Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1669/18.5T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ALCOOLEMIA
SEGURADORA
DIREITO DE REGRESSO
NEXO DE CAUSALIDADE
RECURSO
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO
Data do Acordão: 01/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. ART.19 DL Nº 525/85 DE 31/12, ART.27 DO DL Nº 291/2007 DE 21/8, ARTS.349, 351, 563 CC, 640 CPC
Sumário: I - O não cumprimento, nem nas conclusões, nem no corpo das alegações, dos requisitos do artº 640º do CPC, implica a liminar rejeição do recurso sobre a matéria de facto.

II - Perante o disposto na al. c) do nº1 do artº 27º do DL 2007 de 21.08, a seguradora não tem de provar a relação causal direta entre o estado etílico e o sinistro, bastando-lhe provar que o acidente resultou de causa culposa do condutor e que este tinha taxa de álcool ilícita no sangue, o que faz presumir – causalidade indireta – que aquela causa decorreu, exclusiva ou concorrentemente, da alcoolémia.

III - De igual sorte, clausulando-se num contrato de seguro de vida que uma taxa de álcool superior à legal exclui a responsabilidade da seguradora, provada ela, ademais de grande valor – 2,39g/L -, tal responsabilidade, por acordo das partes, fica, pela simples verificação de tal taxa, excluída; e inexistindo dever da demandada em provar o nexo causal direto da mesma para com o sinistro, antes impendendo sobre o lesado, para se eximir à mesma, a prova de que o acidente ocorreu por facto que nada tem a ver com o grau de alcoolémia.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A (…), por si e na qualidade de representante legal do seu filho menor M (.instaurou contra O (…), S.A. e  B (…), SA., acção declarativa, de condenação, com processo comum.

Alegou:

Que assinou, bem como o seu falecido marido, um mútuo com o 2º R., que lhe apresentou uma proposta de seguro de vida associado ao crédito, sem lhes ter entregue as cláusulas do contrato de seguro que estavam a subscrever, nem lhes tendo sido explicadas as cláusulas gerais e especiais do mencionado seguro, nomeadamente as exclusões, sendo a respetiva cláusula nula.

Que o marido contratante faleceu na sequência de acidente de viação, recusando-se a R. O (…) a liquidar ao 2º R. o crédito que o mesmo segurava, sendo o R. Banco responsável por ter sido quem contratou com a A. e marido o contrato referido.

A cláusula que define a situação de invalidez absoluta e definitiva é nula, por falta dos deveres de prévia e adequada comunicação e do dever de informação, ao abrigo do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25.10.

Pediu.

A condenação da Ré Seguradora:

- a cobrir o risco verificado, sendo obrigada a pagar ao Réu banco o capital em dívida à data do sinistro, para amortização integral dos empréstimos concedidos à Autora e seu então marido, e

- a devolver à Autora as quantias desta recebidas para amortização das prestações devidas, pagas desde a data do sinistro e até à data de entrada da presente ação, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação, e vincendos até integral pagamento, mantendo o demais decidido.

Os réus contestaram.

- A R. O (…) disse que não foi cumprido o prazo de participação do sinistro, e ainda que do relatório de autópsia do falecido consta que era portador de uma TAS de 2,39 g/l, que preenche uma cláusula de exclusão prevista nas condições gerais da apólice, pois a morte resulta de factos decorrentes de embriaguez, não se encontrando coberta pelas garantias de cobertura do contrato de seguro.

- O R. Banco, alegou  que o contrato de seguro foi celebrado num seu balcão, tendo as suas cláusulas sido explicadas à A. e seu falecido marido, nomeadamente as coberturas e exclusões, que a A. e falecido marido aceitaram.

Concluíram pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Respondeu a A., impugnando o nexo de causalidade entre o consumo do álcool e o acidente verificado como causa da morte do falecido marido, concluindo como na petição inicial.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Face ao exposto, julga-se totalmente improcedente, por não provada, a presente acção, absolvendo as Rés O (…), S.A., e o Réu B (…) SA, dos pedidos contra eles formulados pela Autora A (…)

3.

Inconformada recorreram os autores.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1º A culpa do sinistrado terá sempre que ser apreciada, não em relação a um tipo abstracto de comportamento, mas em concreto, caso a caso.

2º Não resulta dos autos e dos factos provados que o acidente se ficou a dever ou que a razão de ser ou explicação do sinistro, a uma conduta negligentemente grosseira por parte do sinistrado.

 3º Desconhece-se, nomeadamente, se e em que medida a taxa de álcool que o Autor apresentava contribuiu para o sinistro.

