Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/12.1PELRA-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: PROVA PROIBIDA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
LEITURA PERMITIDA DE AUTOS E DECLARAÇÕES
CONFIRMAÇÃO
À AUTORIDADE JUDICIÁRIA
DECLARAÇÕES
ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
RECUSA
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
NULIDADE
Data do Acordão: 06/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA CENTRAL - SECÇÃO CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 134.º, N.º 1, ALS. A) E B), 356.º, N.º 3, ALS. A) E B), E 120.º, N.º 1, AL. B), DO CPP
Sumário: I - São válidas e relevantes, nomeadamente nos termos e para os efeitos previstos no artigo 356.º, n.º 3, als. a) e b), do CPP, declarações prestadas ao MP, quando o declarante, confrontado com anteriores declarações que dera a órgão de polícia criminal, dispondo da possibilidade de livremente as negar, corrigir, rectificar, aumentar ou interpretar, apenas as confirma; ou seja, no contexto descrito, não é necessária a reprodução no auto respectivo das declarações confirmadas.

II - Verificados os requisitos previstos no artigo 356.º, n.º 3, als. a) e b), do CPP, o indeferimento (total ou parcial) da leitura das declarações assim prestadas perante o MP constitui a nulidade prevista no último segmento normativo da alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do mesmo diploma legal, porquanto foram omitidas diligências reputadas como essências para a descoberta da verdade.

III - A recusa a depor consagrada no artigo 134.º, n.º 1, als. a) e b), do CPP, apenas se reporta a testemunha que com determinado arguido mantém um dos elos expressamente descritos naquela norma, não abrangendo também testemunha que, em relação a arguido, não se encontra numa das relações enunciadas no mesmo artigo, se, nestes casos, inexistir qualquer forma de comparticipação entre este arguido e o outro especialmente visado no dito preceito legal.

IV - A aceitação de recusa de depoimento de testemunha fora dos domínios supra enunciados, também consubstancia a nulidade acima descrita.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

            Nos autos de processo comum (colectivo), que sob o número 9/12.1PELRA, correram termos pela Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Leiria, foram pronunciados e submetidos a julgamento os arguidos
1).- A... ;
2).- B... ;
3).- C... ;
4).- D... ;
5).- E... ;
6).- F... ;
7).- G... ;
8).- H... ;
9).- I... ;
10).- J... ;
11).- L... ;
12).- M... ;
13).- N... ;
14).- O... ;
15).- P... ;
16).- Q... ;
17).- R... ;
18).- S... ;
19).- T... ;
20).- U... ;
21).- V... ;
22).- X... ;
23).- Y... ;
24).- W... ;
25).- Z... ;
26).- K... ; e
27).- AA... .

 -- sendo imputada a todos a prática, em co-autoria, de:

-- um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro;

-- aos arguidos G... e C... ainda, em concurso real, um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86, nº.1, al. d) de Lei nº. 5/2006, de 23 de Fevereiro, que aprovou o RJAM.

-- aos arguidos V... , C... , I... , J... , R... e S... ainda, em concurso, real, sob a forma consumada, um crime de receptação, previsto e punido pelo art.º 231, nº1 do Código Penal.

*

O MP pediu ainda a perda ampliada de bens a favor do Estado ao abrigo dos artsº 7 e ss da Lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro contra os arguidos:

A... ;

B... ;

G... e;

H... .

           

            A final viria a ser proferido acórdão, decidindo nos seguintes termos:

«Por todo o exposto e após alteração da qualificação jurídica, julgamos parcialmente procedente por provada a acusação e em consequência:

a) absolvemos os arguidos:

 -- E... ;

-- R... ;

-- S... ;

-- X... ;

-- Y... ;

-- W... ; e

 -- K... , dos crimes de que vinham acusados.

b) absolvemos os arguidos V... (quanto ao telemóvel Iphone), C... (quanto aos telemóveis Nokia e LG Máximo L3), G... (telemóvel Samsung Galaxy Duos), J... (quanto aos dois ferros de engomar), R... e S... (desconhece-se o valor real do casaco de cor cinzenta com a etiqueta da Zara Man, sendo que se não provou que tenha sido recebido em troca de heroína) dos crimes de receptação dolosa p p pelo artº 231 nº 1 do Cód Penal de que cada arguido vinha acusado;

*

c) condenamos em co-autoria material singular pela prática de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas p p pelo artº 21 nº 1 do DL 15/93 de 22/1 os arguidos C... e D... , na pena de 5 (cinco) anos de prisão efectiva para cada um deles;

d) condenamos em autoria material pela prática de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas p p pelo artº 21 nº 1 do DL 15/93 de 22/1 o arguido V... , na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;

e) condenamos em co-autoria material singular pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p p pelo artº 25 al a) do DL 15/93 de 22/1 os arguidos A... e B... , na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão efectiva para cada um;

f)condenamos em co-autoria material singular pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p p pelo artº 25 al a) do DL 15/93 de 22/1 os arguidos G... na pena de 3 (três) anos de prisão efectiva e H... , na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;

g) condenamos em co-autoria material singular pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p p pelo artº 25 al a) do DL 15/93 de 22/1 os arguidos I... e J... , na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva para cada um;

h) condenamos em co-autoria material singular pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p p pelo artº 25 al a) do DL 15/93 de 22/1 os arguidos L... e M... , na pena de 3 (três) anos de prisão efectiva para cada um;

i)condenamos em autoria material pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p p pelo artº 25 al a) do DL 15/93 de 22/1 a arguida F... , na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva;

j) condenamos em autoria material pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p p pelo artº 25 al a) do DL 15/93 de 22/1 o arguido N... , na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;

l)condenamos em autoria material pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p p pelo artº 25 al a) do DL 15/93 de 22/1 o arguido O... , na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses e prisão efectiva;

m) condenamos em autoria material pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p p pelo artº 25 al a) do DL 15/93 de 22/1 o arguido P... , na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão efectiva;

n) condenamos em autoria material pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p p pelo artº 25 al a) do DL 15/93 de 22/1 o arguido Q... , na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão efectiva;

o) condenamos em autoria material pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p p pelo artº 25 al a) do DL 15/93 de 22/1 o arguido T... , na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão efectiva;

p) condenamos em autoria material pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p p pelo artº 25 al a) do DL 15/93 de 22/1 o arguido U... , na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão efectiva;

q) condenamos em autoria material pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p p pelo artº 25 al a) do DL 15/93 de 22/1 o arguido Z... , na pena de 3 (três) anos de prisão efectiva;

r) condenamos em autoria material pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p p pelo artº 25 al a) do DL 15/93 de 22/1 o arguido AA... , na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

*

s) mais condenamos em autoria material singular os arguidos C... e G... cada um deles pela prática de um crime de detenção de arma proibida p p pelo artº 86 nº 1 al d) do RJAM nas penas de 2 (dois) meses de prisão para o arguido C... e 3 (três) meses de prisão para o arguido G... .

*

t)em cúmulo jurídico vai o arguido C... condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 1 (um) mês de prisão efectiva;

u) em cúmulo jurídico vai o arguido G... condenado na pena única de pena de 3 (três) anos e 1 (um) mês de prisão efectiva;

*

v) absolvemos os arguidos A... B... , G... e H... da perda ampliada de bens a favor do Estado, pelo facto de o crime de que os mesmos foram condenados (artº 25 al a) do DL nº 15/93) não fazer parte do catálogo dos crimes mencionados no artº 1 da Lei 5/2002  de 11 de Janeiro.

*

x)ao abrigo do disposto no artº 62 da Lei nº 15/93 de 22.1, ordenamos a destruição no mais curto prazo de tempo possível de:

Dez (10) cantos de plástico contendo de heroína, com o peso bruto de 3,832 g, com um grau de pureza de 13,9%;

Dezasseis (16) cantos de plástico contendo cocaína (cloridrato) com o peso bruto de 5,964 g, com um grau de pureza de 39,8%;

Doze (12) cantos de plástico contendo cocaína (Éster Met.) com o peso bruto de 2,580, com um grau de pureza de 44,4%

Um (1) canto de plástico contendo bicarbonato de sódio, com o peso bruto de 432,40 gramas utilizado para misturar com cocaína e aumentar a respectiva quantidade;

Um (1) canto de plástico contendo bicarbonato de sódio, utilizado no corte da Cocaína com o peso bruto de 19,350 gramas;

Uma (1) colher com resíduos de cocaína;

Uma (1) colher com resíduos de heroína;

Um (1) canivete com resíduos de substâncias estupefacientes;

Uma (1) balança digital de marca CAL utilizada para pesar as doses (“pacotes”) de cocaína e heroína, sem valor, bens apreendidos ao arguido C... :

Uma língua de cannabis (resina) com o peso de 3,040 g, com um grau de pureza de 7,5%, apreendida ao arguido L...

Uma navalha com saca-rolhas, de marca LaguiolePrestige, com resíduos de cocaína e heroína;

Duas pratas em forma de tubo utilizada para consumir;

Uma caixa metálica, com motivos de gatos, contendo um ovo plástico com cinco pacotes de cocaína (cloridrato), com o peso de 1,210g, com um grau de pureza de 50,5%;

Um plástico de maço de tabaco contendo onze pacotes de heroína tudo com o peso bruto de 3,975, com um grau de pureza de 19,1%, bens apreendidos ao arguido O... :

Uma embalagem de heroína, com um grau de pureza de 20,6%, com o peso de 24,277 g;

Uma embalagem de heroína, com um grau de pureza de 20%, com o peso de 24,474 g;

Uma embalagem de heroína, com um grau de pureza de 19,8%, com o peso de 19,767 g;

Uma embalagem de heroína, com um grau de pureza de 20,5%, com o peso de 14,533 g;

Uma embalagem de heroína, com um grau de pureza de 20,1%, com o peso de 9,678 g;

Uma embalagem de heroína, com um grau de pureza de 19,7%, com o peso de 6,231 g, bens apreendidos ao arguido Z...

– uma meia com duas embalagens feitas de cantos de sacos de plástico, com 200,590 g de heroína, com um grau de pureza de 15,4%;

– uma meia com canto de saco com paracetamol, com o peso de 99,995g, utilizado para misturar na heroína e aumentar respectiva quantidade;

- Onze ampolas de “Atrovent” e uma embalagem de “Redranate” utilizados como produto de corte para misturar na heroína e assim aumentar quantidade, bens apreendidos ao arguido V... .

*

Devem ser entregues a quem provar pertencer-lhes:

i) O telemóvel de marca Nokia, modelo 201, com o IMEI 358260043418282 que era de arguido C... corresponde a produto de crime de furto por subtração contra vontade de proprietário no interior de veículo automóvel, que deu origem a NUIPC 950/12.1PAMGR;

e os telemóveis de marca LG Máximo L3 com o IMEI 355656050836766 bem como o telemóvel de marca LG Máximo L3 com o IMEI 355656050876465, que também eram do arguido C... , correspondem a produto de crime de roubo perpetrado contra proprietário que ocorreu no dia 1 de Maio de 2013, em Ourém, que deu origem a NUIPC 29/13.9PAVNO, apreendidos ao arguido C... ;

ii) O telemóvel de marca Samsung Galaxy Duos com IMEI 355355055478167/01 no valor de € 80 foi subtraído contra vontade de legítimo proprietário em 17 de Abril de 2013, em Leiria, o que deu origem a NUIPC 230/13.5PCLRA, apreendido ao arguido G... ;

iii) O telemóvel de marca Iphone, de cor branca, com o IMEI nº 012849006297432, no valor de € 150, o qual foi subtraído contra vontade de legítimo proprietário na sequência de crime de roubo ocorrido em Lisboa a 19/1/2013 que deu origem a NUIPC 55/13.8SFLSB. (cf auto de apreensão de fls 4 200) apreendido ao arguido V... ;

Deve ser entregue a MM... :

O computador portátil de marca Asus, com número de série 9B0AAS095891 no valor de € 100 foi subtraído contra vontade de legítimo proprietário MM... na sequência de furto ocorrido em Lisboa no dia 5 de Abril de 2013, cerca das 16 horas, no estabelecimento de restauração daquele denominado “ (...) ” sito nas (...) o que deu origem a NUIPC 383/13.2PBLSB.

*

y) Declaramos perdidas a favor do Estado as munições apreendidas aos arguidos C... e G... .

w) Os demais objectos apreendidos nos autos devem ser levantados pelos arguidos no prazo de 90 dias e findos estes sem que se proceda ao seu levantamento, cumpra-se o disposto nos nºs 3 e 4 do artº 186 do CPP.

z) Proceda-se à entrega do veículo (...) SJ apreendido a fls 4292 e documentos apreendidos a fls 4269, 4270 e 4271 à arguida R... sua titular (fls 4271).

aa) Proceda-se à entrega do veículo (...) VF apreendido a fls 4323 verso e documento de fls 4324 à arguida H... .

ab) Proceda-se à entrega do veículo (...) 03 apreendido a fls 4294 e certificado de matrícula de fls 4295 à arguida R... .

ac) Proceda-se à entrega do veículo (...) II apreendido a fls 4684 e certificado de matrícula de fls 4685 ao arguido C... .

ad) Proceda-se à entrega do veículo (...) MR apreendido a fls 4695 e certificado de matrícula de fls 4697 ao arguido W... .

ae) Proceda-se à entrega do veículo (...) RG apreendido a fls 4300 verso e cópia de certificado de matrícula de fls 4301 ao seu proprietário HH... .»

OS RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS:

            No decurso das várias sessões por que se repartiu a audiência de julgamento, v.g. naquelas que tiveram lugar nos dias 10 e 17 de Setembro, 13 e 20 de Outubro, 10 e 17 de Novembro de 2014, viria o MP a interpor recursos de decisões proferidas em acta e devidamente identificados nas conclusões que retirou da sua motivação, assim repartidos:

I.

-- Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público dos 2 (dois) doutos despachos proferidos em Acta, da Sessão da Audiência de Discussão em Julgamento ocorrida no dia 10 de Setembro de 2014, após a produção do depoimento da testemunha BB... , nos quais:

a) Se indeferiu a leitura das declarações prestadas pela testemunha BB... , nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal e, por via desse indeferimento,

b) Se indeferiu a irregularidade suscitada pelo Ministério Público, em virtude de o Tribunal Colectivo ter omitido a realização de uma diligência reputada essencial para a descoberta da verdade, nos termos do disposto no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal.

-- Entendeu o Tribunal a quo indeferir a leitura em audiência “das demais declarações que a testemunha BB... havia prestado a fls. 5666 e 5667, em virtude de “estas não terem sido prestadas perante o Ministério Público, não obstante as ter confirmado de forma livre e esclarecida o seu teor” e, bem assim, ter entendido, “que depois dessa confirmação, o Ministério Público deveria transcrever o que a testemunha aí dissera.”

-- Ao permitir que as declarações prestadas nos termos do disposto nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal, possam ser reproduzidas ou lidas em Audiência de Discussão e Julgamento, quis o Legislador certificar-se, por um lado, que o Ministério Público se assegurasse que as declarações prestadas pelas testemunhas perante os órgãos de polícia criminal haviam sido serenamente prestadas, livres de quaisquer constrangimentos, e que as testemunhas as confirmassem na sua presença e, por outro, assegurar-se que essas mesmas declarações[1] pudessem ser utilizadas em Audiência de Discussão e Julgamento, assim se descobrindo a verdade, fazendo-se Justiça.

-- “Atou-se” o Tribunal a quo ao termo “prestadas”, interpretando-o restritivamente, para entender que as declarações prestadas pela testemunha BB... a fls. 5666 e 5667, não haviam sido “prestadas perante o Ministério Público, não obstante as ter confirmado de forma livre e esclarecida o seu teor (…)”.

-- Ao ter confirmado de forma livre e esclarecida o seu teor, por corresponder à verdade -- depois de lhe ser lido integralmente o teor do auto de inquirição de testemunha de fls. 5237 de acompanhamento, frente e verso bem como o teor de sessões telefónicas com que foi confrontado e relatório de vigilância --- a testemunha BB... , voltou a afirmar, assegurar, asseverar, atestar, autenticar, certificar, conferir, constatar, demonstrar provar, reconhecer, solidificar, testemunhar, testificar, verificar, aprovar, corroborar, homologar, ratificar, revalidar, sancionar, validar, conservar, firmar, manter, preservar, reiterar, sustentar, abonar, informar, garantir, persuadir, consagrar, chancelar, positivar, reafirmar e selar, perante o Ministério Público, que as declarações que havia prestado perante os órgãos de polícia criminal e os factos com os quais ali havia sido confrontado, haviam sido prestadas “de forma livre e esclarecida, por corresponderem à verdade.”

            -- Em consequência devia o Tribunal a quo ter deferido o requerido pelo Ministério Público, determinando que as declarações da testemunha (cfr. fls. 5666, 5667 e 5870) tivessem sido reproduzidas ou lidas em Audiência, ao abrigo do preceituado nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) eb), ambos do Código de Processo Penal e, a final, deles (do depoimento prestado em audiência, conjugado com o depoimento de fls. 5666, 5667 e 5870), ajuizasse qual deles -- ou nenhum -- deveria merecer credibilidade.

            -- Ao ter decidido como decidiu, violou o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo o disposto nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal, devendo ser revogado e substituído por outro que determine tal leitura e subsequente valoração dos factos neles constantes, para, após, considerar provados, ou não, os factos constantes do douto Despacho de Pronúncia.

-- Na sequência do entendimento do Tribunal Colectivo, exarado no douto despacho de que supra se recorre[2], arguiu o Ministério Público que aquele douto Tribunal havia omitido a realização da diligência requerida --- omissão essa reputada de imprescindível para a descoberta da verdade material --- e que, por via dessa omissão, havia sido cometida a irregularidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, que expressamente e naquele momento imediatamente arguiu.

            -- Ao ter indeferido a arguição de tal irregularidade, não permitindo que as declarações da testemunha (cfr. fls. 5666, 5667 e 5870) tivessem sido reproduzidas ou lidas em Audiência, ao abrigo do preceituado nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal e, a final, deles (do depoimento prestado em audiência, conjugado com o depoimento de fls. 5666, 5667 e 5870), ajuizasse qual deles -- ou nenhum -- deveria merecer credibilidade, cometeu o Tribunal a quo a irregularidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal.

            10ª -- Ao ter decidido como decidiu, violou o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo o disposto artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, devendo ser revogado e substituído por outro que determine tal leitura e subsequente valoração dos factos neles constantes, para, após, considerar provados, ou não, os factos constantes do douto Despacho de Pronúncia.

II.

1ª -- Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público dos doutos despachos proferidos em Acta da Sessão da Audiência de Discussão em Julgamento ocorrida no dia 17 de Setembro de 2014, nos quais:

a) O Tribunal a quo aceitou – in totum -- as recusas a depor que foram concedidas às testemunhas II... e JJ... , recusas essas que teriam como fundamento legal o disposto no artigo 134º, do Código de Processo Penal e, por via desse indeferimento,

b) Se indeferiu as irregularidades suscitadas pelo Ministério Público, em virtude de o Tribunal Colectivo ter omitido a realização das diligências reputadas essenciais para a descoberta da verdade, nos termos do disposto no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, a saber a sua inquirição na qualidade de testemunhas sobre os factos que não abrangiam a faculdade prevista no disposto no artigo 134º, do mesmo Compêndio Processual.

2ª – Dispõe o artigo 134º, do Código de Processo Penal, que:

“1 - Podem recusar-se a depor como testemunhas:
a) Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2º grau, os adoptantes, os adoptados e o cônjuge do arguido;
b) Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação. (…).”

3ª – “A hipótese inscrita no normativo visa a possibilidade de recusa a prestar depoimento por parte dos familiares, cônjuge e afins do arguido (bem como por parte do ex-cônjuge e de quem com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação), tem o propósito imediato de evitar situações em que tais pessoas sejam postas perante a alternativa de mentir, ou dizendo a verdade, contribuírem para a condenação seu familiar.”

– “A possibilidade de recusa tem como parâmetros a posição relativa ocupada pelo arguido e aquele que cuja recusa se configura (se é cônjuge, familiar, etc.) e os factos objecto do processo. Se estes não tocarem a responsabilidade criminal do arguido pelo crime em que é autor ou comparticipante não é admissível a recusa, não obstante a relação entre arguido e a testemunha, pois que o depoimento desta não é susceptível de colocar em causa aquela relação familiar que o legislador quis proteger.”

5ª -- “O direito de recusa de depor como testemunha não se aplica aos factos imputados exclusivamente aos co-arguidos com quem a testemunha não tenha relação de parentesco ou afinidade. Mas aquele direito de recusa de depor como testemunha aplica-se em relação aos factos que sejam simultaneamente imputados aos co-arguidos que têm e aos que não têm com a testemunha uma relação de parentesco ou afinidade.”

            – A testemunha II... apenas goza da prerrogativa legal de poder recusar-se a prestar depoimento sobre factos de cuja prática os arguidos E... e C... se encontram pronunciados, por serem respectivamente, sua cônjuge e cunhado.

            7ª -- A testemunha JJ... apenas goza da prerrogativa legal de poder recusar-se a prestar depoimento sobre factos de cuja prática a arguida E... se encontra pronunciada, ocorridos durante a coabitação, em virtude de com ela residir como se marido e mulher fossem um do outro.

– As testemunhas II... e JJ... não gozavam de igual prerrogativa legal, de poderem recuar prestar depoimento sobre factos imputados exclusivamente aos co-arguidos com quem as testemunhas não tinham relação de parentesco ou afinidade”, na medida em estes factos não tocariam a responsabilidade criminal dos arguidos pelo crime em que seriam autores ou comparticipantes”.

-- Ao conceder-lhes a faculdade de poderem recusar depor sobre os factos descritos em , decidindo como decidiu, violaram os doutos despachos proferidos pelo Tribunal a quo o disposto nos artigos 124º, nº 1 e 134º, nº 1, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal, 9º, nºs. 2 e3, 1578º e 1584º, todos do Código Civil.

10ª -- Pelo que deverão ser revogados e substituídos por outros que permita ao Ministério Público questionar as supra identificadas testemunhas sobre factos imputados exclusivamente aos co-arguidos com quem as testemunhas não tinham relação de parentesco ou afinidade”, na medida em estes factos não tocariam a responsabilidade criminal dos arguidos pelo crime em que seriam autores ou comparticipantes”.

            11ª -- Na sequência do entendimento do Tribunal Colectivo, exarado nos doutos despachos de que supra se recorre[3], arguiu o Ministério Público que aquele douto Tribunal havia omitido a realização das diligências requeridas --- omissão essa reputada de imprescindível para a descoberta da verdade material --- e que, por via dessa omissão, haviam sido cometidas as irregularidades previstas no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, que expressamente e naquele momento imediatamente se arguiram.

            12ª -- Ao ter indeferido a verificação das irregularidades arguidas, não permitindo que Ministério Público questionasse as supra identificadas testemunhas sobre factos imputados exclusivamente aos co-arguidos com quem as testemunhas não tinham relação de parentesco ou afinidade”, na medida em estes factos não tocariam a responsabilidade criminal dos arguidos pelo crime em que seriam autores ou comparticipantes”, ao abrigo do preceituado nos artigos 124º, nº 1 e 134º, nº 1, als. a) e b)[4], ambos do Código de Processo Penal, 9º, nºs. 2 e3, 1578º[5] e 1584º[6], todos do Código Civil e, a final, deles (dos depoimentos prestados) decidisse da sua responsabilidade criminal, ou não, cometeu o Tribunal a quo as irregularidades previstas no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal.

            13ª -- Ao ter decidido como decidiu, violou o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo o disposto artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, devendo ser revogado e substituído por outro que permita o Ministério Público questionar as supra identificadas testemunhas sobre factos imputados exclusivamente aos co-arguidos com quem as testemunhas não tinham relação de parentesco ou afinidade”, na medida em estes factos não tocariam a responsabilidade criminal dos arguidos pelo crime em que seriam autores ou comparticipantes.”

III.

-- Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público dos 10 (dez) doutos despachos proferidos em Acta, da Sessão da Audiência de Discussão em Julgamento ocorrida no dia 13 de Outubro de 2014, após a produção dos depoimentos das testemunhas CC... , DD... , EE... , FF... e GG... , nos quais:

a) Se indeferiu a leitura total e/ou parcial das declarações prestadas pelas testemunhas CC... , DD... , EE... , FF... e GG... , nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal, respectivamente e, por via desse indeferimento,

b) Se indeferiu as nulidades suscitadas pelo Ministério Público, em virtude de o Tribunal Colectivo ter omitido a realização de diligências reputadas essenciais para a descoberta da verdade, nos termos do disposto no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal.

-- Entendeu o Tribunal Colectivo nos seus doutos despachos, respectivamente, que só as declarações em cujos despachos se autorizou a sua leitura haviam sido prestadas perante o Ministério Público, o que foi feito, tendo indeferido a leitura das demais declarações supra identificadas, em virtude de “estas não terem sido prestadas perante o Ministério Público, não obstante as ter confirmado de forma livre e esclarecida o seu teor” e, bem assim, ter entendido, “que depois dessa confirmação, o Ministério Público deveria transcrever o que a testemunha aí dissera” e, por outro, “(…) que não haviam sido prestadas quaisquer declarações perante o Ministério Público, tão só a confirmado o que foi dito perante órgão de polícia criminal, o que, a nosso ver, não constituem declarações com o sentido que o preceito lhe atribui. (…)”

-- Ao permitir que as declarações prestadas nos termos do disposto nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal, possam ser reproduzidas ou lidas em Audiência de Discussão e Julgamento, quis o Legislador certificar-se, por um lado, que o Ministério Público se assegurasse que as declarações prestadas pelas testemunhas perante os órgãos de polícia criminal haviam sido serenamente prestadas, livres de quaisquer constrangimentos, e que as testemunhas as confirmassem na sua presença e, por outro, assegurar-se que essas mesmas declarações[7] pudessem ser utilizadas em Audiência de Discussão e Julgamento, assim se descobrindo a verdade, fazendo-se Justiça.

-- “Atou-se” o Tribunal a quo ao termo “prestadas”, interpretando-o restritivamente, para entender que as declarações prestadas pelas testemunhas CC... , DD... , EE... , FF... e GG... não haviam sido “prestadas perante o Ministério Público, não obstante as terem confirmado de forma livre e esclarecida o seu teor” e, bem assim, “que depois dessa confirmação, o Ministério Público deveria transcrever o que a testemunha aí dissera.”

-- Ao terem, respectivamente, confirmado de forma livre e esclarecida o seu teor, por corresponder à verdade --- depois de lhe serem lidos integralmente os teores dos autos de inquirição de testemunha respectivos, bem como o teor de sessões telefónicas com que foram confrontados e relatórios de vigilância --- as testemunhas CC... , DD... , EE... , FF... e GG... voltaram a afirmar, assegurar, asseverar, atestar, autenticar, certificar, conferir, constatar, demonstrar, provar, reconhecer, solidificar testemunhar, testificar, verificar, aprovar, corroborar, homologar, ratificar, revalidar, sancionar, validar, conservar, firmar, manter, preservar, reiterar, sustentar, abonar, informar, garantir, persuadir, consagrar, chancelar, positivar, reafirmar e selar perante o Ministério Público que as declarações que haviam prestados perante os órgãos de polícia criminal eos factos com os quais ali haviam sido confrontados haviam sido prestadas “de forma livre e esclarecida, por corresponderem à verdade.”

            -- Em consequência devia o Tribunal a quo ter deferido o requerido pelo Ministério Público, determinando que as declarações das testemunhas tivessem sido reproduzidas ou lidas em Audiência, ao abrigo do preceituado nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a)eb), ambos do Código de Processo Penal e, a final, deles (dos depoimentos prestados em audiência, conjugados com os depoimentos prestados perante o Ministério Público), ajuizasse qual deles -- ou nenhum -- deveria merecer credibilidade.

            -- Ao ter decidido como decidiu, violaram os doutos despachos proferidos pelo Tribunal a quo o disposto nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) eb), ambos do Código de Processo Penal, devendo ser revogados e substituídos por outros que determine tal leitura e subsequente valoração dos factos neles constantes, nos termos então requeridos, para, após, considerar provados, ou não, os factos constantes do douto Despacho de Pronúncia.

-- Na sequência do entendimento do Tribunal Colectivo, exarado nos doutos despachos de que supra se recorre[8], arguiu o Ministério Público que aquele douto Tribunal havia omitido a realização das diligências requeridas --- omissões essas reputadas de imprescindíveis para a descoberta da verdade material --- e que, por via dessas omissões, haviam sido cometidas as nulidades previstas no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, que expressamente e naquele momento imediatamente se arguiram.

            -- Ao ter indeferido a arguição das mencionadas nulidades, não permitindo que as declarações das testemunhas CC... , DD... , EE... , FF... e GG... tivessem sido reproduzidas ou lidas em Audiência, ao abrigo do preceituado nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal, nos termos requeridos, e, a final, deles (dos depoimentos prestados em audiência, conjugados com os depoimentos prestados perante o Ministério Público), ajuizasse qual deles -- ou nenhum -- deveria merecer credibilidade, cometeu o Tribunal a quo as nulidades previstas no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal.

            10ª -- Ao ter decidido como decidiu, violaram os doutos despachos proferidos pelo Tribunal a quo o disposto artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, devendo ser revogados e substituídos por outros que determine tais leituras e subsequente valoração dos factos neles constantes, para, após, considerar provados, ou não, os factos constantes do douto Despacho de Pronúncia.

IV.

-- Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público dos 2 (dois) doutos despachos proferidos em Acta, da Sessão da Audiência de Discussão em Julgamento ocorrida no dia 20 de Outubro de 2014, após a produção do depoimento da testemunha OO... , nos quais:

a) Se indeferiu a leitura parcial das declarações prestadas pela testemunha OO... , nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, al. a, ambos do Código de Processo Penal, respectivamente e, por via desse indeferimento,

b) Se indeferiu a nulidade suscitada pelo Ministério Público, em virtude de o Tribunal Colectivo ter omitido a realização de diligência reputada essencial para a descoberta da verdade, nos termos do disposto no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal.

-- Entendeu o Tribunal Colectivo nos seus doutos despachos, respectivamente, que só as declarações em cujos despachos se autorizou a sua leitura haviam sido prestadas perante o Ministério Público, o que foi feito, tendo indeferido a leitura das demais declarações supra identificadas, em virtude de “estas não terem sido prestadas perante o Ministério Público, não obstante as ter confirmado de forma livre e esclarecida o seu teor” e, bem assim, ter entendido, “que depois dessa confirmação, o Ministério Público deveria transcrever o que a testemunha aí dissera” e, por outro, “(…) que não haviam sido prestadas quaisquer declarações perante o Ministério Público, tão só a confirmado o que foi dito perante órgão de polícia criminal, o que, a nosso ver, não constituem declarações com o sentido que o preceito lhe atribui; e que, “para o Tribunal saber o que é dito perante o Ministério Público teria de ler ou mandar ler o que foi dito perante o órgão de polícia criminal, situação a que os arguidos se opõem.

-- Ao permitir que as declarações prestadas nos termos do disposto nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, al. a), ambos do Código de Processo Penal, possam ser reproduzidas ou lidas em Audiência de Discussão e Julgamento, quis o Legislador certificar-se, por um lado, que o Ministério Público se assegurasse que as declarações prestadas pelas testemunhas perante os órgãos de polícia criminal haviam sido serenamente prestadas, livres de quaisquer constrangimentos, e que as testemunhas as confirmassem na sua presença e, por outro, assegurar-se que essas mesmas declarações[9] pudessem ser utilizadas em Audiência de Discussão e Julgamento, assim se descobrindo a verdade, fazendo-se Justiça.

-- “Atou-se” o Tribunal a quo ao termo “prestadas”, interpretando-o restritivamente, para entender que as declarações prestadas pelas testemunhas OO... não haviam sido “prestadas perante o Ministério Público, não obstante as terem confirmado de forma livre e esclarecida o seu teor” e, bem assim, “que depois dessa confirmação, o Ministério Público deveria transcrever o que a testemunha aí dissera.”

-- Ao ter confirmado de forma livre e esclarecida o seu teor, por corresponder à verdade --- depois de lhe ser lido integralmente o teor do auto de inquirição de fls. 5258, 5259 e 5260, bem como o teor de sessões telefónicas com que foi confrontado --- a testemunha OO... voltaram a afirmar, assegurar, asseverar, atestar, autenticar, certificar, conferir, constatar, demonstrar, provar, reconhecer, solidificar testemunhar, testificar, verificar, aprovar, corroborar, homologar, ratificar, revalidar, sancionar, validar, conservar, firmar, manter, preservar, reiterar, sustentar, abonar, informar, garantir, persuadir, consagrar, chancelar, positivar, reafirmar e selar perante o Ministério Público que as declarações que havia prestado perante o órgão de polícia criminal e os factos com os quais ali havia sido confrontado haviam sido prestadas “de forma livre e esclarecida, por corresponderem à verdade.”

-- Nenhum sentido faria entender-se ocomplemento dessas mesmas declarações que se seguiram, não sendo possível cindir esse mesmo complemento das anteriores declarações, nas quais, até se corrigiu o teor de uma sessão de uma intercepção telefónica com a qual a testemunha foi confrontada em audiência, tendo confirmado o seu conteúdo, declarações essas, que, diga-se, o Tribunal a quo, refere, parafraseando tal Auto, até foram “confirmadas de forma livre e esclarecida.”

-- As declarações prestadas pela testemunha OO... não foram, assim, exclusivamente prestadas perante o órgão de polícia criminal, não estando, assim, abrangidas pela proibição legal enunciada no artigo 356ºº, nº 2, al. b), do Código de Processo Penal;

-- Em consequência devia o Tribunal a quo ter deferido o requerido pelo Ministério Público, determinando que as declarações da testemunha tivessem sido reproduzidas ou lidas em Audiência, ao abrigo do preceituado nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, al. a), ambos do Código de Processo Penal e, a final, deles (do depoimento prestado em audiência, conjugados com o depoimento prestado perante o Ministério Público), ajuizasse qual deles -- ou nenhum -- deveria merecer credibilidade.

            -- Ao ter decidido como decidiu, violou o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo o disposto nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, al. a), ambos do Código de Processo Penal, devendo ser revogado e substituído por outro que determine tal leitura e subsequente valoração dos factos nele constante, nos termos então requeridos, para, após, considerar provados, ou não, os factos constantes do douto Despacho de Pronúncia.

10ª -- Na sequência do entendimento do Tribunal Colectivo, exarado no douto despacho de que supra se recorre[10], arguiu o Ministério Público que aquele douto Tribunal havia omitido a realização da diligência requerida --- omissão essa reputada de imprescindível para a descoberta da verdade material --- e que, por via dessa omissão, havia sido cometida a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, que expressamente e naquele momento imediatamente se arguiu.

            11ª -- Ao ter indeferido a arguição da mencionada nulidade, não permitindo que as declarações constantes dos e 6º parágrafos de fls. 5689 prestadas pela testemunha OO... , confirmadas perante o Ministério Público tivessem sido reproduzidas ou lidas em Audiência, ao abrigo do preceituado nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, al. a), ambos do Código de Processo Penal, nos termos requeridos, e, a final, deles (do depoimento prestado em audiência, conjugado com o depoimento prestado perante o Ministério Público), ajuizasse qual deles -- ou nenhum -- deveria merecer credibilidade, cometeu o Tribunal a quo a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal.

            12ª -- Ao ter decidido como decidiu, violou o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo o disposto artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, devendo ser revogado e substituído por outro que determine tal leitura e subsequente valoração dos factos neles constantes, para, após, considerar provados, ou no, os factos constantes do douto Despacho de Pronúncia.

V.

-- Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público dos 2 (dois) doutos despachos proferidos em Acta, da Sessão da Audiência de Discussão em Julgamento ocorrida no dia 10 de Novembro de 2014, após a produção do depoimento da testemunha NN... , nos quais:

c) Se indeferiu a leitura parcial das declarações prestadas pela testemunha NN... , nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, al. b), ambos do Código de Processo Penal, respectivamente e, por via desse indeferimento,

d) Se indeferiu a nulidade suscitada pelo Ministério Público, em virtude de o Tribunal Colectivo ter omitido a realização de diligência reputada essencial para a descoberta da verdade, nos termos do disposto no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal.

-- Entendeu o Tribunal Colectivo no seu douto despacho que em virtude de “não ter sido prestadas quaisquer declarações perante o Ministério Público … sendo que as declarações constantes de fls. 5712 e 5713, face à oposição dos ilustres defensores dos arguidos, à falta de consentimento, inviabiliza o requerido.”

-- Ao permitir que as declarações prestadas nos termos do disposto nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, al. b), ambos do Código de Processo Penal, possam ser reproduzidas ou lidas em Audiência de Discussão e Julgamento, quis o Legislador certificar-se, por um lado, que o Ministério Público se assegurasse que as declarações prestadas pelas testemunhas perante os órgãos de polícia criminal haviam sido serenamente prestadas, livres de quaisquer constrangimentos, e que as testemunhas as confirmassem na sua presença e, por outro, assegurar-se que essas mesmas declarações[11] pudessem ser utilizadas em Audiência de Discussão e Julgamento, assim se descobrindo a verdade, fazendo-se Justiça.

-- “Atou-se” o Tribunal a quo ao termo “prestadas”, interpretando-o restritivamente, para entender que as declarações prestadas pela testemunha NN... não haviam sido “prestadas perante o Ministério Público, não obstante as ter confirmado de forma livre e esclarecida o seu teor”.”

-- Ao ter confirmado de forma livre e esclarecida o seu teor, por corresponder à verdade --- depois de lhe ser lido integralmente o teor do auto de inquirição de fls. 5823 de acompanhamento, frente e verso, bem como o teor de sessões telefónicas com que foi confrontado --- a testemunha NN... voltou a afirmar, assegurar, asseverar, atestar, autenticar, certificar, conferir, constatar, demonstrar, provar, reconhecer, solidificar testemunhar, testificar, verificar, aprovar, corroborar, homologar, ratificar, revalidar, sancionar, validar, conservar, firmar, manter, preservar, reiterar, sustentar, abonar, informar, garantir, persuadir, consagrar, chancelar, positivar, reafirmar e selar perante o Ministério Público que as declarações que havia prestado perante o órgão de polícia criminal eos factos com os quais ali havia sido confrontado haviam sido prestadas “de forma livre e esclarecida, por corresponderem à verdade.”

-- As declarações prestadas pela testemunha NN... não foram, assim, exclusivamente, prestadas perante o órgão de polícia criminal, não estando, assim, abrangidas pela proibição legal enunciada no artigo 356º, nº 2, al. b), do Código de Processo Penal,

– Na medida em que a testemunha NN... voltou a prestar declarações perante o Ministério Público.

-- Em consequência devia o Tribunal a quo ter deferido o requerido pelo Ministério Público, determinando que as declarações da testemunha tivessem sido reproduzidas ou lidas em Audiência, ao abrigo do preceituado nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, al. b), ambos do Código de Processo Penal e, a final, deles (do depoimento prestado em audiência, conjugados com o depoimento prestado perante o Ministério Público), ajuizasse qual deles -- ou nenhum -- deveria merecer credibilidade.

            -- Ao ter decidido como decidiu, violou o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo o disposto nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, al. b), ambos do Código de Processo Penal, devendo ser revogado e substituído por outro que determine tal leitura e subsequente valoração dos factos nele constante, nos termos então requeridos, para, após, considerar provados, ou não, os factos constantes do douto Despacho de Pronúncia.

10ª -- Na sequência do entendimento do Tribunal Colectivo, exarado no douto despacho de que supra se recorre[12], arguiu o Ministério Público que aquele douto Tribunal havia omitido a realização da diligência requerida --- omissão essa reputada de imprescindível para a descoberta da verdade material --- e que, por via dessa omissão, havia sido cometida a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, que expressamente e naquele momento imediatamente se arguiu.

            11ª -- Ao ter indeferido a arguição da mencionada nulidade, não permitindo que as declarações da testemunha NN... , constantes de fls. 5712 e 5713, novamente prestadas perante o Ministério Público a fls. 5877, tivessem sido reproduzidas ou lidas em Audiência, ao abrigo do preceituado nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 3, al. a), ambos do Código de Processo Penal, nos termos requeridos, e, a final, deles (do depoimento prestado em audiência, conjugado com o depoimento prestado perante o Ministério Público), ajuizasse qual deles -- ou nenhum -- deveria merecer credibilidade, cometeu o Tribunal a quo a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal.

            12ª -- Ao ter decidido como decidiu, violou o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo o disposto artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, devendo ser revogado e substituído por outro que determine tal leitura e subsequente valoração dos factos neles constantes, para, após, considerar provados, ou não, os factos constantes do douto Despacho de Pronúncia.

VI.

– Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público dos 2 (dois) doutos despachos proferidos em Acta, da Sessão da Audiência de Discussão em Julgamento ocorrida no dia 17 de Novembro de 2014, nos quais:

a) Se indeferiu a leitura das declarações prestadas pela testemunha QQ..., nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal, respectivamente e, por via desse indeferimento;

b) Se indeferiu a nulidade suscitada pelo Ministério Público, em virtude de o Tribunal Colectivo ter omitido a realização de diligência reputada essencial para a descoberta da verdade, nos termos do disposto no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal.

-- Entendeu o Tribunal Colectivo no seu douto despacho que “não tinham sido realizadas todas as diligências para apurar o paradeiro da testemunha”, pelo que indeferiu a leitura das declarações QQ..., nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal

            3ª -- A interpretação dada pelo Tribunal a quo, quer aos factos constantes dos Autos, quer à norma prevista no artigo 356º, nº 4, do Código de Processo Penal, não foram correctos.

            4ª -- Na verdade:

a) O paradeiro da testemunha QQ... era sobejamente conhecido e tinha sido notificada por duas vezes;

b) Por duas vezes a testemunha QQ...faltou às sessões da Audiência de Discussão e julgamento;

c) Por duas vezes foi ordenada a emissão de mandados de detenção para assegurar a presença da testemunha QQ...nas sessões da Audiência de Discussão e Julgamento, sendo que numa delas foi ordenado que se procedesse à eventual busca, caso fosse necessário detê-la;

d) Por duas vezes o órgão de polícia criminal encarregue de proceder à detenção daquela não o conseguiu fazer;

e) As sessões da Audiência de Discussão e Julgamento ocorreram às Segundas-Feiras;

f) A detenção permitida apenas o é pelo período de 24 horas;

g) Entre as ordens de detenção e a sua efectivação, a testemunha QQ... ausentou-se, por duas vezes, para parte incerta;

h) As declarações da testemunha QQ...eram e são, mais ainda, quando reportadas a criminalidade violenta ou altamente organizada, como é o caso dos autos, são consabidamente muito “voláteis”;

i) Mostrou-se impossível, de forma definitiva, proceder à detenção daquela, sendo que a impossibilidade se tornou duradoira, atento o disposto nos artigos 215º, nº 2 e 328º, nº 6, ambos do Código de Processo Penal.

5ª -- O artigo 356º, nº 4, do Código de Processo Penal, permite a leitura de tais declarações quando se verifique essa “impossibilidade duradoira”, sendo que o advérbio designadamente” --- sendo sinónimo de nomeadamente --- permite subsumir os factos acima narrados à mencionada “impossibilidade duradoira”.

            6ª -- Deste modo, devia o Tribunal a quo ter deferido o requerido pelo Ministério Público, determinado que as declarações da testemunha QQ... prestadas a fls. 5661 e 5662, novamente prestadas perante o Ministério Público, porque ali dadas por integralmente reproduzidas, com as alterações respectivas ali assinaladas (cfr. fls. 6392) fossem lidas e valoradas em audiência de discussão e julgamento, tudo ao abrigo do disposto nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal.

            -- Ao ter indeferido o requerido, violou o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo o disposto nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal, devendo ser revogado e substituído por outro que determine tal leitura e subsequente valoração dos factos neles constantes, nos termos então requeridos.

-- Na sequência do entendimento do Tribunal Colectivo, exarado no douto despacho de que supra se recorre[13], arguiu o Ministério Público que aquele douto Tribunal havia omitido a realização da diligência requerida --- omissão essa reputada de imprescindível para a descoberta da verdade material --- e que, por via dessa omissão, havia sido cometida a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, que expressamente e naquele momento imediatamente se arguiu.

            -- Ao ter indeferido a arguição da mencionada nulidade, não permitindo que as declarações da testemunha QQ... prestadas a fls. 5661 e 5662, novamente prestadas perante o Ministério Público, porque ali dadas por integralmente reproduzidas, com as alterações respectivas ali assinaladas (cfr. fls. 6392) fossem lidas e valoradas em audiência de discussão e julgamento, tudo ao abrigo do disposto nos artigos 1º, al. b) e 356º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal, cometeu o Tribunal a quo a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal.

            10ª -- Ao ter decidido como decidiu, violou o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo o disposto artigo 120º, nº 2, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Penal, devendo ser revogado e substituído por outro que determine tal leitura e subsequente valoração dos factos neles constantes.

Responderam os arguidos C... , D... e E... relativamente ao recurso identificado em IV., concluindo nos seguintes termos:

1. Salvo o devido respeito, entende-se não caber razão ao recorrente, pois os despachos recorridos nenhuma censura merecem.

2. O disposto no nº 3 do artº 356º do CPP somente pode ser interpretado (inclusive em cumprimento do nº 2 do artº 9º do Código Civil) como apenas permitindo a leitura das declarações efectivamente prestadas perante autoridade judiciária.

3. O confirmar o teor de outros documentos nunca pode ser considerado como cabendo na previsão do nº 3 do artº 356º do CPP, pois para isso o legislador deveria ter redigido tal norma aí incluindo também as meras confirmações de outras declarações prestadas perante outras entidades em outros momentos. O que não fez.

4. Meramente confirmar declarações prestadas perante outras entidades em outras alturas é pois muito diferente de prestar, de novo, essas outras declarações, agora perante autoridade judiciária.

5. Sempre com o devido respeito por opinião contrária, parece-nos inconcebível que se aceitem nesta sede declarações prestadas por remissão para outros documentos ou depoimentos.

6. A única declaração que pode considerar-se efectivamente prestada quando se confirma que algo aconteceu é precisamente, apenas e só, isso mesmo, a afirmação de que algo aconteceu, de determinada maneira.

7. Tal não equivale a que esses outros factos (depoimento confirmado) hajam acontecido de novo, por mero efeito da singela confirmação.

8. A testemunha não depõe de novo apenas declara confirmar que o que havia dito perante o órgão de polícia criminal é o que consta do teor do respectivo auto de inquirição.

9. Mesmo que se quisesse, no que não se concede, por se considerar entendimento incorrecto, ir além do permitido pela lei, sempre se levantaria outro obstáculo absolutamente intransponível: para se poder saber o que foi declarado perante órgão de polícia criminal sempre se teria de ler em audiência de discussão e julgamento o auto dessas declarações prestadas perante aquele órgão, o que a lei manifestamente não permite e seria, de facto, fazer já uma interpretação contra legem do artº 356º CPP.

10. A autoridade judiciária teria, no mínimo, - e embora se rejeite igualmente declarações prestadas ao estilo ‘corta e cola’ – questionar de novo a testemunha sobre os factos constantes de tais declarações anteriormente prestadas, pois só este auto do depoimento perante autoridade judiciária pode ser lido em audiência, e só estas declarações aqui prestadas podem ser valoradas pelo tribunal.

11. As declarações prestadas perante o MP pela testemunha, complementares à mera confirmação das declarações prestadas perante OPC, foram lidas em audiência.

12. As declarações prestadas perante OPC, e apenas constantes desses respectivos autos, não foram lidas, por não terem sido prestadas perante o MP, e ter sido entendimento do tribunal não haverem ocorrido outros depoimentos perante a autoridade judiciária, com ressalva dos complementos supra citados, estes integralmente lidos em julgamento.

13. Unicamente pode ser lido em audiência a transcrição do que foi dito perante autoridade judiciária, e não o declarado noutras ocasiões perante outros órgãos.

14. Além do mais, e, em bom rigor, nem sequer se deverá aceitar singelas reproduções mecânicas das declarações prestadas pelo OPC para mera chancela pela autoridade judiciária.

15. O tribunal ‘a quo’ interpretou correctamente o disposto nos artºs 1º, b) e 356º, 3, a) e b), tendo feito correcta aplicação ao caso concreto desses normativos legais.

16. Assim sendo, nenhuma diligência imprescindível para a descoberta da verdade material foi omitida ao não ter sido autorizada a leitura em audiência de discussão e julgamento do teor do auto de inquirição da testemunha perante OPC.

17. Pelo que não cometeu o tribunal ‘a quo’ a nulidade prevista no artº 120º, 2, d), 2ª parte, já que a diligência requerida pelo MP seria ilegal, e as diligências referidas neste preceito são apenas as legais.

18. Não houve omissão de diligência imprescindível para a descoberta da verdade material pois a diligência requerida pelo MP violaria o disposto nos artºs 1º, b) e 356º, 3, a) e b).

19. A descoberta da verdade material sempre tem de obedecer ao cumprimento da lei.

20. A omissão de diligências ilegais não configura qualquer irregularidade.

21. Por todo o exposto, em nosso entender, com o devido respeito, deverão ser integralmente mantidos os despacho recorridos.

            Os mesmos arguidos C... , D... e E... responderam ao recurso identificado sob o ponto V., concluindo nos seguintes termos:

1. Salvo o devido respeito, entende-se não caber razão ao recorrente, pois os despachos recorridos nenhuma censura merecem.

2. O disposto no nº 3 do artº 356º do CPP somente pode ser interpretado (inclusive em cumprimento do nº 2 do artº 9º do Código Civil) como apenas permitindo a leitura das declarações efectivamente prestadas perante autoridade judiciária.

3. O confirmar o teor de outros documentos nunca pode ser considerado como cabendo na previsão do nº 3 do artº 356º do CPP, pois para isso o legislador deveria ter redigido tal norma aí incluindo também as meras confirmações de outras declarações prestadas perante outras entidades em outros momentos. O que não fez.

4. Meramente confirmar declarações prestadas perante outras entidades em outras alturas é pois muito diferente de prestar, de novo, essas outras declarações, agora perante autoridade judiciária.

5. Sempre com o devido respeito por opinião contrária, parece-nos inconcebível que se aceitem nesta sede declarações prestadas por remissão para outros documentos ou depoimentos.

6. A única declaração que pode considerar-se efectivamente prestada quando se confirma que algo aconteceu é precisamente, apenas e só, isso mesmo, a afirmação de que algo aconteceu, de determinada maneira.

7. Tal não equivale a que esses outros factos (depoimento confirmado) hajam acontecido de novo, por mero efeito da singela confirmação.

8. A testemunha não depõe de novo apenas declara confirmar que o que havia dito perante o órgão de polícia criminal é o que consta do teor do respectivo auto de inquirição.

9. Mesmo que se quisesse, no que não se concede, por se considerar entendimento incorrecto, ir além do permitido pela lei, sempre se levantaria outro obstáculo absolutamente intransponível: para se poder saber o que foi declarado perante órgão de polícia criminal sempre se teria de ler em audiência de discussão e julgamento o auto dessas declarações prestadas perante aquele órgão, o que a lei manifestamente não permite e seria, de facto, fazer já uma interpretação contra legem do artº 356º CPP.

10. A autoridade judiciária teria, no mínimo, - e embora se rejeite igualmente declarações prestadas ao estilo ‘corta e cola’ – questionar de novo a testemunha sobre os factos constantes de tais declarações anteriormente prestadas, pois só este auto do depoimento perante autoridade judiciária pode ser lido em audiência, e só estas declarações aqui prestadas podem ser valoradas pelo tribunal.

11. As declarações prestadas perante OPC, e apenas constantes desses respectivos autos, não foram lidas, por não terem sido prestadas perante o MP, e ter sido douto entendimento do tribunal não haverem ocorrido outros depoimentos perante a autoridade judiciária.

12. Unicamente pode ser lido em audiência a transcrição do que foi dito perante autoridade judiciária, e não o declarado noutras ocasiões perante outros órgãos.

13. Além do mais, e, em bom rigor, nem sequer se deverá aceitar singelas reproduções mecânicas das declarações prestadas pelo OPC para mera chancela pela autoridade judiciária.

14. O tribunal ‘a quo’ interpretou correctamente o disposto nos artºs 1º, b) e 356º, 3, a) e b), tendo feito correcta aplicação ao caso concreto desses normativos legais.

15. Assim sendo, nenhuma diligência imprescindível para a descoberta da verdade material foi omitida ao não ter sido autorizada a leitura em audiência de discussão e julgamento do teor do auto de inquirição da testemunha perante OPC.

16. Pelo que não cometeu o tribunal ‘a quo’ a nulidade prevista no artº 120º, 2, d), 2ª parte, já que a diligência requerida pelo MP seria ilegal, e as diligências referidas neste preceito são apenas as legais.

17. Não houve omissão de diligência imprescindível para a descoberta da verdade material pois a diligência requerida pelo MP violaria o disposto nos artºs 1º, b) e 356º, 3, a) e b).

18. A descoberta da verdade material sempre tem de obedecer ao cumprimento da lei.

19. A omissão de diligências ilegais não configura qualquer irregularidade.

20. Por tudo o exposto, em nosso entender, com o devido respeito, deverão ser integralmente mantidos os despacho recorridos.

            Estes mesmos arguidos responderam também ao recurso identificado em VI., concluindo nos seguintes termos:

1. Salvo o devido respeito, entende-se não caber razão ao recorrente, pois os despachos recorridos nenhuma censura merecem.

2. Desde logo porque a testemunha em causa estava notificada para comparecer na audiência de julgamento e a norma do nº 4 do artº 356º do CPP apenas seria aplicável se não tivesse sido possível notificar a testemunha.

3. A norma do nº 4 do artº 356º do CPP, como norma excepcional à regra da valoração da prova produzida em julgamento, não admite aplicação analógica, não comporta uma interpretação extensiva e deve ser sempre interpretada em favor do arguido.

4. Não se pode falar de impossibilidade duradoira de fazer comparecer uma testemunha em audiência quando apenas há 3 dias que a testemunha não é vista na sua residência, nem há quaisquer informações de que, com carácter permanente, se tenha ausentado daquele local.

5. Quando, no fundo, a testemunha apenas não foi localizada naquela morada, e as diligências para localizar a testemunha tenham durado apenas algumas horas.

6. E quando a mais recente tentativa de cumprimento de mandado de detenção ocorreu numa morada que não é a que consta dos autos, que a testemunha não deu e se desconhece de quem seja.

7. Outras diligências eram possíveis e deveriam ter sido realizadas para localizar o paradeiro da testemunha antes de o tribunal poder decidir pela leitura das suas declarações.

8. Pois não foram realizadas todas as diligências possíveis e necessárias para assegurar o comparecimento em audiência de julgamento da testemunha, razão pela qual não podia o tribunal proceder à leitura das declarações de tal testemunha.

9. Carece assim de fundamento o recurso do MP.

10. O tribunal ‘a quo’ interpretou correctamente o disposto nos artºs 1º, b) e 356º, 4, tendo feito correcta aplicação ao caso concreto desses normativos legais.

11. Assim sendo, nenhuma diligência imprescindível para a descoberta da verdade material foi omitida ao não ter sido autorizada a leitura em audiência de discussão e julgamento do teor do auto de inquirição da testemunha perante OPC.

12. Pelo que não cometeu o tribunal ‘a quo’ a nulidade prevista no artº 120º, 2, d), 2ª parte, já que a diligência requerida pelo MP seria ilegal, e as diligências referidas neste preceito são apenas as legais.

13. Não houve omissão de diligência imprescindível para a descoberta da verdade material pois a diligência requerida pelo MP violaria o disposto nos artºs 1º, b) e 356º, 4.

14. A descoberta da verdade material sempre tem de obedecer ao cumprimento da lei.

15. A omissão de diligências ilegais não configura qualquer irregularidade.

16. Por todo o exposto, em nosso entender, com o devido respeito, deverão ser integralmente mantidos os despacho recorridos.

            Os arguidos A... , B... , G... , H... , I... e J... responderam ao recurso identificado em V., concluindo nos seguintes termos:

1. O legislador, ao dar a nova redacção ao nº 3 do artº 356º do CPP, jamais pretendeu que a recolha de declarações se transformasse numa mera peça em que se lê ou diz que lê ao arguido as declarações prestadas perante OPC e ele declara confirmá-las.

2. Ao permitir a leitura de tais declarações só se pode partir do princípio de que a testemunha, de forma livre, sem quaisquer paredes de pensamento ou de expressão, prestou depoimento perante autoridade judiciária.

3. Confirmar declarações anteriormente prestadas perante OPC não é prestar declarações, ou por outra, são declarações que consistem, tão somente, em dizer que se confirma.

4. Se já não aceitamos como boas as declarações prestadas perante autoridade judiciária que são um verdadeiro ‘copy-paste’ das declarações prestadas perante OPC, imagine-se quando a testemunha se pode limitar a dizer que sim, mesmo apenas assentir com a cabeça.

5. Em rigor, o que consta do auto de inquirição perante o OPC, não foi declarado perante autoridade judiciária e daí não se poder, de maneira nenhuma, pretender ler tais declarações por remissão.

6. Declarações perante o MP são declarações perante o Sr. Magistrado, mas prestadas em toda a sua extensão, sem limites desde logo impostos à testemunha quando se a confronta com as declarações prestadas no OPC.

7. Se o legislador quisesse que as declarações perante OPC pudessem ser utilizadas em julgamento sem o consentimento dos arguidos, tê-lo-ia permitido expressamente.

8. Pretender de forma tão enviesada ler declarações prestadas perante OPC, é o mesmo que pretender fazer entrar pela janela o que não foi possível entrar pela porta.

9. Carece em absoluto de fundamento o recurso no que ao despacho em apreço diz respeito.

10. Quanto ao segundo despacho, parece-nos absolutamente descabido que o cumprimento da lei possa levar a uma violação da lei. Na verdade,

11. Pode o MP concordar ou não com a decisão do tribunal, mas não nos parece adequado, por discordar, que se venha arguir a irregularidade de um despacho por se considerar que o mesmo comporta a omissão da realização de uma diligência essencial para a descoberta da verdade.

12. Parece-nos evidente que não há qualquer irregularidade, desde logo porque, e como se comprova, o efeito pretendido pelo MP só pode resultar da alteração/revogação do despacho a que aludimos anteriormente, em I.

13. O tribunal não poderia nunca, por um lado considerar ilegal a prática de um determinado acto e depois praticá-lo porque é essencial à descoberta da verdade…

14. A colher tal teoria, poder-se-iam violar todos os preceitos constitucionais desde que o que se fizesse fosse essencial para a descoberta da verdade…

15. Carece em absoluto de fundamento o recurso do MP no que ao despacho em apreço se refere.

            Os mesmos arguidos responderam também ao recurso identificado em IV., concluindo do seguinte modo:

1. O legislador, ao dar a nova redacção ao nº 3 do artº 356º do CPP, jamais pretendeu que a recolha de declarações se transformasse numa mera peça em que se lê ou diz que lê ao arguido as declarações prestadas perante OPC e ele declara confirmá-las.

2. Ao permitir a leitura de tais declarações só se pode partir do princípio de que a testemunha, de forma livre, sem quaisquer paredes de pensamento ou de expressão, prestou depoimento perante autoridade judiciária.

3. Confirmar declarações anteriormente prestadas perante OPC não é prestar declarações, ou por outra, são declarações que consistem, tão somente, em dizer que se confirma.

4. Se já não aceitamos como boas as declarações prestadas perante autoridade judiciária que são um verdadeiro ‘copy-paste’ das declarações prestadas perante OPC, imagine-se quando a testemunha se pode limitar a dizer que sim, mesmo apenas assentir com a cabeça.

5. Em rigor, o que consta do auto de inquirição perante o OPC, não foi declarado perante autoridade judiciária e daí não se poder, de maneira nenhuma, pretender ler tais declarações por remissão.

6. Declarações perante o MP são declarações perante o Sr. Magistrado, mas prestadas em toda a sua extensão, sem limites desde logo impostos à testemunha quando se a confronta com as declarações prestadas no OPC.

7. Se o legislador quisesse que as declarações perante OPC pudessem ser utilizadas em julgamento sem o consentimento dos arguidos, tê-lo-ia permitido expressamente.

8. Pretender de forma tão enviesada ler declarações prestadas perante OPC, é o mesmo que pretender fazer entrar pela janela o que não foi possível entrar pela porta.

9. Carece em absoluto de fundamento o recurso no que ao despacho em apreço diz respeito.

10. Quanto ao segundo despacho, parece-nos absolutamente descabido que o cumprimento da lei possa levar a uma violação da lei. Na verdade,

11. Pode o MP concordar ou não com a decisão do tribunal, mas não nos parece adequado, por discordar, que se venha arguir a irregularidade de um despacho por se considerar que o mesmo comporta a omissão da realização de uma diligência essencial para a descoberta da verdade.

12. Parece-nos evidente que não há qualquer irregularidade, desde logo porque, e como se comprova, o efeito pretendido pelo MP só pode resultar da alteração/revogação do despacho a que aludimos anteriormente, em I.

13. O tribunal não poderia nunca, por um lado considerar ilegal a prática de um determinado acto e depois praticá-lo porque é essencial à descoberta da verdade…

14. A colher tal teoria, poder-se-iam violar todos os preceitos constitucionais desde que o que se fizesse fosse essencial para a descoberta da verdade…

15. Carece em absoluto de fundamento o recurso do MP no que ao despacho em apreço se refere.

            Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu douto parecer, no qual conclui pelo provimento dos recursos intercalares interpostos pelo MP.

            Os arguidos C... , D... e E... responderam também a este parecer, reiterando a posição já anteriormente assumida.

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

DECIDINDO:

Partiremos de imediato para a análise dos recursos interlocutórios identificados, já que a sua procedência, podendo determinar a declaração de nulidade de todos (ou de alguns) dos despachos postos em crise nos recursos do MP, poderá também implicar que se sobreste na apreciação dos recursos interpostos da decisão final, de mérito. Acresce que o recorrente (o MP), no recurso que interpôs do acórdão final associa as questões naqueles suscitadas à ocorrência do vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, reafirmando o interesse na apreciação e decisão de todos os recursos retidos (ou que o deveriam ter sido) assim dando cumprimento ao disposto no artº 412º, 5, do CPP.

Analisados os seis grupos de recursos interlocutórios interpostos pelo MP, podemos agrupar em três tópicos as questões essenciais que são colocadas à nossa apreciação:

A. Nos recursos identificados sob os nºs I., III., IV. e V. a questão essencial prende-se com a pretensa nulidade (arguida no acto) do despacho que indeferiu a leitura de declarações prestadas por testemunhas perante o MP, na parte em que essas declarações foram feitas por remissão para as declarações prestadas perante órgãos de polícia criminal.

B. No recurso identificado em II. a questão prende-se com a pretensa nulidade (também prontamente invocada) do despacho que julgou ocorrer causa válida para recusa a depôr ‘in totum’, por parte de duas testemunhas.

C. Finalmente, no recurso identificado em VI. está em causa a nulidade (também oportunamente arguida) do despacho que indeferiu a leitura de declarações prestadas por uma testemunha notificada para a audiência mas que não foi possível fazer comparecer na mesma.

Assim, decidindo pela ordem como foram enumerados os atrás identificados tópicos:

A.Nos recursos identificados sob os nºs I., III., IV. e V. a questão essencial prende-se com a pretensa nulidade (arguida no acto) do despacho que indeferiu a leitura de declarações prestadas por testemunhas perante o MP, na parte em que essas declarações foram feitas por remissão para as declarações prestadas perante órgãos de polícia criminal.

No que concerne ao recurso identificado em I., relativamente à testemunha BB... (sessão de julgamento que teve lugar no dia 10/9/2014, acta de fls. 8642 e seg.s) o MP, entendeu que essa testemunha, por um lado, contrariou, com as suas declarações, outras prestadas em inquérito e, por outro, referiu não se recordar de outros factos sobre os quais foi questionado; assim, requereu, ao abrigo do disposto nos artº 1º, b) e 356º, a) e b) do CPP, que tais declarações fossem reproduzidas ou lidas em audiência.

Todos os arguidos se opuseram à leitura das declarações constantes do auto do qual constam declarações prestadas perante OPC, meramente confirmadas aquando das declarações prestadas perante o Magistrado do MP, por remissão, referindo no auto ter a testemunha confirmado de forma livre e esclarecida o depoimento anteriormente prestado, que lhe foi lido.

Sobre tal requerimento recaiu despacho, indeferindo a pretensão do MP, na parte em que ocorreu essa remissão, com fundamento expresso, entre o mais, em que «o MP ao ouvir a testemunha, leu o que havia sido dito na PSP e a testemunha “confirma de forma livre e esclarecida o seu teor”. O MP (…) depois dessa confirmação deveria de transcrever, declarando-o, o que a testemunha aí dissera.»

Face a tal indeferimento, o MP desde logo arguiu a nulidade que afirma ter ocorrido, o que fez ao abrigo do disposto no artº 120º, 2, d), 2ª parte do CPP.

Sobre tal requerimento recaiu, também, despacho de indeferimento.

Quanto ao recurso identificado em III. (sessão de 13/10/2014, acta a fls. 9031 eseg.s), a testemunha CC... refere não se recordar de determinados factos, a testemunha DD... terá prestado declarações contraditórias com aquelas outras prestadas em inquérito, em termos idênticos aos já referidos; idem quanto à testemunha EE... ; já a testemunha FF... invocou falta de memória relativamente a determinados factos e contrariou outros prestados em inquérito com aquelas referidas condicionantes; a testemunha GG... invocou também esquecimento.

No recurso identificado em IV. (sessão de 20/10/2014, acta a fls. 9123 eseg.s), a testemunha OO... invocou também o referido esquecimento.

Finalmente, no recurso identificado em V. (sessão de 10/11/2014, acta de fls. 9357 e seg.s), a testemunha NN... terá contrariado em julgamento declarações anteriormente prestadas nas mesmas já referidas circunstâncias.

Como vimos já, em todos os casos, os arguidos se opuseram à leitura das declarações prestadas perante o OPC (mas depois meramente confirmadas perante o MP em sede de inquérito).

Todas essas promoções do MP seriam indeferidas com remissão para a fundamentação dada aquando do primeiro indeferimento, já citada.

Em todos os casos, o MP, invocando a ocorrência da nulidade dependente de arguição, já referida, a arguiu.

Sobre esses requerimentos recaiu despacho de indeferimento.

Porque é unitário o tratamento a dar a este conjunto de questões, como também aconteceu em primeira instância, passaremos ao seu conhecimento conjunto.

Além do mais, dispõe o artº 356º, no seu nº 3, que «é também permitida a reprodução ou leitura de declarações anteriormente prestadas perante autoridade judiciária:
a) Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos; ou
b) Quando houver, entre elas e as prestadas em audiência, contradições ou discrepâncias

No nosso caso, parece que os despachos judiciais em crise aceitam, genericamente, como boas as invocadas fundamentações do MP que pretendia activar o funcionamento do mecanismo processual previsto naquele nº 3, na parte em que se refere à invocação do esquecimento de determinados factos pela testemunha depoente em audiência (a)) e/ou a ocorrência de contradição ou discrepância do depoimento então prestado relativamente ao prestado anteriormente, perante o MP (b)).

Que o MP, enquanto «autoridade judiciária» legalmente definida na norma do artº 1º, b), do CPP, «relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência», integra a previsão do proémio daquele nº 3, é inegável.

O M.mo Juiz deferiu tais promoções apenas relativamente às declarações das testemunhas em causa, plasmadas, em termos formais, nos autos de declarações a que o MP presidiu e que neles ficaram expressamente narradas. Já na parte em que desses autos ficou a constar a remissão apropriativa para declarações anteriormente prestadas perante a autoridade judiciária, indeferiu a pretensão da acusação; para tanto invocou que a lei se opõe a que tais declarações sejam lidas sem o consentimento dos demais sujeitos processuais, por rerem sido prestadas perante autoridade policial, isto apesar de o MP as ter lido e a testemunha em causa as ter confirmado de forma «livre e esclarecida». Remata a sua fundamentação invocando que o MP «depois dessa confirmação deveria de transcrever, declarando-o, o que a testemunha aí dissera».

Dispõe o artº 99º, 1, do CPP, que «o auto é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, bem como a recolher declarações (…)». Continua o nº 3 afirmando que «o auto contém, além dos requisitos previstos para os actos escritos, menção dos elementos seguintes:(…)

c)Descrição especificada das operações praticadas, da intervenção de cada um dos participantes processuais, das declarações prestadas, do modo como o foram e das circunstâncias em que o foram (…)».

            Que os autos de declarações prestadas perante o MP obedeceram a todas estas exigências é indubitável; que eles retratam de modo verdadeiro o modo como os factos se sucederam, também não é questionado por ninguém. Resta saber se a circunstância de não terem sido expressamente reproduzidas nesse auto as declarações anteriormente prestadas perante as autoridades policiais, e que nele são dadas como lidas no acto, tendo o seu teor sido confirmado de forma livre e esclarecida pela testemunha respectiva, por corresponderem à verdade, determina que se possa afirmar que, por isso, essas prévias declarações, porque não reproduzidas no auto, não o integram. Tal legitimaria a recusa da sua leitura, como aconteceu nos despachos impugnados ora em análise.

            Cremos que só uma leitura demasiado formal e positivista das normas em causa permitiria a retirada de tal conclusão.

            A norma do artº 356º do CPP pretende salvaguardar uma certa integridade processual, no sentido em que pretende evitar que do processo constem asseverações individuais de factos que ora são afirmados ora negados pelo mesmo depoente, sem consequências pessoais ou processuais. Não se quer com isto dizer que não seja livre ao depoente retractar-se de afirmações anteriormente feitas, no sentido de as desaprovar expressamente, de modo a repor a verdade; mas tal deverá resultar do seu depoimento e ser feito constar do auto. O que se pretende evitar é que o depoente, em declarações posteriores se desdiga simplesmente, no sentido de dizer o contrário do que tinha dito antes, declarando falso o que anteriormente havia dado por verdadeiro, com motivações que, transcendendo a afirmação da verdade, se prendem com motivos por vezes insondáveis mas que, noutras ocasiões, se adivinham como tentativa de colher benefícios próprios ou de favorecimento alheio.

            O mesmo se diga relativamente a algumas situações em que é invocado esquecimento.

            No caso presente, o MP, ao tomar declarações às testemunhas que haviam anteriormente deposto perante a autoridade policial, ao invés de adoptar a postura preconizada pelo tribunal recorrido, de transcrever literalmente essas declarações após a sua confirmação pelo depoente, optou por referir a sua leitura e posterior confirmação. Se era tão simples ter ‘copiado’ tais declarações, face aos meios técnicos hoje postos à disposição até dos tribunais, por que não o ter feito?! Talvez por desnecessidade.

            Por um lado, o facto de apenas poderem ser consideradas para os efeitos do disposto no nº 3 do referido artº 356º as declarações prestadas perante autoridade judiciária, prende-se com a presunção legal de que as declarações prestadas nessas circunstâncias são produzidas num ambiente de diálogo e de liberdade, já que ao depoente é assegurado o direito de relatar, livremente e de modo integral, sem retaliações ou consequências outras que não as que se prendem com o desrespeito pela verdade, aquilo que sabe ou presenciou.

            Por outro, o facto de o depoente ter sido confrontado com as suas anteriores declarações, sendo-lhe dada a possibilidade de, livremente, as negar, corrigir, rectificar, aumentar ou interpretar, torna desnecessária a sua reprodução. Tal justifica-se em primeiro lugar por razões de economia: se o depoente as confirma, não vemos que exigências de ordem intelectual, lógica ou de apego à verdade exigem essa reprodução. As novas declarações confirmatórias hão-de abranger as anteriormente prestadas, que se encontram devidamente integradas nos autos, situadas em termos processuais. Assim se respeita a exigência formal do referido artº 99º, 3, c), do CPP, já que do modo como se mostra lavrado o auto resulta de forma literal e consonante com a realidade, a «descrição especificada (…) do modo como o foram e das circunstâncias em que o foram» obtidos tais depoimentos. A forma como se mostram redigidos os autos em causa é aquela que melhor retrata a realidade, as circunstâncias e o modo como foram obtidos os depoimentos. Será que se mostraria necessário referir, após o que se deixou dito no auto, que tais declarações «são as que a seguir se transcrevem»? Tal, além de desnecessário, afigura-se-nos ser antieconómico, considerando a economia do processo. Estaríamos a proceder a uma actividade de ‘corta e cola’ referenciada por alguns dos recorridos respondentes.

            Idêntica seria a situação caso o depoente remetesse para documento escrito da sua autoria, junto ao processo. Seria necessário transcrevê-lo no seu depoimento? Cremos que não, bastando a referência ao mesmo e a sua localização concreta.

            Como diz o Ex.mo PGA, no seu douto parecer ao afirmar que o constava do anterior auto «no que respeita às declarações reproduzidas, passou a fazer parte por remissão do novo auto, sendo aquele lido não por ele, mas pela sua integração no acto prestado perante o MP».

           

            Após ver indeferidas as suas pretensões de leitura integral dos depoimentos, nela abrangidas também as anteriores declarações prestadas perante a autoridade policial e no acto confirmadas, o MP arguiu a nulidade de tais despachos, procurando cobertura legal no disposto no artº 120º, 2, d), ‘in fine’, já que a posição assumida pelo tribunal recorrido constituirá «omissão posterior [ao inquérito ou à instrução] de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade».

            Vimos já que estavam reunidos os pressupostos legais de que depende a activação do princípio ínsito no artº 356º, 3, a) e b) do CPP: as testemunhas em causa ou invocaram esquecimento das declarações anteriormente prestadas ou, simplesmente, depuseram de modo negatório, ou pelo menos divergente, do que nelas haviam afirmado.

            Por outro lado, acabámos também de afirmar que essa leitura permitida abrangeria todo o conteúdo das declarações prestadas perante o MP, seja directamente (parte em que foram lidas na audiência) seja por via da remissão apropriativa operada nos autos respectivos (parte em que foi indeferida).

            Da conjugação entre as duas normas acabadas de referir resulta, de modo inequívoco, que o indeferimento parcial das diligências requeridas pelo MP constituiu «omissão de diligências (…) essenciais para a descoberta da verdade» já que, a terem sido lidas tais declarações em audiência, a sua posterior valoração, nos termos do disposto no artº 127º do mesmo CPP, poderia ter reflexos na formação da convicção probatória do tribunal.

            Ao ter negado tal possibilidade processual, incorreu o tribunal recorrido na nulidade arguida, assim determinando a nulidade dos despachos impugnados, impondo-se a sua revogação e substituição por outros que, deferindo tais leituras de forma integral, nos termos já referidos, reabrindo-se a audiência a fim de serem efectuadas tais leituras, com elas se confrontando as testemunhas em causa e procedendo-se a nova reapreciação da prova.

           

B. No recurso identificado em II. a questão prende-se com a pretensa nulidade (também prontamente invocada) do despacho que julgou ocorrer causa válida para recusa a depôr ‘in totum’, por parte de duas testemunhas.

            Na acta da sessão do julgamento que teve lugar no dia 17 de Setembro de 2014 (fls. 8823 e seg.s) compareceram para depor como testemunhas II... , marido da arguida E... e cunhado do arguido LL... e JJ... , este a viver ‘maritalmente’ com a referida E... desde data que não soube determinar mas que o tribunal ‘reportou’ pelo menos a Março/Abril de 2012.

            Face à existência de tais relações de casamento, parentesco, afinidade ou união de facto, o tribunal, ao abrigo do disposto no artº 134º do CPP aceitou a recusa de depôr dessas duas testemunhas.

            O MP de imediato requereu que estas duas testemunhas depusessem relativamente aos factos imputados aos demais arguidos.

            Todos os arguidos se opuseram a tal.

            O tribunal, após fazer apelo à evolução histórica do regime relativo à recusa de depor, analisando as pertinentes normas do CPP de 1929, concluiu que, ao contrário daquele, a norma do artº 134º do CPP vigente «não restringiu com qualquer limite de obrigação, de prestar declarações como o fazia o CPP de 1929. (…) Ora hoje o artº 134º do CPP vigente apenas admite a recusa desde que se verifique que a testemunha se encontra numa das situações de parentesco, afinidade ou união de facto do arguido. Todavia a razão de ser que já antes impedia o depoimento e as declarações relativamente aos outros arguidos mantém-se. Assim, não há razão para distinguir se os restantes arguidos ou algum deles é responsável apenas por factos seus e se em relação a estes continua a interessar o depoimento. Não se distingue o que a lei não distinguiu. É que ainda que tal depoimento não contenda com os factos comuns aos outros co-arguidos, pode da mesma forma afectar as razões que estiveram na base da recusa do depoimento. E, como tal, há que admitir a recusa dos depoimentos em relação à globalidade dos arguidos e não só em relação ao arguido, parente, afim ou unido de facto ou aos factos deste e dos co-arguidos em que a participação se verifique» [extractos]

Com tal fundamentação, indeferiu a promoção do MP.

De imediato o MP arguiu a nulidade constante do artº 120º, 2, d), 2ª parte do CPP.

Sobre tal arguição recaiu despacho de indeferimento.

            Dispõe, a propósito, o artº 134º, do CPP, que:

1 - Podem recusar-se a depor como testemunhas:

a)Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2º grau, os adoptantes, os adoptados e o cônjuge do arguido;

b)Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação.

       A teleologia de tal norma é clara e pode repartir-se em duas vertentes, uma interna e outra externa:

- Por um lado pretende-se evitar que a testemunha colocada numa das situações previstas na norma seja obrigada a depor, assim incriminando o arguido que lhe é próximo em virtude de com ele manter uma relação de família, parentesco, casamento ou união de facto, quando depõem com verdade;

- Por outro lado, e caso fosse obrigatório o depoimento nessas circunstâncias, pretende-se evitar que a testemunha em causa, na intenção de favorecer o arguido, seja levada a mentir em tribunal, sujeitando-se às respectivas consequências penais.

       De qualquer modo, o âmbito de protecção dessa possibilidade de recusa em depôr, nessa dual perspectiva, apenas visa o arguido relativamente ao qual tal laço se estabeleceu, sendo que nos casos de casamento e de co-habitação, essa protecção se restringe aos factos ocorridos no período durante os quais essas situações se mantiveram.

       Na nossa perspectiva as razões que servem de fundamento a tal recusa a depôr não são extensivas a qualquer outro arguido, à excepção dos casos em que os factos a este relativos sejam susceptíveis de interferir no estatuto processual do co-arguido relativamente ao qual se verificam os pressupostos da recusa a depôr: falamos dos casos em que se verifique uma qualquer forma de comparticipação entre os dois arguidos, pois que neste caso a circunstância de se depôr relativamente a um arguido pode atingir, directa ou indirectamente, o arguido que se pretendeu proteger com tal possibilidade de recusa.

       Se a possibilidade da recusa fosse universal, como o pretende o despacho recorrido, mais do que uma recusa ou impedimento a depôr, estaríamos perante uma quase inabilidade atípica.

       Não desconhecemos a jurisprudência citada no despacho recorrido (ac. STJ de 17/1/1996, CJ, tomo 1, pag. 177), no sentido da extensão absoluta dessa recusa a depôr. No entanto, como é referido também por Maia Gonçalves na exegese que faz a tal norma (CPP Anotado, pag. 331), afigura-se-nos que essa não será a melhor orientação, aquela que melhor se compagina com o texto e com a teleologia da norma. No mesmo sentido por nós defendido pode ver-se o ac. da RG, citado no parecer do Ex.mo PGA.

       Não se vislumbra qualquer interesse relevante na possibilidade dessa recusa relativamente aos demais arguidos não abrangidos pela protecção legal, pois que casos hão-de ocorrer em que exista co-autoria entre arguidos não previstos naquela norma ou autoria singular por um deles. E nessas circunstâncias, não será válida a recusa a depôr pois que nesse pormenor se sobreporá a obrigatoriedade em depôr que resulta da excepcionalidade consagrada no artº 131º, 1, do CPP.

       Assim se respeitará o limite referido no despacho recorrido, de não exigir a contribuição para a prova dos factos pelas pessoas previstas na norma.

       Ao admitir a recusa a depôr relativamente a matérias que extravasam o âmbito de protecção da norma em causa (artº 134º do CPP), ou seja, quanto a matérias apenas pertinentes aos demais arguidos que com as testemunhas não se encontrem numa das relações previstas na norma e que não sejam susceptíveis de integrar uma qualquer forma de comparticipação com o arguido-alvo da norma, o tribunal ‘a quo’ incorreu na já analisada nulidade prevista no artº 120º, 2, d), ‘in fine’ do CPP, traduzida na «omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade».

       Por isso, e também neste pormenor, a reabertura da audiência deve abranger a advertência das testemunhas em causa de que a recusa a depôr apenas pode ser validamente considerada relativamente aos arguidos que se encontrem numa relação prevista nas al.s a) e b) do nº 1, do artº 134º do CPP, mesmo assim com as restrições temporais estabelecidas na parte final da al. b).

C. No recurso identificado em VI. está em causa a nulidade (também oportunamente arguida) do despacho que indeferiu a leitura de declarações prestadas por uma testemunha notificada para a audiência mas que não foi possível fazer comparecer na mesma.

            Aqui está em causa o despacho proferido na acta da sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 17 de Novembro de 2014 (fls. 9580 e seg.s) que indeferiu promoção do MP relativa à pretensão da leitura em audiência das declarações prestadas pela testemunha QQ... a fls. 5661 e 5662 e dadas como inteiramente reproduzidas perante o MP a fls. 6392, ao abrigo do disposto nos artºs 1º, b) e 356º, 4, do CPP. Tal testemunha, apesar de notificada para comparência não o fez, nem foi possível fazê-la comparecer mediante a emissão de mandados de detenção.

            A tal pretensão se opuseram todos os arguidos.

            O despacho de indeferimento teve como fundamentação fáctica os elementos que diz resultar das informações objectivas que as certidões negativas trouxeram ao processo, que assim sintetiza:

- há três dias que não é vista na sua residência;

- não há informações de que, com carácter permanente, se tenha ausentado daquele local;

- não é localizada naquela morada.

            Face a tal indeferimento, o MP arguiu a nulidade em que o tribunal incorre, prevista no artº 120º, 2, d), 2ª parte, do CPP.

            Também esta arguição foi indeferida.

Analisados os autos, verifica-se que a testemunha em causa, tendo foi arrolada pela acusação, na acusação e, posteriormente, na pronúncia.

A testemunha em causa foi considerada notificada por via postal já que, como pode ver-se a fls. 8039, a prova de recepção postal foi assinada por uma tal “ PP... ” na morada que havia sido indicada, Rua (...) , Pataias.

Na primeira sessão do julgamento, agendada para o dia 10/9/2014 (acta a fls. 8642 e seg.s), a testemunha em causa foi dada como faltosa, sendo condenada na penalidade respectiva e sendo determinada a passagem de mandados de detenção para assegurar a sua comparência.

Na acta de fls. 8710 e seg.s, v.g. a fls. 8724, foi designado odia 20/10/2014 para a inquirição da testemunha em causa, sendo emitidos os respectivos mandados de detenção.

A fls. 9101 foi junto aos autos o mandado de detenção, certificado negativamente, com data de 20/10/2014, «em virtude de a mesma não se encontrar na sua residência e segundo se apurou junto de vizinhos, a mesma desde o dia 17 de Outubro de 2014 que não é vista em casa».

Na acta da sessão do julgamento que teve lugar naquele dia 20, a fls. 9138, o MP promoveu se oficiasse ao SEF, e se pesquisasse na base de dados da segurança social se é conhecida outra morada da referida QQ....

A pesquisa na base de dados da segurança social não foi possível (fls. 9146) e, a fls. 9198, o SEF indicou que a morada que tem disponível é a constante destes autos.

Na acta de fls. 9281 e segs., o MP promoveu a leitura das declarações prestadas perante o MP pela testemunha em causa, face à posição assumida pelos arguidos, foi proferido despacho no sentido de ser tentada nova notificação da arguida, agora através da intervenção do OPC, para comparência no dia 10/11/2014.

A fls. 9296 é junto ofício da segurança social, informando que a referida QQ... não está ali inscrita nem recebe qualquer prestação.

A fls. 9335 é junto aos autos termo de notificação pessoal da testemunha, na morada “Travessa y..., Pataias”, datado de 6/11/2014.

Porque faltou a essa sessão do julgamento (v. fls. 9370) para que fora pessoalmente notificada, a testemunha foi sancionada e ordenada a passagem de mandados de detenção para o dia 17 de Novembro de 2014.

A fls. 9572 e seg.s foi junto aos autos o emitido mandato, certificado negativamente, informando que a testemunha em causa não foi localizada nem na sua originária residência (Rua da x...) nem na mais recente (Travessa y...).

Na sessão de 17/11/2014 (acta de 9580 e seg.s), o MP reiterou no seu requerimento, no sentido de as declarações da testemunha Nadyia, prestadas a fls. 5661 e 5662, «novamente prestadas perante o M.P., porque ali dadas por integralmente reproduzidas, com as alterações respectivas ali assinaladas (cfr. fls. 6392) sejam lidas e valoradas em audiência de discussão e julgamento, tudo ao abrigo do disposto nos artºs 1º, b) e 356º, 4, ambos do CPP».

Dada a palavra aos ilustres advogados dos arguidos, todos eles se opuseram ao deferimento de tal requerimento, por considerarem não se terem esgotado ainda todas as diligências tendentes ao apuramento do paradeiro da testemunha.

Sobre tal requerimento recaiu o já referido despacho recorrido, de indeferimento.

O MP ainda arguiu a nulidade também já referida, tendo tal arguição sido indeferida, por nãose verificar «uma impossibilidade duradoura» nem estarem «esgotadas todas as diligências para se apurar o paradeiro de alguém».

Dispõe, a propósito, o artº 356º, 4, do CPP, que «é permitida a reprodução ou leitura de declarações prestadas perante a autoridade judiciária se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoura, designadamente se, esgotadas as diligências para apurar o seu paradeiro, não tiver sido possível a sua notificação para comparecimento».

Ou seja, a par dos casos de impossibilidade definitiva (morte ou anomalia psíquica) a lei prevê casos em que a impossibilidade de comparência é ‘apenas’ duradoura. Porque a norma não define o que seja impossibilidade duradoura, deve ser o intérprete a integrar tal conceito em branco. Como se diz no ‘CPP Anotado’ por Maia Gonçalves, na exegese da norma agora em estudo, «trata-se de uma válvula de segurança (…). O que é ou não impossibilidade duradoura fica ao prudente arbítrio do juiz.» Devemos pois, usar de toda a racionalidade, equilíbrio e bom senso na integração desse conceito. Até atenta a natureza excepcional da permissão de leitura ou reprodução operada pelo artº 356º em estudo. Por regra, os depoimentos devem ser prestados em audiência, num ambiente de conjugação entre a imediação e a oralidade.

Com efeito, como se disse no ac. T.C. nº 1052/96, in DR II, de 24/12/96, «A leitura dos autos e declarações autorizada pelo artigo 356º representa uma emanação da oralidade e publicidade da audiência, traduzindo-se porém em excepção ao princípio da imediação da prova, excepção justificada pela impossibilidade ou grande dificuldade da sua produção directa ou por outras razões pertinentes. Mas, nas situações que, a título taxativo, são previstas naquele preceito houve o evidente propósito de acautelar as garantias de defesa do arguido, nomeadamente o princípio do contraditório estabelecendo-se um regime diferenciado em função, não só da natureza dos actos processuais, como também da autoridade judiciária ou de polícia criminal perante quem foram praticados.»

Ou seja, as exigências daquele prudente arbítrio sujeitam-nos à obrigação de compressão máxima dos casos em que tais leitura ou reprodução podem ter lugar. Só em casos extremos, verificada nos autos a absoluta impossibilidade de fazer comparecer o declarante em audiência, seja voluntariamente, após notificação, seja debaixo de custódia policial, se apesar dessa notificação, ele faltou injustificadamente ao acto para que fora convocado. Essa impossibilidade é absoluta por referência ao acto em causa, não querendo tal significar que se mantenha necessariamente para sempre. Devem ter sido esgotadas todas as diligências necessárias e indispensáveis a fazer comparecer a testemunha no julgamento. O arguido ausente em parte incerta em determinado tempo, pode ter paradeiro conhecido noutro tempo.

No nosso caso, a testemunha foi notificada uma primeira vez, por via postal, tendo faltado à sessão de julgamento para que fora convocada; na sequência seriam emitidos mandados de detenção; entretanto foi junto aos autos o mandado de detenção, certificado negativamente, com data de 20/10/2014, «em virtude de a mesma não se encontrar na sua residência e segundo se apurou junto de vizinhos, a mesma desde o dia 17 de Outubro de 2014 que não é vista em casa».

Ou seja, nesta primeira situação não é certificado que a testemunha esteja em paradeiro incerto ou desconhecido, mas apenas que os vizinhos não a vêm há 3/4 dias.

Na sequência de tal certidão, o MP promoveria, numa da sessões de julgamento que entretanto teve lugar, que se oficiasse ao SEF e se pesquisasse na base de dados da segurança social procurando saber do paradeiro daquela, o que tudo se mostrou infrutífero.

Então, o MP promoveu a leitura das declarações prestadas pela testemunha sendo proferido despacho no sentido de ser tentada nova notificação da arguida, agora através da intervenção do OPC.

Entretanto é junto aos autos termo de notificação pessoal da testemunha, agora na morada “Travessa y..., Pataias”.

Porque faltou à sessão do julgamento para que fora pessoalmente notificada, a testemunha foi sancionada e ordenada a passagem de mandados de detenção para nova data, sendo que tais mandados foram devolvidos, certificados negativamente, informando que a testemunha em causa não foi localizada nem na sua originária residência (Rua da x...) nem na mais recente (Travessa y...). Estranhamente, tendo a testemunha em causa sido notificada na morada da Trav. y..., o «mandado de detenção e condução, com busca» foi emitido com referência à primitiva morada, na Rua da x... e não, como o deveria ter sido, para a morada onde fora por último notificada. Não obstante, a GNR, talvez por se ter apercebido desse desfasamento, certificou que a visada QQ... não foi localizada na rua da x...; mais certificou que «a partir das 13 horas do dia 16 de Novembro de 2014, esta Guarda efectuou as diligências julgadas necessárias para o cumprimento dos mandados, tendo sido realizadas várias deslocações junto da morada que lhe é conhecida, nomeadamente Travessa y...Pataias – Alcobaça, não tendo, todavia sido localizada naquela morada. Não se verificou qualquer indício de alguém estar eventualmente no interior. Efectuadas diligências junto dos vizinhos, foi apurado que os mesmos não tinham sido vistos.»

Ou seja, tendo o mandado sido emitido para detenção, com busca, se necessário, com a errada indicação da anterior morada da testemunha, o certo é que a GNR acabaria por a não deter por a não ter localizado. Mas não exclui a possibilidade de que ela se acoite na sua morada mais recente, onde, aliás a havia notificado pessoalmente 5/6 dias antes. O que certifica é que a partir das 13 horas do dia 16/11 e até antes das 9:41 do dia imediato (v. data/hora da comunicação de fls. 9572) levou a cabo as diligências «julgadas necessárias», mas que não concretiza, junto da sua morada mais recente, não a tendo localizado novamente. Não certifica que ela não se encontrava no interior da residência, tanto mais que nem sequer poderia ali ter levado a efeito a busca, dada a errada indicação do domicílio no mandado, mas apenas que não «se verificou qualquer indício de alguém estar eventualmente no interior» e que foi apurado junto de vizinhos que ela não tinha sido vista. De pouca valia se mostram tais informações, já que não se certifica, em parte alguma que a testemunha não se encontra no interior da sua residência.

Resumindo, temos de considerar que não foram levadas a cabo todas as diligências tendentes à verificação do desconhecimento do paradeiro da testemunha que pudesse integrar aquele conceito de «impossibilidade duradoura» de a fazer comparecer em juízo, que não foram «esgotadas as diligências para apurar o seu paradeiro», como exemplificativamente refere a norma em estudo.

Assim sendo, aquele prudente arbítrio a que fizemos já apelo, o bom senso de que se deve municiar o julgador em todas as suas decisões, impede-nos de considerar que seja duradoura a impossibilidade de fazer comparecer a testemunha “ QQ...” em julgamento. Aliás, a resenha factual a que atrás procedemos até parece indicar que ela resida na última morada indicada pela GNR.

Permitir a leitura das declarações da testemunha nestas circunstâncias seria subverter por completo o sentido da norma em estudo.

Deste modo, por não estar preenchida a previsão normativa do artº 356º, 4, do CPP, cremos ter sido ajustada a decisão de indeferimento proferida pelo tribunal recorrido; do mesmo modo, e pelas mesmíssimas razões, cremos não ocorrer qualquer «omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade», justificativa da cominação de invalidade/nulidade (artº 120º, 2, d), 2ª parte), do despacho ora sob análise.

Termos em que se acorda nesta Relação em:

1 – Conceder provimento aos recursos identificados em A) (I, III, IV e V), declarando a nulidade dos despachos impugnados, assim os revogando e substituindo por outros que, deferindo tais leituras de forma integral, nos termos já referidos e determinando a reabertura da audiência a fim de serem efectuadas tais leituras, com elas se confrontando as testemunhas em causa ( BB... , CC... , DD... , EE... , FF... , GG... , OO... e NN... ), seguindo-se depois os termos posteriores do julgamento.

2. Conceder provimento aos recursos identificados em B) (II), declarando a nulidade dos despachos impugnados, assim os revogando e substituindo por outros que admitam as testemunhas em causa ( II... e JJ... ) a depôr, reabrindo-se a audiência para o efeito, e nela se advertindo as testemunhas em causa de que a recusa a depôr apenas pode ser validamente considerada relativamente a factos pertinentes aos arguidos que se encontrem numa relação prevista nas al.s a) e b) do nº 1, do artº 134º do CPP, mesmo assim com as restrições temporais estabelecidas na parte final da al. b), seguindo-se depois os termos posteriores do julgamento.

3. Negar provimento ao recurso identificado em C) (VI).

4. O provimento parcial dos recursos prejudica a análise dos recursos interpostos do acórdão final, já que terá de se proceder a uma reanálise da prova e à elaboração de novo acórdão, que a contemple.

Sem tributação, dado que o provimento dos recursos foi apenas parcial.

Coimbra, 3 de Junho de 2015

(Jorge França - relator)

(Fernanda Ventura - adjunta)

           


[1]As quais, quando reportadas a criminalidade violenta ou altamente organizada, como é o caso dos autos (cfr. artigo 51º, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro), são consabidamente muito “voláteis” -- “vá-se lá saber porquê ! embora tentemos adivinhar, correndo o risco de acertar” -- na fase de Julgamento.
[2]Nos termos e com os fundamentos exarados em III.1 da presente motivação de recurso.
[3]Nos termos e com os fundamentos exarados em III.1 da presente motivação de recurso.
[4]Este “a contrariosensu”
[5]Idem.
[6] Idem.
[7]As quais, quando reportadas a criminalidade violenta ou altamente organizada, como é o caso dos autos (cfr. artigo 51º, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro), são consabidamente muito “voláteis” -- “vá-se lá saber porquê ! embora tentemos adivinhar, correndo o risco de acertar” -- na fase de Julgamento.
[8]Nos termos e com os fundamentos exarados em III.1 da presente motivação de recurso.
[9]As quais, quando reportadas a criminalidade violenta ou altamente organizada, como é o caso dos autos (cfr. artigo 51º, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro), são consabidamente muito “voláteis” -- “vá-se lá saber porquê ! embora tentemos adivinhar, correndo o risco de acertar” -- na fase de Julgamento.
[10]Nos termos e com os fundamentos exarados em III.1 da presente motivação de recurso.
[11]As quais, quando reportadas a criminalidade violenta ou altamente organizada, como é o caso dos autos (cfr. artigo 51º, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro), são consabidamente muito “voláteis” -- “vá-se lá saber porquê ! embora tentemos adivinhar, correndo o risco de acertar” -- na fase de Julgamento.
[12]Nos termos e com os fundamentos exarados em III.1 da presente motivação de recurso.
[13]Nos termos e com os fundamentos exarados em III.1 da presente motivação de recurso.