer essa energia com qualidade e sem defeitos, que houve um “pico de corrente” e “falta do neutro do ramal de abastecimento ao local” e que isso danificou equipamentos eléctricos e informáticos seus, causando-lhe um prejuízo no montante reclamado, sendo 9.646,44 € dos equipamentos estragados que terá de substituir e 1.346,14 € de equipamentos danificados e já reparados.

A ré contestou, impugnando parte dos factos alegados na petição inicial e alegando, em síntese, que cumpriu todos os deveres que sobre si impendiam para assegurar a qualidade do serviço prestado, que a autora não dispunha de mecanismo destinado a eliminar ou limitar sobretensões, e que a interrupção do condutor do neutro se deveu à acção de terceiros – (…)-, alheia à vontade da ré e que esta não podia controlar.

Em resposta, a autora alegou ter nas suas instalações mecanismo susceptível de limitar ou eliminar as sobretensões geradas na rede eléctrica, e requereu a intervenção principal provocada das indicadas pessoas, residentes em Mira, como associados da ré, o que foi admitido.

As referidas pessoas intervieram, tendo arguido a sua ilegitimidade o (…) e tendo impugnado parte dos factos alegados pela autora na petição inicial. A autora respondeu à excepção de ilegitimidade.

Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de ilegitimidade.

*

A final foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu todos os RR do pedido.

*

2. A A. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…).

3. Só os RR/chamados Maria Manuela Tavares e Fernando Santos contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

II - Factos Provados

1. (facto assente A) Por acordo celebrado entre a autora e a 1.ª ré, esta comprometeu-se a fornecer, conduzir e entregar energia eléctrica às instalações daquela, sitas na Rua (...) s, concelho de Mira.

2. (quesito 1) No dia 17 de Novembro de 2008, a autora não tinha energia eléctrica nas suas instalações.

3. (quesito 2) A situação referida em 2. deveu-se à falta do neutro do ramal de abastecimento ao referido local.

4. (quesito 3) A autora contactou a 1.ª ré para que procedesse à reparação da avaria.

5. (quesito 4) Tendo a 1.ª ré enviado o piquete de avarias ao local e reposto o abastecimento de energia eléctrica.

6. (quesito 5) Na sequência do referido em 2., os seguintes equipamentos da autora ficaram danificados e sem possibilidade de reparação:

- Máquina de calcular CANON BP 1400, adquirida por €136,42;

- Fotocopiadora CANON NP 8112, adquirida por €1.167,188;

- PC Pentium III 500 64MB RAM 8,4 GB, adquirido por €1.400,62;

- Impressora HP Officejet R65, adquirida por €729,49;

- Compaq DP EP PIII 6500 10GB 128MB CO/W, adquirido por €1.488,16;

- PC AMD Durom 600-64MB RAM-HD 10GB, modem 56kb + Monitor 15” + Impressora Lexmark Z11, adquirido por €1.047,48;

- Impressora LaserJet 1000w, adquirida por €199,00;

- Monitor Samsung 151S, adquirido por € 290,00;

- UPS Mustek, adquirida por €139,80;

- UPS APC BR1000i, adquirida por €295,00;

- PC HP Compaq D330MT, adquirido por €908,86;

- Router ZYXEL ADSL PTR650H-31, adquirido por €148,75;

- Impressora de Etiquetas Zebra 2844PS, adquirida por €500,00;

- PC portátil ACER AS 3614 LMI, adquirido por €699,36;

- Central Telefónica GIGASET PT, adquirida por € 447,21;

- Multifunções HP Officejet 4315, adquirida por €49,10.

7. (quesito 6) O que obriga a autora a substituir tais equipamentos, que haviam sido por si adquiridos entre 1995 e 2007 e se destinavam ao normal funcionamento da sua actividade.

8. (quesito 7) Ficou ainda danificado um agitador tintométrico da marca FAST, que obrigou a reparação e deslocação por parte da empresa G (...) Lda., que importou na quantia de €398,40.

9. (quesito 8) Ficou ainda danificado um agitador tintométrico da marca COROB, que obrigou a reparação e deslocação por parte da empresa C (...) SL, que importou na quantia de €947,74.

10. (quesito 9) Os equipamentos referidos em 6., 8. e 9. foram atingidos por uma sobretensão, na sequência da falta de neutro do ramal de abastecimento referida em 2., o que lhes causou os danos referidos em 6. a 9.

11. (quesito 10) A 1.ª ré é a entidade concessionária da Rede Nacional de Distribuição e das redes em Baixa Tensão na quase totalidade dos municípios portugueses.