 4º E se assim é, a sentença enferma pela falta do segundo elemento essencialmente constitutivo da descaracterização, ou seja a exclusividade.

5º É necessário e indispensável provar a existência de um nexo de causalidade entre esse grau de alcoolemia e o acidente.

6º Com toda a certeza e clareza que destes factos não se pode concluir que o acidente se ficou a dever e como causa exclusiva, à TAS de que a vítima era portadora.

7º Ficou-se sem saber qual ou quais os motivos que levaram o sinistrado a perder o controlo do seu veículo, até porque ninguém assistiu ao acidente que poderá ter sido provocado por um sem número de causas totalmente alheias à TAS de que era portador.

8º Desconhece-se se o acidente terá sido provocado por outro veículo, por um animal ou até mesmo por uma causa mecânica que o tivesse provocado.

9º Estes factos não se presumem e era aos Réus/Recorridos que incumbia o respectivo ónus da prova.

10º Não logrou a sua prova, pelo que não pode concluir-se pela descaracterização do acidente com base na existência de negligência grosseira da vítima que fosse causa exclusiva da produção do acidente.

 11º Na verdade, dos factos provados, não é possível concluir que o acidente proveio exclusivamente de negligência grosseira da vítima.

12º E muito embora da matéria provada resulte o estado de alcoolemia em que se encontrava o sinistrado, bem como as eventuais repercussões que o mesmo tinha nas suas capacidades sensoriais, certo é que não foi dado como provado que essa repercussão se postasse como a única e exclusiva causa da perda do domínio do veículo conduzido pelo A. e do consequente despiste.

13º Não resulta dos autos e da sua matéria assente que a verificação do despiste e acidente em causa, se haja ficado a dever a culpa exclusiva da TAS do sinistrado.

14º Não se sabe, por não provado, se o despiste do veículo conduzido pela vítima, se ocorreria na mesma, mesmo que o sinistrado não fosse portador daquela TAS.

15º Como é óbvio, o comportamento do sinistrado, não deixa de ser temerário e negligente.

16º Mas daí a concluir-se que esse comportamento foi causa ou causa exclusiva do acidente, não é legítimo nem resulta dos factos provados.

Ao decidir tal como o fez, a Mª Juíza fez uma incorrecta interpretação dos factos dados como provados e uma incorrecta aplicação do direito aplicável.

Contra alegou a ré ocidental, pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

17. Conforme resulta do MANUAL DO ENSINO DA CONDUÇÃO emitido pelo IMTT “Após a ingestão de bebidas alcoólicas, o processo de absorção inicia-se de imediato e o álcool entra directamente no sistema circulatório, atingindo rapidamente o cérebro, afectando as capacidades cognitivas e perceptivas do condutor, em especial a visão e a audição. Reduz o campo visual, a capacidade de exploração visual, a visão dupla e redução da capacidade de readaptação após encadeamento. Também afecta a capacidade de reacção, aumenta a descordenação motora e a capacidade de avaliação das distâncias, promove a tendência para a sobrevalorização das capacidades e, consequentemente aumenta o risco de acidente”.

18. Em igual sentido aponta o parecer emitido pelo INML quando ali se salienta que “São múltiplos os estudos comportamentais efetuados que provaram inequivocamente a existência de uma relação entre a Taxa de Álcool no Sangue (TAS) e a degradação da capacidade de conduzir. É perfeitamente conhecido que a degradação das funções nervosas superiores provocada pelos estados de intoxicação alcoólica prejudica a capacidade de condução, aumentando, consequentemente, o risco de acidente”.

19. “(…) As perturbações surgem para tarefas que requerem o processamento simultâneo de várias fontes de informação, isto é, o álcool reduz a capacidade para coordenar diversas tarefas. Da deterioração da análise das aferências sensoriais e da organização de respostas motoras resulta pois diminuição do poder de diversificar a atenção, menor capacidade e rapidez de decisão, aumento dos tempos de reação e descoordenação de movimentos (…)”.

 20. O referido PARECER salienta que para o nível da TAS de que o sinistrado era portador, as características para o mesmo seriam as seguintes: “Estadio 3 – “Excitabilidade”, com um intervalo de TAS entre 0,9-2,5 g/l: Instabilidade emocional, perda de juízo crítico; Prejuízo da percepção, memória e compreensão; Diminuição da resposta sensitiva; Aumento dos tempos de reação; Redução da acuidade visual e da visão periférica; Diminuição das capacidades cognitivas e motoras com prejuízo no equilíbrio; Fala arrastada, vómitos e sonolência”.

