Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2650/08.8TBCLD-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
VALOR
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
VENDA EXECUTIVA
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, ALCOBAÇA, INSTÂNCIA CENTRAL – 1.ª SECÇÃO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 816.º, N.º 2 E 821.º, N.º 3 DO NCPC
Sumário: 1. A venda de um bem, na modalidade de negociação particular, pode ser autorizada por valor inferior ao indicado no artigo 816.º, n.º 2, do NCPC, desde que garantidos os interesses das pessoas/entidades indicadas no artigo 821.º, n.º 3 do mesmo diploma.

2. A defesa dos interesses de todos os intervenientes e interessados acima referidos, mormente dos executados e demais credores, ao autorizar a venda por um preço inferior ao anunciado para a venda, terá de resultar, casuisticamente, da ponderação de diversos factores “tendo conta, designadamente, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a forma como a conjuntura económica evolui, as qualidades do bem e consequentes potencialidades da sua venda, o interesse manifestado pelo mercado, a eventual desvalorização sofrida, valores de mercado da zona, e quaisquer outros elementos que devam ser levados em conta para um bom juízo acerca da aceitação da(s) oferta(s) havidas.”

3. Ora, no caso em apreço, estamos em presença de uma venda que já se arrasta desde Novembro de 2013 em que, na modalidade de venda por negociação particular - adotada na sequência da frustração da venda por abertura de propostas por falta de proponentes -, foi apresentada uma única proposta de aquisição e por montante superior ao valor patrimonial tributário determinado no ano de 2014. Considerando estes factos, conjugados com a notória conjuntura nacional no mercado imobiliário, conclui-se que a venda por um valor inferior ao publicitado no art. 816º nº2 do NCPC não viola os interesses patrimoniais dos demais credores e dos executados, sendo, por isso, de autorizar.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

No decurso da execução comum para pagamento de quantia certa que A... , SA, move a B... B... , L.da e a C... e D... , já todos identificados nos autos, foi penhorado o seguinte imóvel:

“Prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptível de utilização independente, composto de r/c com 8 divisões e 1.º andar com 1, sito na Rua (...) , freguesia e concelho de Caldas da Rainha, inscrito na respectiva matriz sob o artigo E... 31 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha sob o n.º 1407/19970429.”.

Foi anunciada a bem deste bem, mediante proposta em carta fechada, referindo-se o valor base de 713.371,62 € e como valor da venda o de 606.365,88 €.

Realizada a diligência de abertura de propostas, em 07 de Novembro de 2013, não foi apresentada qualquer proposta de aquisição, na sequência do que se determinou que se procedesse à venda do referido imóvel por negociação particular.

Conforme caderneta predial urbana do prédio em referência, junta a fl.s 6, o respectivo valor patrimonial para efeitos do CIMI foi determinado, no ano de 2014, em 339.531,35 €.

Oportunamente, em sede de reclamação de créditos, o E... , SA, reclamou créditos no valor de 499.360,14 €, com fundamento em beneficiar de hipoteca sobre o bem penhorado e ordenado vender.

Já no âmbito da venda por negociação particular, veio o ora credor-reclamante, E... , em 15 de Novembro de 2013, apresentar uma proposta de aquisição do mesmo, oferecendo o montante de 485.400,00 €.

De tal notificados, os executados, em 03 de Dezembro de 2013, vieram opor-se a que a venda fosse realizada por tal montante, com o fundamento em que o valor anunciado para a venda por propostas em carta fechada foi de 606.365,88 €, sendo o oferecido inferior, o que não é admissível e porque o valor do mesmo é “substancialmente mais elevado”.

Consta, ainda, da decisão recorrida, sem que os recorrentes o hajam impugnado, o seguinte:

“Notificados, os executados vieram por requerimento de fls. 244 manifestar a discordância quanto à aceitação de tal proposta, mais informando que estavam a diligenciar pela venda do mesmo junto de uma imobiliária pelo valor de €650.000,00. Para tanto, juntou cópia de contrato de mediação imobiliária.

Tal contrato data de 21 de Março de 2014.

Por requerimento de fls. 236, de 28 de Janeiro de 2015, os executados reiteraram aquela discordância, requerendo a realização de perícia para aferir do valor de mercado do imóvel.

