Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
293/19.0T8MBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
INDEMNIZAÇÃO EM DINHEIRO
LIMITES DA CONDENAÇÃO
Data do Acordão: 06/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MOIMENTA DA BEIRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 35.º, N.º 1 DO CÓDIGO DA ESTRADA E ARTIGO 566.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Tendo o condutor do veículo da Autora saído de um posto de abastecimento de combustível e penetrado na metade da faixa de rodagem adjacente, seguindo em frente para inverter a marcha, é de concluir, procedendo a impugnação da matéria de facto, que a frente do veículo a Autora se encontrava já no interior da meia faixa de rodagem contrária, onde embateu com o veículo B, o qual circulava pela meia faixa de rodagem contrária, face a estas circunstâncias factuais: i) A faixa de rodagem tinha 6 metros de largura; ii) Após o embate, o veículo da Autora girou sobre o seu eixo e a sua frente ficou posicionada sensivelmente onde na altura do embate estava a sua traseira; iii) O veículo da Autora tinha 427,8 centímetros de comprimento; 251,7 centímetros de distância entre eixos; iv) a roda traseira do veículo da Autora, do lado do condutor, ficou a 2 metros do lancil adjacente ao posto de combustível e a roda dianteira, do mesmo lado, a 80 centímetros dessa mesma berma.

II - Muito embora a Autora tenha pedido como indemnização o valor do veículo B no mercado, com fundamento na perda total do veículo, se se provar que o veículo é reparável e inclusive por valor inferior àquele, o tribunal deve condenar a Ré a repará-lo e não a pagar à Autora o valor de mercado.

Decisão Texto Integral:
Recorrente …………….Associação ..., NIPC ..., com sede na ..., no ....

Recorrida……………….V..., SA., NIPC ..., com sede na ..., em ....


*

I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da decisão final que julgou a presente ação interposta pela Recorrente contra a Ré seguradora, pretendendo a autora obter desta última o pagamento da quantia global de €36.750,00 por danos patrimoniais que alegou ter sofrido, sendo €15.000,00 pela perda total do veículo abaixo identificado; €21.000,00 pela privação do respetivo uso e €750,00 pelo transporte do veículo sinistrado, tudo com juros de mora desde a citação até pagamento.

A pretensão indemnizatória baseia-se num sinistro rodoviário em que foi interveniente a ambulância com a matrícula ..-ES-.., propriedade da Autora, sinistro esse que em seu entender é/foi imputável a culpa exclusiva do condutor do outro veículo automóvel, em relação ao qual a Ré havia assumido a responsabilidade civil inerente ao respetivo proprietário.

A Ré impugnou a factualidade alegada pela Autora relativamente à dinâmica do acidente, rejeitando a responsabilidade imputada pela Autora ao condutor do veículo cujo contrato de seguro vincula a Ré e impugnou ainda os montantes relativos aos danos, tendo concluído pela improcedência total da ação.

Após julgamento foi proferida sentença com este dispositivo:

«Pelo exposto e com base nos fundamentos supra expostos, julgo totalmente improcedente a presente ação, por não provada e, em consequência, absolvo a ré “V..., SA” do pedido formulado nos presentes autos pela autora Associação ....

Custas pela autora, nos termos do preceituado no artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo da isenção de que beneficia, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. f) do Regulamento das Custas Processuais ...».

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte da Autora, cujas conclusões são as seguintes:

«1. Existem nos autos, nomeadamente, nos depoimentos prestados, nos documentos juntos, na prova pericial, matéria e fundamentos que permitem e justificam a reapreciação da matéria de facto e alterada conforme infra se expõe;

2. Deverá ser REAPRECIADA A MATÉRIA DE FACTO, a qual deverá “data vénia” ser alterada de acordo com o disposto no artº 662º do CPC, nos seguintes termos:

-PROVADOS - Da fundamentação da sentença as alíneas a), b), c), d) e) e f).

3. Portanto o tribunal “a quo” não fez uma análise criteriosa e rigorosa dos documentos e depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento.

4. Em face do que supra exposto, a sentença recorrida viola, por errada interpretação ou aplicação, a prova documental e prova testemunhal da Recorrente, pelo que, deu origem a uma sentença errada, injusta e ilegal que cumpre revogar.

5. O acidente deu-se porque o condutor do LD violou o código da Estrada.

6. Existe contradição entre os factos dados como provados e a decisão proferida.

7. Os documentos e prova junta e produzida pela A., foram de todo ignorados pelo Tribunal que não os valorou e descorou a sua força probatória.

8. O Tribunal recorrido na apreciação das provas e análise dos depoimentos foi parcial e abusou do livre arbítrio na formulação da convicção que apresentou.

9. Houve evidente e notório erro de julgamento.

10. Face ao supra exposta a sentença ora em “crise” está ferida de Nulidade.

Ao decidir em contrário, a douta sentença recorrida, violou o disposto nos artigos nº 662º, 615º nº 1 al. b), c) e d), 542º, todos do CPC e artº 341º, 371º e 376º todos do C.C, artº 146º al. e), n) e o) do Código da Estrada, que urge revogar.

