Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
23607/19.8YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: COMPRA E VENDA DE BENS DEFEITUOSOS
DEFEITOS PARCIAIS
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
BOA-FÉ
REDUÇÃO DO PREÇO
EQUIDADE
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE PORTO DE MÓS DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 227.º, 428.º, N.º 1, 566.º, N.º 3, 762.º, N.º 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I) No caso de compra e venda de bens com defeitos, o comprador pode exercer a excepção de não cumprimento do contrato com vista a eximir-se à obrigação do pagamento do preço.

II) Porém, no caso de os defeitos apenas se registarem em parte dos bens vendidos, a excepção deve ser exercida proporcionalmente relativamente ao preço dos bens que apresentem defeitos.

III) Não sendo determinável a proporção dos bens em que se registam os defeitos e, por isso, a proporção do preço em relação à qual poderia exercer-se a excepção, deve fixar-se equitativamente a redução do preço em 50%.

Decisão Texto Integral:





            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I…, S.A., apresentou procedimento de injunção que prosseguiu como acção declarativa, dada a oposição que lhe foi deduzida,  sob a forma de processo comum, contra a ré, B… S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 44.034,40, abrangendo capital, juros de mora vencidos, despesas com a cobrança, taxa de justiça, e ainda juros vincendos, alegando o fornecimento de vários produtos siderúrgicos, que especifica, relativamente a cada uma das facturas a que alude, actividade a que se dedica, que a ré aceitou.

A ré deduziu oposição, aceitando o fornecimento de tais produtos, mas alegando a existência de defeitos no material vendido, designadamente um vinco longitudinal a 150 mm do topo do painel, que as chapas apresentam riscos acrescidos, aspecto “martelado” e a cor dos painéis já se alterou devido à exposição solar, em função do que invocando a exceção de não cumprimento, pugna pela sua absolvição do pedido, enquanto as chapas não forem substituídas por parte da requerente.

Respondendo, a autora, alegou que a ré apenas suscitou a existência de defeitos relativamente a três painéis, constantes da factura n.º 2018/1725, não podendo excepcionar o incumprimento relativamente às demais facturas.

O eventual defeito, que não aceita, apenas surge “numa pequena parte” da ora mencionada factura, do que a ré se aproveita para excepcionar o cumprimento relativamente a todos os fornecimentos efectuados e que ascendem a 42.722,81 €, o que viola a boa fé negocial e adequação e a proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção, pelo que, a ser provada tal excepção, o valor a reter nunca poderá ser superior a 10% do valor da factura n.º 2018/1725, sob pena de abuso de direito.

Impugna a veracidade dos factos em que a ré suporta a excepção de não cumprimento do contrato.

Teve lugar a audiência prévia, na qual se proferiu despacho saneador tabelar e se fixou o objecto do litígio e temas da prova, sem reclamação.

Pela autora foram apresentados 16 documentos.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, no início da qual foi admitida a redução do pedido requerida pela autora, no montante de € 1.252,80, a que respeita a nota de débito n.º 2017/51 referida no requerimento de injunção e finda a mesma foi proferida a sentença de fl.s 83 a 90, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência,

A) Condena-se a ré a pagar à autora:

a) € 24.868,95 (vinte e quatro mil oitocentos e sessenta e oito euros e noventa e cinco cêntimos), a título de capital;

b) € 1.528,98 (mil quinhentos e vinte e oito euros e noventa e oito cêntimos), a título de juros de mora vencidos até 06/03/2019 (data da apresentação do requerimento de injunção);

b) Juros de mora comerciais vencidos e vincendos, desde 06/03/2019 até integral pagamento.

e) € 40,00 (quarenta euros), a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida;

A) Absolve-se a ré do restante pedido.

Custas processuais pela autora e pela ré, na proporção dos respetivos decaimentos.”.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a autora I…, SA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 112), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

(…)

Colhidos os vistos legais, há que decidir.    