Até ao momento os executados não comunicaram aos autos a existência de qualquer proposta de aquisição do imóvel, decorrente do contrato de mediação imobiliária pelos mesmos abordado.

O certo é que, entretanto, decorreu um ano.

Para além disso, os executados não procederam ao pagamento dos encargos necessários para a realização da perícia, motivo pelo qual esta ficou sem efeito.

O Sr.º SE informou os autos da inexistência de outras propostas, para além daquela que acima se faz menção, mais mencionando que não se opõe à apresentação desta última, uma vez que as condições depressivas do mercado imobiliário estão a dificultar a venda do imóvel.”.

 

Conforme decisão aqui junta de fl.s 7 a 9, o Tribunal a quo autorizou que a ordenada venda por negociação particular podia ser efectuada por valor inferior ao estatuído no n.º 2 do artigo 815.º CPC, com os seguintes fundamentos:

“O bem em causa constitui um prédio urbano correspondente a casa para habitação composta por de r/c com oito divisões, uma cozinha, seis casas de banho, casa de máquinas, uma churrasqueira, uma garrafeira, uma garagem e logradouro e primeiro andar com divisão. Possui uma área total de 4.654.6700m2 e uma área bruta de construção de 734,2300m2, sito na Rua (...) , Caldas da Rainha. O ano de inscrição na matriz remonta a 1999.

Para este bem não foram apresentadas propostas em carta fechada.

Até ao momento, o Sr.º SE não detectou interessados na aquisição desse bem.

Até ao momento os próprios executados não comunicaram a existência de interessados na aquisição desse bem.

A proposta apresentada pelo E... , S.A foi a única até ao momento. Essa proposta é superior ao valor tributário fixado pela Autoridade Tributária, este último fixado no ano de 2014.

Este bem subsiste por vender pelo menos desde Novembro de 2013.


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A venda por negociação particular é uma das modalidades de venda prevista no processo executivo, visando a satisfação dos interesses do credor.

Esta modalidade é adoptada quando se fruste a venda por abertura de propostas por falta de proponentes, como sucedeu no caso dos autos.

In casu, a venda por negociação particular foi determinada em sede de abertura de propostas em carta fechada.

A fixação do valor base na venda por negociação particular é necessária e obrigatória, tal como em qualquer outra modalidade de venda, tomando também em apreço o disposto no art. 816º do CPC.

No entanto, se na sequência de frustração da venda por abertura de propostas em carta fechada, o valor base não for atingido por uma nova proposta, já no âmbito da negociação particular, essa proposta deve ser apreciada no caso concreto.

Assim, e volvendo ao caso dos autos, não pode ser despiciendo que a proposta aquisitiva apresentada pelo E... , S.A. foi a única até ao momento e que a mesma ultrapassa o valor tributário fixado.

Efectivamente, não pode este Tribunal descurar os seguintes factores:

a) O período de tempo já decorrido para a realização da venda.

b) Não surgiram proponentes em sede de abertura de propostas por carta fechada.

c) Pese embora as aparentes boas condições de habitabilidade do prédio urbano, este não é já um imóvel novo.

d) O interesse manifestado pelo mercado, sendo certo que proposta alguma surgiu para além daquela, e os próprios executados que informaram ter diligenciado por promover a venda junto de agência imobiliária, não transmitiram a existência de melhor proposta até ao momento. Ademais, argumento algum invocaram e prova alguma juntaram para demonstrar que o valor de mercado do dito imóvel é superior ao valor tributário.

e) O Sr.º SE não recebeu propostas de aquisição e sublinhou que as condições depressivas do mercado dificultam a venda do imóvel.

f) É do conhecimento geral e notório que a evolução da conjuntura económica provocou, em larga medida, a estagnação do mercado imobiliário e, assim, a aquisição de imóveis.


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Existem hoje decisões de Tribunais superiores que preconizam a possibilidade de, em sede de venda por negociação particular, não ser necessário atender ao valor imposto pelo nº2 do art. 816º do CPC. Ou seja, há apenas a obrigação de fixar um valor base mas a venda poderá ser feita por valor inferior não só a tal valor mas também aos 85%, desde que a venda seja autorizada pelo Tribunal (assim Ac. TRL de 06.11.2013, proc. nº 30888/09.3T2SNT.L1-8).