12. (quesito 11) Para o exercício da sua actividade, a 1.ª ré mantém instaladas diversas estruturas, nomeadamente, linhas eléctricas aéreas e subterrâneas, armários de distribuição e postos de transformação.

13. (quesito 12) À data referida em 2. e 15., as redes de baixa e de média tensão, de que é subsidiária a instalação da autora, achavam-se em condições normais de exploração, dentro do tempo de vida útil, sendo objecto de acções sistemáticas de vigilância e de manutenção e encontravam-se devidamente vistoriadas e licenciadas pela Direcção Geral de Energia, do Ministério da Indústria e Energia.

14. (quesito 13) A interrupção do condutor do neutro do ramal de abastecimento foi detectada pelos trabalhadores da 1.ª ré no dia 18 de Novembro de 2008.

15. (quesito 14) E ficou a dever-se à interrupção do condutor do neutro que faz parte do cabo da baixada trifásica que abastece as instalações da autora.

16. (quesito 15) A interrupção do condutor do neutro deveu-se a um corte a que foi submetido o cabo eléctrico na descida do poste, por acção humana. Os 2.ºs réus ((…)) dedicam-se ao arranjo de jardins e, dias antes, procederam a trabalhos de corte dos arbustos e sebes que contornam a residência vizinha.

17. (quesito 16) O cabo de baixa tensão da 1.ª ré encontrava-se instalado de acordo com as melhores regras da arte e a sua presença era evidente face à proximidade do poste.

18. (quesito 17) A interrupção do condutor do neutro é susceptível de gerar desequilíbrios das tensões.

19. (quesito 18) A autora possui nas suas instalações aparelhos que protegem os equipamentos eléctricos contra falhas de corrente e, complementarmente, estabilizam pequenas variações de tensão.

20. (quesito 20) A ré (…) apenas realizou trabalhos de jardinagem na Rua do Comércio, Leitões, Mira, na manhã do dia 15 de Novembro de 2008.

21. (quesito 21) Os trabalhos referidos em 20. consistiram em cortar/aparar as sebes da casa de (…)

22. (quesito 23) O réu (…) desenvolve a actividade de exploração florestal após o seu horário de trabalho e aos fins-desemana, comprando árvores que posteriormente revende por inteiro ou depois de transformadas em lenha, corta e apara todo o tipo de árvores, arbustos e sebes, a pedido dos seus clientes.

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade da sentença.

- Alteração da matéria de facto.

- Danos da A., imputáveis à 1ª ré ou aos 2ºs réus.

 

2. Defende a recorrente que a sentença recorrida ao decidir não aplicar a legislação da defesa do consumidor, por entender que “não se provou que a autora destinasse a energia eléctrica a uso não profissional”, se pronunciou sobre uma questão de que não podia tomar conhecimento, o que implica a sua nulidade, nos termos do art. 668º, nº 1, al. d), do CPC (versão anterior ao NCPC).

Nada de mais incorrecto.

Em tal artigo, número e alínea, 2ª parte, que se conecta com o disposto no art. 660º, nº 2, 2ª parte, do mesmo código, dispõe-se que a sentença será nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Questões, segunda a lição de Lebre de Freitas (em CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 3. ao referido 668º, pág. 704/705) são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas, incluindo as excepções de conhecimento oficioso, de modo que ao juiz é vedado conhecer causas de pedir não invocadas, nem de excepções, na exclusiva disponibilidade das partes, ou pedidos não deduzidos. Ora, na sentença recorrida conheceu-se da causa de pedir invocada pela A. – a sobretensão eléctrica na rede de distribuição de electricidade da R. que causou os danos nos equipamentos da A. e lhe gerou prejuízos - e do pedido deduzido pela mesma A. Não há, assim, nenhuma nulidade.

O que se passa é que a A. tinha, na p.i., sustentado a sua pretensão em diverso corpo de leis, em normas do CC (o art. 509º), na Lei dos Serviços Públicos Essenciais (a L 24/96 de 31.7) e na Lei de Defesa do Consumidor (a L 23/96, de 26.7) e, na decisão recorrida, afastou-se a aplicabilidade de tal lei na seguinte passagem “A autora sustenta, na petição inicial, que ao contrato em questão se aplica o regime da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de defesa do consumidor).

Esse diploma contém normas especiais, que derrogam as regras gerais do Código Civil em matéria de obrigações e responsabilidade contratuais, quando esteja em causa uma relação de consumo.