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se existe erro de escrita relativamente ao valor da factura n.º 2018/2110, que é de 10.969,41 € e não o referido na sub-alínea h), da alínea A), dos factos provados (3.898,80 €);

(…)

C. Se, sendo a parte afectada pelos defeitos de 7,94%, se impõe não uma total eliminação do preço, mas sim a sua redução segundo juízos de equidade, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, sob pena de a ré enriquecer à custa da autora, o que é abusivo e contrário aos princípios da boa fé.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

A) No exercício da atividade comercial de ambas, a autora entregou à ré, mediante prévias encomendas desta, os seguintes produtos siderúrgicos:

a) Painel cobertura 3 ondas Esp. 100MM, cinza ral 7012/BR_ CHAPA 0.45/0.4MM, a que corresponde a fatura n.º 2018/1310, datada de 19/02/2018, com vencimento no dia 20/05/2018, no valor de € 10.492,53;

b) Painel cobertura 3 ondas Esp. 100MM, cinza ral 7012/BR_ CHAPA 0.45/0.4MM; aguas em chapa, a que corresponde a fatura n.º 2018/1493, datada de 23/02/2018, com vencimento no dia 24/05/2018, no valor de € 4.631,88;

c) Chapa bobine 0,60 x 770 7012 c/ filme e enrolação perfeita 90 mts, a que corresponde a fatura n.º 2018/1537, datada de 27/02/2018, com vencimento no dia 28/05/2018, no valor de 544,58;

d) Chapa bobine 0,45 x 770 7022 42x5000x0770, a que corresponde a fatura n.º 2018/1639, datada de 02/03/2018, com vencimento no dia 31/05/2018, no valor de € 979,39.

e) Painel fachada Esp. 40MM, cinza ral 7022/BR_ Arquitectónico, larg. 600, Irmapf600, liso, junta aberta, a que corresponde a fatura n.º 2018/1725, datada de 06/03/2018, com vencimento no dia 04/06/2018, no valor de € 7.127,37;

f) cumieira superior recortada de 2 aguas em chapa lacada 0.6 cinza ral 7012 P/ Irmater 17x3150 – desenho 1; Remate superior de cobertura em chapa lacada 0.6 cinza ral 7012 P/Irmater 29x3150 – desenho 2; Topos em chapa lacada 0.6 cinza ral 7012 P/Irmater 90x1000 – desenho 3; Remate superior de cobertira em chapa lacada 0.6 cinza ral 7012 P/Irmater 6x3150 – desenho 4;Cumieira superior recortada de 2 aguas em chapa lacada 0.6 cinza ral 7012 P/Irmater 11x3150 – desenho 5; Remate superior de cobertura em chapa lacada 0.6 cinza ral 7012 P/Irmater 32/3150 – desenho 6; Topos em chapa lacada 0.6 cinza ral 7012 P/Irmater 90x1000 – desenho 7;Cumieira superior recortada de 2 aguas em chapa lacada 0.6 cinza ral 7012 P/Irmater 7x3150 – desenho 8;Topos em chapa lacada 0.6 cinza ral 7012 P/Irmater 40x1000 – desenho 9; Remate superior de cobertura em chapa lacada 0.6 cinza ral 7012 P/Irmater 14x3150 – desenho 10, a que corresponde a fatura n.º 2018/1839, datada de 09/03/2018, com vencimento no dia 07/06/2018, no valor de € 2.340,76;

g) Painel fachada esp. 40MM branco ral 9010/BR arquitetónico, largura 600, IRMAPF600, liso, junta fechada, a que corresponde a fatura n.º 2018/1845, datada de 09/03/2018, com vencimento no dia 07/06/2018, no valor de €1.097,26;

h) Painel cobertura 3 ondas Esp. 100MM, cinza ral 7012/BR_ CHAPA 0.45/0.4MM, 8x5210; Painel cobertura 3 ondas Esp. 100MM, cinza ral 7012/BR_ CHAPA 0.45/0.4MM, 32x5110, a que corresponde a fatura n.º 2018/2110, datada de 20/03/2018, com vencimento no dia 18/06/2018, no valor de € 3.898,80;

i) Painel cobertura 3 ondas Esp. 100MM, cinza ral 7012/BR_ CHAPA 0.45/0.4MM, 1x3293, 1x3290, 7x2631; Painel cobertura 3 ondas Esp. 100MM, cinza ral 7012/BR_ CHAPA 0.45/0.4MM, 30x5210; Painel cobertura 3 ondas Esp. 100MM, cinza ral 7012/BR_ CHAPA 0.45/0.4MM, 30x5210, Painel cobertura 3 ondas Esp. 100MM, cinza ral 7012/BR_ CHAPA 0.45/0.4MM, 20x2671, 1x2563, 1x3305,1x2671; Painel cobertura 3 ondas Esp. 100MM, cinza ral 7012/BR_ CHAPA 0.45/0.4MM, 2x2720, 2x3770,3x4850,10x77702x8945, a que corresponde a fatura n.º 2018/2122, datada de 20/03/2018, com vencimento no dia 18/06/2018, no valor de € 8.448,87;

j) Painel cobertura 5 ondas Esp. 40MM, branco ral 9010/BR_ IRMAPENTA CHAPA 0.4/0.4MM, junta oculta, 2 filmes, a que corresponde a fatura n.º 2018/2885, datada 18/04/2018, com vencimento no dia 17/07/2018, no valor de € 3.117,69;

[artigos 1.º e 2.º do requerimento de injunção e 1.º e 2.º da oposição].

B) A autora emitiu a nota de crédito 2018/67, datada de 05/04/2018, no montante de € 1.305,82, com a descrição “desconto acordado com o cliente referente a reclamações diversas S/AS FAT. Nº 1310, 1493, 1537, 1539, 1725 e 1839/2018” [artigo 2.º do requerimento de injunção].

C) Uma parte das chapas a que correspondem as faturas n.os 2018/1725 e 2018/1845 (identificadas na alínea A), subalíneas e), g)) apresentam vincos e ondulações, com aspeto “martelado” [artigos 9.º e 19.º da oposição, ressalvando o conteúdo do ponto 2 dos factos não provados].

D) A ré deu conhecimento imediato à autora acerca da existência dos vincos e ondulações mencionados na alínea C), detetados de maio de 2018, com a remoção da película protetora que os painéis dispunham [artigo 12.º da oposição].

E) A autora aceitou substituir os painéis referidos na alínea C) [artigos 15.º, 18.º e 21.º da oposição].

b) Factos não provados

1. Todos os painéis apresentavam um vinco longitudinal a 150mm do topo do painel [artigos 6.º e 7.º da oposição]

2. A cor dos painéis sofreu alterações devido à exposição solar [artigo 9.º da oposição, ressalvado o conteúdo da alínea C) dos factos provados].

3. A troca integral de todos os painéis é a única solução possível para substituir os painéis referidos na alínea C) dos factos provados [artigo 10.º da oposição].

4. Os painéis apresentavam ondulação provocada pelo manuseamento da ré [artigo 7.º do requerimento de injunção].

5. O administrador da autora, no dia 27 de julho de 2018, afirmou que não assumiria a desmontagem e montagem dos novos painéis [artigo 22.º do articulado de resposta às exceções].

6. A ré aceitou que a autora procedesse à substituição de três painéis e referiu que, posteriormente, comunicava à autora datas para a montagem [artigos 8.º do requerimento de injunção e 22.º do articulado de resposta às exceções].

7. A autora suportou despesas com contactos telefónicos com a ré e com o envio de cartas no montante de € 250,00 [artigo 10.º do requerimento de injunção]

A. Se existe erro de escrita relativamente ao valor da factura n.º 2018/2110, que é de 10.969,41 € e não o referido na sub-alínea h), da alínea A), dos factos provados (3.898,80 €).

No que a esta questão respeita, refere a recorrente que, por lapso, indicou que o valor da mencionada factura era de 3.898,80 €, quando o seu valor real e que da mesma consta ascende a 10.969,41 € e só computando este real valor, se chega ao total do valor pedido.

A ré, nas contra-alegações, nada refere quanto a tal.

Em A-h), dos factos provados consta que o valor da factura n.º 2018/2110, é de 3.898,80 €.

A referida factura encontra-se junta a fl.s 46 dela constando, efectivamente, que o respectivo valor ascende a 10.969,41 €.

Consequentemente, corrige-se o valor que consta em A-h), dos factos provados, passando a dela constar que o valor da referida factura é de 10.969,41 €.

