Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
367905/10.7YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ADIAMENTO
ADVOGADO
COMUNICAÇÃO
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
CONFISSÃO
Data do Acordão: 09/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.155, 490, 651 Nº1 D) CPC, 317M 352, 376 CC
Sumário: 1. Apesar de a comunicação do advogado da impossibilidade da sua comparência à audiência de julgamento – artºs 651º nº1.al.d) e 155º nº5 do CPC – não ser, tout court, uma justificação no sentido de ter de ser especialmente valorada, impõe-se que ele informe o tribunal, o mais discriminadamente possível, dos motivos impeditivos e o faça atempadamente, de sorte a que, pelo menos, possam ser desconvocados os intervenientes na diligência.
2. A comunicação com o seguinte teor, feita às 15,09 horas do dia designado para a audiência, marcada para as 14,00 horas: «o aqui signatário, por lapso de que se penitencia, não agendou devidamente a …audiência de julgamento...Acresce que no dia de ontem, bem como na manha do dia de hoje esteve…ausente do seu escritório em diligencias de trabalho, facto que igualmente o impediu de verificar o agendamento via citius.», não satisfaz, por ser imputável ao Sr. Advogado, algo vaga e abstrata, e, essencialmente, por extemporânea, a exigência legal, pelo que não permite o adiamento.
3. Fundando-se a prescrição presuntiva na presunção do cumprimento, ela não aproveita ao devedor que contesta o dever de pagar, nem, no atinente à do artº 317º alb) do CC, ao que adstringir a prestação ou destinar a coisa à sua atividade industrial, lato sensu, entendida, ie., como atividade económica lucrativa.
4. Em ação comum sumária decorrente de injunção, a não impugnação e até confissão de factos alegados pelo requerente consubstanciadores de contrato de compra e venda, implica que tais factos se deem como provados, com as legais consequências
Decisão Texto Integral: 9

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.
I (…), S.L.U., intentou contra A (…), S.A., ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, emergente de injunção, ao abrigo do D.L. n.º 269/98, de 1 de Setembro.
Pediu:
A condenação da ré, , a pagar-lhe a quantia € 10.242,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento.
Alegou:
Contrato de compra e venda de bens referentes à fatura n.º 10008- FAC – 03147, de 29/09/2008.

Opôs-se a requerida.
Aceitou o recebimento da mercadoria correspondente à fatura referenciada pela autora.
Porém, e por exceção, invocou a prescrição e defeitos da coisa vendida que a tornaram totalmente inadequada para o fim a que se destinava, pretendendo ainda ser compensada pelo valor da mesma.

Foi designada data para realização da audiência de discussão e julgamento para o dia 10.11.2011 pelas 14.00 horas, com observância do disposto no art. 155.º do CPC.
Às 15,09 horas de tal dia foi enviado ao tribunal, pelo mandatário da autora, um mail com o seguinte teor:
«o aqui signatário, por lapso de que se penitencia, não agendou devidamente a …audiência de julgamento, tendo-o feito no dia 10.12.2011.
Acresce que no dia de ontem, bem como na manha do dia de hoje esteve…ausente do seu escritório em diligencias de trabalho, facto que igualmente o impediu de verificar o agendamento via citius.
Nestes termos requer…o adiamento da audiência…»

Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho despacho de indeferimento, com invocação dos artºs 651º nº1 ald) e 155º nº5 do CPC, nos seguintes, essenciais, termos:
O ilustre mandatário da autora foi notificado da realização da diligencia, por oficio datado de 09.05.2011 exigindo-se-lhe que no momento da receção de tal ofício fizesse menção na sua agenda à data da realização da audiência.
O alegado esquecimento, bem assim a existência de outras diligencias de trabalho fora do escritório, sem a devida concretização, não são circunstancia impeditiva para permitir o adiamento.

Tendo, assim, sido ordenada a realização da audiência e, após, ditada para a ata sentença que:
Julgou a ação improcedente, por não provada e em consequência absolveu a requerida do pedido.

2.
Inconformada recorreu a autora.
Rematando as suas alegações com as seguintes, nucleares, conclusões:

1ª – A autora cumpriu os requisitos legais tendentes a justificar a sua falta à audiência, pois que a lei processual não descreve o que são circunstancias impeditivas de comparência em tribunal.
2ª – Assim, uma correta interpretação das disposições conjugadas dos artºs 155º nº5, 651º nº1 al.d) do CPC e 4º nºs 3 e 3 do Regime Anexo ao DL 269/98 levaria a considerar a existência de motivo justificativo para o adiamento da audiência.
3ª – Existe uma errada decisão sobre a matéria de facto considerada provada, uma vez que as versões apresentadas por A e R são manifestamente opostas e constam dos autos elementos de prova que suportam a versão que dos factos é apresentada pela requerente, pelo que deveriam ser provados todos os factos por si invocados.
4ª – A autora apresentou documentos que não foram impugnados pela ré, pelo que estes devem considerar-se válidos e definitivamente probatórios e, assim, devidamente efetuada a correspondência entre a mercadoria descrita na fatura e a que consta dos demais documentos.
5ª- Os factos invocados pela ré não se poderão considerar como admitidos já que eles se encontram em manifesta oposição com a posição da autora considerada no seu conjunto, e dos documentos por ela juntos não resulta a prova dos defeitos das coisas vendidas, pelo que deveriam ter sido todos considerados como não provados.
6ª – Em consequência, a decisão deveria concluir pela improcedência da oposição da ré e pela procedência do pedido da autora.

Inexistiram contra-alegações.

3.
Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª- (In)existência de justificação do adiamento da audiência na sequencia da falta à mesma do ilustre advogado da autora.
2ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
3ª –Procedência do pedido e improcedência da oposição.

4.
Apreciando.
4.1.
Primeira questão.
4.1.1.
Nos termos do art. 651º do CPC:
Feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência é aberta, só sendo adiada, para além do mais que aqui não tem interesse:

c) Se o juiz não tiver providenciado pela marcação mediante acordo prévio com os mandatários judiciais, nos termos do art. 155º, e faltar algum dos advogados;
d) Se faltar algum dos advogados que tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência, nos termos do nº 5 do artigo 155º.
A presente redação destas alíneas constitui uma limitação, com o intuito de obviar a sucessivos adiamentos, relativamente à anterior redação, a qual permitia pura e simplesmente o adiamento, por uma só vez, da audiência com base na falta de algum advogado, sem qualquer exigência de justificação por banda deste.
Sendo que a única “sanção” a que o advogado estava sujeito era a comunicação da falta ao respetivo mandante -nº 1, al. c).
E a lei distingue ainda duas situações.
No caso da al.c), não tendo a marcação de julgamento sido precedida de acordo prévio com os mandatários, basta a simples falta de algum deles para conduzir ao adiamento, não se aplicando neste caso, o preceituado no art. 155.ºn.º5 do CPC.
Nos casos da al.d), a falta, só por si, não é suficiente para operar o adiamento, sendo ainda necessário que o advogado comunique ao tribunal a impossibilidade da sua comparência, nos termos do nº 5 do artigo 155º.
Estatui este segmento normativo:
Os mandatários judiciais devem comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstancias impeditivas da sua presença e que determinem o adiamento da diligencia marcada.
No caso da al. c) o seu teor não levanta dúvidas de interpretação dada a sua singeleza e linearidade.
Já al.d), em concatenação com o nº5 do artº 155º, as coloca.
Importa assim densificar a natureza, o âmbito ou amplitude de aplicação e o conteúdo destes dois – 155º nº5 e 651º nº1 al.d) - segmentos normativos.
Quanto aquela natureza há que ter em consideração que a comunicação da falta não tem o cariz de justificação, no sentido técnico-jurídico e com as consequências normalmente a ela inerentes, da mesma.
Na verdade: «o referido dever de comunicação não implica a pura e simples revogação do DL nº 330/91, de 5/9 (em cujo artº 1º se determina que a falta de advogado a um ato judicial não carece de ser justificada nem pode dar lugar à sua condenação em custas) já que o advogado não está propriamente obrigado, em todos os casos, a "justificar" a sua falta, mas tão somente a comunicar ao tribunal que não pode comparecer na data designada, de modo a que os restantes intervenientes processuais possam ser ainda desconvocados» - Cfr. Ac. do STJ de 16.01.2003, dgsi.pt, p. 03A1994, citando Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 134.
Quanto ao âmbito ou amplitude de aplicação urge atentar que eles aplicam-se quer à primeira marcação da audiência quer aos adiamentos, quer às sessões de continuação, desde que não tenha existido anteriormente adiamento com base na falta de advogado – cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 15.04.2008, dgsi.pt, p. 2244/2008-7.
No que tange a este conteúdo importa fixar as suas exigências, temporais e substanciais.
Quanto aquelas a lei impõe que a comunicação seja efetivada “prontamente”.
O que a lei exige é uma certa agilidade na comunicação.
Não impõe necessariamente uma comunicação imediatamente sucedânea ao facto impeditivo, mas também não se contenta com uma comunicação morosa ou retardada.
Assim, comunicar “prontamente” significa comunicar com a rapidez possível subsequente ao facto impeditivo, mas, em todo o caso, “atempadamente”, relativamente à data da marcação da audiência.
É o que ressumbra do preâmbulo do Decreto-Lei nº 183/2000, de 10/8: «... No que concerne aos mandatários judiciais... só existirá adiamento da audiência por falta de advogado se... ou se, tendo havido tentativa de marcação da audiência por acordo, o advogado comunicar atempadamente a sua impossibilidade de comparecer».
Entendendo-se que satisfaz as exigências legais a comunicação o mais antecedente possível da data da audiência, ou, no mínimo, a comunicação ainda anterior à mesma que, tanto quanto possível, permita desconvocar – por obvias razões de economia e, até, respeito - os intervenientes processuais a ela chamados.
Podendo considerar-se, desde que esta desconvocação seja possível, que está ainda em tempo a comunicação feita no dia anterior ao julgamento - Cfr. Ac. do STJ de 16.01.2003, sup.cit. e Ac. da Relação de Lisboa de 21.10.2008, p. 6801/2008-1.
No atinente às exigências substanciais e não obstante a comunicação não constituir propriamente uma justificação não basta para implicar o adiamento, a simples indicação de um motivo vago ou abstrato – do tipo «por razões pessoais ou profissionais inadiáveis» - como parece ser defendido por alguma jurisprudência – cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 22-10-2009 dgsi.pt. p. 144-B/2000-2.
Na verdade, o fito da celeridade do processo no sentido da obtenção de decisão final no mais curto lapso temporal possível e os princípio da cooperação e da boa fé clamam pela concretização ou especificação, tanto quanto possível, do motivo impeditivo.
Assim se evitando, até certo ponto, que os Srs. advogados frustrem, quiçá arbitrariamente, a efetivação do julgamento, tanto mais que a data da sua realização não foi ditada unilateralmente pelo juiz, mas antes fixada com a sua anuência.
E a própria redação da lei aponta nesse sentido, ao exigir a comunicação das «circunstancias impeditivas da presença».
De entre tais circunstâncias, sobressaem, naturalmente e desde logo, as que podem ser taxadas de «fortuitas ou de força maior, adequadas a inviabilizar a realização pontual da diligência» - Lopes do Rego, ob.cit, p.132.
Todavia, não se esgotam aquelas nestas, sendo de admitir outras e, até, sopesar a sua dignidade e relevância num determinado caso concreto em conjugação com os demais elementos nele atendíveis.
4.1.2.
No caso vertente.
Verifica-se que o motivo decisivo invocado, qual seja o erro no agendamento da audiência, não é externo ao Ilustre advogado, no sentido de por ele não ter sido provocado, mas antes apenas a si diz respeito.
Já o motivo adjuvante, qual seja a existência de outras «diligencias de trabalho», não foram devidamente especificadas ou circunstanciadas, como deviam ter sido.
E, no dizer do ilustre advogado, apenas lhe ocuparam a manha, pelo que estando o julgamento marcado para as 14,00 horas, e tendo-se inclusive iniciado mais de uma hora depois, como da ata consta, é admissível concluir que, mesmo assim, poderia, ainda que com algum esforço e iniciativa expedita, estar presente na audiência, pelo que, caso tal não fosse possível, deveria ele alegar neste sentido.
Acresce que, bem vistas as coisas, estas «diligências de trabalho» são uma consequência lógica e natural do seu lapso inicial no agendamento, pois que não fora este, certamente ou muito provavelmente, elas não teriam sido realizadas nos períodos de tempo indicados.
Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda sempre haveria que atentar que tendo a comunicação sido efetivada já depois das 15,00 horas e estando o julgamento marcado para as 14,00, obviamente que não foi cumprida a exigência legal atinente à prontidão da mesma, densificada esta exigência no sentido supra aludido. E sendo certo que, como se disse, a causa de tal extemporaneidade não resulta de fatores externos a ele não imputáveis, mas apenas da sua própria atuação.
Nesta conformidade, tudo visto e ponderado, conclui-se que a comunicação, quer por virtude do seu teor, quer por reporte à data e hora da sua apresentação, não encerra virtualidades e força bastante para permitir o adiamento da audiência ex vi dos citados artºs 155º nº5, 651º nº1 al.d) do CPC e 4º nºs 3 e 3 do Regime Anexo ao DL 269/98, sendo que este último tem de ser interpretado nos termos gerais naqueles consignados.

4.2.
Segunda questão.
4.2.1.
A Sra. Juíza deu apenas como provado o seguinte facto:
A requerente emitiu a favor da requerida, com data de 28/09/2008, a factura n.º 10008- FAC- 03147, no valor de € 10.242,05, bem assim a guia de transporte n.º 10108-03120.

Tendo adiantado que: mais nenhum facto resultou provado, para além dos acima descritos.
Esta decisão resultou da seguinte fundamentação:
«A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, fundou-se nos seguintes elementos probatórios, nomeadamente na factura junta a folhas 35 dos autos e na guia de transporte junta a folhas 36, acima identificadas.
Os demais documentos juntos a folhas 37, 38 e 39 não foram valorados. Com efeito, os juntos a folhas 38 e 39, declaração de expedição internacional e talão de pesagem contém todos eles assinaturas que não foram atestadas por prova testemunhal , bem assim não foi feita a correspondência entre a mercadoria descrita na factura e a que consta de tais documentos. Por outro lado, o documento de folhas 27, consubstancia um documento interno da requerente e, na ausência de qualquer outra prova, do mesmo não se extrai qualquer facto com interesse para a discussão do presente pleito
Por outro lado e já no que concerne à factualidade não provada, a mesma ficou a dever-se à ausência de prova produzida, porquanto como resulta da presente acta não foi inquirida qualquer testemunha.»
4.2.2.
Pretende a autora que sejam dados como provados todos os factos consubstanciadores da sua pretensão e procedente a sua pretensão e como não provados os factos invocados pela ré, e, consequentemente, improcedente a oposição desta.
Quanto a esta última pretensão não se compreende o largo arrazoado neste sentido pois que, como se alcança do teor da decisão sobre a matéria de facto, os factos invocados pela requerida não foram dados como provados.
Importa atentar que ela se defendeu apenas por exceção, quer com fundamento apenas de direito, alegando a prescrição, quer invocando factos novos (relativamente aos alegados pela autora) atinentes a defeitos do material vendido, e, em sede de pedido final, impetra apenas a absolvição do pedido da autora, inexistindo reconvenção.
Ora não tendo sido dados como provados factos fundamentadores quer do pedido quer da matéria excecional atinente aos defeitos e tendo a ação sido julgada improcedente e a ré absolvida do pedido da autora, a demandada viu satisfeita a sua pretensão, inexistindo assim, necessidade e sendo até impossível o tribunal pronunciar-se sobre a oposição da ré na parte em que tal oposição versou sobre a exceção atinente aos defeitos.
Já na parte respeitante à exceção perentória da prescrição, porque se tratava apenas de questão de direito que podia, liminarmente, ou a montante, implicar a absolvição do pedido, deveria ela ter sido apreciada antes da decisão incidir sobre, ou em função dos, factos apurados, já que o juiz tem de decidir, lógica e ordenadamente, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação- artºs 493º nº3 e 660º do CPC.
Não tendo sido efetivada tal apreciação foi cometida nulidade que terá de ser suprida por este tribunal ad quem, nos termos do artº 715º do CPC.
4.2.3.
Assim e quanto à exceção da prescrição dir-se-á que não assiste razão à ré pois que, in casu, é inaplicável a prescrição de curto prazo estabelecida no artº 317º alb) do CC.
A prescrição presuntiva, ou imperfeita, tem por objetivo proteger o devedor da dificuldade de prova do pagamento e corresponde em regra a dívidas que normalmente se pagam em prazos curtos e, muitas vezes, sem que ao devedor seja entregue documento de quitação, ou relativamente às quais, pelo menos, é corrente que se não conserve tal documento.
Pretende a lei, ao fim e ao cabo, nos casos que inclui no regime, proteger o devedor contra o risco de se ver obrigado a pagar duas vezes dívidas de que não é costume pedir ou guardar recibo ou que, elas próprias, habitualmente não constam de documento - cfr. entre outros, Acs. do STJ de 29.11.2006, de 22.01.2009 e de 09.02.2010, in dgsi.pt, ps. 06A3693,08B3032 e 2614/06.6TBMTS.S1, citando, o primeiro aresto, Vaz Serra, BMJ 106º - 45 e ss. e Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed., p. 964.
Nesta conformidade «os créditos dos comerciantes (comerciantes, industriais...etc, ou seja, em geral, os profissionais de certo ramo de actividade económica lucrativa), só estão compreendidos na alínea b), desde que as coisas vendidas ou os serviços prestados, se não destinem a essa actividade económica do devedor, ou porque ele não se dedique a tal actividade, ou porque dedicando-se, destine a coisa ou o serviço para o seu uso pessoal, próprio.»
Já o devedor não podendo invocar este normativo se: «estamos perante uma dívida assumida por um devedor profissional num desempenho profissional e por causa dele, seja esse desempenho um comércio, ou uma indústria, ou uma outra qualquer actividade económica, especialmente, se lucrativa...» - Ac. do STJ de 09.04.2003, dgsi.pt. p. 03B3336.
Ora dimana do processo, rectius da própria alegação da demandada, que a prestação, ie. o material vendido, se destinava ao exercício da sua atividade industrial.
Acresce que esta prescrição apenas pode operar quando o devedor alegar que pagou e que já decorreu o prazo que presume o pagamento, não podendo negar a dívida ou alegar factos que pressupõem um litígio quanto ao seu pagamento
É que: «a prescrição presuntiva não tem o mesmo efeito da prescrição extintiva; o decurso do respectivo prazo não confere ao “beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (nº 1 do artigo 304º do Código Civil); antes cria, apenas, a presunção de que o devedor cumpriu (artigo 312º do mesmo Código)» – Ac. do STJ de 23.02.2012, dgsi.pt, p. 2254/03.1TBCLD.L1.S1.
Mas dimana do processo que a ré não cumpriu este requisito, pois que contesta a legalidade e justiça do pagamento impetrado pela autora.
4.2.4.
Quanto ao mais.
A Sra. Juíza deu apenas como provado o facto supra aludida porque entendeu que os documentos juntos aos autos não eram suficientes para convencer no sentido do acrescidamente alegado.
Tal entendimento é defensável, até porque nos encontramos perante documentos particulares cuja força probatória respeita apenas às declarações neles constantes e não aos factos nelas compreendidos, a não ser que sejam contrários aos interesses dos declarante, o que no caso vertente não acontece – artº 376º do CPC.
Mas, em sede geral de direito probatório, a prova dos factos não dimana apenas da vertente documental, mas de outras fontes probatórias, como a pericial, por inspeção ou testemunhal.
E, desde logo, na sistemática civilista atinente às provas, da confissão- artº352º do CPC.
Nesta conformidade, e na perspetiva processual civil, deve o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição, considerando-se admitidos por acordo os que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se puderem ser provados por documento escrito – artº 490º nºs 1 e 2 do CPC.
Ora vista a contestação da ré nela se alcança que ela não apenas não impugna ter recebido a mercadoria que a autora alega ter-lhe vendido, como confessa tal recebimento.
O que efetivamente, dimana, adrede e inequivocamente, designadamente, dos seguintes artºs:
«18
Em Setembro de 2008, através da Factura 10008-FAC-03147, a Requerente forneceu à Requerida filme para o ensacamento de argila expandida, produto fabricado e comercializado por esta.
25
A Requerente não desconhecia, nem podia desconhecer o defeito da mercadoria constante da factura nº 10008-FAC-03147 pois o mesmo era visível e evidente para o comum cidadão.
26
Assim, como não desconhecia que o produto não apresentava as qualidades necessárias para o fim a que se destinava, nunca tendo a Requerente procedido à substituição ou reparação do mesmo.
27
Pelo que se impõe não uma redução do preço, pois tendo a Requerida conhecimento do defeito nunca os adquiriria, mas sim uma indemnização que não pode ser inferior ao valor da mercadoria fornecida pela Requerente, de 10.242,05 €.»
Consequentemente, tem de dar-se como provado que a autora forneceu, e a ré recebeu, a mercadoria supra e pelo preço na fatura discriminado.
Tendo a ré aduzido matéria excecional e não tendo a autora respondido à mesma, os factos atinentes deveriam, outrossim, terem sido dados como provados por aplicação das regras do processo comum na forma sumária – artº 7º nº2 do DL 32/2003 e 785º, e 505º aplicáveis ex vi do artº 463º nº1 do CPC.
Mas não o tendo sido e inexistindo impugnação da decisão neste particular, a decisão, aqui, transitou em julgado.
4.2.5.
Decorrentemente, os factos a considerar são os seguintes:

Em Setembro de 2008, através da Factura 10008-FAC-03147, a Requerente forneceu à Requerida, e esta recebeu, filme para o ensacamento de argila expandida, produto fabricado e comercializado por esta.
O valor desta mercadoria fornecida pela Requerente, ascendeu a 10.242,05 €.

4.3.
Terceira questão.
Perante estes factos a ação tem de proceder.
Basta considerar, mas atentos agora os factos dados como provados, a fundamentação aduzida na sentença, que se revela curial, a saber:
«In casu, estamos perante uma das espécies contratuais tipificadas na lei, o denominado contrato de compra e venda que se encontra regulamentado nos artigos 874º a 939º do Código Civil.
Dispõe o artigo 874º do Código Civil que: “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.”
Da definição dada pelo normativo legal acima citado resulta, assim, que o contrato de compra e venda é um contrato oneroso, bilateral e dotado de eficácia real ou translativa.
Trata-se de um contrato bilateral ou sinalagmático, ou seja, nele existe um nexo de reciprocidade entre a prestação de um dos contraentes e a contraprestação do outro.
Este contrato tem determinados efeitos, dos quais se destacam, pela sua essencialidade, os seguintes:
A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
A obrigação (para o vendedor) de entregar a coisa; e
A obrigação (para o comprador) de pagar o preço ( cfr. artigo 879º do Código Civil).
Por conseguinte, atentos os aludidos efeitos, o contrato de compra e venda reveste simultaneamente natureza real e obrigacional, porquanto, por um lado, do próprio contrato resulta, como efeito imediato, a transferência da coisa ( cfr. artigo 408º) e, por outro lado, dele nascem obrigações e direitos subjectivos para ambas as partes.
In casu, estaríamos perante um contrato de compra e venda de bens móveis, tendo sido tal contrato celebrado verbalmente (não consta qualquer contrato escrito dos autos) como, aliás, é regra quando se trata de compra e venda de bens deste tipo.
…a requerente, alegando a existência de um contrato de compra e venda pretende que seja a requerida condenada a cumprir com a sua obrigação, ou seja, que proceda ao pagamento do preço.
Sucede que apenas resultou provado que a requerente emitiu a favor da requerida, com data de 28/09/2008, a factura n.º 10008- FAC- 03147, no valor de € 10.242,05, bem assim a guia de transporte n.º 10108-03120.
Nesta decorrência, e em termos de ónus da prova, não resultam quaisquer dúvidas quanto à decisão da presente acção.
No que a esta matéria concerne, preceitua o artigo 342º, n.º 1 do Código Civil que “ àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
… atento o modo como foi delineada a relação jurídica havida entre a requerente e a requerida, verifica-se que à primeira cumpriria fazer a prova da relação contratual que invoca, bem como dos seus elementos constitutivos, maxime a celebração do contrato.
Ora, no caso concreto em análise nos presentes autos, temos, então, que dúvidas não restam de que a requerente não logrou provar aquilo que lhe competia provar para proceder o pedido de condenação da requerida, ou seja, a existência do contrato de compra e venda, validamente celebrado com a requerida, bem assim a existência do cumprimento de uma obrigação decorrente de tal contrato exigível.
Face ao exposto, deverá improceder a pretensão da requerente, devendo a requerida ser absolvida do pedido formulado por aquela».

Ora como se viu, a autora logrou provar a existência do contrato de compra e venda, o preço de venda e a entrega da mercadoria.
Considerando agora estes factos competiria à ré provar o pagamento, pois que este, em direito, não se presume – artº 342º nº2 do CC.
A requerida não logrou cumprir tal ónus, antes admitiu tacitamente o não pagamento por razões que, porém, outrossim não logrou, atempadamente, provar.

Em conclusão final: procede o recurso, na parte respeitante à procedência do pedido, sem necessidade de repetição do julgamento.

5.
Sumariando.
I- Apesar de a comunicação do advogado da impossibilidade da sua comparência à audiência de julgamento – artºs 651º nº1.al.d) e 155º nº5 do CPC – não ser, tout court, uma justificação no sentido de ter de ser especialmente valorada, impõe-se que ele informe o tribunal, o mais discriminadamente possível, dos motivos impeditivos e o faça atempadamente, de sorte a que, pelo menos, possam ser desconvocados os intervenientes na diligência.
II- A comunicação com o seguinte teor, feita às 15,09 horas do dia designado para a audiência, marcada para as 14,00 horas: «o aqui signatário, por lapso de que se penitencia, não agendou devidamente a …audiência de julgamento...Acresce que no dia de ontem, bem como na manha do dia de hoje esteve…ausente do seu escritório em diligencias de trabalho, facto que igualmente o impediu de verificar o agendamento via citius.», não satisfaz, por ser imputável ao Sr. Advogado, algo vaga e abstrata, e, essencialmente, por extemporânea, a exigência legal, pelo que não permite o adiamento.
III- Fundando-se a prescrição presuntiva na presunção do cumprimento, ela não aproveita ao devedor que contesta o dever de pagar, nem, no atinente à do artº 317º alb) do CC, ao que adstringir a prestação ou destinar a coisa à sua atividade industrial, lato sensu, entendida, ie., como atividade económica lucrativa.
IV- Em ação comum sumária decorrente de injunção, a não impugnação e até confissão de factos alegados pelo requerente consubstanciadores de contrato de compra e venda, implica que tais factos se deem como provados, com as legais consequências.

6.
Deliberação.

Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e, consequentemente, na revogação da decisão, condenar a ré no pedido.

Custas, na 1ª instancia, pela ré e, nesta instancia recursiva, na proporção de 2/3 pela ré e 1/3 pela autora.

Coimbra, 2012.09.11


Carlos Moreira ( Relator )
Moreira do Carmo
Carlos Marinho