Todavia, a aplicação desse regime especial pressupõe que os sujeitos do contrato sejam um vendedor profissional (pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios) e um comprador consumidor (pessoa a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional) – cf. o n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96.

Ora, no caso dos autos, provou-se que a 1.ª ré celebrou o contrato no exercício da sua actividade profissional distribuidora de energia eléctrica (cf. o facto n.º 11), mas não foi alegado nem se provou que a autora destinasse a energia eléctrica a uso não profissional. Note-se que nem todos os clientes da EDP são consumidores, recaindo sobre a autora o ónus de alegar e provar os factos necessários a concluir pela aplicabilidade do regime específico de protecção dos consumidores – o que não fez.

Em face do exposto, é de concluir pela inaplicabilidade do regime vertido na Lei n.º 24/96”.

Ou seja, não estando o julgador sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nos termos do art. 664º do CPC, o mesmo afastou a aplicação de um certo direito ao caso em análise, o que não equivale, como explicado, ao conhecimento de uma questão de que não podia conhecer. Improcede, esta parte do recurso.       

3. (…)

Desta sorte, julga-se procedente, parcialmente, a impugnação da matéria de facto deduzida passando o facto 16. a ter a seguinte redacção (a negrito, e passando o que constava na sentença, no facto 16., a letra minúscula):

16. (quesito 15) A interrupção do condutor do neutro deveu-se a um corte a que foi submetido o cabo eléctrico na descida do poste, por acção de (…) na execução de um trabalho de cortar arbustos a mando dos 2ºs RR (…)Os 2.ºs réus ((…)) dedicam-se ao arranjo de jardins e, dias antes, procederam a trabalhos de corte dos arbustos e sebes que contornam a residência vizinha.

4.1. A A. nas suas alegações de recurso e no que respeita à fundamentação jurídica limita-se a repetir o que disse na p.i., citando as mesmas leis avulsas e seus artigos e a mesma norma do código civil. É como se tivesse ignorado, olimpicamente, a fundamentação jurídica constante da sentença recorrida, referente à R. EDP, o que é inaceitável.

Na sentença recorrida exarou-se, acerca da eventual responsabilidade de tal R. que:

“No caso concreto, uma vez que existia entre a autora e a 1.ª ré o contrato de fornecimento de energia eléctrica supra mencionado e que a danificação dos equipamentos da autora resultou de uma falha de corrente, mais propriamente, da falta de neutro (cf. os factos provados n.ºs 2, 3, 6 a 10 e 15), sem dúvida que estamos no domínio da responsabilidade contratual – responsabilidade da 1.ª ré perante a autora, sua cliente.

(…)

Uma vez que os artigos 562.º e seguintes do Código Civil regem a obrigação de indemnizar em si mesma, independentemente da fonte de onde procede, são os mesmos relevantes para definir os pressupostos da responsabilidade contratual: o incumprimento, a ilicitude, a culpa, o prejuízo sofrido pelo credor e o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo.

Um desses requisitos merece um especial destaque – a culpa. Isto porque, no domínio da responsabilidade contratual, há uma presunção legal de culpa do devedor. Essa presunção pode ser elidida pelo devedor, provando que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (cf. o n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil). (…)

5. Importa também ter em conta que ao contrato em questão se aplica o regime da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho (Lei dos serviços públicos essenciais).

Esse diploma contém normas especiais, que derrogam as regras gerais do Código Civil em matéria de obrigações e responsabilidade contratual, quando esteja em causa o fornecimento de um serviço público essencial.

Como já acima se referiu, a alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 23/96 estipula que o serviço de fornecimento de energia eléctrica é um serviço público essencial, regendo-se pelas normas aí expressamente previstas, de protecção do utente.

Assiste, assim, razão, à autora, quanto à aplicação desse diploma ao caso dos autos.

Com interesse para as questões concretamente suscitadas, importa reter as seguintes normas da Lei n.º 23/96: o artigo 7.º estipula que “a prestação de qualquer serviço deverá obedecer a elevados padrões de qualidade, neles devendo incluir-se o grau de satisfação dos utentes, especialmente quando a fixação do preço varie em função desses padrões”, e o n.º 1 do artigo 11.º determina que “cabe ao prestador do serviço a prova de todos os factos relativos ao cumprimento das suas obrigações e ao desenvolvimento de diligências decorrentes da prestação dos serviços a que se refere a presente lei”.

6. À relação contratual entre a autora e a 1.ª ré aplicam-se ainda os vários instrumentos legais que regem o fornecimento e distribuição de energia eléctrica.

