Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
101/10.7EALSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: CRIME DE VENDA
CIRCULAÇÃO
OCULTAÇÃO
PRODUTOS OU ARTIGOS CONTRAFEITOS
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 321º A 324º DO CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Sumário: São elementos do crime previsto no artº 324º do Código da Propriedade Industrial, a venda, colocação em circulação ou ocultação de produtos contrafeitos por qualquer dos modos e condições referidas nos artigos 321° a 323°, nomeadamente, que os descritos comportamentos hajam ocorrido sem consentimento pelos representantes da respetiva marca e que o agente tenha conhecimento da situação, sendo certo que o elemento subjetivo se preenche com o dolo em qualquer uma das suas modalidades e que o bem jurídico protegido por esta norma é a marca registada, garantindo-se assim o interesse do respetivo titular.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

O Ministério Público acusou os arguidos A... e B... de, em co-autoria material, haverem cometido um crime de venda de produtos contrafeitos, previsto e punido pelo art.º. 324º, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 36/2003, de 5 de Março, em concurso ideal com um crime de fraude sobre mercadorias, previsto e punido pelo art.º. 23º, nº 1, alínea a., do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro.

Realizado o julgamento, decidiu o tribunal julgar parcialmente procedente a acusação e condenar cada um dos arguidos, como co-autor material de um crime de fraude sobre mercadorias, previsto e punido pelo art.º 23º, n.ºs 1, alínea a. e 2, do Decreto Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro na pena de 30 dias de multa à taxa diária de 6 euros.

Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O Ministério Público entende que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, conjugada com as regras da razão, da lógica e da experiência, impunha que se desse como provado que:

a. No dia 24 de Novembro de 2010, pelas 16 horas e 30 minutos, uma brigada de agentes da ASAE, Direcção Regional do Centro, deslocou-se a um estabelecimento de venda a retalho de vestuário, calçado e acessórios, denominado “Desportos D...”, sito na Rua ..., deste concelho e comarca da Covilhã.

b. Entraram no referido estabelecimento onde foram encontrar a Senhora C..., que naquele momento desempenhava as suas funções de empregada de balcão por conta, ordem, e sob a orientação dos ora arguidos A... e B....

c. Embora fosse esta ali encontrada, eram os arguidos quem geriam e exploravam tal estabelecimento, pois eram eles quem adquiriam os artigos para venda, quem lhes atribuía o preço, quem representava tal “firma” em termos comerciais e fiscais.

d. Efectuada diligência sumária de inspecção ao referido estabelecimento, foram estes ali encontrar em exposição, para venda a toda e qualquer pessoa que ali entrasse, setenta e cinco pares de botas que ostentavam a marca “Timberland”, bem como 9 pares de sapatos que, igualmente, ostentavam a referida marca.

e. Quer as botas quer os sapatos encontravam-se acondicionados em caixas de papelão que também ostentavam a marca “Timberland”.

f. Junto desse calçado encontravam-se afixados vários cartazes indicando, designadamente, o seguinte: “Promoção Botas 50% Desc.” (fls. 8), “Botas Antes 150 € Agora 75 €”.

g. Por desconfiarem da sua autenticidade, procederam tais agentes a apreensão dos artigos que se encontram melhor descritos a fls. 5, respeitantes às referidas botas e sapatos.

h. Submetidos tais objectos a exame pericial, conforme resulta do auto de exame constante de fls. 44, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, veio-se a apurar que os produtos apreendidos não são artigos originais devido:

i. Botas

1. As costuras nas solas são visíveis o que não acontece nos originais;

2. Os componentes gerais das botas não são originais;

3. Nas solas não é utilizado o sistema europeu de atribuição de tamanhos;

4. Informação relativa à referência do modelo no interior das botas inconsistente;

ii. Sapatilhas

1. Os componentes gerais das sapatilhas não são originais;

2. Nas solas não é utilizado o sistema europeu de atribuição de tamanhos;

3. A qualidade geral de fabrico é inferior à do original;

4. Ausência de embalagem característica da marca,

i. A marca aposta nos objectos apreendidos se encontra registada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial e, por conseguinte, protegida em território Português.

j. Os artigos apreendidos tinha sido adquiridos para venda pela arguida B..., que na data da aquisição geria o estabelecimento na ausência do co-arguido e com autorização deste a indivíduo cuja identidade desconhece, que se apresentou como vendedor da marca Timberland, e dia vender restos de colecção e daí fazer promoções.

k. Os arguidos não tinham qualquer documento contabilístico que sustentasse a aquisição de tais artigos.

1. Os arguidos eram comerciantes, nomeadamente de artigos desportivos.

m. Os arguidos, não obstante terem perfeito conhecimento da natureza e características de tais artigos, não se abstiveram de os adquirir, de os manter em armazenamento, e de os colocarem a venda no seu estabelecimento comercial a todas as pessoas que ali entrassem, e se mostrassem interessadas em adquiri-los.

n. Não desconheciam os arguidos que qualquer consumidor médio de tais artigos poderia ser induzido em erro ou confusão, na medida em que não dispõe de capacidade para distinguir as marcas colocadas naquele calçado das autênticas.

o. Quiseram os arguidos, por essa forma, auferir um benefício patrimonial que sabiam não lhes ser devido.

p. Agiram ainda de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta não lhes era permitida, e que a mesma era punida por lei.

q. Agiram em plena comunhão de esforços e de intentos.

r. Não lhe são conhecidos antecedentes por ilícitos penais ou económicos.

Porquanto:

2. Quanto à matéria de facto:

3. O Tribunal a quo deu como provada a versão trazida à audiência de discussão e julgamento por ambos os arguidos, segundo a qual os mesmos foram enganados por um desconhecido que lhes vendeu 84 pares de botas e sapatos da marca “Timberland” no valor de € 6.075,00 sem lhes ter entregue qualquer guia, factura ou outro documento condenando-os pela pratica de um crime de fraude de mercadorias na forma negligente.

4. Entendemos que o Tribunal a quo cometeu um erro notório na apreciação da prova, nomeadamente ao valorar as declarações dos arguidos, pois das declarações dos arguidos, conjugadas com as regras da lógica e da experiência comum, outra deveria ter sido a conclusão do Tribunal a quo no que ao elemento subjectivo típico diz respeito tendo considerado como provados os factos integradores do elemento subjectivo que constam da matéria de facto não provada em vez de dar como provada a negligência dos arguidos.

5. O arguido declarou que A minha filha encontrava-se com a minha funcionária a gerir o estabelecimento. Eu não estava presente na altura que andava a construir uma casa e pronto era normal para ela aprender mais um pouco porque futuramente seria empresária. O normal da situação do vendedor aparecer lá a vender sapatos com um vendedor a vender queijo, como um vendedor a vender outro tipo de situação. Ela estava presente nesse dia, comprou o material, eu não tive conhecimento porque eu não estava, não tinha estado nesse ano andei a fazer outros tipos de trabalhos e também queria que ela se responsabilizasse e infiltrasse na situação (Gravação áudio 00:25 a 01:08).

6. A arguida esclareceu que o Sr. passou-me um papelinho com os números de pares e passou até porque eu pedi: olhe se não se importa ponha-me o número de pares, o valor e o total que eu lhe paguei isto depois para eu confrontar o meu pai que tinha feito aquela compra e pronto o valor que tinha sido e depois o senhor mandava a factura para casa. (Gravação áudio 00:02 a 00:21).

7. O arguido contradiz-se nas suas declarações já que, em primeiro lugar, à pergunta da Sra. Procuradora-Adjunta o Senhor já tinha vendido outros artigos desta marca responde Já sim senhor (Gravação áudio 05:00 a 05:01) e mais à frente à pergunta formulada pela Sra. Procuradora-Adjunta Antes deste dia 24 de Novembro de 2010, o Sr. disse que já tinha comprado outros artigos desta marca. Confirma isso? Foge À questão acabando, depois de uma pausa, por responder Ó Sra. Dra., Timberland não temos nestes últimos anos (Gravação áudio 05:45 a 06:00).

8. Questionado o arguido relativamente ao processamento das compras na sua empresa, à pergunta da Sra. Procuradora-Adjunta é normal comprar 84 pares de sapatilhas e botas sem qualquer factura? retorquiu esta semana comprei 300 com uma guia e agora mandam a factura via correio.

9. Este mesmo arguido, perante a observação da Sra. Procuradora-Adjunta Mas aqui não há guia nem factura, respondeu Sra. Dra., há um papel deixado. O normal sobre a guia se eu tivesse podia explorar a situação. Como foi a minha filha, olhe depois mandamos, pronto ela foi enganada (Gravação áudio 07:10 a 07:47).

10. Do teor destas declarações logicamente apenas resulta que o arguido não se encontrava afastado do negócio na data da aquisição do material contrafeito apesar de ter tentado passar uma ideia contrária ao Tribunal a quo, dado a sua filha lhe prestava contas razão pela qual referiu que pediu o dito papel não se afigurando credível que o arguido só tenha tido conhecimento do dito negócio no dia da inspecção da ASAE conforme afirmou,

11. Atendendo a que a formalização de um negócio pelos arguidos envolve sempre, pelo menos, uma guia e o papel a que se refere a arguida nunca foi junto aos autos o que não se compreende já que o mesmo serviria para justificar o pagamento de uma soma de dinheiro elevada no montante de € 6.085,00.

12. Estes factos apenas se entendem porque os arguidos adquiriram material de marca sem qualquer suporte legal atendendo à sua natureza contrafeita logo não foi comercializado por qualquer representante da marca.

13. Outra explicação não se descortina para a celebração de um negócio de compra e venda de calçado na soma de dinheiro elevada no montante de € 6.085,00.

14. Assim, que a atitude dos arguidos é intencional ao comprar aqueles bens que, atentas as características apuradas no exame pericial, eram falsos.

15. Natureza esta que era conhecida dos arguidos atendendo à experiência dos mesmos à frente do negócio no qual vendiam artigos de marca estando já a arguida à frente da loja sozinha com a empregada segundo as declarações do arguido.

16. Resulta das regras da experiência e do funcionamento do negócio dos arguidos, que não se compra material de marca no valor de € 6.085,00 sem qualquer documento, nem que seja um papel informal.

17. Conjugando estes factos, bem como a ausência de qualquer documento a atestar a venda e desconhecimento total do individuo que lhes vendeu tais artigos, os arguidos quiseram comprar aqueles bens que, atentas as características apuradas no exame pericial, eram falsos, natureza esta conhecida dos arguidos.

18. O alegado papel, manifestamente, não existe porque se existisse os arguidos já o teriam juntado aos autos dado sobre os factos haverem já decorrido mais de dois anos tendo já oportunidade de o fazer.

19. Face a esta inexistência de documento, estamos convencidos que os arguidos compraram o material em causa a um baixo preço vendendo-o a um preço de saldo desde 01.12.2009 conforme resulta do documento que anuncia essa venda apreendido a fls. 9.

20. O arguido pretendeu fazer passar a ideia que as botas em causa tinham sido compradas no Verão anterior à sua apreensão ao ter declarado que a minha filha disse-me que isso foi em Agosto, finais de Agosto, e ela comprou porque como eram botas era para serem vendidas no Inverno (Gravação áudio 13:10 a 13:20), bem como a arguida ao referir que: o Sr. apareceu era vendedor da Timberland, trazia até um catálogo pequenino, mostrou-me alguns modelos que iriam ter e que trazia restos de colecção se eu queria comprar e eu informei-me dos preços, ele jazia-me um preço mais barato e eu achei que seria um bom negócio visto que íamos entra no Inverno (Gravação áudio 14:49 a 15:11).

21. Confrontando estas declarações o teor do documento que anuncia a venda das botas (fls. 9) este tem como data de início da promoção 01.12.2009, o que impossibilita que a aquisição deste material se tenha verificado no Verão anterior à inspecção conforme os arguidos quiseram convencer o Tribunal a quo.

22. Relativamente às declarações das testemunhas indicadas pelos arguidos na própria audiência de julgamento entendemos que o Tribunal a quo deveria ter considerado que foi extraída certidão contra a testemunha Sérgio André Almeida pela prática de um crime de falsidade de testemunho por serem manifestas contradições com as declarações dos arguidos - cfr. fls. 151 e 152.

23. Este incidente, de acordo com as regras da experiencia e da lógica, deve igualmente conduzir à desvalorização pelo Tribunal da versão factual apresentada pelos arguidos conjugada com o facto dos arguidos não terem indicado como testemunha C... presente no local dos factos aquando da realização da inspecção da ASAE, esta sim com conhecimento directo dos factos, ao contrário das outras duas testemunhas que apresentaram.

24. Atentas as insuficiências e contradições presentes nas declarações dos arguidos e nas testemunhas por si indicadas entendemos que a sua versão factual não merece o mínimo de credibilidade existindo, assim, um erro notório na apreciação desta prova.

25. Nestes termos, devem os arguidos ser condenados pelos factos objectivamente imputados aos mesmos conjugados com factos subjectivos imputados na acusação que integram a conduta dolosa (referidos na conclusão 1 alíneas m a p) já que devem ser valorizados os factos constantes no auto de notícia confirmados pelo exame pericial, o qual nem se quer é considerado na fundamentação de facto, e pelos depoimentos dos agentes da ASAE em detrimento das declarações dos arguidos.

26. Quanto à matéria de direito:

27. O Tribunal a quo, a nível do direito, fundamenta a condenação por um crime de fraude de mercadorias invocando o seguinte: Entre o crime de contrafacção acima analisado e o crime de fraude sobre mercadorias verifica-se uma relação de consumpção, devendo o facto ser punido como crime de fraude, em caso de concurso aparente, pois a norma que prevê este tipo de ilícito promove a defesa de bens Jurídicos mais extensos - Acs da RP, de 2/6/99, C], ano 99, t. !II,p. 237, e de 12/07/00, C], ano 2000, t. IV,p. 223 (este último considerando também verificar-se um concurso aparente), o que se decide.

28. Entendemos que, mais uma vez, não assiste razão ao Tribunal a quo.

29. Em primeiro lugar, nestes autos não é imputado aos arguidos a prática de qualquer crime de contrafacção, mas sim de venda de produtos contrafeitos p. e p. pelo artigo 324.° do Código da Propriedade Industrial.

30. Por outro lado, entendemos que o número de infracções se determina pelo número de valorações que, no mundo jurídico e criminal correspondem a uma certa actividade.

31. Pelo que, se diversos valores ou bens jurídicos são negados por uma mesma conduta, outros tantos crimes haverão de ser contados, independentemente de, no plano naturalístico, lhes corresponder uma só actividade, isto é, de estarmos perante um concurso ideal.

32. Inversamente, se um só valor é negado, só um crime existirá, já que a específica negação de valor que no crime se surpreende reúne em uma só actividade todos os elementos que o constituem.

33. Por serem diversas as previsões normativas preenchidas pela conduta dos arguidos, diferentes os fundamentos da sua punição e diferentes os bens jurídicos protegidos pelas referidas normas incriminadoras.

34. Enquanto que no crime de fraude nas mercadorias se protege imediatamente a confiança que deve merecer aos cidadãos o sistema económico instituído, no crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos contrafeitos protege-se a defesa dos titulares das marcas das práticas concorrenciais ilegais.

35. Nenhuma das normas em presença se apresenta como um tipo especial em relação à outra, pelo que não se regista a regra da especialidade que impõe o afastamento da lex general is em benefício da lex specialis, não se verificando uma relação de mais para menos entre as normas (no sentido de que a realização do mais grave inclui a realização do menos grave) e, como supra se referiu, os valores protegidos pelas mesmas são diversos, pelo que não pode dizer-se que uma das normas consome já a protecção que a outra visa, e isto afasta a regra da consunção.

36. Assim, entendemos que existe concurso efectivo, a punir como tal, nos termos do disposto nos art. 30.° n.º 1 e 77.° do Código Penal, entre o crime de fraude nas mercadorias p.p. pelo art. 23° n.º 1 al. a) do Decreto - Lei n? 28/84, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico das Infracções Antieconómicas e Contra a Saúde Publica) e o crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos p. e p. pelos artigos 323.°, al, f) e 324.° ambos do Código de Propriedade Industrial conforme entende a doutrina e jurisprudência actual.

37. Pelo supra exposto, o Tribunal a quo, ao não condenar os arguidos pela prática, na forma dolosa, em comparticipação, do crime de venda de produtos contrafeitos, p. e p. pelo art. 324.°, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto Lei n° 36/2003, de 5 de Março, e do crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo art. 23.°, n.º 1, al. a), do Decreto Lei n° 28/84, de 20 de Janeiro, incorreu em dois vícios.

38. Erro notório na apreciação da prova ao valorizar as declarações dos arguidos atentas as suas contradições e insuficiências internas e face ao teor dos documentos juntos aos autos

39. Erro de direito por ter violado o disposto nos artigos 30.°, n.º 1 e 77.°, n.º 1 do Código Penal ao não condenar, em concurso efectivo, os arguidos pelos crimes de venda de produtos contrafeitos e de fraude sobre mercadorias atendendo a que a sua conduta preenche estes dois tipos leais que preenchem bens jurídicos diferentes conforme explanado.

40. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, considerando o teor do autor de noticia, o material apreendidos nos autos, o exame pericial junto aos autos, as declarações dos agentes da ASAE, a ausência de qualquer documentação que ateste a aquisição do material em causa e as declarações contraditórias dos arguidos e das suas testemunhas, e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida proferida em 1ª instância,

41. Sendo modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada, acrescentando-se os seguintes factos provados:

a. Os arguidos, não obstante terem perfeito conhecimento da natureza e características de tais artigos, não se abstiveram de os adquirir, de os manter em armazenamento, e de os colocarem a venda no seu estabelecimento comercial a todas as pessoas que ali entrassem, e se mostrassem interessadas em adquiri-los.

b. Não desconheciam os arguidos que qualquer consumidor médio de tais artigos poderia ser induzido em erro ou confusão, na medida em que não dispõe de capacidade para distinguir as marcas colocadas naquele calçado das autênticas.

c. Quiseram os arguidos, por essa forma, auferir um benefício patrimonial que sabiam não lhes ser devido.

d. Agiram ainda de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta não lhes era permitida, e que a mesma era punida por lei.

42. Condenando-se os arguidos pela prática, na forma dolosa, em comparticipação, do crime de venda de produtos contrafeitos, p. e p. pelo art. 324.°, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto Lei n° 36/2003, de 5 de Março, e do crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo art. 23.°, n.º 1, al. a), do Decreto Lei n° 28/84, de 20 de Janeiro em penas de multa e de prisão, substituídas por multa face à ausência de antecedentes criminais e contra-ordenacionais dos arguidos.

Não houve resposta.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência do recurso.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal os arguidos nada disseram.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[1]].

Questões a decidir:

- Erro na apreciação da prova

- Concurso entre crime de venda de produtos contrafeitos, previsto e punido pelo art.º. 324º, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 36/2003, de 5 de Março e crime de fraude sobre mercadorias, previsto e punido pelo art.º 23º, nº 1, alínea a., do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro.

- Integração jurídica dos factos

- Medida das penas

Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):

“1º No dia 24 de Novembro de 2010, pelas 16 horas e 30 minutos, uma brigada de agentes da ASAE, Direcção Regional do Centro, deslocou-se a um estabelecimento de venda a retalho de vestuário, calçado e acessórios, denominado “Desportos D...”, sito na Rua ..., deste concelho e comarca da Covilhã;

2.º Entraram no referido estabelecimento onde foram encontrar a Senhora C..., que naquele momento desempenhava as suas funções de empregada de balcão por conta, ordem, e sob a orientação dos ora arguidos A... e B...;

3.º Embora fosse esta ali encontrada, eram os arguidos quem geriam e exploravam tal estabelecimento, pois eram eles quem adquiriam os artigos para venda, quem lhes atribuía o preço, quem representava tal "firma" em termos comerciais e fiscais;

4º Efectuada diligência sumária de inspecção ao referido estabelecimento, foram estes ali encontrar em exposição, para venda a toda e qualquer pessoa que ali entrasse, setenta e cinco pares de botas que ostentavam a marca “Timberland”, bem como 9 pares de sapatos que, igualmente, ostentavam a referida marca;

5º Quer as botas quer os sapatos encontravam-se acondicionados em caixas de papelão que também ostentavam a marca “Timberland”;

6º Junto desse calçado encontravam-se afixados vários cartazes indicando, designadamente, o seguinte: “Promoção Botas 50% Desc.” (fls. 8), “Botas Antes 150 € Agora 75 €”.

7º Por desconfiarem da sua autenticidade, procederam tais agentes à apreensão dos artigos que se encontram melhor descritos a fls. 5, respeitantes às referidas botas e sapatos;

8º Submetidos tais objectos a exame pericial, veio-se a apurar que os produtos apreendidos “não são artigos originais devido:

Botas

As costuras nas solas são visíveis o que não acontece nos originais;

Os componentes gerais das botas não são originais;

Nas solas não é utilizado o sistema europeu de atribuição de tamanhos;

Informação relativa à referência do modelo no interior das botas inconsistente;

Sapatilhas

Os componentes gerais das sapatilhas não são originais;

Nas solas não é utilizado o sistema europeu de atribuição de tamanhos;

A qualidade geral de fabrico é inferior à do original;

Ausência de embalagem característica da marca, conforme resulta do auto de exame constante de fls. 44, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

9º Mais se apurou que a marca aposta nos objectos apreendidos se encontra registada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial e, por conseguinte, protegida em território Português;

10º Os artigos apreendidos tinha sido adquiridos para venda pela arguida B..., que na data da aquisição geria o estabelecimento na ausência do co-arguido e com autorização deste a indivíduo cuja identidade desconhece, que se apresentou como vendedor da marca Timberland, e dia vender restos de colecção e daí fazer promoções;

11) Os arguidos não tinham qualquer documento contabilístico que sustentasse a aquisição de tais artigos;

12) Os arguidos eram comerciantes, nomeadamente de artigos desportivos, e, apesar dessa sua experiência empresarial, não procederam com o cuidado e diligência a que, segundo as circunstâncias, estavam obrigados para averiguar a genuidade dos artigos adquiridos, a que estavam obrigados, devendo ter previsto que, face à ausência de documentos quer de identificação do vendedor quer relativos transacção das mercadorias, estas seriam certamente contrafeitas.

13) Agiram em plena comunhão de esforços e de intentos.

14) Não lhe são conhecidos antecedentes por ilícitos penais ou económicos”

Quanto à factualidade não provada, consignou-se (transcrição):

“Não se provou que:

a) Os arguidos, não obstante terem perfeito conhecimento da natureza e características de tais artigos, não se abstiveram de os adquirir, de os manter em armazenamento, e de os colocarem à venda no seu estabelecimento comercial a todas as pessoas que ali entrassem, e se mostrassem interessadas em adquiri-los;

b) Não desconheciam os arguidos que qualquer consumidor médio de tais artigos poderia ser induzido em erro ou confusão, na medida em que não dispõe de capacidade para distinguir as marcas colocadas naquele calçado das autênticas;

c) Quiseram os arguidos, por essa forma, auferir um benefício patrimonial que sabiam não lhes ser devido;

d) Agiram ainda de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta não lhes era permitida, e que a mesma era punida por lei.”

O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

“Motivação:

Os factos dados como provados e atinentes à apreensão das botas a sapatilhas colhem a sua demonstração no teor do auto de apreensão de fls. 5 perícia de fls. 44, conjugado com o teor dos depoimentos prestado pelo sr. Agente da ASAE E... e F... .

Mais disseram os sr.s inspectores que os artigos estavam em lugar de destaque e em promoção.

Face a tais depoimentos e considerando as declarações da arguida B... que disse que na data da aquisição dos artigos contrafeitos estava “à frente do estabelecimento”, que adquiriu os produtos a indivíduo que se apresentou como vendedor da “Timberlad”, que pensava que estava a fazer um bom negócio, que os artigos adquiridos eram semelhantes aos da marca e acreditou tratar-se de restos de colecção, declarações corroboradas pelo arguido A... , seu pai, não se deu como provada a conduta dolosa, mas apenas que agiram de forma descuidada pois, atento a qualidade confessada de comerciantes de artigos de marca, tinham obrigação de, pelo menos não confiar da genuidade dos produtos, pelo que se deu como provada a conduta negligente e não provada a conduta dolosa.

As testemunhas arroladas pelos arguidos nada sabiam dos concretos factos objecto dos autos.

Antecedentes criminais e ilícitos económicos: valoraram-se os certificados de registo criminais e cadastros económicos de fls. 94, 118 e 122.”

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Começando por consignar que consideramos que o recorrente não utilizou a expressão “erro notório na apreciação da prova” em sentido técnico (vício previsto no art.º 410º, n.º 2, alínea c. do Código de Processo Penal[[2]]) e que se mostra devidamente cumprido o disposto no art.º 412º, n.ºs 1 a 4, passaremos a analisar a sua pretensão.

Entende o recorrente que o tribunal avaliou mal a prova produzida em julgamento, nomeadamente, quando apreciou as declarações dos arguidos, visto que estas, conjugadas com as regras da lógica e da experiência comum exigiam que a decisão quanto ao elemento subjectivo deveria ter “considerado como provados os factos integradores do elemento subjectivo que constam da matéria de facto não provada em vez de dar como provada a negligência dos arguidos”, ou seja, entende o recorrente que o tribunal “a quo” errou e que devia ter dado como provado que

a. Os arguidos, não obstante terem perfeito conhecimento da natureza e características de tais artigos, não se abstiveram de os adquirir, de os manter em armazenamento, e de os colocarem a venda no seu estabelecimento comercial a todas as pessoas que ali entrassem, e se mostrassem interessadas em adquiri-los.

b. Não desconheciam os arguidos que qualquer consumidor médio de tais artigos poderia ser induzido em erro ou confusão, na medida em que não dispõe de capacidade para distinguir as marcas colocadas naquele calçado das autênticas.

c. Quiseram os arguidos, por essa forma, auferir um benefício patrimonial que sabiam não lhes ser devido.

d. Agiram ainda de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta não lhes era permitida, e que a mesma era punida por lei.

e que tal não aconteceu porque cometeu “erro notório na apreciação da prova” ao valorar as declarações dos arguidos.

Vejamos:

De acordo com o disposto no art.º 412.º n.º 3 al. b), a impugnação da matéria de facto só pode proceder, quando o recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que imponham decisão diversa da recorrida, tal como é explicado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 2009, onde se pode ler que “o recorrente tem que demonstrar que as provas a que alude impõem decisão diversa da recorrida. Não basta que as provas sejam compatíveis com os factos provados, e com os não provados que o recorrente gostaria de ter visto provados. É preciso que as ditas provas só possam levar a que se dêem por provados os factos que o recorrente queria ver provados”, ou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2010, onde se escreve que “(…) não se pode deixar de ter presente que o legislador, quando se refere à especificação das provas, as restringe àquelas que imponham decisão diversa. A utilização do verbo impor, com o sentido de «obrigar a», não é anódina”, o que determina que, “o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados” ou ainda no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 2012 que explica que “(…) a Relação não vai fazer um segundo julgamento da matéria de facto. O seu âmbito de cognição circunscreve-se aos pontos concretos e precisos dessa matéria que sejam contestados e identificados pelo recorrente, a partir das provas específicas por ele indicadas. Só se essas provas impuserem, o que significa determinarem necessariamente, inequivocamente, uma decisão diferente sobre aquele específico ponto, a Relação poderá modificar a matéria de facto (nesse ponto preciso)”, ou seja, perante duas teses ou interpretações possíveis, uma do tribunal e outra do recorrente, sempre a primeira prevalecerá uma vez que só poderia ceder perante a segunda se se revelasse errada, o que se compreende ainda melhor se atentarmos que é perante o tribunal de 1ª instância que, dada a produção e recepção directa da prova, tem lugar a oralidade e imediação na produção de prova, que sustentam uma boa apreciação da prova falada pois, como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 2008[[3]] ou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29 de Novembro de 2004[[4]].

No caso sub judice é para nós evidente que a prova apresentada revela que o decidido em termos de matéria de facto e nos pontos particularizados, se revela errado perante as mais elementares regras da experiência.

Com efeito, tendo os arguidos a profissão de comerciantes, é lógico que se conclua que, independentemente de uma maior ou menor experiência nesse ofício, soubessem que a aquisição e venda de mercadorias exigia a passagem de facturas e que, muito especialmente quando está em causa uma marca internacional como é a “Timberland”, teriam que necessariamente de ter duvidado da seriedade de uma proposta de compra sem factura dos artigos descritos na acusação, sendo certo que nem sequer lhes foi apresentado qualquer documento que sustente a compra e o pagamento dos mesmos (a compra e pagamento efectuou-se por meras declarações orais).

Aliás, este conhecimento espelha-se no facto de, segundo o afirmado pelo arguido — e confirmado pela arguida —, não haver qualquer outro produto em exposição que não cumprisse as diversas exigências legais.

Assim sendo, o que as regras da experiência nos dizem é que os arguidos perceberam que os artigos em causa fossem imitações dos verdadeiros e que mesmo assim os adquiriram e os colocaram à venda no seu estabelecimento comercial, vendendo-os a quem os quisesse comprar.

Por isso, temos que concluir que a decisão do tribunal está errada quanto a parte dos factos dados como não provados

Em conformidade, considera esta Relação provada a seguinte factualidade

- Os arguidos, não obstante terem perfeito conhecimento da natureza e características de tais artigos, não se abstiveram de os adquirir, de os manter em armazenamento, e de os colocarem a venda no seu estabelecimento comercial a todas as pessoas que ali entrassem, e se mostrassem interessadas em adquiri-los.

- Não desconheciam os arguidos que qualquer consumidor médio de tais artigos poderia ser induzido em erro ou confusão, na medida em que não dispõe de capacidade para distinguir as marcas colocadas naquele calçado das autênticas.

- Quiseram os arguidos, por essa forma, auferir um benefício patrimonial que sabiam não lhes ser devido.

- Agiram ainda de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta não lhes era permitida, e que a mesma era punida por lei.

Assim sendo, está provada a seguinte factualidade:

 “1º No dia 24 de Novembro de 2010, pelas 16 horas e 30 minutos, uma brigada de agentes da ASAE, Direcção Regional do Centro, deslocou-se a um estabelecimento de venda a retalho de vestuário, calçado e acessórios, denominado “Desportos D...”, sito na Rua ..., deste concelho e comarca da Covilhã;

2.º Entraram no referido estabelecimento onde foram encontrar a Senhora C... que naquele momento desempenhava as suas funções de empregada de balcão por conta, ordem, e sob a orientação dos ora arguidos A... e B...;

3.º Embora fosse esta ali encontrada, eram os arguidos quem geriam e exploravam tal estabelecimento, pois eram eles quem adquiriam os artigos para venda, quem lhes atribuía o preço, quem representava tal “firma” em termos comerciais e fiscais;

4º Efectuada diligência sumária de inspecção ao referido estabelecimento, foram estes ali encontrar em exposição, para venda a toda e qualquer pessoa que ali entrasse, setenta e cinco pares de botas que ostentavam a marca “Timberland”, bem como 9 pares de sapatos que, igualmente, ostentavam a referida marca;

5º Quer as botas quer os sapatos encontravam-se acondicionados em caixas de papelão que também ostentavam a marca “Timberland”;

6º Junto desse calçado encontravam-se afixados vários cartazes indicando, designadamente, o seguinte: “Promoção Botas 50% Desc.” (fls. 8), “Botas Antes 150 € Agora 75 €”.

7º Por desconfiarem da sua autenticidade, procederam tais agentes à apreensão dos artigos que se encontram melhor descritos a fls. 5, respeitantes às referidas botas e sapatos;

8º Submetidos tais objectos a exame pericial, veio-se a apurar que os produtos apreendidos “não são artigos originais devido:

Botas

As costuras nas solas são visíveis o que não acontece nos originais;

Os componentes gerais das botas não são originais;

Nas solas não é utilizado o sistema europeu de atribuição de tamanhos;

Informação relativa à referência do modelo no interior das botas inconsistente;

Sapatilhas

Os componentes gerais das sapatilhas não são originais;

Nas solas não é utilizado o sistema europeu de atribuição de tamanhos;

A qualidade geral de fabrico é inferior à do original;

Ausência de embalagem característica da marca, conforme resulta do auto de exame constante de fls. 44, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

9º Mais se apurou que a marca aposta nos objectos apreendidos se encontra registada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial e, por conseguinte, protegida em território Português;

10º Os artigos apreendidos tinha sido adquiridos para venda pela arguida B..., que na data da aquisição geria o estabelecimento na ausência do co-arguido e com autorização deste a indivíduo cuja identidade desconhece, que se apresentou como vendedor da marca Timberland, e dia vender restos de colecção e daí fazer promoções;

11º Os arguidos não tinham qualquer documento contabilístico que sustentasse a aquisição de tais artigos;

12º Os arguidos, não obstante terem perfeito conhecimento da natureza e características de tais artigos, não se abstiveram de os adquirir, de os manter em armazenamento, e de os colocarem a venda no seu estabelecimento comercial a todas as pessoas que ali entrassem, e se mostrassem interessadas em adquiri-los.

13º Não desconheciam os arguidos que qualquer consumidor médio de tais artigos poderia ser induzido em erro ou confusão, na medida em que não dispõe de capacidade para distinguir as marcas colocadas naquele calçado das autênticas.

14º Quiseram os arguidos, por essa forma, auferir um benefício patrimonial que sabiam não lhes ser devido.

15ºAgiram ainda de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta não lhes era permitida, e que a mesma era punida por lei.

16º Os arguidos eram comerciantes, nomeadamente de artigos desportivos.

17º Agiram em plena comunhão de esforços e de intentos.

18º Não lhe são conhecidos antecedentes por ilícitos penais ou económicos”

**

Diz o recorrente que para além de não ser “imputado aos arguidos a prática de qualquer crime de contrafacção, mas sim de venda de produtos contrafeitos p. e p. pelo artigo 324.° do Código da Propriedade Industrial”, entende que “o número de infracções se determina pelo número de valorações que, no mundo jurídico e criminal correspondem a uma certa actividade, pelo que, se diversos valores ou bens jurídicos são negados por uma mesma conduta, outros tantos crimes haverão de ser contados, independentemente de, no plano naturalístico, lhes corresponder uma só actividade, isto é, de estarmos perante um concurso ideal” e “inversamente, se um só valor é negado, só um crime existirá, já que a específica negação de valor que no crime se surpreende reúne em uma só actividade todos os elementos que o constituem”, pelo que entende o recorrente que “existe concurso efectivo, a punir como tal, nos termos do disposto nos art. 30.° n.º 1 e 77.° do Código Penal, entre o crime de fraude nas mercadorias p.p. pelo art. 23° n.º 1 al. a) do Decreto - Lei n? 28/84, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico das Infracções Antieconómicas e Contra a Saúde Publica) e o crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos p. e p. pelos artigos 323.°, al, f) e 324.° ambos do Código de Propriedade Industrial conforme entende a doutrina e jurisprudência actual.”

Termina dizendo que deverão os arguidos ser condenados “pela prática, na forma dolosa, em comparticipação, do crime de venda de produtos contrafeitos, p. e p. pelo art. 324.°, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto Lei n° 36/2003, de 5 de Março, e do crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo art. 23.°, n.º 1, al. a), do Decreto Lei n° 28/84, de 20 de Janeiro em penas de multa e de prisão, substituídas por multa”.

Podemos dizer que o recorrente pretende, para além da alteração da matéria de facto acima decidida a seu contento, a condenação dos arguidos como autores de um crime de venda de produtos contrafeitos, previsto e punido pelo art.º. 324.°, do Código da Propriedade Industrial e de um crime de fraude sobre mercadorias, previsto e punido pelo art.º. 23.°, n.º 1, al. a), do Decreto Lei n° 28/84, de 20 de Janeiro, ou seja, entende que há concurso efectivo de crimes.

Vejamos:

Independentemente da questão do concurso[[5]], o certo é que só poderá haver concurso se o mesmo agente tiver cometido mais do que um crime, o que não é o caso, visto que, ao contrário do que entende o recorrente e mau grado a alteração da matéria de facto, não ficou provado que os arguidos hajam cometido o crime de venda de produtos contrafeitos, previsto e punido pelo art.º 324.°, do Código da Propriedade Industrial.

Comete o crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos e é punido com pena de prisão até 1 (um) ano ou com pena de multa até 120 (cento e vinte) dias, “quem vender, puser em circulação ou ocultar produtos contrafeitos, por qualquer dos modos e nas condições referidas nos artigos 321.º a 323.º, com conhecimento dessa situação”, pelo que são elementos deste crime: a venda, colocação em circulação ou ocultação de produtos contrafeitos por qualquer dos modos e condições referidas nos artigos 321° a 323°, nomeadamente, que os descritos comportamentos hajam ocorrido sem consentimento do titular do direito e que o agente tenha conhecimento da situação, sendo certo que o elemento subjectivo se preenche com o dolo em qualquer uma das suas modalidades e que o bem jurídico protegido por esta norma é a marca registada, garantindo-se assim o interesse do respectivo titular.

Ora, a falta de consentimento do titular do direito não ficou provado (nem sequer constava da acusação) e, consequentemente, nunca poderia ficar provado que os arguidos que os arguidos tinham conhecimento dessa falta de consentimento.

Assim sendo, nunca poderiam ser condenados pela prática do crime de venda de produtos contrafeitos, previsto e punido pelo art.º 324.°, do Código da Propriedade Industrial.

Por outro lado, nos termos do art.º 23º, n.º 1, alínea a. do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, comete o crime de fraude sobre mercadorias e é punido com pena de prisão até 1 (um) ano e com pena de multa até 100 (cem) dias, salvo se o facto for previsto em tipo legal de crime que comine pena mais grave, “quem, com intenção de enganar outrem nas relações negociais, fabricar, transformar, introduzir em livre prática, importar, exportar, reexportar, colocar sob um regime suspensivo, tiver em depósito ou em exposição para venda, vender ou puser em circulação por qualquer outro modo mercadorias (…) contrafeitas ou mercadoria pirata, falsificadas ou depreciadas, fazendo-as passar por autênticas, não alteradas ou intactas”, ou seja, são elementos deste crime: o fabrico, a transformação, a introdução em livre prática, a importação, a exportação, a reexportação, a colocação sob um regime suspensivo, a detenção em depósito ou a exposição para venda, a venda ou a colocação em circulação por qualquer outro modo de mercadorias contrafeitas ou mercadoria pirata, falsificadas ou depreciadas, fazendo-as passar por autênticas, não alteradas ou intactas, que o agente tenha conhecimento desse(s) facto(s), sendo certo que o elemento subjectivo, como diz Emílio Codeço, in “Delitos Económicos”, págs. 115/116, para “além do dolo genérico — o agente há-de querer praticar qualquer das acções referidas no preceito, sabendo que se trata de mercadoria anómala — exige-se o dolo específico, consubstanciado na intenção, ou fim, do agente de enganar quem consigo vai negociar”, sendo que a lei admite também “a forma culposa para este crime: o agente é censurado por não ter agido de outro modo, como podia e devia.”

No caso dos autos, resulta da alteração da matéria de facto que “os arguidos, não obstante terem perfeito conhecimento da natureza e características de tais artigos, não se abstiveram de os (…) manter em armazenamento, e de os colocarem a venda no seu estabelecimento comercial a todas as pessoas que ali entrassem, e se mostrassem interessadas em adquiri-los” e que “agiram ainda de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta não lhes era permitida, e que a mesma era punida por lei”, ou seja, actuaram dolosamente, o que tem como consequência que os factos que praticaram estejam previstos e sejam punidos pelo art.º 23º, n.º 1, alínea a. do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro.

Vejamos agora a medida da pena.

Diz-nos o art.º 70.º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” e que são, segundo o n.º 1 do art.º 40.º do mesmo diploma “a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

Temos assim que a escolha da pena depende de critérios de prevenção geral e especial (v.g. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de Janeiro de 1996, CJ, ano XXI, tomo 1, pág. 38) pelo que o julgador, perante um caso concreto, tem que os valorar para depois optar por aplicar uma pena detentiva ou não detentiva.

No caso dos autos, limitamo-nos a considerar que nenhuma razão existe para não optar, conforme ao decidido pela 1ª instância, pela pena não detentiva.

Continuando:

A pena a aplicar a cada um dos arguidos será a resultante da concretização dos critérios do artº 71º do Código Penal, pelo que, num primeiro momento apura-se a moldura abstracta da pena e num segundo momento a medida concreta da mesma.

Assim, na fixação da pena concreta e dentro da moldura penal abstracta de multa até 100 (sessenta) dias, há que atender à culpa e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra cada arguido.

Nesta conformidade, há que ter em consideração que a culpa (enquanto censura dirigida ao agente em virtude da sua atitude desvaliosa e avaliada na dupla vertente de culpa pelo facto criminoso e de culpa pela personalidade[[6]]) para além de constituir o suporte axiológico-normativo da pena, estabelece o limite máximo da pena concreta dado que sem ela não há pena e que esta não pode ultrapassar a sua medida (retribuição justa).

Por outro lado e ainda numa primeira linha, relevam as necessidades de prevenção (com um fim preventivo geral, ligado à contenção da criminalidade e defesa da sociedade — e cuja justificação assenta na ideia de sociedade considerada como o sujeito activo que sente e padece o conflito e que viu violado o seu sentimento de segurança com a violação da norma, tendo, portanto, direito a participar e ser levada em conta na solução do conflito — e com um fim preventivo especial, ligado à reinserção social do agente).

Assim e em termos de prevenção geral, a medida da pena é dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos concretos pelo que o limite inferior da mesma resultará de considerações ligadas à prevenção geral positiva ou reintegração, contraposta à prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente.

Para além de constituir um elemento dissuasor da prática de novos crimes por parte de terceiros, a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas.

No que toca à prevenção especial há a ponderar a vertente necessidade de ressocialização do agente e a vertente necessidade de advertência individual para que não volte a delinquir (devendo ser especialmente considerado um factor que também toca a culpa: a susceptibilidade de o agente ser influenciado pela pena).

Como bem explica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 2000 (processo n.º 1193/99), “se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que — dentro, claro está, da moldura legal —, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente: entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social” e também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2000 (processo n.º 2803/00-5ª), “pelo que nos art.ºs 71. °, n.ºs 1 e 2 e 40.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, se plasma, logo se vê que o modelo de determinação da medida a pena é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos —  dentro do que é consentido pela culpa — e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.”

Em suma “a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1997, processo n.º 624/97)

Ponderados estes limites, deve ainda o tribunal atender e a quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do tipo (para que não haja violação do princípio ne bis in idem), deponham contra ou a favor do agente.

Assim e para além do mais (como ensina Jorge Figueiredo Dias in "Direito Penal Português – as Consequências Jurídicas do Crime", pág. 245, § 335 v.g., factores relativos à própria vítima — personalidade, concorrência de culpas, etc. — e/ou relacionados com a necessidade de pena — decurso do tempo), deverá ser sopesado:

- O grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências e o grau de violação dos deveres impostos ao agente

- A intensidade do dolo ou da negligência

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica

- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Assim e concretizando:

A culpa é de grau é mediano, tal como a ilicitude e as exigências de prevenção.

Pondera-se também a situação social dos arguidos, que não têm antecedentes criminais, que a confissão parcial é praticamente irrelevante (“explicaram” apenas o que não podiam deixar de explicar).

Não beneficiam da importante atenuante geral que é o arrependimento.

Atentas todas estas circunstâncias, mostra-se adequado condenar cada um deles na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa, à já fixada taxa diária de € 6,00.

*

Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e consequentemente:
1) Altera-se a matéria de facto nos termos acima decididos, ou seja, fica provado, para além do mais, que
“- Os arguidos, não obstante terem perfeito conhecimento da natureza e características de tais artigos, não se abstiveram de os adquirir, de os manter em armazenamento, e de os colocarem a venda no seu estabelecimento comercial a todas as pessoas que ali entrassem, e se mostrassem interessadas em adquiri-los.
- Não desconheciam os arguidos que qualquer consumidor médio de tais artigos poderia ser induzido em erro ou confusão, na medida em que não dispõe de capacidade para distinguir as marcas colocadas naquele calçado das autênticas.
- Quiseram os arguidos, por essa forma, auferir um benefício patrimonial que sabiam não lhes ser devido.
- Agiram ainda de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta não lhes era permitida, e que a mesma era punida por lei.”
2) Condena-se cada um dos arguidos A... e B... como co-autor de um crime de fraude sobre mercadorias, previsto e punido pelo art.º 23º, nº 1, alínea a., do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros).
3) Mantém-se a sentença em tudo o mais
4) Sem tributação

*

Coimbra, 18 de Dezembro de 2013

Luis Ramos (Relator)

Olga Maurício


[1] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011, acessível in www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada)
[2] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem

[3]Uma coisa é não agradar à recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova, e outra é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório. Acresce que, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no artº 127º do C.P.P., ou seja, fora das excepções relativas a prova legal, que não interessam ao caso, assenta numa convicção que se quis livre, bem como nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se tudo aquilo que a imediação em primeira instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar no que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir. Serve para dizer que o trabalho que coube à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em primeira instância, e da fundamentação feita da decisão por via deles, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado (cfr. por todos o Acórdão relatado pelo Cons. Simas Santos, de 15/2/2005, Pº 4324/04, desta Secção, ou o Acórdão relatado pelo Cons. Pires da Graça de 10/10/2007, Pº 3742/07 da 3ª Secção).”

[4](…) a actividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de factores que tem a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio cultural, a linguagem gestual e até saber interpretar as pausas e o silêncio dos depoentes para poder perceber e aquilatar quem estará a falar linguagem da verdade e até que ponto e que consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes não intencionalmente. É sabido que a comunicação verbal é a comunicação efectuada através das palavras. No entanto, este método é propenso a erros, que envolvem a antecipação, as expectativas, erros no discurso ou distorção na transmissão. Todos ou alguns destes problemas, podem ocorrer quando se fala depressa ou quando se usa a fraseologia incorrecta. A comunicação verbal é complementada e interpretada pela comunicação não verbal. Esta é uma forma de comunicação metafórica, simbólica e afectiva, baseando-se em sinais que têm uma relação imediata com o seu significado simbólico e/ou de semelhança. Em julgamento, o Juiz deve manter-se constantemente atento à comunicação verbal, e também à comunicação não verbal. Se a primeira ainda é susceptível de ser surpreendida pelo tribunal de recurso, fica este impossibilitado de recorrer à segunda para complementar e interpretar aquela. Com todas as consequências que daí advêm. Por isso que a decisão do Juiz quanto à matéria de facto só deva ser alterada quando seja evidente que as provas a que se faz referência na fundamentação não conduzem à mesma decisão. Mas nunca quando haja duas versões sobre os factos e o Juiz, legitimamente, opta por uma delas.

[5] Embora a jurisprudência não seja unânime, inclina-se esmagadoramente no sentido de que estamos perante um concurso real (v.g.,  acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Março de 2010, de  26 de Abril de 2006, de 12 de Outubro de 2005, de 7 de Janeiro de 2004, do Tribunal da Relação de Guimarães de 17 de Outubro de 2005 e de 17 de Março de 2003) e do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de Setembro de 2006 — em sentido contrário, v.g., acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Março de 2006 (todos em www.dgsi.pt)
[6] Como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 2010: “A culpa responde à pergunta de saber de se, e em que medida, o facto deve ser reprovado pessoalmente ao agente, assim como qual é a pena que merece.”