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Em face do que vimos de expender, sempre balizando os critérios acima expostos, ou seja, o tempo entretanto decorrido; o facto de não terem sido apresentadas propostas superiores quer na fase de abertura de propostas por carta fechada, quer até ao presente momento; a notória conjuntura nacional no mercado imobiliário e, sobretudo, o facto da proposta apresentada pelo E... , S.A. ser superior ao valor tributário calculado pela Autoridade Tributária em 2014, somos de concluir que a venda por um valor inferior ao publicitado no art. 816º nº2 do CPC não indicia inconveniente na realização da mesma, possibilitando a garantia e a defesa proporcional no sacrifício e na concretização dos interesses patrimoniais das partes.

Por conseguinte, autoriza este Tribunal que a venda por negociação particular possa ser efectuada por valor inferior ao estatuído no nº2 do art. 815º do CPC, pertencendo ao Sr.º SE proferir decisão de aceitação ou de não aceitação da proposta apresentada, tal como aludimos supra.”.

           

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os executados C... e D... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 54), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

33 - Foi ordenada a venda do imóvel identificado como Prédio Urbano correspondente a casa para habitação composta por um r/c com oito divisões, uma cozinha, seis casas de banho, casa de máquinas, uma churrasqueira, uma garrafeira, uma garagem, e logradouro e primeiro andar com divisão, com uma área total de4.654.6700m2 e uma área bruta de construção de 734.2300m2 sita na Rua (...) em Caldas da Rainha, inicialmente por proposta em carta fechada, por referência ao valor base de 713.371,62 Euros, com valor a anunciar para venda de 85% do valor base ou seja 606.365,88 Euros, conforme dispõe o artigo 816.º n.º 2 da Lei 41/2013 de 26 de Junho.

34 – Tendo, no entanto, na data e hora agendadas para a abertura de propostas em carta fechada, ficado a praça deserta, sem a apresentação de propostas.

35 – E veio então a venda a ser promovida por negociação particular.

36 – Sendo que o credor reclamante, E..., S.A. veio apresentar uma proposta de adjudicação para si pelo montante de 485.400,00 Euros.

37 – À apresentação da proposta do credor reclamante os executados manifestaram a sua não aceitação por oposição a tal proposta, por não poderem aceitar, de modo algum, o valor avançado pela credora, por o imóvel ter de facto um valor de mercado bastante superior, e tendo inclusive a credora reclamante procedido à avaliação do mesmo e a indicação de valor, na faze de venda por proposta em carta fechada, com o valor base no montante de 713.371,62 Euros.

38 – E uma vez que tal valor não é suficiente para pagar toda a dívida garantida pelas hipotecas de que o credor reclamante é titular por reclamação de créditos deduzida nos presentes autos no valor de 499.360,14 Euros.

39 - Têm necessariamente os recorrentes, executados que discordar em absoluto do despacho de que se recorre, que aceitou a proposta de adjudicação do bem penhorado pelo valor de 485.400,00 Euros, cerca de 68% do valor base, em sede de venda por negociação particular, com a argumentação da Meritíssima Juíza do Tribunal a quo de que a venda por valor inferior ao publicado no artigo 816.º n.º 2 do C.P.C. não indica inconveniente na adjudicação ao E... Credor, e mais diz que possibilita a garantia e a defesa proporcional no sacrifício e na concretização dos interesses patrimoniais das partes, o que de todo se discorda.

40 – Devendo o mesmo vir a ser rejeitado, revogando-se a mesma, vindo a venda a ser concretizada por referência ao valor base de 713.371,62 Euros, com valor a anunciar para venda de 85% do valor base ou seja 606.365,88 Euros, conforme dispõe o artigo 816.º n.º 2 da Lei 41/2013 de 26 de Junho.

41 – Ficando assim os executados com a certeza de que a totalidade dos valores garantidos ao E... credor lhe são na íntegra pagos e que este não mais tomará a instância executiva para lhe exigir qualquer outro valor, pois o garante do pagamento é o imóvel de que o E... credor se serviu para se garantir, como tal que se pague na íntegra por ele.