A 1.ª ré, na medida em que exerce a actividade de distribuição de electricidade, em regime de concessão de serviço público (cf. os artigos 38.º e 42.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto), é interveniente no sistema eléctrico nacional e, consequentemente, é responsável por assegurar a exploração e manutenção da rede de distribuição em condições de segurança, fiabilidade e qualidade de serviço, de acordo com os padrões estabelecidos no Regulamento da Qualidade de Serviço – cf. o n.º 1 e a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º, o artigo 31.º, a alínea a) do n.º 2 do artigo 35.º e o artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro, que estabelece as bases gerais da organização e funcionamento do sistema eléctrico nacional, e as bases gerais aplicáveis ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade.

O Regulamento da Qualidade de Serviço foi aprovado pelo Despacho n.º 12917 – A/2000, de 23 de Junho, e foi revisto pelo Despacho n.º 2410 A/2003, de 5 de Fevereiro, e pelo Despacho n.º 5255/2006, de 8 de Março.

Esse Regulamento estabelece os padrões mínimos de qualidade, de natureza técnica e comercial, a que deve obedecer o serviço prestado pelas entidades do sistema eléctrico nacional de Portugal continental, aplicando se, designadamente, ao fornecimento de energia eléctrica [cf. o artigo 1.º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º].

O artigo 9.º do Regulamento prevê que “os operadores da rede de transporte e das redes de distribuição são responsáveis perante os clientes ligados às redes pela qualidade de serviço técnica” (n.º 1), devendo “manter vigilância sobre a evolução das perturbações nas respectivas redes” (n.º 2).

Estipula o n.º 1 do artigo 14.º do mesmo diploma que “o fornecimento de energia eléctrica, bem como a prestação do serviço de transporte e de distribuição, podem ser interrompidos por: a) casos fortuitos ou de força maior; b) razões de interesse público; c) razões de serviço; d) razões de segurança; e) facto imputável ao cliente; f) acordo com o cliente”.

O artigo 18.º fixa padrões individuais de qualidade relativos à continuidade de serviço, cujo incumprimento gera a obrigação de indemnizar (cf. o n.º 1 do artigo 49.º), excepto se for um caso fortuito ou de força maior [cf. a alínea a) do n.º 1 do artigo 54.º].

Estipulam os n.ºs 2 a 4 do artigo 37.º do Regulamento que os operadores das redes de distribuição, sempre que tenham conhecimento da ocorrência de avarias na alimentação individual de energia eléctrica dos clientes, devem iniciar a sua reparação no prazo máximo de três a cinco horas (dependendo do tipo de cliente e da zona), contando-se esse prazo desde as 8 horas da manhã seguinte, quando a comunicação da avaria tenha sido feita durante a noite (entre as 24 e as 08.00 horas).

Dispõe o n.º 3 do artigo 2.º desse diploma que dele se excluem as “situações de incumprimento dos padrões de qualidade originadas por casos fortuitos ou de força maior”, ou seja, de acordo com o n.º 4, “os que reúnam as condições de exterioridade, imprevisibilidade e irresistibilidade, nomeadamente, os que resultem da ocorrência de greve geral, alteração da ordem pública, incêndio, terramoto, inundação, vento de intensidade excepcional, descarga atmosférica directa, sabotagem, malfeitoria e intervenção de terceiros devidamente comprovada”.

Acrescenta o n.º 5 do artigo 2.º que “os procedimentos a observar pelos operadores da rede de transporte e das redes de distribuição, quando ocorram casos fortuitos ou de força maior, constam do Anexo I do presente Regulamento, que dele faz parte integrante”. O ponto 3.1 desse Anexo 1 fixa as normas a observar quando ocorram casos fortuitos ou de força maior, para o registo de incidentes de natureza técnica, nele se prevendo o seguinte: “os casos fortuitos ou de força maior estão excluídos do RQS, para efeitos de aferição do cumprimento dos padrões, gerais ou individuais, de qualidade de serviço de natureza técnica e de pagamento de compensações (…); os incidentes nas redes de transporte e de distribuição só podem ser registados como tendo sido originados por casos fortuitos ou de força maior quando esteja claramente identificada, justificada e comprovada a sua causa”.

Importa ainda referir que impõe a lei à EDP (1.ª ré) a obrigação de fornecer energia eléctrica em baixa tensão a qualquer interessado que a requisite, devendo a tensão da corrente ser fixada em 220 V/380 V, com a tolerância de 8% para mais ou para menos (cf. os artigos 10.º e 9.º da Portaria n.º 148/84, de 15 de Março). Daqui decorre que sobre a 1.ª ré impendia a obrigação de fornecer à autora energia no respeito pelos parâmetros normais e adequados ao seu funcionamento, parâmetros esses que estão estabelecidos na lei.