21. Há, portanto, um nexo de causalidade entre a morte da Pessoa Segura e a embriaguez pelo que as circunstâncias em que ocorreu o acidente encontram-se no âmbito da exclusão prevista no art.º 6°, n.° 1, alí- nea g) das Condições Gerais da apólice e, como tal, a Ré declinou a responsabilidade pela regularização do sinistro.

22. A douta decisão do Tribunal a quo não merece, pois, qualquer tipo de reparo devendo a douta Sentença manter-se in totum.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão  essencial decidenda  é a seguinte:

Procedência da acção.

5.

Apreciando.

Liminarmente.

Os autores, no corpo das suas alegações, insurgem-se contra a decisão sobre a matéria de facto,  parecendo querer ver provados os factos dados como não provados

Neste campo importa ter presente as exigências legais dimanantes, desde logo, do plasmado no preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95, a saber:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

Ademais:

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Nesta senda, estatui o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;»

Assim:

«A rejeição do recurso de apelação a respeito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apenas pode radicar, atendo-nos propriamente ao conteúdo das conclusões, na falta de especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados. Todos os demais elementos legalmente mencionados, em especial no art. 640.º, n.º 1, do CPC – especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados, menção sobre o sentido da decisão pretendido e indicação exacta das passagens da gravação em que o recurso de funda –, apenas se faz indispensavelmente mister que constem da motivação – corpo alegatório – de tal recurso.» - Ac. do STJ de 19.06.2019, p. 7439/16.8T8STB.E1.S1.

 Efetivamente:

«Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões»

A rejeição do recurso quanto à decisão de facto deve verificar-se, para além do mais, nas situações de falta «de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados», tal como de falta «de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação», constituindo, aliás, exigências que «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.» - A. Geraldes  in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, ps. 126 /128.

Os autores, se pretendem insurgir-se contra a decisão sobre a matéria de facto, não cumprem, de todo, estas exigências.

É que, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, indicam os concretos pontos de facto impugnados, os meios probatórios em que se alicerçam para a alteração e o teor desta.

Nesta conformidade esta, pretensa e putativa, pretensão, não pode ser, sequer, apreciada.

Decorrentemente, os factos provados e que urge considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:

1. J (…), falecido a 9 de janeiro de 2016 em consequência de acidente de viação, foi casado com a aqui A., sendo esta, juntamente com o filho menor do desfeito casal M (…), os únicos herdeiros de J (…) – 1º a 4º da PI.

2. O marido, aquando em vida, e a aqui Autora, em 2015, dirigiram-se às instalações do B (…) sitas no (...) , e solicitaram a concessão de um empréstimo no valor de € 51.000,00 para aquisição da sua casa de morada de família – 5º PI.

3. O B (…) concedeu o referido empréstimo, tendo colocado como condição, além do mais, a subscrição pelos mutuários de um Seguro de Vida, figurando a entidade bancária como beneficiária, e que deveria ser celebrado com a Companhia de Seguros O (…) S.A., atualmente Ré – 6º PI.

4. A 4 de Novembro de 2015, a Autora e o seu então marido, assinaram o formulário denominado por “Proposta de Seguro de Vida”, com a Apólice nº (...) , com a Ré, da autoria das Rés – 7º PI.

5. Tendo recebido a 11 Novembro 2015 um Certificado Individual de Seguro com a apólice nº 00061190, com a Modalidade/Produto TAR- Seguro de Vida associado ao Crédito à Habitação, visando como “Cobertura Principal” o dano – Morte – 8º PI.

6. A 9 de Agosto de 2016, a R. O (…) comunicou à A. que declinava a responsabilidade do pagamento do seguro de vida, esclarecendo que, o sinistro estaria excluído tendo remetido em anexo ao ofício com a Refª OCV/SIN/DE 16VR000550, a Apólice GR00061190 as Condições Gerais e Especiais – 11º e 12º PI.

7. Segundo o resultado do relatório da autópsia, a morte do condutor J (…) foi devida “…a lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e torácicas” - 13º PI.

8. Autora e seu então marido sempre liquidaram atempadamente todas as prestações do empréstimo e do seguro que se foram vencendo até à data do sinistro, o que a A. continua a fazer até à presente data - 17º e 18º PI.

9. Na sequência de proposta de adesão subscrita pelos segurados em 4.11.2015, a R. O (…) aceitou e emitiu o contrato de seguro de vida associado ao crédito à habitação contraído pelos segurados junto do R. B (…) certificado (…)3, com o capital inicial seguro de € 51.000,00, respeitante ao seguro de grupo com a apólice GR00061190, em que o tomador de seguro, e  beneficiário irrevogável, é o BCP, com a cobertura de morte ou invalidez total e permanente – 3º a 5º cont. Oc.

10.À data da morte de J (…), o capital seguro era de € 50.952,75 – 6º cont. Oc.

11.Foi remetida a carta de aceitação, o certificado individual e as atas adicionais ao certificado individual para os segurados – 10º cont. Oc.

12.A emissão do contrato de seguro teve por base as declarações prestadas pelos proponentes na proposta de adesão assinada em 4.11.2015, tendo as cláusulas do contrato sido remetidas para a morada contratualmente estabelecida – 9º, 11º, 13º e 14º cont. Oc.

13.A participação do sinistro por óbito do segurado J (…) foi efetuada à R. O (..) em 27.5.2016, junto da sucursal do B (…)de Viseu, esclarecendo-se que tal ocorreu devido a informação prestada por funcionários do  (…) à A., dias após o sinistro, que a participação devia ser acompanhada de relatório de autópsia, tendo este sido disponibilizado dias antes da participação efetuada – 17º cont. Oc.; 9º a 11º resp. A.

14.Juntamente com a participação do sinistro, foram remetidos à R. seguradora o auto de notícia do acidente de viação de 9.1.2016, e o relatório de autópsia médico-legal, no qual se refere que o segurado circulava sem cinto de segurança e que o exame toxicológico feito ao sangue periférico revelou presenta de álcool etílico na concentração de 2,39 g/l – 21º cont. Oc.

15.De acordo com o previsto no art. 6º, n.º 1, alínea g), das Condições Gerais da Apólice, não se encontra coberta pelas garantias de cobertura do contrato de seguro os sinistros resultantes de “ato intencional ou mutilação voluntária, embriaguez ou uso de estupefacientes fora de prescrição médica, considerando-se que se encontra em estado de embriaguez aquele a quem for detetada uma taxa de alcoolemia superior a 0,5 gr/l” – 24º cont. Oc.; 37º resp. A.

16.As circunstâncias em que ocorreu o acidente que vitimou o segurado preenchem a referida cláusula, uma vez que a vítima tinha as suas capacidades cognitivas e percetivas diminuídas, sendo menor a sua atenção à condução, o que provocou o seu despiste e consequente morte – 25º a 32º cont. Oc.

17.O contrato de seguro em causa nos autos foi ajustado em balcão do banco réu, por ser quem comercialmente o distribui – 13º cont. BCP.

18.Por ocasião da celebração do contrato de seguro de vida em causa nos autos, a funcionária bancária que atendeu a Autora e o falecido marido prestou informações sobre o conteúdo das cláusulas do contrato, nomeadamente as coberturas do seguro e as exclusões, concretamente a invocada pela R. O (…) condições de que a A. e falecido marido tomaram conhecimento e aceitaram – 14º e 16º cont. BCP.

19.Posteriormente, foram remetidos aos segurados todos os documentos que corporizam o contrato de seguro, com todas as condições - 15º cont.

20.O segurado tinha estado a trabalhar antes do acidente, tendo o corpo sido removido do local cerca de 2 horas após o mesmo ter ocorrido – 25º e 33º resp. A.

6.

Apreciando.

6.1.

A Srª. Juíza decidiu nos seguintes, essenciais e sinóticos, termos:

O contrato de seguro pode definir-se "como aquele em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada, a, no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos,... dentro dos limites convencionalmente estabelecidos"…

Trata-se de um contrato de adesão, sinalagmático, aleatório, de execução continuada …e formal, "ex vi" artigo 426º do Código Comercial, onde se dispõe que deve ser reduzido a escrito… requisito indispensável à validade jurídica do negócio, consubstancia uma formalidade "ad substantiam" …o que significa, de harmonia com os artigos 220º e 364º, n.º 1, do Código Civil, que a apólice não pode ser substituída por qualquer outro meio de prova, pelo que é mister reconhecer que aquele documento tem força probatória plena - artigo 376º, do mesmo diploma.

…atentemos agora no artigo 427º do Código Comercial, onde se fixa que o contrato de seguro se há-de regular pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência pelas disposições deste Código. Tal normativo representa a materialização ou corporização do primado da vontade das partes na fixação das cláusulas que hão-de regular o contrato de seguro…

Ao aderirem ao contrato de seguro celebrado, a A. e seu falecido marido aceitaram os termos contratados entre as partes, designadamente as condições gerais e especiais do contrato em concreto, tal como em qualquer contrato sinalagmático – porquanto os aderentes não são propriamente partes no contrato, existindo apenas um contrato de seguro independentemente do número de aderentes (cfr. Ac. do STJ de 10.5.2007, proferido no proc. n.º 07B1277, in www.dgsi.pt).

Ora, aos seguros de grupo é aplicável o disposto no art. 4º do Dec.-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, que define a quem compete o ónus de informar – e tal ónus incumbe ao tomador do seguro, e não à seguradora. Havendo norma expressa que regula o dever de informação, não é aplicável aos seguros de grupo o Dec.-Lei n.º 446/85, de 25.10 (no mesmo sentido, cf. Ac. do STJ de 22.1.2009, doc. n.º ST200901220040497, in www.dgsi.pt). De qualquer modo, consta da factualidade provada que o banco R. informou a A. e seu falecido marido de todas as cláusulas relevantes, designadamente as exclusões, do contrato de seguro contratado – não ocorrendo, no caso dos autos, a invocada violação dos deveres de informação.

…, veio a R. O (…)a declinar a responsabilidade pelo pagamento do capital seguro, por entender que as circunstâncias em que ocorreu o acidente se incluem na exclusão prevista no artigo 6º, ponto 1, alínea g), das Condições Gerais da Apólice.

Da factualidade provada, conclui-se assistir razão à R. O (…)

Na verdade, prevê a cláusula em causa, descrita no ponto 15 dos factos provados, que não estão cobertos pelo contrato celebrado os sinistros resultantes de … embriaguez (entre outros).

…o segurado, quanto ocorreu o acidente que o vitimou, conduzia com uma elevada taxa de alcoolemia (2,39 g/l), praticamente o sobro da taxa de 1,2 g/l a partir da qual a conduta é considerada crime – por colocar em perigo bens juridicamente protegidos -, tendo para a ocorrência do acidente sido determinante o estado de embriaguez em que o falecido conduzia.

Assim, impõe-se concluir que o segurado J (…) faleceu em resultado do álcool que havia ingerido…»

Já os recorrentes entendem que «Desconhece-se… se e em que medida a taxa de álcool que o Autor apresentava contribuiu para o sinistro»;

 sendo «necessário e indispensável provar a existência de um nexo de causalidade entre esse grau de alcoolemia e o acidente»;

 pelo que:  «destes factos não se pode concluir que o acidente se ficou a dever e como causa exclusiva, à TAS de que a vítima era portadora».

Apreciemos.

Sendo consabido que a condução automóvel consubstancia uma atividade perigosa, potenciadora dos mais diversos riscos por parte de quem utiliza as vias de comunicação, importa rodeá-la das maiores cautelas, por forma a que os perigos que da mesma advêm se mantenham dentro de limites aceitáveis.

A questão da condução sob o efeito do álcool e os direitos da seguradora tem, ao longo dos tempos, sido objecto de legislação e doutrinação algo diversa e, até, dissonante.

6.2.

Assim, e desde logo no domínio da lei do Seguro Obrigatório.

No âmbito do D. Lei n.º 522/85, de 31.12,  estatuía o artigo 19.º:

«Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso: c) Contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado; (…)

Perante esta previsão legal desenharam-se três essenciais correntes jurisprudenciais, a saber:

a) O reembolso pela seguradora é sempre devido porque representa o desvalor da ação, uma vez que o risco contratualmente assumido não se compadece com condutores que agem sob o efeito do álcool e que preconiza o efeito automático da existência do direito de regresso;

b) A seguradora só tem direito de regresso se provar que o sinistro foi causado pela taxa de alcoolemia de que o condutor era portador;

 c) O direito de regresso só existe se a situação de alcoolemia for causa do acidente, embora tal relação seja de presumir nos termos do artigo 350.º do Código Civil e do artigo 81.º do C.E.

Perante as contraditórias posições jurisprudenciais e entendimentos doutrinais, foi prolatado o Acórdão Uniformizador n.º 6/2002, publicado na I Série do Diário da República de 18.7.2002, com o seguinte teor:

«A alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.»

Deste modo, a partir da publicação deste Aresto, jurisprudencialmente passou e defender-se  recair sobre a seguradora o ónus da prova quanto aos factos constitutivos do direito de regresso que aciona, demonstrando que o grau de alcoolémia registado ao condutor do veículo responsável pelo acidente, atuou como causa real e ajustada da ocorrência do sinistro.

Porém, com a entrada em vigor do D. Lei n.º 291/2007 de 21.08, a questão alterou-se.

Prescreve este no seu artº 27º nº1 al. c):

«Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:

c) Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos»

Assim, com esta alteração,  o AUJ passou a carecer de sentido pois que deste segmento normativo  infere-se que a seguradora tem direito de regresso contra o condutor, quando provar que  este, por qualquer motivo,  deu causa  - a título subjectivo: dolo ou mera culpa; que não já  meramente objectivo : cfr Ac. do STJ de 10.09.2014, p. 582/11.1TBSTB.E1.S1  e Ac. da RC de  18.02.2014, p. 2452/12.7TBLRA.C1 in dgsi.pt - ao acidente e, ainda, que conduzia com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente admitida.

Verificados estes pressupostos, o direito de regresso conferido à seguradora ser-lhe-á irrestritamente concedido, não tendo ela o ónus de provar que foi a taxa de álcool a causa do sinistro. - Cfr neste sentido, cfr., entre outros,  Acs. do STJ de 8/10/2009 p. nº 525/04.9TBSTR.S1,  de 28.11.2013, p. 995/10.6TVPRT.P1.S1 e de  10.09.2014, p. 582/11.1TBSTB.E1.S1;  Acs. da RC de 18.02.2014, p. 2452/12.7TBLRA.C1, de 01.07.2014, p. 139/12.0T2ALB.C1 e de 14.03.2017, p. 1160/15.1T8LRA.C1; Acs. da RL de L  11.11.2014, p. 154/12.3TBVPV.L1-1 e de 25.11.2014, p. 6724/11.0TBCSC.L1; Ac. da RP de 27.11.2014, p. 1754/13.0TBMTS.P1.

Em sentido contrario, cfr. Ac. do STJ de 06.07.2011, p. 129/08.7TBPTL.G1.S1 e Ac. da RP de 08.04.2014, p. 109/13.0TJPRT.P1.

A doutrina fixada no AUJ está, pois, caducada, por intervenção legislativa, na melhor  interpretação que deve ser operada, atento, desde logo, o elemento  literal da hermenêutica jurídica: perante a dúvida e polémica pretéritas, a lei foi clara em não exigir a prova da causalidade direta entre  o álcool e o sinistro rodoviário.

E dizemos causalidade direta, porque, e bem vistas as coisas, não existe, presentemente, uma total postergação da consideração e exigência da taxa ilícita de álcool no sangue como causa do acidente.

Nem tal poderia acontecer, pois que a atribuição do direito de regresso à seguradora pressupõe que o sinistro seja imputável ao segurado de um modo objetivamente mais gravoso e subjetivamente mais censurável.

Pois que só nestas circunstâncias se pode obrigar o segurado a suportar os gravames do sinistro que, normalmente e por virtude do contrato do seguro, devem pesar sobre a seguradora.

Ora no segmento normativo aqui relevante – al. c) do nº1 – o quid adicional que faz a diferença em benefício da seguradora e lhe atribui o direito de regresso, é a taxa ilegal de álcool.

Nesta conformidade, o que se passou, foi o abandono da exigência da prova de uma causalidade direta de tal taxa de alcoolémia – dada a consabida dificuldade de concretização da mesma – passando-se para a aceitação de uma prova indireta da sua causalidade.

Ou seja, provando-se que o condutor deu causa ao acidente, e estando ele etilizado, o legislador partiu do princípio, presumiu, que aquela causa teve - total ou, no mínimo, que é o qb, em concorrência com outros factores - na sua génese, tal estado etílico.

Tudo, aliás, em conformidade com o conceito de causalidade adequada consagrado na nossa lei.
Efectivamente, e como é consabido, constitui jurisprudência pacífica do nosso mais Alto Tribunal que:
 «O artigo 563º do C.Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.
Esta doutrina …deve interpretar-se de forma mais ampla, com o significado de que não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado».
«O artigo 563 do Código Civil consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, que não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:
-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;
-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano»
Cfr, entre outros, os Acs. do STJ de 29.06.04, p.03B4474,  de  07.04.2005, p. 05B294 , de 20.10.2005, p.05B2286, de 13-03-2008, p. 08A369, e de 20.01.2010, p. 670/04.0TCGMR.S1, todos  in dgsi.pt. e A. Varela, in Das Obrigações em Geral, 10.ª ed, I, 893, 899.

Ademais, a conclusão sobre a existência, ou não existência, de causalidade adequada entre o estado da alcoolemia na condução automóvel e o acidente e respectivos danos tem de ter logo em consideração os ensinamentos científicos irrefutáveis  que nos dizem que o álcool afeta a capacidade de perceção, os reflexos, a capacidade motora, a destreza de movimentos, a visão, a atenção e a psique na sua vertente emocional, provocando, normalmente,  um estado de euforia.
Para a dedução de tal nexo e num plano mais concreto, importa outrossim considerar os factos assentes atinentes à própria dinâmica do acidente e ao próprio grau de alcoolémia registado.

 Tudo em concatenação e com o tempero das regras da lógica e da experiência comum e a na ponderação da teleologia do legislador que às normas  está subjacente.

Na verdade, o julgador não deve ater-se à simples consideração, seca e formal, dos factos, literal e expressamente, provados e decorrentes das alegações das partes.

Antes podendo e devendo sobre eles operar uma interpretação e análise critica, dinâmica e dialéctica – atenta, vg., a globalidade do factualismo apurado -  a qual, por força das regras da experiência comum e dos ensinamentos da lógica, pode acarretar que ele possa, sem os contrariar ou desvirtuar, inferir a verificação ou ocorrência de outros que são o seu corolário lógico e a  consequência necessária, ou, pelo menos, normal, daqueles.

Constituindo aliás, tal trabalho exegético, um dos aspectos mais nobres, mas também difíceis, do seu munus.

Nesta conformidade, o juiz pode e deve operar a apreciação crítica dos factos relevantes, para, em face da inexistência ou existência de outra explicação razoável, conclua, ou não, por aquele nexo, podendo, para inferir no sentido afirmativo, deitar mão de presunções nos termos dos artºs 349º e 351º do CC – cfr. Ac. do STJ de 07.06.2011, p. 380/08.0YXLSB.C1.S1.

As presunções, mais do que meios de prova são um processo mental que, com base em juízos de probabilidade, as regras da experiência e os princípios da lógica, permite o desenvolvimento da matéria de facto a partir de um facto conhecido,cfr. Artº 349º e sgs. do CC e Acs. do STJ de 06.05.97, de 08.09.98 e de 12.04.05, dgsi.pt, p. 96A730, 98B560 e 05A830, respectivamente.

Efectivamente, as presunções judiciais, na tipificação do artigo 349.º do Código Civil são «ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».

Assim, integram a sua estrutura jurídica:

-a denominada base da presunção, constituída pelo facto ou factos conhecidos, isto é, provados através de outros meios de prova;

-os elementos de racionalidade lógica e técnico-experiencial actuando por indução sobre os mesmos factos;

- e o facto ou factos presumidos mediante estas operações intelectuais.

Estando verificados os dois primeiros elementos, é licito ao julgador concluir pelo terceiro, ou seja, tirar ilações da matéria de facto, desde que não altere os factos provados, antes neles se baseando de forma a que os factos presumidos sejam o desenvolvimento e a consequência lógica daqueles – cfr. Neste sentido os Acs. do STJ de 25.03.2004  e de 24.005.2007 in dgsi.pt. p.03B4354 e 07A979.

Deste modo, e por tudo o referido, para se eximir à responsabilidade,  o condutor alcoolizado envolvido em acidente, tem de provar -, e, em certa medida e de certo modo para ilidir a presunção dos malefícios do álcool na actividade da condução -,  que, não obstante estar afetado por taxa de álcool superior à legalmente permitida, o acidente se deveu, exclusivamente, a outros agentes e factores.

6.3.

Já no âmbito da responsabilidade meramente contratual fora do âmbito do seguro obrigatório, como é o caso vertente, a dilucidação, no aqui essencialmente relevante, não difere se se provar que o acidente é subjectivamente imputável ao condutor portador de taxa ilegal de álcool.

Mas mesmo que assim não seja e se provar apenas esta taxa, outrossim ele deve ser responsabilizado.

Na verdade:

«A cláusula geral inserida num contrato de seguro facultativo do “Ramo Vida Grupo” que exclui a cobertura do risco em caso de ações ou omissões praticadas pela pessoa segura, quando lhe for detetado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro, estabelece, desse modo, um nexo entre ação ou omissão praticadas pela pessoa segura e o facto de esta ser portadora daquele grau de alcoolemia.

 Trata-se, portanto, de uma cláusula que, nos limites da liberdade contratual, densifica, em termos razoáveis, o ónus de prova que incumbe à seguradora sobre a verificação da causa de exclusão da cobertura do seguro ali prevista mediante um coeficiente probatório revelado na coincidência temporal entre a ação ou omissão causadora do sinistro, praticada pela pessoa segura, e o facto de esta se encontrar num estado de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro.

 Nessa conformidade, basta à seguradora alegar e provar a ação ou omissão causadora do sinistro, praticada pela pessoa segura, e o facto de esta se encontrar então portadora do referido grau de alcoolemia, não se exigindo que a seguradora prove ainda o nexo causal especificamente naturalístico entre esse grau de alcoolemia e o resultado verificado (o sinistro).» - Ac. do STJ de 08.03.2018, p. 907/15.0T8PTG.E1.S2.

Ou, noutra perpetiva ou «nuance» mas com o mesmo significado e efeito final:

«Sendo o contrato de seguro um negócio jurídico formal e de natureza facultativa, a sua interpretação está sujeita, por um lado, às regras gerais dos negócios jurídicos consagradas nos arts. 236.º e 238.º do Código Civil, e, por outro, porque contempla também cláusulas contratuais gerais, ao regime específico aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25 de outubro.

Um declaratário normal, identificado como alguém normalmente diligente, sagaz e experiente, colocado perante a declaração negocial e aquilo que podia conhecer da intenção da seguradora, não podia deixar de entender que, verificando-se o circunstancialismo de facto descrito na declaração negocial, nomeadamente quando lhe fosse detetado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas por litro, encontrava-se excluída a cobertura do sinistro.

 Assim, não é exigível o nexo de causalidade entre a posse de certo grau de alcoolémia e o sinistro, para a exclusão da cobertura do risco do contrato de seguro.» -

E apenas:

«Se a posse de tal grau de alcoolémia, comprovadamente, não tiver qualquer influência no sinistro, poderá afirmar-se que a exclusão do risco constituirá abuso do direito, nos termos do disposto no art. 334.º do Código Civil – Ac. do STJ de 04.07.2019, p. 332/17.9T8MCN.P1.S1 in dgsi.pt.

(sublinhado nosso)

6.4.

O caso vertente.

A responsabilidade do infeliz condutor é patente.

Desde logo porque, conduzindo com uma taxa elevadíssima de álcool no sangue – 2,39 g/L -  ele não provou, como era seu ónus, que o acidente se tivesse ficado a  dever a outros agentes ou factores,  e assim ilidindo a natural presunção de causa adequada de tal taxa para a ocorrência do sinistro.

Depois porque até se provou que tal taxa de álcool foi, real e efectivamente, a causa do mesmo.

Na verdade, apurou-se  que o condutor «segurado circulava sem cinto de segurança» -  logo, com violação do artº 82º do C. da Estrada -  e que ele, naturalmente por virtude de tal taxa, «tinha as suas capacidades cognitivas e percetivas diminuídas, sendo menor a sua atenção à condução, o que provocou o seu despiste e consequente morte»

Assim se concluindo que este grau de alcolémia se revelou, não apenas em abstracto, como, outrossim, em concreto, a causa, ou, ao menos, e o que vai dar ao mesmo,  considerando o jaez da causalidade adequada consagrado na nossa lei e acima mencionado, uma das causas, do sinistro.

Improcede o recurso.

6.

Sumariando- artº 663º nº7 do CPC.

I – O não cumprimento, nem nas conclusões, nem no corpo das alegações, dos requisitos do artº 640º do CPC, implica a liminar rejeição do recurso sobre a matéria de facto.

II -- Perante o disposto na  al. c) do nº1 do artº 27º do DL 2007  de 21.08, a seguradora não tem de provar a relação causal direta entre o estado etílico e o sinistro, bastando-lhe provar que  o acidente resultou de causa culposa do condutor e que este  tinha taxa de álcool ilícita no sangue, o que faz presumir – causalidade indireta – que aquela causa decorreu, exclusiva ou concorrentemente, da alcoolémia.

III – De igual sorte, clausulando-se num contrato de seguro de vida que uma taxa de álcool superior à legal exclui a responsabilidade da seguradora, provada ela, ademais de grande valor – 2,39g/L -, tal responsabilidade, por acordo das partes, fica, pela simples verificação de tal taxa, excluída;  e inexistindo dever da demandada em provar o nexo causal direto da mesma para com o sinistro, antes impendendo sobre o lesado, para se eximir à mesma, a prova de que o acidente ocorreu por facto que nada tem a ver com o grau de alcoolémia.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelos recorrentes.

Coimbra, 2020.01.14.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Fonte Ramos