Passando tal sub-alínea a ter a seguinte redacção:

“h) Painel cobertura 3 ondas Esp. 100MM, cinza ral 7012/BR_ CHAPA 0.45/0.4MM, 8x5210; Painel cobertura 3 ondas Esp. 100MM, cinza ral 7012/BR_ CHAPA 0.45/0.4MM, 32x5110, a que corresponde a fatura n.º 2018/2110, datada de 20/03/2018, com vencimento no dia 18/06/2018, no valor de h) Painel cobertura 3 ondas Esp. 100MM, cinza ral 7012/BR_ CHAPA 0.45/0.4MM, 8x5210; Painel cobertura 3 ondas Esp. 100MM, cinza ral 7012/BR_ CHAPA 0.45/0.4MM, 32x5110, a que corresponde a fatura n.º 2018/2110, datada de 20/03/2018, com vencimento no dia 18/06/2018, no valor de 10.969,41 €.”.

C. Se, sendo a parte afectada pelos defeitos de 7,94%, se impõe não uma total eliminação do preço, mas sim a sua redução segundo juízos de equidade, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, sob pena de a ré enriquecer à custa da autora, o que é abusivo e contrário aos princípios da boa fé.

No que a esta questão concerne, defende a recorrente que a eliminação/redução do preço, relativamente aos painéis defeituosos, não pode ser total, porque os defeitos se verificam em apenas 30 metros quadrados de painéis, que em cerca de 400 metros quadrados, se cifram em 7,94%, devendo reduzir-se o preço, nessa proporção, segundo juízos de equidade.

Como vimos, na sentença recorrida considerou-se existirem fundamentos para que se julgasse procedente a excepção de não cumprimento, relativamente à obra em que foram aplicados os painéis com defeito, em face do que se absolveu a ré do pedido, na sua totalidade, no que respeita a tais fornecimentos (facturas n.º 2018/1725 e 2018/1845).

Como resulta do antes exposto, as partes não questionam a existência e relevância da excepção de não cumprimento por parte da ré, no que a tais fornecimentos respeita, pelo que não incumbe reapreciar tais questões.

Apenas nos é pedido que se fixe o âmbito em que a excepção de não cumprimento pode relevar; ou seja, se conduz à absolvição total do pedido ou a uma redução do mesmo, tendo em conta a extensão dos defeitos.

Como resulta do disposto no artigo 428.º, n.º 1, do Código Civil:

“Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para, o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.

No caso em apreço, cf. alínea C), dos factos provados, demonstrou-se que “uma parte das chapas” em questão, apresentam os defeitos nela descritos.

Desconhece-se, pois, em concreto, a real extensão dos defeitos, sendo certo que não se demonstrou nem que se reduzam a 30 metros quadrados, como defendia a autora, nem que seja toda a área, ou a maior parte, dos painéis aplicados, como alegou a ré.

Do que resulta que se desconhece a amplitude dos defeitos, sem que se saiba, ao certo, qual a proporção em que tal se verifica, por comparação com a totalidade da obra efectuada.

Assim, importa, definir qual a consequência da falta da cabal demonstração de tal facto na decisão a proferir. Concretamente, se a ré deverá ser (como decidido na 1.ª instância) totalmente absolvida do pedido, ou se deve reduzir-se tal condenação na proporção dos defeitos demonstrados.

A nossa doutrina é unânime em defender que a excepção de não cumprimento se tem de nortear e adequar ao princípio da boa fé, que deve nortear as partes contraentes no cumprimento das obrigações assumidas, quer no sentido de que a invocação de tal excepção “pressupõe a existência de um incumprimento minimamente grave”, quer no sentido de que no caso de  cumprimentos parciais ou defeituosos “a exceptio deverá ser invocada proporcionalmente à qualidade/quantidade do incumprimento, sob pena de estarmos perante um exercício abusivo ou de cairmos no … ecesso di legittima difesa” – cf. José Carlos Brandão Proença, in Lições De Cumprimento E Não Cumprimento Das Obrigações, Coimbra Editora, 2011, a pág.s 149/151.

Também P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág. 381, defendem que a exceptio “vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227.º e 762.º, n.º 2”.

No mesmo sentido propugna Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso … Almedina, pág.s 329/330, ao referir que “A exceptio non rite adimpleti contractus deve ser invocada tendo em conta o princípio da boa fé. Daí que o comprador e o dono da obra não possam excepcionar o pagamento do preço em montante sobremaneira superior ao valor do direito que pretendam exigir”.

João Cura Mariano in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 2015, 6.ª Edição Revista e Aumentada, a pág.s 165/6, defende que o dono da obra “pode suspender o pagamento duma parte, proporcional à desvalorização provocada pela existência de defeitos, enquanto estes não tenham sido eliminados, ou não tenha sido realizada nova obra, ou o dono da obra não tenha sido indemnizado dos prejuízos sofridos”.

Acrescenta que “A determinação dessa proporcionalidade deve ter como critério de referência aquele que foi indicado para apurar o valor de redução do preço da obra, por defeitos não supridos.

Porém, utilizando esse critério uma ponderação entre o preço acordado, o valor objectivo da obra com defeitos e o valor ideal da obra, à data da sua aceitação, e não se encontrando esses elementos, na maior parte das vezes, entre os factos apurados, sendo certo que os dois últimos se revelam de difícil concretização, pode o julgador recorrer a um puro juízo de equidade para determinar qual a parte do preço que é proporcional à desvalorização da obra que resulta dos defeitos que apresenta, aplicando-se, analogicamente, o disposto no art.º 566.º, n.º 3, do C. Civil. Apesar de não se defender a possibilidade de recurso a juízos de equidade a todos os domínios de intervenção dos ditames da boa-fé, este específico juízo de proporcionalidade exige ponderações que se movem no campo da indeterminação e que só podem ser extrapoladas do caso concreto, a que só a equidade consegue muitas vezes dar resposta, sendo certo que o seu resultado é apenas uma mera suspensão da exigência da prestação acordada”.

No mesmo sentido, pode, ainda, ver-se José João Abrantes in A Excepção de não cumprimento, pág.s 105/110, que, igualmente, defende que para se invocar a dita excepção tem de “haver uma ofensa mínima ao contrato” e que o seu alcance “deve ser proporcionado à gravidade da inexecução”, como reflexo do equilíbrio sinalagmático da relação contratual em causa.

Também a nível jurisprudencial vem sendo entendido que no caso de incumprimento parcial, o alcance da excepção de não cumprimento do contrato deve ser proporcional à gravidade da inexecução, o que só poderá implicar uma recusa parcial por parte do credor, sempre conforme aos ditames da boa-fé.

Neste sentido, entre outros, podem ver-se os Acórdãos do STJ, de 16/05/2019, Processo n.º 106503/16.1YIPRT.P1.S1; 08/06/2010, Processo n.º 135/07.9YIPRT.P1.S1 e de 04/02/2010, Processo n.º 4913/05.5TBBNG.P1.S1, todos disponíveis no respectivo sítio do itij.

Volvendo ao caso em apreço, atento a que se desconhece qual a área total dos painéis fornecidos, bem como o respectivo número e, igualmente, se desconhece qual a área e/ou número dos painéis defeituosos, impossível se torna determinar qual a proporção dos painéis com defeito, dado que, como acima já se referiu, apenas se provou que “uma parte das chapas”, apresenta defeitos.

Pelo que, não nos resta outra alternativa que não seja a de recorrer a regras de equidade, cf. artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.

Este preceito remete a fixação dos danos, referindo que o tribunal os deve fixar “dentro dos limites que tiver por provados”.

Mesmo estes “limites” são desconhecidos, uma vez que não se determinou qual a parte das chapas que apresentam defeitos. Em teoria, podem ir de 1% a 99%, pelo que não nos resta outra decisão que não a de, salomonicamente, a fixar em metade do valor dos painéis fornecidos para a obra em causa.

Conforme alínea A), e) e g), a factura n.º 2018/1725, ascende ao valor de 7.127,37 € e a n.º 2018/1845, ascende a 1.097,26 €, no total de 8.224,63 €, pelo que será lícito à ré pagar apenas metade de tal cifra; ou seja, por este fornecimento, a ré tem a pagar à autora a quantia de 4.112,32 €.

Consequentemente, quanto a esta questão procede, parcialmente, o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, em função do que se altera a decisão recorrida, na parte em que absolveu a ré do pedido, relativamente às facturas n.º 2018/1725 e 2018/1845, substituindo-a por outra que determina, quanto a ela, a condenação da ré a pagar à autora a quantia de 4.112,32 € (quatro mil cento e doze euros e trinta e dois cêntimos);

Mantendo-a, quanto a tudo o mais nela decidido e tendo, ainda, em conta a correcção do erro de escrita acima analisado.

As custas do presente recurso, ficam a cargo da apelante e da apelada, na proporção de metade, para cada uma delas.

Coimbra, 09 de Novembro de 2021.