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão do Tribunal de 1.ª Instância ser alterada, conduzindo à alteração do despacho da Meritíssima Juíza de Direito do Tribunal a quo.

Devendo o mesmo vir a ser rejeitado, revogando-se a decisão de que se recorre, concretizando-se a entrega do imóvel ao credor E... , S.A. por referência ao valor base de 713.371,62 Euros, com valor a anunciar para venda de 85% do valor base ou seja 606.365,88 Euros, conforme dispõe o artigo 816.º n.º 2 da Lei 41/2013 de 26 de Junho, com a garantia de que os recorrentes vêm o pagamento integral ao E... Credor, com a certeza de que o capital mutuado e a totalidade dos juros vencidos ficarão totalmente pagos.

Como sempre, farão Vossas Excelências, serena e objectiva Justiça.

Contra-alegando, o recorrido E... , pugna pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos respectivos fundamentos, designadamente que no caso de venda por negociação particular não se faz na lei, qualquer referência ao valor mínimo de venda, para que seja possível vender o bem por valor abaixo do fixado, sob pena de se cair em situações em que o bem nunca seria vendido.

Cita, em abono de tal tese, o Acórdão da Relação do Porto, de 29/04/2008.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigo 635, n.º 4 e 639.º, n.º1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se pode ser autorizada a venda de um bem, na modalidade de negociação particular, por um valor inferior ao indicado no artigo 816.º, n.º 2, do NCPC.

A matéria de facto a ter em conta para a apreciação do recurso é a que consta do relatório que antecede.

Se pode ser autorizada a venda de um bem, na modalidade de negociação particular, por um valor inferior ao indicado no artigo 816.º, n.º 2, do NCPC.

Como resulta do exposto, circunscreve-se o objecto do presente recurso à questão de saber se frustrada a venda de um bem mediante propostas em carta fechada, determinando-se, por isso, que se proceda à venda por de negociação particular, ainda assim, se mantém a obrigatoriedade de o bem não poder ser vendido por preço inferior ao fixado no artigo 816.º, n.º 2, do NCPC.

Este Código, inicia a regulamentação da venda em processo de execução, na denominada Subsecção V, Divisão I – Disposições gerais (que, por isso, tendencialmente, se aplicarão a todas as modalidades da venda ali previstas), com o artigo 811.º, no qual se definem as modalidades da venda permitidas.

Conforme o seu n.º 1, al.s a) e d), entre estas, prevêem-se a venda mediante propostas em carta fechada e por negociação particular.

Sendo que, conforme se prevê no seu n.º 2, se estipula quais as regras previstas para a venda mediante propostas em carta fechada que são aplicáveis às restantes modalidades da venda, designadamente, por negociação particular.

Ainda no âmbito da regulamentação genérica da venda em processo executivo, importa ter em linha de conta o disposto no artigo 812.º, n.os 2 e 3, segundo os quais, se deve indicar o valor base dos bens a vender, que corresponde ao maior no confronto entre o valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efectuada há menos de seis anos e o valor de mercado.

Já no âmbito da venda mediante propostas em carta fechada, cf. artigo 816.º, n.º 2, do NCPC, determina-se que o valor a anunciar para a venda é igual a 85% do valor base dos bens.

Frustrada, como se frustrou a venda mediante propostas em carta fechada, partiu-se para a modalidade da venda por negociação particular, tal como preceitua o artigo 832.º, al. d), do NCPC.

Pelo que a questão que se coloca é a de saber se, também, na venda por negociação particular, ainda se impõe que o preço da venda respeite o limite mínimo fixado para a venda mediante propostas em carta fechada.

Se é certo que, como já referido, nos termos do artigo 812.º, n.º 2, al. b), mesmo no caso de venda por negociação particular, deve ser indicado o valor base dos bens a vender, já não é de transpor para esta modalidade da venda, o que se acha disposto no artigo 816.º, n.º 2.

Efectivamente, como acima, também, já referido, no artigo 811.º, n.º 2, NCPC, em que se determinam quais as normas que visam a venda mediante propostas em carta fechada, que são aplicáveis às demais modalidades da venda, não se prevê a limitação do valor mínimo da venda, a que se alude no supra citado artigo 816.º, n.º 2, sendo certo que se o legislador pretendesse que assim fosse, bastaria ali incluir tal intenção, o que não fez.