Termos em que, e nos demais de direito aplicáveis, deverão Vas. Excelências, “data vénia”:

a) Receber e dar provimento ao presente recurso;

b) Alterar a resposta à matéria de facto, nos termos requeridos;

c) Revogar a decisão recorrida e, consequentemente, substitui-la por nova decisão que julgue totalmente procedente por provada a demanda da Recorrente

Assim se decidindo, se fará inteira, sã e prudente JUSTIÇA».

c) Não há contra-alegações.

II. Objeto do recurso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – Em primeiro lugar cumpre apreciar a nulidade de sentença que padecerá de contradição entre os factos dados como provados e a decisão proferida.

2 – Em segundo lugar, será apreciada a impugnação da matéria de facto, pretendendo a recorrente que sejam declarados provados os factos declarados não provados relativos à dinâmica do acidente, danos e respetiva quantificação em dinheiro, constantes das alíneas a), b), c), d) e) e f).

3 – Em terceiro lugar, no pressuposto da procedência da impugnação feita à matéria de facto, apreciar-se-ão os pedidos que foram julgados improcedentes.

III. Fundamentação

a) Nulidade de sentença

A Autora arguiu a nulidade de sentença alegando que existe contradição entre os factos dados como provados e a decisão proferida – artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC.

Não procede a arguição.

Como referiu o Prof. Alberto dos Reis, «Quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?» e acrescenta, «Há contradição entre os fundamentos e a decisão quando «…os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto» - Código de processo Civil Anotado. Coimbra Editora, 1984.Vol. V (reimpressão), pág. 141.

Esta nulidade ocorre quando o juiz conduz a argumentação que consta da fundamentação jurídica da sentença num certo sentido e, depois, no dispositivo da sentença, tira uma conclusão inesperada, isto é, contraditória com a argumentação anterior.

É nisto que consiste a contradição apontada nesta norma.

Tal contradição não ocorre no caso dos autos.

Quando a parte discorda da fundamentação indicada na sentença, por exemplo, devido a eventual errada aplicação do direito aos factos, tal discordância insere-se na questão jurídica de fundo, de mérito, mas não respeita a matéria de natureza processual, como é o caso das nulidades de sentença.

Improcede, por conseguinte, a invocada nulidade de sentença.

b) Impugnação da matéria de facto

1 - A recorrente pretende ver declarados provados os factos declarados não provados relativos à dinâmica do acidente, danos e respetiva quantificação em dinheiro, constantes das alíneas a), b), c), d) e) e f) dos factos não provados, ou seja:

Quanto à dinâmica do acidente:

«a) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1, mormente aquando do embate, o condutor do veículo ES, AA, circulava a velocidade não superior a 50 km/hora, na sua via de trânsito atento o seu sentido de marcha»

«b) O condutor do veículo LD não respeitou o sinal vertical de STOP existente na saída da supra referida bomba de gasolina e invadiu de forma desgovernada a faixa de trânsito em que circulava o ES produzindo o embate».

«c) O veículo ES não pôde ser reparado dada a gravidade do estrago na sua estrutura principal».

Relativamente aos danos

«d) O custo de uma viatura nova igual a sinistrada importa na quantia de €33.212,61.»

«e) O valor médio diário de receita que o veículo ES – ambulância - gerava para a autora, rondava os €50,00.»

«f) A autora suportou a quantia de 750.00€ pelo transporte da viatura ES sinistrada.»

2 – Vejamos então o mérito da impugnação começando pela dinâmica do acidente.

Desde já adianta que se afigura procedente a impugnação fundamentalmente pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, mostra-se consensual entre as pessoas ouvidas na audiência de julgamento que no momento do acidente chovia muito. Quando tal ocorre, as pessoas, mesmo que estejam na rua, estão abrigadas, seja dentro de veículos ou debaixo de coberturas, mas, em regra, abrigam-se e não prestam atenção ao tráfego rodoviário, salvo se existir algum motivo que as leve a prestar tal atenção.

Por tal razão, o depoimento das testemunhas inquiridas na audiência aparenta ter fraca capacidade de persuasão.

Em segundo lugar, não se mostra que existisse alguma razão para a ambulância circular «fora de mão», sem prejuízo de se poder considerar que poderia circular a meio da via, ocupando parcialmente pela faixa contrária.

Em terceiro lugar, há que prestar atenção à posição em que ficaram os veículos após o acidente, localização dos danos nos veículos e particularidades do local.

Vejamos então com mais pormenor.

No momento do acidente chovia com intensidade, como resulta de modo consensual dos depoimentos das testemunhas AA (minutos 07:00, 09:40; BB – chovia bastante – minuto 02.00 e 12:17; CC (condutor do veículo Opel) – estava a chover muito, torrencialmente (minuto 03:00); DD – chovia torrencialmente (minuto 03.06) e EE - chovia torrencialmente (minuto 02:43).

Como se disse, quando chove com intensidade as pessoas que se encontram na rua retiram-se para locais abrigados ou cobrem-se com um guarda-chuva.

Se já não é habitual prestar-se atenção ao trânsito, a não ser que haja motivos específicos par isso, então, numa situação de chuva abundante menor é ainda a atenção que se dá ao trânsito.

Esta observação serve para indicar que, neste caso, o depoimento das testemunhas tem de ser compreendido dentro deste condicionalismo, ou seja, estavam mais preocupadas com a chuva que as poderia molhar que com o trânsito e, sendo assim, a perceção do acidente foi certamente limitada ao que viram depois de ouvir o ruído provocado pelo choque.

Tanto assim é que a testemunha DD, genro do condutor do veículo Opel, referiu que estava em frente ao local onde se deu o embate e apenas diz (minuto 03:05) que o seu sogro «Arrancou, parou para entrar na estrada e nisto acontece o acidente. Ele entra e acontece o acidente.»

Ou seja, a testemunha certamente só se apercebeu do acidente quando ouviu o ruído do embate à sua frente.

Aliás, quando se perguntou à testemunha – minuto 04:12 – sobre se a ambulância invadiu a meia faixa adjacente às bombas de onde saiu o sogro da testemunha, a testemunha não respondeu diretamente à pergunta, referiu «…aquilo é uma curva alongada. É uma faixa alongada, possivelmente ele corta a faixa e embateram assim.»

Ou seja, respondeu como quem não viu os momentos imediatamente anteriores ao embate.

Apesar disso, a testemunha referiu que o embate se deu na faixa da direita – minuto 04:05 –, mas claro está que nestas condições esta afirmação não convence, porquanto a convicção que se forma é no sentido da testemunha não ter visto os veículos embaterem.

Aliás, a testemunha também disse – minuto 09:44 – que não viu a ambulância chegar ao local; que não estava a olhar para o lado de onde ela veio, estava a olhar em frente.

Por conseguinte, este depoimento não produz a convicção de que a ambulância vinha a circular pela metade da faixa de rodagem da esquerda, ou seja, pela faixa contrária àquela que lhe era destinada segundo as regras de trânsito.

A testemunha CC, condutor do Opel que saiu das bombas de gasolina, referiu – minuto 02:08 – que olhou para o lado esquerdo e não viu qualquer veículo, olhou para o lado direito e não viu carro nenhum, «entrei, e ele embateu-me na minha mão»; que só se apercebeu da ambulância depois do embate – minuto 18:29.

Porém, se a testemunha não tinha problemas de visão e olhou mesmo para a sua direita, não se afigura possível que não tenha visto a ambulância, até porque já era de noite e os veículos circulavam com os faróis acesos.

Se a testemunha diz que não viu a ambulância então não teve qualquer perceção da iminência do embate, pelo que a afirmação de que o embate se deu na «sua mão», na metade da faixa adjacente às bombas, só pode ter resultado da ideia que a testemunha formou depois do embate ocorrer, face aos locais onde os veículos sofreram os danos e à posição em que ficaram quando se imobilizaram.

Acresce que não raro os condutores, por estarem dentro dos veículos e estese se encontrarem em movimento, nem sempre, ou raramente, têm uma ideia fiável do local que efetivamente ocupavam na via quando o embate ocorre.

Ou seja, a afirmação da testemunha só por si, é insuficiente para gerar a convicção de que o embate ocorreu na metade da faixa adjacente às bombas de combustível.

A testemunha EE referiu – minuto 03:26 – «…a ambulância passa à minha frente, e eu vinha atrás da ambulância e ao aproximar-se da bomba de combustíveis, há um carro que está a sair e a ambulância tem um choque ali».

Esta testemunha referiu – minuto 04:40 – que a ambulância «…não vai encostada na berma, ela vai ao meio» e «vai buscar mais de um metro à outra faixa; que – minuto 04:55 – a ambulância ia «no meio da estrada» e que «o acidente não se deu do lado direito, deu-se mais centrado.»

Este depoimento já se mostra com capacidade para formar a convicção do julgador porquanto se trata de um condutor que seguia no mesmo sentido e à retaguarda da ambulância e é habitual que os condutores prestem atenção ao trânsito que se desenrola à sua frente.

Acresce que a descrição do comportamento da ambulância não é inverosímil face às regras da experiência.

Com efeito, como se vê do «croquis» do acidente, elaborado pelas autoridades policiais, a via tinha ali 6 metros de largura e era no interior de uma localidade; no momento chovia muito e o piso, como era em paralelepípedos, de pedra, portanto, tornava-se escorregadio devido à chuva.

Nestas condições, não é um facto surpreendente verificar que um condutor, como o da ambulância, não vendo vir outro veículo em sentido contrário, se afaste da berma do seu lado direito e até aproveite parte da outra metade da faixa de rodagem para circular, situação que lhe confere mais segurança, até em relação a algum peão que surja a atravessar com nemos atenção ao tráfego devido àquelas condições meteorológicas desfavoráveis.

Por conseguinte, se porventura a posição final dos veículos não fornecer indicações opostas ao referido por esta testemunha, o seu depoimento mostra-se relevante no sentido de se formar a convicção de que a ambulância vinha a circular pelo meio da via, ocupando parte da metade da faixa da esquerda, considerando o seu sentido de circulação.

Resta acrescentar que, como referiu a testemunha CC, condutor do Opel – minuo 10:10 –, a testemunha ao sair das bombas quis atravessar a faixa de rodagem adjacente e entrar na outra meia faixa para tomar o sentido de ..., o mesmo sentido que levava a ambulância.

E segundo a testemunha, o embate acorre quando ele estava a virar – minuto 13:49 –, a fazer a manobra para virar – minuto 13:55.

Ou seja, quando o embate ocorre, o condutor do veículo Opel estava a virar para a sua esquerda para seguir para o lado de ....

Quanto ao local do embate, tratava-se de uma reta no interior da localidade de ... a qual, segundo a testemunha CC, tinha «cento e tal metros» de extensão - minuto 09:24.

Vejamos agora os indícios fornecidos pelos danos ostentados pelos veículos.

No que respeita ao veículo Opel, a testemunha DD diz – minuto 04:45 –que o embate foi do lado direito, de frente, na roda do lado direito – minuto 13:04.

Analisando a participação policial junta com a petição verifica-se que não consta qualquer indicação descritiva dos pontos de embate nos veículos, mas existe uma fotografia do local, com os veículos, sendo visível que o embate no veículo Opel ocorreu na sua parte frontal, mais sobre o lado oposto ao do conduto, o que coincide com o depoimento da testemunha DD.

Não é possível ver os danos na ambulância, mas do orçamento de fls. 28 do processo físico, encimado por «V..., S.A.», consta que as «zonas acidentadas» na ambulância foram «frente esquerdo/frente», o que é concordante com o depoimento da testemunha FF (passageira da ambulância) a qual referiu – minuto 05:36 – que o embate ocorreu do lado do motorista.

Da fotografia junta com a participação policial consta, em relação à posição de imobilização do veículo Opel, que a distância da roda da frente do lado do condutor ao lancil do lado das bombas de gasolina era de 80 centímetros e que a distância da roda traseira, do lado do condutor, ao mesmo lancil era de 2 metros.

 No que respeita à velocidade da ambulância, a testemunha CC – minuo 04:45 – teve a perceção que a ambulância vinha com muita velocidade; a testemunha EE disse que não conseguia dizer a que velocidade seguia a ambulância – minuto 06:48 – e a testemunha FF disse que a ambulância circulava «devagar» - minuto 05:50.

A testemunha CC, como ele disse, não viu a ambulância antes do embate. A testemunha DD também não se apercebeu da aproximação da ambulância – minuto 09:45.

Sendo certo que o limite de velocidade era naquele local de 50 Km/hora, perante estes elementos probatórios não é possível saber a que velocidade circulava a ambulância, se a mais ou a menos de 50 Km/hora.

Mas como a ambulância ficou imobilizada próximo do ponto de embate, como se pode ver na fotografia já referida, é de concluir que circulava «devagar» como referido pela testemunha FF.

No que respeita ao comportamento dos condutores após o embate, a testemunha DD referiu – minuto 08:55 – que o condutor da ambulância «…estava muito exaltado, parecia que lhe tinham “batido” nele diretamente, ficou todo ofendido.»

Também a testemunha EE referiu – minuto 08:30 – que o condutor da ambulância se dirigiu ao outro condutor dizendo-lhe «você não viu, não devia ter saído daqui.»

Quanto ao condutor do veículo Opel, nada foi referido.

3 - Apreciação

No que respeita à dinâmica do acidente, verifica-se que o condutor do veículo Opel saiu das bombas de gasolina, entrou na faixa de rodagem com o fim de mudar de direção para a sua esquerda, seguindo para o lado de ..., e é nesta manobra que ocorre o embate.

Isto significa que quando o condutor do Opel saiu das bombas e entrou na via, a ambulância era visível para si, pois o local era uma reta extensa, e a ambulância estava próxima do local de embate, dado que o choque no Opel ocorreu na frente deste, o que implica que ainda estivesse numa posição oblíqua em relação à frente da ambulância, muito embora não distante da posição perpendicular (a 90 graus) em relação ao eixo da via.

Se o veículo Opel já se encontrasse em posição perpendicular em relação ao eixo da via, o embate teria sido na lateral do Opel, do lado oposto ao do condutor, e não foi, foi na parte frontal, do lado do passageiro.

A posição final do veículo Opel tem a frente voltada para o lado de ... e até mais direcionada para as bombas, de onde tinha saído.

Isto significa que após o embate o veículo Opel girou sobre si mesmo, sobre o seu eixo, cerca de 180 graus, ou seja, onde ficou posicionada a frente do veículo, estava na altura do embate a sua traseira e onde estava a sua frente no momento do embate ficou a sua traseira no momento da imobilização.

Não se quer dizer com isto que existiu esta rotação exata de 180 graus e esta coincidência espacial, mas apenas algo aproximado.

Quer isto dizer, então, que no momento do embate o Opel tinha a roda da frente do lado oposto ao do condutor mais ou menos onde ficou, após a imobilização, a roda traseira do mesmo lado, ou seja, pelo menos a 2,00 metros do lancil e a roda traseira do mesmo lado a uns 80 centímetros dessa mesma berma.

O veículo Opel Astra Caravan 1.7 TD de 1993 (cfr. doc. 1 da contestação) tinha 427,8 centímetros de comprimento; 168,8 centímetros de largura e 251,7 centímetros de distância entre eixos (cfr. https://carsopedia.com/pt/catalog/opel/astra/f-caravan/1-7-td-club-1994-17706/ ou https://www.auto-data.net/en/opel-astra-f-caravan-facelift-1994-1.7-td-68hp-2487- consulta feita em 1 de junho de 2022).

Sendo a distância entre eixos de 251,7 centímetros e o comprimento de 427,8 centímetros, isso implica que haja uma extensão de 176,1 centímetros que se encontra fora do espaço entre os eixos, uma parte entre o eixo e a traseira e outra parte entre o eixo e a frente.

Repartindo em partes iguais esta distância, temos 88 centímetros para cada lado.

Adicionando estes 88 centímetros (que vão da roda traseira até ao limite traseiro do veículo), aos 2,00 metros (que vão do lancil à roda traseira), obtemos 2,88 metros, ou seja, quase os 3,00 metros correspondentes à metade da faixa de rodagem.

Ou seja, mesmo considerando a posição final em que o veículo ficou e tendo rodopiado sobre o seu eixo cerca de 180 graus, verifica-se que a frente do veículo do lado oposto ao do condutor esteve, pelo menos, a uns 12 centímetros do eixo da via.

Porém, é de ter como certo que o veículo Opel, na altura do embate e ao rodar sobre si mesmo, não permaneceu no mesmo posicionamento espacial onde estava quando ocorreu o embate, mas foi, sim, projetado para o lado das bombas de gasolina em consequência do embate, não sendo possível, porém saber em que extensão se deu essa projeção, mas seguramente mais que os aludidos 12 centímetros.

Além disso, mesmo tomando a posição final em que os veículos ficaram após o embate, como o veículo Opel tinha 168,8 centímetros de largura, uma configuração retangular, ficou em posição oblíqua em relação ao eixo da via, na posição atrás indicada, então, se a esquina traseira do lado do passageiro ficou imobilizada a uns 12 centímetros do eixo da via, a esquina oposta, do lado do condutor, considerando a perpendicular (ângulo reto), ficou já no interior da faixa contrária.

Isto implica que se forme a convicção que quando o embate ocorreu a frente do veiculo Opel já tinha passado para lá do eixo da via e ocupava parte da faixa contrária.

Não se afigura viável dizer mais que isto, cumprindo referir que as medidas indicadas são aproximadas, pois não se sabe, por exemplo, se em relação às rodas, as medidas foram tiradas a partir do centro ou de uma das extremidades, presumindo-se que foi a partir do centro, do eixo, por ser o que é espectável na falta de indicação em contrário.

Teria sido fácil verificar estes dados no local, mas os agentes da autoridade, relativamente ao veículo Opel, tiraram apenas as distâncias entre as rodas do lado do condutor e a berma desse lado, do lado do posto de combustível.

Estes elementos implicam que se «corrija» o depoimento da testemunha EE quando disse que a ambulância vinha a circular sobre o meio da estrada ocupando cerca de um metro da faixa contrária.

Claro que quando a testemunha diz «um metro» é o resultado de uma avaliação visual e mental que ela faz ao procurar definir uma realidade em termos quantitativos, pelo que este «um metro» é um valor aproximado.

E não se sabe se esse «um metro» correspondeu a uma observação respeitante ao local do embate, ou, por exemplo, a cem metros antes desse local.

Estando a chover e circulando a ambulância no interior de uma localidade não repugna, como se disse acima, que a ambulância se tivesse afastado da berma do seu lado direito, para diminuir as possibilidades de embate com algum peão que pretendesse atravessar a via abrigado debaixo de um guarda-chuva e com maiores dificuldades de visão.

Mas os factos não apontam nesse sentido.

Ou seja, dada a posição em que o veículo Opel ficou após o acidente, com a traseira do lado do condutor a uns 12 centímetros do eixo da via e a esquina oposta (da traseira) já para além do eixo da via, se a ambulância circulasse pela faixa de rodagem contrária, por exemplo, meio metro, o embate teria ocorrido no veículo Opel na esquina da frente e também na lateral do lado oposto ao do condutor e isso não se verificou.

Por isso, admite-se, face ao depoimento da mencionada testemunha, que a ambulância circulasse próximo do eixo da via, mas não ocupando parte da faixa de rodagem contrária, em profundidade não apurada, mas não mais de um metro, segundo o depoimento da testemunha EE.

Concluindo, forma-se a convicção no sentido de que não se apurou que a ambulância circulasse a mais de 50 km/hora; que o veículo Opel saiu das bombas de gasolina onde existia, à saída, um sinal Stop; o condutor do Opel quis virar para a sua esquerda e ao proceder assim entrou na via e cortou a linha de marcha da ambulância, a qual, por sua vez, circulava na sua faixa de rodagem.

4 - Face ao exposto, decide-se a impugnação relativamente às alíneas a), b) e c) dos factos não provados, do seguinte modo:

• «a) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1, mormente aquando do embate, o condutor do veículo ES, AA, circulava a velocidade não superior a 50 km/hora, na sua via de trânsito atento o seu sentido de marcha».

Não é possível estabelecer este facto quanto à velocidade, pelo que permanece nos factos não provados, mas a parte «na sua via de trânsito atento o seu sentido de marcha» passa para os factos provados.

• «b) O condutor do veículo LD não respeitou o sinal vertical de STOP existente na saída da supra referida bomba de gasolina e invadiu de forma desgovernada a faixa de trânsito em que circulava o ES produzindo o embate».

O segmento «não respeitou o sinal vertical de STOP» integra matéria de direito, pelo que não constará dos factos provados, sendo certo que a existência do sinal Stop já consta do facto provado n.º 7.

A parte «invadiu de forma desgovernada a faixa de trânsito em que circulava o ES produzindo o embate» tem de ser traduzida para factos.

Como ficou referido, a convicção formou-se no sentido de que no momento do embate o veículo Opel tinha a frente já sobre o eixo da via e até passava além deste e a ambulância vinha na sua meia faixa de rodagem.

A matéria da al. b) dos factos provados será eliminada porque ou contém matéria de direito ou a factualidade aí referida já consta da restante matéria.

O facto impugnado passa para os factos provados com esta redação:

«7/A. No momento do embate a frente do veículo Opel estava além do eixo da via e a ambulância vinha na sua via de trânsito atento o seu sentido de marcha».

5 - Quanto aos danos.

«c) O veículo ES não pôde ser reparado dada a gravidade do estrago na sua estrutura principal.»

Este facto deve manter-se nos não provados, sendo certo que no facto provado 17.º consta que o veículo é reparável.

«d) O custo de uma viatura nova igual a sinistrada importa na quantia de €33.212,61.

Não foi produzida prova para concluir neste sentido ou noutro.

«e) O valor médio diário de receita que o veículo ES – ambulância - gerava para a autora, rondava os €50,00».

Não foi produzida prova para concluir neste sentido ou noutro.

Porém, tendo resultado provado no facto provados n.º 13 que «O veículo/ambulância é uma ferramenta de trabalho para autora, indispensável ao desenvolvimento do seu objeto social, ou seja, transportar doentes, grávidas, socorrer pessoas na via pública, e/ou na residência particular», logicamente esta atividade gera receitas.

Por conseguinte, prova-se que «20. A utilização do veículo ES pela Autora gerava receitas.»

«f) A autora suportou a quantia de 750.00€ pelo transporte da viatura ES sinistrada».

A despesa se existiu certamente terá dado origem à emissão de faturas e pagamentos, mas nada se encontra no processo sobre esta matéria.

Não foi produzida prova para concluir neste sentido ou noutro, salvo que houve um custo no transporte, porquanto o veículo ficou impedido de circular e a deslocação do local implicou despesas, como é do conhecimento comum, pois mesmo que a deslocação fosse feita em veículo próprio sempre existia despesa com combustível e pessoal.

Prova-se, por isso, que «21. A autora teve despesas com o transporte da viatura ES sinistrada.»

c) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. No dia 29 de março de 2018, pelas 21:35 horas, na Avenida ..., em ..., ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes uma ambulância da autora Associação ..., da marca Volkswagen, com matricula ..-ES-.., e o automóvel ligeiro da marca Opel Astra com a matrícula ..-..-LD conduzido por CC, segurado pela companhia de s..., S.A.

2. Nas supra referidas circunstâncias de tempo e lugar chovia e o piso estava molhado.

3. O local onde se deu o embate é uma via de trânsito com dois sentidos, sem separador, com piso em paralelo, sem marcas rodoviárias assinaladas ou pouco visíveis e configura uma reta.

4. O limite de velocidade permitido naquele local é de 50km/hora.

5. O condutor do veículo ES, AA, circulava na supra referida via de trânsito no sentido de ....

6. Por seu turno, o condutor do veículo LD, CC, encontrava-se a sair da bomba de gasolina existente na supra referida avenida a fim de tomar a mesma direção de ..., momento em que se deu o embate, tendo o veículo LD embatido na parte frontal esquerda do ES e este na parte frontal do LD, sendo que o ES viria ainda a embater num terceiro veículo ali estacionado.

7. No local, à saída da aludida bomba de gasolina existe um sinal vertical de STOP.

7/A. No momento do embate a frente do veículo Opel estava além do eixo da via e a ambulância vinha na sua via de trânsito atento o seu sentido de marcha.

8. Após o acidente compareceu, no local, a GNR, que lavrou o auto da ocorrência, o qual se mostra junto aos autos a fls. 10 e 11, cujo teor se dá por reproduzido.

9. A ré remeteu à autora uma carta datada de dia 13/04/2018 onde refere o seguinte: “confirmamos que a vistoria da sua viatura foi efetuada na data acordada. No entanto, a peritagem não pôde ser concluída sendo necessário desmontar a viatura para avaliar a extensão dos danos. Uma vez que a responsabilidade pelo acidente ainda está por apurar, solicitamos que contacte a oficina no sentido de autorizar a desmontagem. Ficamos a aguardar o seu contacto ou da oficina, após a desmontagem, para podermos informar o perito de que pode concluir a peritagem “.

10. A ré recusou-se a assumir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente.

11. A autora, através do seu mandatário, em 22/03/2019, enviou uma carta onde mais uma vez, interpelou a ré no sentido de assumir a responsabilidade do acidente.

12. A ré declinou a responsabilidade na resposta enviada em 02/04/2019.

13. O veículo/ambulância é uma ferramenta de trabalho para autora, indispensável ao desenvolvimento do seu objeto social, ou seja, transportar doentes, grávidas, socorrer pessoas na via pública, e/ou na residência particular.

14. A ré celebrou com GG, um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º ...16, tendo como objeto o veículo automóvel da marca Opel, Astra Caravan, 1.7...., 5p, com a matrícula ..-..-LD, o qual se encontrava válido e eficaz à data do sinistro.

15. Na sequência do embate, o veículo ES sofreu estragos na parte dianteira esquerda e ficou impossibilitado de circular.

16. A reparação dos estragos da viatura ES foi orçada em €4.431,06.

17. A ambulância identificada em 1 é reparável.

18. O custo da sua reparação é de cerca de € 6.000,00 (seis mil euros).

19. O valor venal daquele veículo sinistrado à data do acidente era de €15.000,00 (quinze mil euros).

20.  A utilização do veículo ES pela Autora gerava receitas.

21. A Autora teve despesas com o transporte da viatura ES sinistrada.

2. Matéria de facto – Factos não provados

a) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1, mormente aquando do embate, o condutor do veículo ES, AA, circulava a velocidade não superior a 50 km/hora.

b) [Suprimida].

c) O veículo ES não pôde ser reparado dada a gravidade do estrago na sua estrutura principal.

d) O custo de uma viatura nova igual a sinistrada importa na quantia de € 33.212,61.

e) O valor médio diário de receita que o veículo ES – ambulância - gerava para a autora, rondava os € 50,00.

f) A autora suportou a quantia de 750.00€ pelo transporte da viatura ES sinistrada.

d) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

Como a matéria de facto sofreu alterações cumpre verificar se a solução jurídica exarada na sentença se mantém.

A resposta é negativa, pelas razões que a seguir se indicam.

1 - No caso concreto, ocorreu uma colisão entre dois veículos automóveis e esta situação está expressamente prevista no artigo 506.º do Código Civil, nestes termos:

«1 – Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar.

2 – Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores.»

Cumpre, por conseguinte, verificar se a conduta rodoviária de algum dos condutores, ou ambos, contribuiu causalmente para o acidente e lhes é imputável culposamente.

Indagação que sempre teria de ser feita à luz do disposto no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, onde se dispõe que «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação

Vejamos então.

Como escreveu o Prof. Antunes Varela, agir com culpa «Significa actuar em termos de a conduta do agente merecer reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo» - Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4.ª Edição. Coimbra Editora, pág. 480.

No âmbito da negligência cabem em primeiro lugar, como disse o mesmo autor, os casos «Em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar», assim como se compreendem os casos «em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse a diligência devida» -  Ob. cit., pág. 491 e 492.

A negligência consiste, pois, na omissão de um dever de cuidado, dever este que uma vez observado teria obstado, no caso, certamente, à produção do evento.

2 -  Cumpre, portanto, averiguar se algum dos intervenientes omitiu algum dever de cuidado que, no caso, uma vez observado, teria evitado o embate.

(a) Quanto ao condutor da ambulância.

Este condutor conduzia por conta de outrem e por isso está onerado com uma presunção de culpa, como se vê face ao disposto n.º 3 do artigo 503.º do Código Civil, onde se diz que «Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do n.º 1».

Provou-se que o condutor da ambulância no momento do embate vinha a circular pela sua faixa de rodagem e não se provou qualquer circunstância que possa ser apontada como causal do embate, inclusive o alegado excesso de velocidade.

Conclui-se esta parte no sentido de que o condutor da ambulância não contribuiu para a produção do acidente.

(b) Quanto ao condutor do veículo Opel.

As normas do Código da Estrada que regulam o comportamento dos condutores e peões visam impedir determinadas situações perigosas e, por isso, o dever tido em conta na norma, imposto ao condutor, está unido a essa situação factual que se pretende evitar que ocorra, para que, por sua vez, não ocorram acidentes.

Verifica-se, face aos factos provados, que o condutor do veículo Opel agiu com culpa porque infringiu uma norma do Código da Estrada que lhe impunha um dever de cuidado que caso tivesse sido observado teria evitado o embate.

Com efeito, este condutor entrou na faixa de rodagem, vindo de um posto de abastecimento de combustível, e movimentou-se no sentido e com o fim de transpor o eixo da via para a metade da faixa contrária, para seguir em sentido oposto àquele em que se encontrava ao sair do posto de combustível.

Ou seja, o condutor pretendeu inverter o sentido de marcha.

Esta manobra, face ao disposto no artigo 45.º do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94 de 3 de maio), não era proibida no local, era permitida.

Porém, embora permitida, exigia que o condutor observasse as regras do Código da Estrada destinadas a evitar acidentes.

Com efeito, a norma do n.º 1 do artigo 35.º do mesmo Código previa e prevê que «O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito:»

O condutor do veículo Opel não observou esta regra porque vindo a ambulância a aproximar de si, devia ter permanecer parado à saída da bomba de combustível, esperando que a ambulância passasse. Não o fez, entrou na faixa de rodagem e entrou em rota de colisão com a ambulância. Por outras palavras, intercetou a trajetória seguida pela ambulância e ao fazê-lo colocou em execução as condições para se produzir o embate que efetivamente ocorreu.

É incontestável que acaso o condutor do Opel tivesse esperado que a ambulância passasse, cumprindo o dever de cuidado previsto no mencionado artigo 35.º do Código da Estrada, o acidente, como já se disse, não teria ocorrido.

Conclui-se, por conseguinte, que o acidente resultou da condução do condutor do veículo Opel e que este agiu culposamente.

3 - Vejamos agora os danos e o pedido.

A Autora pediu a condenação da Ré a apagar-lhe €15.000,00 pela perda total do veículo.

Provou-se (n.º 19) que o valor venal da ambulância, à data do acidente, era efetivamente de €15.000,00.

Mas resulta dos factos provados n.º 17 e 18 que a ambulância é reparável por cerca de €6.000,00.

Cumpre verificar se, sendo a ambulância reparável por cerca de 6.000,00 euros, pode a Ré ser condenada a pagar o valor venal do veículo, porquanto é este o único pedido formulado.

O n.º 1 do artigo 566.º do Código Civil, dispõe que «A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.»

A Autora optou por uma das duas possíveis modalidades de indemnização, isto é, pela indemnização em dinheiro, mas, como se vê, a lei dá prevalência à indemnização através da restauração natural.

Como referiu Vaz Serra, «Visto que a indemnização se destina a colocar o credor na situação, em que estaria, se não tivesse tido lugar o acontecimento causador do dano, o mais perfeito meio de indemnizar é justamente a reposição natural. A indemnização em dinheiro não assegura ao credor senão uma reparação imperfeita do dano» - Obrigação de Indemnização. Boletim do Ministério da Justiça n.º 84 (1959), pág. 131.

Por conseguinte, a Ré será condenada a reparar o veículo.

Poderá argumentar-se que esta solução conduz a uma condenação em objeto diverso do pedido, mas só aparentemente isso ocorre.

Com efeito, o que a Autora pretende com o pedido formulado nos autos é ser indemnizada.

A Autora escolheu uma das duas possíveis modalidades de indemnização, isto é, a indemnização em dinheiro, mas a lei dá prevalência à indemnização através da restauração natural.

Desta forma, se o tribunal concluir que a indemnização deve seguir a via da restauração natural, então, ou a determina ou absolve a Ré do pedido.

Mas se a decisão for no sentido de absolver a Ré, esta solução não pode ser seguida porque nega um direito que acabou de ser reconhecido.

Não se entendendo assim, então a Autora sempre seria obrigada a instaurar nova ação contra a Ré, com base na mesma causa de pedir e pedido de indemnização, variando só a modalidade da indemnização pedida, que agora teria de ser a restauração natural por força do caso julgado que impedia o pedido de indemnização em dinheiro.

Ou seja, iniciar-se-ia um percurso que já estava feito na ação anterior, o que mostra que o pedido, o efeito prático, é efetivamente o mesmo.

Concluindo, condenar-se-á a Ré a reparar o veículo.

4 - Relativamente aos restantes danos.

A autora pediu uma indemnização de €21.000,00 pela privação do respetivo uso e €750,00 pelo transporte do veículo sinistrado, tudo com juros de mora desde a citação até pagamento.

Provou-se que «20.  A utilização do veículo ES pela Autora gerava receitas» e que «21. A Autora teve despesas com o transporte da viatura ES sinistrada.»

Como não se apurou o montante deste dano, cumpre relegar a sua liquidação para execução de sentença a determinação dos prejuízos resultantes da privação do uso do veículo sinistrado e os gerados pelo transporte do veículo sinistrado, dentro dos valores pedidos, o que se determina ao abrigo do disposto no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

5 - Custas

Dada a indefinição dos valores relativos ao vencimento e decaimento, indefinição que exprime, afinal, a falta de esforço probatório de ambas as partes, afigura-se ajustado repartir as custas em partes iguais.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e condena-se a Ré a reparar o veículo acidentado e ainda a pagar à Autora os prejuízos resultantes da privação do uso do veículo sinistrado e os gerados pelo transporte do mesmo veículo, dentro dos valores pedidos, que vierem a ser liquidados.

Custas por Autora e Ré na proporção de metade.


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Coimbra, …