7. Tendo presente o enquadramento normativo do contrato estabelecido entre a autora e a 1.ª ré, voltemos aos factos provados. Provou-se que houve uma falha no fornecimento de energia eléctrica, mais propriamente, uma interrupção do condutor do neutro que faz parte do cabo da baixada trifásica que abastece as instalações da autora, devido a um corte a que foi submetido o cabo eléctrico na descida do poste – cf. os factos provados n.ºs 2, 3, 14, 15, 16 (1.ª parte) e 18.

(…)

Temos, assim, uma situação de interrupção do fornecimento de energia eléctrica causada por um corte do cabo que abastece as instalações da autora, por acção de uma pessoa …

Estamos perante uma intervenção de terceiro qualificada expressamente pelo n.º 4 do artigo 2.º do Regulamento da Qualidade de Serviço como caso fortuito.

Mesmo que não estivesse expressamente contemplado no elenco de situações do n.º 4, sempre seria de considerá-lo caso fortuito, face às características exteriores, imprevisíveis e irresistíveis do evento.

Efectivamente, provou-se que as redes de baixa e de média tensão, de que é subsidiária a instalação da autora, achavam-se em condições normais de exploração, dentro do tempo de vida útil, sendo objecto de acções sistemáticas de vigilância e de manutenção e encontravam-se devidamente vistoriadas e licenciadas pela Direcção Geral de Energia, do Ministério da Indústria e Energia; que o cabo de baixa tensão da 1.ª ré se encontrava instalado de acordo com as melhores regras da arte e a sua presença era evidente face à proximidade do poste; que a autora se apercebeu da falta de energia em 17.11.2008; que a autora contactou a 1.ª ré para que procedesse à reparação da avaria; que a 1.ª ré enviou o piquete de avarias ao local, detectou a interrupção do neutro (provocada por corte do cabo junto ao poste, por acção humana) e repôs o abastecimento de energia eléctrica – cf. os factos provados n.ºs 2, 4, 5, 13, 14, 17.

Nestas circunstâncias, sem dúvida que estamos perante um evento cujas condições de exterioridade, imprevisibilidade e irresistibilidade levam à sua qualificação como caso fortuito.

Note-se, ainda, que também do ponto de vista do estipulado no ponto 3.1 do Anexo 1 ao Regulamento nada obsta à qualificação do evento como caso fortuito, pois trata-se de um incidente na rede de distribuição com causa identificada, justificada e comprovada.

Como já acima se referiu, o n.º 3 do artigo 2.º do Regulamento prevê que dele se excluem as “situações de incumprimento dos padrões de qualidade originadas por casos fortuitos ou de força maior”.

Em sintonia, a alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do mesmo diploma prescreve que, nesse caso, pode haver interrupção do serviço de distribuição de energia eléctrica, e a alínea a) do n.º 1 do artigo 54.º acrescenta que, nesse caso, o cliente não tem direito a ser compensado pelos prejuízos que tiver sofrido.

8. A solução a que chegámos não é diferente se tivermos em conta os pressupostos do dever de indemnizar previstos no Código Civil, acima mencionados.

A responsabilização da 1.ª ré dependeria de se concluir pela existência de:

a) incumprimento contratual – sendo à 1.ª ré que incumbe provar o cumprimento das suas obrigações e o desenvolvimento de diligências decorrentes da prestação dos serviços (cf. o n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 23/96);

b) danos;

c) nexo de causalidade;

d) culpa – sendo à 1.ª ré que incumbe provar que o incumprimento não decorreu de culpa sua (cf. o n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil);

Na situação em apreço, sem dúvida que estamos perante um caso de incumprimento contratual por parte da 1.ª ré, pois provou-se que esta se obrigou contratualmente para com a autora a fornecer-lhe energia eléctrica e provou-se que houve uma falha nesse fornecimento, por interrupção do condutor do neutro – cf. os factos provados n.ºs 1 a 3, 11, 12, 14, 15 e 16.º (1.ª parte).

Também não oferece dúvidas que se verificaram danos, consistentes na avaria de vários equipamentos eléctricos e electrónicos pertencentes à autora – cf. os factos provados n.ºs 6 a 9.

Igualmente se revela incontroverso que existe um nexo de causalidade entre esses danos e a falha no fornecimento de energia eléctrica – cf. Os factos provados n.ºs 2, 3, 6 a 10, 15, 16.º (1.ª parte) e 18.

Todavia, essa falha não é imputável, nem objectiva nem subjectivamente imputável à 1.ª ré.

Efectivamente, do ponto de vista objectivo, provou-se que a interrupção do condutor do neutro se deveu a um corte a que foi submetido o cabo eléctrico na descida do poste, por acção humana … Ou seja, não se provou que tenha sido por acção da ré que a falha de corrente ocorreu. E também não se provou que essa falha se tenha devido à omissão de deveres de vigilância ou manutenção, por parte da 1.ª ré (pelo contrário, provou-se que a 1.ª ré cumpriu esses deveres – cf. os factos n.ºs 13 e 17).

Do ponto de vista subjectivo também não é possível imputar o facto danoso à 1.ª ré. Pelas razões que acima se explicaram, impendia sobre a 1.ª ré o ónus de provar que a interrupção do fornecimento de energia eléctrica à autora não resultou de culpa sua. E a 1.ª ré conseguiu elidir a presunção de culpa que sobre si recaía.

Efectivamente, a 1.ª ré alegou e logrou provar que as redes de baixa e de média tensão, de que é subsidiária a instalação da autora, achavam-se em condições normais de exploração, dentro do tempo de vida útil, sendo objecto de acções sistemáticas de vigilância e de manutenção e encontravam-se devidamente vistoriadas e licenciadas pela Direcção Geral de Energia, do Ministério da Indústria e Energia; que o cabo de baixa tensão da 1.ª ré se encontrava instalado de acordo com as melhores regras da arte e a sua presença era evidente face à proximidade do poste; que após contacto da autora, a 1.ª ré enviou o piquete de avarias ao local, detectou a interrupção do neutro (provocada por corte do cabo junto ao poste, por acção humana) e repôs o abastecimento de energia eléctrica – cf. os factos provados n.ºs 2, 4, 5, 13, 14, 17.

Ficou, pois, suficientemente demonstrado que a interrupção verificada foi devida a actuação de terceiro (consubstanciando-se num dos casos apontados como fortuitos, desculpantes do não fornecimento de energia), que o cabo estava em boas condições de funcionamento, instalado de acordo com as exigências técnicas vigentes, do mesmo modo instalada a rede de transporte da energia eléctrica, não sendo previsível que a falha de energia pudesse ocorrer, considerando as circunstâncias fácticas em que a mesma se desenvolveu.

Tais factos provados permitem concluir que a 1.ª ré agiu com zelo e diligência de um “bom pai de família” e que a falha de energia se deveu a caso fortuito. Não há dúvidas que quer antes quer depois da interrupção, a 1.ª ré teve uma conduta diligente e zelosa, já que, no “antes” alegou e demonstrou o desenvolvimento de um conjunto de medidas associadas a prevenção, manutenção e reparação dos equipamentos, de modo a que a energia chegasse às instalações da autora no respeito pelas normas e parâmetros e que regulam e disciplinam o fornecimento da energia eléctrica; e no “depois”, verificada a falha de energia provocada por corte do condutor do neutro, no cabo do ramal de abastecimento, a ré teve uma actuação igualmente diligente e rápida (não se tendo, designadamente, provado factos que permitam concluir ter havido violação dos tempos máximos de início da reparação previstos nos n.ºs 2 a 4 do artigo 37.º do Regulamento da Qualidade de Serviço).

Nestas circunstâncias, em que se prova que a falha ou avaria no fornecimento de energia eléctrica se deveu a caso fortuito ou acção de terceiro e a EDP assumiu todos os procedimentos técnicos para evitar a falha de energia eléctrica deve considerar-se elidida a presunção de culpa no incumprimento, causador de danos aos clientes (cf., entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto proferidos no processo n.º 0051670, em 05.02.2001, e no processo n.º 0750172, em 19.03.2007, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferidos …no processo n.º 5492/04.6TVLSB.L1-6, em 26.11.2009, e no processo n.º 146/08.7TVLSB.L1-7, em 29.06.2010, bem como o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo n.º 944/06.6TBGRD.C2, em 12.04.2011 todos disponíveis para consulta no sítio de internet www.dgsi.pt).

Aliás, mesmo que não se tivesse apurado a causa concreta da interrupção do fornecimento de energia eléctrica, sempre seria de afastar a responsabilidade da 1.ª ré pelos danos sofridos pela autora, face à prova da diligência com que aquela actuou, antes e depois de a interrupção ocorrer.

Como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n.º 08A1262, em 01.07.2008 (disponível para consulta no sítio de internet www.dgsi.pt), quando se ignore concretamente a causa da falha ou avaria, não parece razoável imputá-la à conduta culposa da EDP, mesmo a título de culpa presumida, se houver prova de que agiu com a diligência, cautela e zelo devidos no caso concreto, quer antes da falha ou avaria, mantendo a rede em boas condições de conservação e operacionalidade, quer posteriormente, actuando logo que avisada do problema com a normal e exigível diligência (devendo considerar-se elidida a presunção de culpa prevista no n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil).

Assim, o incumprimento contratual da 1.ª ré, embora existente, não lhe pode ser assacado, ficando afastada a obrigação de indemnizar em termos de responsabilidade contratual.

Deve, assim, a 1.ª ré ser absolvida do pedido.

9. Já vimos que os factos em causa nos autos configuram uma situação de responsabilidade contratual. Contudo, ainda que se entendesse que o presente caso é de responsabilidade extracontratual, sempre seria de concluir pela inexistência do dever de indemnizar, por parte da 1.ª ré.

Quanto à aplicação do n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil (que regula o desenvolvimento de actividades de natureza perigosa), a realidade factual provada nos autos afastaria a presunção de culpa prevista nessa norma, atendendo à causa e à imprevisibilidade da ocorrência, bem como à diligência exigível à 1.ª ré, verificada.

Por sua vez, quanto à aplicação do regime vertido no artigo 509.º do Código Civil, também a responsabilização, agora sem culpa (pelo risco), se mostraria excluída, pois no caso concreto não só ficou demonstrada a observância do regulamentarmente exigido para a condução da energia eléctrica e o seu bom estado de funcionamento, como também se provou a existência de uma causa exterior, geradora da perturbação verificada, afastando, assim, o dever de o distribuidor indemnizar os danos provocados pela interrupção do fornecimento de energia eléctrica”.

Perante esta fundamentação de direito, proficuamente desenvolvida e aprofundada, com chamada à colação de todas as normas pertinentes – apenas se impõe corrigir que a citada a) do nº 2 do art. 5º do DL 29/2006 se refere ao nº 3 e não ao nº 2 - e impecavelmente correcta, tendo em conta os factos apurados, nada há a censurar à mesma, pelo que a ela aderindo se mantém tal decisão.   

4.2. Cabe apurar, agora, se os factos provados permitem responsabilizar os RR/chamados pelos prejuízos sofridos pela A.

Obviamente que não está em causa o incumprimento de um qualquer contrato celebrado entre a A. e os aludidos RR, pelo que estes só podem responder por via do regime da responsabilidade extracontratual.

De acordo com o art. 483º, nº 1, do CC, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

Segundo a lição de Antunes Varela (CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 3. a tal artigo, pág. 444), são constitutivos da responsabilidade civil subjectiva os seguintes elementos: o facto voluntário do agente; a ilicitude; a imputação do facto ao lesante; o dano; o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

No caso concreto, a A. provou a existência de prejuízos patrimoniais (danificação de equipamentos eléctricos e electrónicos, conforme factos provados 6. a 9.), mais provando que a interrupção do condutor do neutro se deveu à acção de terceira pessoa na execução de um trabalho de cortar arbustos a mando dos 2ºs RR (cfr. os factos provados 2., 3., 10., 15. a 18.), assim se provando o nexo de causalidade entre o facto danoso e a acção de tal terceira pessoa na execução de um trabalho a mando de tais RR, bem como a respectiva culpa.

Devem, por isso, os mesmos RR ser responsabilizados objectivamente como comitentes, nos termos do art. 500º, nº 1 e 2, do CC, já que o (…), pessoa que executou o trabalho de cortar arbustos a mando dos RR, é comissário e responsável pelos danos causados, tendo o facto danoso sido praticado no exercício da função confiada a tal comissário. Devendo, por isso, tais RR indemnizar a A. pelos prejuízos sofridos por esta, a coberto dos arts. 562º a 564º, nº 1, e 566º, nº 1 e 2, do CC.

Em que montante total, eis a pergunta a fazer ?

Quanto aos equipamentos referidos nos factos 8. e 9. o montante a indemnizar é o da reparação, no valor de 1.346,14 € (947,74 + 398,40).

Mas quanto aos equipamentos referidos no facto 6. o caso muda de figura. Ficou provado que os mesmos ficaram danificados e sem possibilidade de reparação. Ficou, ainda, provado que a danificação dos mesmos obriga - no quesito estava a palavra “obriga” e tal quesito teve a resposta de provado, mas na sentença, nos factos provados, escreveu-se “obrigou”, por lapso certamente, pois a forma do verbo é diferente, mas não indiferente ao que significaria, lapso que rectificámos - a A. a substituir tais equipamentos que haviam sido por si adquiridos entre 1995 e 2007 (facto 7.).

No quesito 5) correspondente ao facto provado 6. avançava-se os valores de tais equipamentos avariados, irreparáveis e carecidos de substituição, mas na resposta ao quesito deu-se antes uma resposta restritiva ficando provado apenas o valor de aquisição de tais equipamentos.

Como se viu os equipamentos foram adquiridos entre 1995 e 2007, tendo ficado estragados em Novembro de 2008.

Ora, é evidente que aquele preço de aquisição não corresponde exactamente ao valor dos equipamentos avariados, no momento da avaria, pois o seu valor foi diminuindo, desde a data da aquisição, com o decurso do tempo e com o seu uso. Nem corresponde ao valor de equipamentos novos de substituição, pois alguns dos equipamentos novos poderão ser mais caros, embora tudo aponte para que a generalidade deles serão mais baratos, porque a tendência dominante dos equipamentos eléctricos e electrónicos é de descida gradual do preço. Esta foi a explicação lógica, racional e compreensível dada pela testemunha (…), empresário da área informática e gerente de uma firma da área das tecnologias, explicação que consta da decisão da matéria de facto na motivação ao aludido quesito 5) - (a fls. 145). O que interessa, por conseguinte é apurar o valor dos equipamentos à data da avaria e permitir a respectiva substituição. Valor que pode ser perfeitamente apurado, por técnicos da área de informática, inclusive com recurso aos conhecimentos de tal testemunha (…), pelo que tal apuramento terá de ficar para liquidação de sentença (art. 661º, nº 2, do CPC = art. 609º, nº 2, do NCPC).

5. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC = art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) A dúvida sobre a realidade de um facto que se resolve contra a parte a quem o facto aproveita, como dita o art. 516º do CPC, tem de ser uma dúvida séria e sólida aos olhos de observador exigente e analista sagaz e experiente;

ii) Provado que a R. EDP deixou de fornecer energia à A. nos termos contratualmente estabelecidos, compete-lhe provar que esse incumprimento objectivo não derivou de culpa sua, pois só assim ilidirá a presunção de culpa que sobre ela impende, fixada no art. 799º, nº 1, do CC;

iii) Terá, assim, de provar que agiu de forma diligente, que desenvolveu esforços para realizar a prestação devida, que foi cauteloso e usou do devido zelo em face das circunstâncias concretas do caso, isto é que não foi negligente;

iv) Provado, pela EDP, que o cabo estava em boas condições de funcionamento, instalado de acordo com as exigências técnicas vigentes, e que as redes de transporte da energia eléctrica estavam em condições normais de exploração, sendo vigiadas e objecto de manutenção e devidamente assinaladas, não sendo previsível que a avaria pudesse ocorrer, pode-se concluir que ilidida foi a presunção de culpa;

v) Considerando, no que concerne ao fornecimento da energia, que no caso concreto ficou demonstrado que a interrupção do fornecimento de energia à A. foi devida a actuação de terceiro, e como tal comprovada, consubstancia-se um dos casos apontados como fortuitos ou de força maior, desculpante do não fornecimento de tal energia;

vi) Provado que a interrupção de energia e o subsequente “pico de tensão” que danificou os equipamentos da A. foi provocado pela danificação do cabo junto ao poste de electricidade onde estava instalado o ramal de fornecimento de energia à A., cabo danificado por uma pessoa na execução de um trabalho de corte de arbustos, encostados ao referido poste, trabalho efectuado a mando dos 2ºs RR, estes respondem objectivamente como comitentes, devendo indemnizar os prejuízos que foram provocados nos equipamentos da A.

 

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente, parcialmente, o recurso, revogando-se, parcialmente, a decisão recorrida, e, em, consequência, condena-se os chamados RR Fernando António Nunes dos Santos e Maria Manuela dos Santos Tavares a pagar à A. o montante de 1.346,14 €, acrescido do montante que se vier a liquidar em sentença, até ao máximo de 9.646,44 €.

*

Custas pelos RR/chamados quanto ao valor já liquidado, e por A. e mesmos RR em função da proporção do vencimento/decaimento do valor que se vier a apurar em liquidação.

*Coimbra, 10.2.2015

Moreira do Carmo ( Relator )

 Fonte Ramos

Maria João Areias