E não o terá feito porque a venda por negociação particular é, por regra, uma situação de recurso a que se lança mão depois de frustrada a venda mediante propostas em carta fechada, tal como decorre do disposto no artigo 832.º do NCPC e em que se visa, numa segunda oportunidade, obter a venda do bem.

Não obstante, há que ter em linha de conta que nos termos do disposto no artigo 821.º, n.º 3, se estabelece a regra de só devem ser aceites propostas de valor inferior ao indicado no artigo 816.º, n.º 2, desde que exequente, executado e todos os credores com garantia real nisso consintam/acordem.

Daí que se possa ponderar a possibilidade da venda de um bem, por negociação particular, por valor inferior ao referido no citado artigo 816.º, n.º 2, desde que garantidos os interesses das pessoas/entidades indicadas no referido artigo 821.º, n.º 3.

Como referem Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes in CPC Anotado, Vol. 3.º, Coimbra Editora, Setembro de 2003, a pág.s 601 e 602 (em anotação ao artigo 905.º do CPC, que corresponde ao actual 833.º):

“Se o valor-base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efectuadas pelo agente de execução, corresponde ao valor de mercado do bem; nem faria sentido que, quando o agente de execução é encarregado da venda ou escolha da pessoa que a fará, lhe cabesse baixar o valor-base dos bens, com fundamento na dificuldade em o atingir. O juiz conserva, pois, o poder, que já tinha (…), de autorizar a venda por preço inferior ao valor-base.”.

A defesa dos interesses de todos os intervenientes e interessados acima referidos, mormente dos executados e demais credores, ao autorizar a venda por um preço inferior ao anunciado para a venda, terá de resultar, casuisticamente, da ponderação de diversos factores “tendo conta, designadamente, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a forma como a conjuntura económica evolui, as qualidades do bem e consequentes potencialidades da sua venda, o interesse manifestado pelo mercado, a eventual desvalorização sofrida, valores de mercado da zona, e quaisquer outros elementos que devam ser levados em conta para um bom juízo acerca da aceitação da(s) oferta(s) havidas.” – como se refere no Acórdão da Relação do Porto, de 24 de Setembro de 2015, Processo n.º 1951/12.5TBVNG.P1, disponível no respectivo sítio da dgsi.

Em idêntico sentido, o Acórdão da mesma Relação de 29/04/2008 (citado nas contra-alegações) Processo n.º 0822725 e os da Relação de Lisboa, de 06/11/2013 (referido na decisão recorrida) Processo n.º 30888/09.3T2SNT.L1-8 e de 18/06/2015, Processo n.º 5940/10.6T2SNT-B.L1-6, disponíveis nos respectivos sítios da dgsi.

Ora, no caso em apreço, como se salienta na decisão recorrida, estamos em presença de uma venda que já se arrasta desde Novembro de 2013; se frustrou a venda mediante propostas em carta fechada; o “arrefecimento” do mercado imobiliário; a ausência de outras propostas de aquisição e que se trata de valor superior ao valor patrimonial tributário determinado no ano de 2014, pelo que não vislumbramos que a autorização da venda efectuada pelo preço oferecido pelo credor reclamante viole os interesses dos demais credores e dos executados, sendo, por isso, de manter a decisão recorrida.

A não ser assim, correr-se-ia o risco ou de não conseguir vender o bem ou de o mesmo vir, ainda, a ser transaccionado por um valor inferior, face ao grau de depreciação decorrente do passar do tempo e do desinteresse que possa vir a ser manifestado por outros eventuais interessados (e que, até ao momento, ainda não apareceram) resultante do arrastar da situação que, apenas, poderá conduzir a uma intenção dos interessados em o adquirir, cada vez mais, por um preço inferior.

Em suma e em conclusão, improcedem todas as razões e argumentos para que o recurso em apreço possa ter sucesso.

Assim, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas, pelos apelantes, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhes possa ter sido concedido nos autos.

            Coimbra, 16 de Dezembro de 2015.

Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves