Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3958/20.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: SECTOR BANCÁRIO
TRABALHADOR BANCÁRIO
REFORMA
PENSÃO DE REFORMA
CÁLCULO
MENSALIDADE
NÍVEL SALARIAL
DATA RELEVANTE
NÍVEL REMUNERATÓRIO
Data do Acordão: 07/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CLÁUSULA 98.ª DO ACORDO COLECTIVO DE TRABALHO PARA O SECTOR BANCÁRIO (BTE N.º 29 DE 08.08.2016, COM ÚLTIMA REVISÃO NO BTE N.º 47 DE 22.12.2019).
Sumário: I. Para efeitos do cálculo da mensalidade prevista no n.º 1 da cláusula 98.ª do Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário, o nível salarial a considerar será o que resultava da aplicação do ACT na data da cessação da relação laboral por virtude da qual o trabalhador estava abrangido pelo regime de segurança social previsto naquele ACT, passando o trabalhador a estar integrado em instituição financeira que não é subscritora do referido ACT.

II. A interpretação referida em I) não viola o principio da igualdade.

Decisão Texto Integral:






Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I- J…, solteiro, residente na Rua …, …, instaurou a presente acção com processo comum contra BANCO B…, S.A, com sede na Rua …, ..., pedindo que a Ré seja condenada a:

a. a reconhecer ao Autor o direito a receber a pensão equivalente ao seu nível à data da reforma, ou seja, o nível 12, de acordo com o artigo 98.º do ACT, no valor actual de 330,04 €.

b. em consequência, a pagar ao Autor a quantia de 6.296,70 € correspondente à diferença entre o que lhe devia ter sido pago e foi efectivamente pago, entre Dezembro de 2018 e a presente data;

c. A pagar ao Autor as quantias vincendas correspondentes à diferença entre o que lhe deve ser pago e for efectivamente pago, entre a data da propositura da presente acção e o trânsito em julgado de sentença que lhe reconheça o direito peticionado, ou, em alternativa, lhe comece a pagar de acordo com o ora requerido;

d. Ao pagamento de juros legais vencidos e vincendos até integral pagamento do devido.

Para fundamentar os seus pedidos alegou, em síntese, tal como consta da sentença recorrida, que trabalhou para a Ré durante 10 anos e 10 meses, desde Junho de 1980 a Março de 1991, sendo que de 11-03-1991 a 03-12-2018 exerceu funções no sector bancário, trabalhando ao serviço da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo.

Na sequência da passagem à reforma, foi-lhe atribuída uma pensão no valor de € 271,93, nos termos da cláusula 98ª do ACT do sector bancário, tendo sido considerado inicialmente o nível 10 de remuneração (posteriormente reduzido par o nível 6) e 10 anos de trabalho prestado.

Contudo, dado que foi reformado ao serviço da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo com o nível remuneratório 12, o valor da reforma a pagar pelo Réu ao Autor é o referente a este nível remuneratório, com efeitos retroactivos à sua reforma, o que decorre da correcta interpretação da cláusula 98ª do ACT aplicável, sendo certo que a Ré primeiro reconheceu o nível 10, apesar de já ter informação que o seu nível era o 12, tendo posteriormente requerido que lhe fossem entregues declarações com o nível remuneratório à data da reforma.

Assim, dado que o Autor foi colocado na situação de reforma a 04-12-2018, auferindo o nível 12 de remuneração, no valor de € 1.650,24, o valor mensal a que tem direito é de € 330,04 e não € 199,24 como a Ré lhe paga.

Assim, tem o Autor direito a receber a diferença no montante de € 6172,44, acrescida de juros de mora, correspondente ao valor não pago desde Dezembro de 2018 até à data da propositura da acção, englobando os respectivos subsídios de férias e de Natal.


+

Na tentativa de conciliação não se logrou a composição amigável do litígio pelo que se ordenou a notificação da ré para contestar.

Na contestação que apresentou o réu pugnou, em síntese, tal como também consta da sentença impugnada, pela improcedência da acção referindo que foi por lapso que inicialmente foi considerado o nível 10, situação que foi corrigida por carta enviada ao Autor em 24-01-2020, tendo esclarecido tal lapso e demais questões apresentadas pelo Autor através de email de 10-02-2020.

Alega ainda que o nível remuneratório 12 com o qual o Autor se terá reformado ao serviço da Caixa de Crédito Agrícola reporta-se à tabela salarial do ACT do Crédito Agrícola e não à tabela a que se refere a cláusula 98º, nº 3 do ACT do sector bancário, sendo apenas este o ACT que vincula o Autor e a Ré, sendo que a tabela prevista na referida cláusula 98ª é apenas a constante ao ACT do sector bancário, sendo esta a aplicável nos casos em que o trabalhador deixou de ser abrangido pelo regime de segurança social do ACT do sector bancário.

No caso do Autor, o mesmo deixou de estar abrangido pelo regime social do ACT do sector bancário, ainda que tenha passado a estar abrangido pelo ACT do Crédito Agrícola, pelo que tem direito a uma pensão pelo tempo em que exerceu funções na Ré, ou seja desde 02-06-1980 a 01- 04-1991, sendo este o momento em que deixou de estar abrangido pelo ACT do sector bancário o que deve ser considerado para determinação do nível remuneratório e não o momento da reforma ao serviço do Crédito Agrícola.

Assim, o nível a considerar é o nível 6 onde o Autor se encontrava na data em que deixou de estar abrangido pelo regime social do sector bancário e foi integrado em instituição financeira não subscritora deste ACT.

Acresce que iniciou o pagamento da pensão ao Autor em Setembro de 2020 com efeitos retroactivos a Novembro de 2019, data em que foi requerida a atribuição da pensão, sendo que mesmo a proceder a pretensão do Autor o valor das diferenças correspondia apenas a € 1.712,03.


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O Autor apresentou resposta reafirmando o alegado na petição inicial quanto à aplicação do nível remuneratório 12 que o Autor tinha à data da reforma no sector.

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II – Findos os articulado, por se ter entendido que os autos fornecem todos os elementos para¸ com a necessária segurança e sem necessidade de mais provas, se conhecer dos pedidos formulados pelo Autor na petição inicial, passou-se de imediato conhecer dos pedidos tendo sido proferida sentença, em cujo dipositivo se lê:

“Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julga-se a presente acção improcedente por não provada, e em consequência absolve-se a Ré Banco B…, S.A do pedido contra ela formulado pelo Autor J…”.


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III – Não se conformando com esta decisão dela o autor veio apelar, alegando e concluindo:

(…)


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O Exmº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença impugnada.

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IV – A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria:

1- A Ré é uma instituição de crédito e exerce a actividade bancária.

2- A Ré participou nas negociações e outorgou o ACT do Sector Bancário, cuja versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1ª Série, n.º 29, de 08/08/2016, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte, substituindo o anterior IRCT.

3- O Autor encontra-se filiado no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, onde figura como o sócio n.º 35139.

4- O Autor trabalhou ao serviço do Ré durante 10 anos e 10 meses, de Junho de 1980 a Março de 1991.

5- Daí em diante, o Autor exerceu funções no sector bancário, trabalhando ao serviço da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo – de 11/03/1991 a 03/12/2018.

6- Na sequência da passagem à reforma e de requerimento dirigido à Ré, por carta enviada pela Ré ao Autor em 15 de Novembro de 2019, foi o Autor informado que lhe seria atribuída uma pensão de reforma por velhice, com efeitos a 04-12- 2018, por tempo de serviço prestado à Ré, nos termos da cláusula 98ª do ACT do sector bancário, no valor de 271,93 €, sendo considerado o nível 10 de remuneração e 10 anos de trabalho prestado, nos termos constantes do documento nº2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

7- Posteriormente, a Ré comunicou ao Autor, por carta datada de 24 de Janeiro de 2020, que o valor da pensão de reforma atribuída nos termos da cláusula 98.º do ACT é de 199,24 €, com referência ao nível remuneratório 6 e aos mesmos 10 anos de serviço, mais informando que tal carta anula e substitui a carta enviada a 15 de Novembro de 2019, nos termos constantes do documento 3 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

8- O Autor contestou este valor por carta de 20.02.2020, na qual refere o seguinte: “Considerando a minha anterior comunicação e a vossa missiva de 24 de Janeiro de 2020, cabe esclarecer, definitivamente, o seguinte: 1. O nível de referência para a minha reforma, nos termos da cláusula 98.º, n.º 1 e 3 do ACT, é o 12, uma vez que à data da mesma, era esse o nível que tinha na CCA, conforme declaração que anexo e que já é do vosso conhecimento; sublinho que essa é a única interpretação possível do sobredito normativo legal, nomeadamente com a referência a “com referência ao nível em que o trabalhador se encontrava colocado à data referida no número 1”. Ora nesse número, a data com relevância é a de “quando for colocado na situação de reforma por velhice…2. Estive ao vosso serviço durante 10 anos e 10 meses e não só 10 anos, pelo que considerando o método de contagem da Segurança Social, aqui aplicável, devem contar mais um ano.”, conforme documento nº 4 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido.

9- Conforme as declarações que o Autor juntou como documentos n.º 5 e 6 da petição inicial e que anexou à carta referida no nº 8, o Autor foi reformado ao serviço da Caixa Central de Crédito Agrícola com o nível remuneratório 12.

10- Quer o Autor, quer o Sindicato em seu nome, manifestaram à Ré a pretensão de ser considerado o nível remuneratório 12 que o mesmo auferia na CCA à data da reforma, no valor da reforma a pagar pela Ré ao Autor, com efeitos retroactivos à data da sua reforma.

11- A Ré não acedeu a tal pretensão, tendo respondido quer ao Autor quer ao Sindicato que considera que a cláusula 98.º do ACT se refere a anos completos e o nível remuneratório de referência é o nível em que o Autor se encontrava colocado à data em que deixou de estar abrangido pelo regime de segurança social garantido nesse Acordo, sendo por isso considerado o nível que o mesmo auferia na Ré aquando da cessação do seu contrato e que corresponde ao nível 6, informando ainda o Autor no email datado de 10-02-2020 que se tratou de lapso a consideração do nível 10 na missiva de 15-11-2019, tudo conforme documento nº 8 junto com a petição inicial e documento nº 1 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

12- O Autor foi colocado na situação de reforma a 4 de Dezembro de 2018, auferindo nessa data ao serviço da CCA o nível 12 de remuneração, correspondente a 1.650,24 €.

13- A Ré pagou ao Autor a título de pensão de reforma em Setembro de 2020 a quantia ilíquida de € 2.408,60, conforme documento nº 9 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

14- Em resposta à carta do Autor referida no nº 8 a Ré remeteu ao Autor carta datada de 2 de Março de 2020 reiterando o teor do email de 10-02-2020 aludido no nº 11, conforme documento nº 2 junto com a contestação cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


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V - Conforme decorre das conclusões da alegação do recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir reside em saber qual o valor de referência para o cálculo da pensão do autor a cargo do réu por aplicação do disposto na cláusula 98ª do ACT do Sector Bancário (publicada no B.T.E., 1ª Série, n.º 29, de 08/08/2016[1]).

Sob a epígrafe “Reconhecimento de direito em caso de cessação do contrato de trabalho” dispõe a cláusula 98.ª, n.ºs 1 e 3 do ACT do sector bancário, que:

“1. O trabalhador de Instituição de Crédito, Sociedade Financeira ou das antes designadas Instituições Parabancárias não inscrito em qualquer regime de segurança social e que, por qualquer razão, deixe de estar abrangido pelo regime de Segurança Social garantido pela presente Secção tem direito, quando for colocado na situação de reforma por velhice ou invalidez pelo regime de protecção social que lhe for aplicável, ao pagamento, pelas referidas Instituições e correspondente ao tempo em que lhes tenha prestado serviço, de uma importância calculada nos termos do número 3 desta cláusula. (…).

3. Para efeitos do cálculo da mensalidade prevista no número 1 desta cláusula, a parte da pensão de reforma a pagar por cada Instituição, correspondente ao tempo de serviço nela prestado, apurado em anos completos, é calculada com base na retribuição de base constante do Anexo II para a tabela salarial ao presente Acordo, com referência ao nível em que o trabalhador se encontrava colocado à data referida no número 1, tomando em consideração a taxa anual de formação da pensão do regime geral de segurança social para a componente P1”.

Segundo o autor, da simples leitura da referida cláusula resulta que a data de referência para efeitos de cálculo da pensão não pode ser outra que não seja a de se considerar a data em que o autor foi colocado na situação de reforma

Como o A. foi colocado na situação de reforma a 4 de Dezembro de 2018, auferindo o nível 12 de remuneração deve ser esse o nível a considerar para efeitos do cálculo da pensão da responsabilidade da do réu.

Na tese do réu, a norma tem aplicação aos casos em que o trabalhador deixou de ser abrangido pelo regime de segurança social do ACT do sector, não se referindo a qualquer outro IRCT, designadamente àquele que veio a ser aplicável ao Autor e que é o Acordo Colectivo de Trabalho do Crédito Agrícola, cujo texto foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 1, de 8/1/2010, com as alterações publicadas no BTE, n.º 2 de 15/01/2011.

No caso do Autor, este deixou de estar abrangido pelo regime de segurança social do ACT do sector bancário – ainda que tenha passado a estar abrangido pelo ACT do Crédito Agrícola -, pelo que tem direito a uma pensão pelo tempo em que exerceu funções no Banco Réu, ou seja, de 02/06/1980 a 01/04/1991 (10 anos e 10 meses).

Resulta claro que está em causa a Tabela do Anexo II do ACT do sector bancário e não a Tabela de qualquer outro IRCT, designadamente do ACT do Crédito Agrícola.

O momento para determinação do nível a considerar é, precisamente, aquele em que o trabalhador deixou de estar abrangido pelo ACT do sector bancário (e, consequentemente, deixou de estar abrangido pela Tabela Salarial do Anexo II àquele ACT) e não o momento da reforma ao serviço do Crédito Agrícola ou de qualquer outra entidade

No caso do Autor, a pensão é calculada com base na retribuição de base constante do Anexo II para a tabela salarial do ACT do sector bancário, com referência ao nível em que o Autor se encontrava colocado à data em que deixou de estar abrangido pelo regime de segurança social previsto naquele ACT, o que significa o nível 6 por corresponder ao nível em que o Autor se encontrava colocado à data em que saiu do Banco Réu, tendo sido integrado em Instituição Financeira que não é subscritora deste ACT.

O tribunal a quo depois de discorrer sobre regime específico de segurança social de que beneficiam os trabalhadores bancários entendeu que “pese embora o Autor continuasse ligado ao sistema bancário, o certo é que quando cessou o contrato de trabalho com a Ré, o mesmo deixou de estar abrangido pelo Regime de Segurança Social previsto no ACT do sector bancário supra referido. Assim, para o cálculo da pensão de reforma devido pela Ré ao Autor, terá que ser considerado apenas o regime previsto no ACT do sector bancário aplicável e não qualquer outro regime, designadamente o regime previsto no ACT do Crédito Agrícola aplicável à relação laboral do Autor aquando da sua passagem à situação de reforma. Acresce que, entendemos também, como refere a Ré que o que resulta da conjugação dos nºs 1 e 3 da cláusula 98ª do ACT do sector bancário é que a tabela salarial a que se refere o nº 3 é a que consta do Anexo II de tal Instrumento de Regulamentação colectiva e não de qualquer outro IRCT a que a Ré não está vinculado. E, o momento para determinação do nível a considerar é aquele em que o trabalhador deixou de estar abrangido pelo ACT do sector bancário e de beneficiar do regime de segurança social garantido pelo mesmo e não o momento da reforma ao serviço de outra entidade que não esteja abrangida por tal ACT.

(…)

Em face de tal anterior regime pronunciou-se o supra referido Ac do STJ de 05-05-2010 no proc. 3870/06.5TTLSB. L1.S1,onde se referiu que “o direito à pensão de reforma é conferido pelo instrumento de regulamentação colectiva em vigor na data da cessação do contrato de trabalho, mas o conteúdo e medida desse direito afere-se pelo texto do correspondente instrumento de regulamentação colectiva em vigor no momento em que ocorre o pressuposto da atribuição da pensão de reforma.”

Ora, no caso em apreço a pensão de reforma foi calculada pela Ré de acordo com os preceitos convencionais, supra referidos, tomando em consideração o nível 6 que era o nível em que o Autor se encontrava inserido à data em que cessou o contrato com a Ré e foi integrado na Caixa de Crédito Agrícola que não é subscritora do ACT para o sector bancário.

Acresce que a Ré considerou as regras previstas na cláusula 98ª vigente à data da atribuição de reforma, apurando o valor da pensão em anos completos e procedendo ao seu pagamento a partir de Novembro de 2019, altura em que o Autor requereu junto da Ré a atribuição da reforma.

Assim, dos factos provados resulta que a Ré, se encontra a pagar a pensão ao Autor de acordo com as normas convencionais aplicáveis ao sector bancário, inexistindo pois fundamento legal para que a mesma seja calculada de outra forma designadamente pelo nível de retribuição que o Autor auferia à data da passagem à reforma na Caixa de Crédito Agrícola.”

Decidindo:

O direito à pensão de reforma trata-se de uma situação jurídica de formação complexa ou de factos jurídicos complexos de formação sucessiva que «enquanto não se produz o último elemento da série legalmente necessária, dizem-se incompletos, imperfeitos ou em formação (in itinere). Até esse momento não podem surtir os seus efeitos próprios, mas podem ir originando certos efeitos menores, preparatórios, ou preliminares daqueles outros» – M. Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 11”.

Por isso mesmo se vem entendendo que o direito à pensão de reforma é conferido pelo instrumento de regulamentação colectiva em vigor à data da rescisão do contrato de trabalho, mas o conteúdo e medida desse direito mede-se pelo texto correspondente do instrumento de regulamentação colectiva em vigor no momento em que ocorre o pressuposto da atribuição da reforma.

Por outro lado, na interpretação das convenções colectivas deve aplicar-se o disposto nos arts 236º do Código Civil quanto à parte obrigacional e o preceituado no art.9º do C. Civil quanto à parte regulativa.

Ora, a referida cláusula 98ª respeita inequivocamente à parte regulativa do ACT, pelo que a sua interpretação deve obedecer às regras do art. 9º do C.Civil[2].

O elemento literal da cláusula, ou seja, a forma como esta se encontra redigida não elucida sobre qual o momento a considerar para efeitos do cálculo do montante da pensão da responsabilidade do réu.

A literalidade da norma tanto permite considerar o momento em que o trabalhador deixa de estar abrangido pelo regime de segurança social garantido pelo ACT do Sector Bancário e, consequentemente, pela Tabela Salarial do Anexo II àquele ACT, como também o momento em que o trabalhador é colocado na situação de reforma.

Todavia, é na data da cessação laboral que o trabalhador deixa de estar abrangido pelo regime de segurança social previsto naquele ACT e pela Tabela Salarial do Anexo II pelo que o nível salarial a considerar será o que, nessa data, resultava da aplicação do ACT, porquanto, conforme assinala o réu, o trabalhador/recorrente poderia nem sequer estar abrangido por outro qualquer IRCT.

Alega, por fim o recorrente que, caso a confirmar-se a decisão recorrida, estaremos perante uma violação clara do princípio da igualdade, ínsito no artigo 13.º da CRP, considerando que o trabalhador, bancário a vida toda, sempre abrangido por IRCT´s e pela regulamentação do sector, será prejudicado no valor da sua reforma em relação a trabalhadores que estiveram ao serviço do Recorrido, ou de outros bancos subscritores do ACT, ao longo da sua carreira.

Ou seja, entende o recorrente que a confirmar-se a decisão recorrida, tal confirmação implicaria a consagração de uma discriminação salarial entre trabalhadores.

Decidindo:

É hoje pacífico que o princípio da igualdade não proíbe tratamentos diferenciados de situações distintas, implicando antes que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, de tal maneira que só haverá violação desse princípio da igualdade se houver tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais.

O princípio da igualdade pressupõe uma igualdade material, reportada à realidade social vivida, e não uma igualdade meramente formal, massificadora e uniformizadora, o que implica que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
Por outras palavras, o que esse princípio proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, porque assentes, designadamente, em meras categorias subjectivas – cfr. acórdãos do TC nºs 186/90, de 6/06/90, e 319/00, de 21/06/00, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pag. 128.

Como assim, só pode ter-se por verificada uma situação de violação do princípio da igualdade se demonstrado estiver um tratamento diferenciado assente num qualquer factor de discriminação ilegítimo.

Como se escreveu no Acórdão 166/10 do Tribunal Constitucional, retomando os Acórdãos 186/90, 187/90 e 188/90, “o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa perspectiva sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot)”.

No caso, o que acontece é que o recorrente esteve sujeito ao longo da sua carreira como trabalhador bancário a regimes consignados em diferentes IRCTs.

Assim, entre Junho de 1980 a Março de 1991, enquanto trabalhador do réu esteve sujeito à aplicação ACT do Sector Bancário, tendo passado a estar abrangido pelo ACT do Crédito Agrícola a partir daquela última data, sendo que o nível remuneratório 12 que o Autor refere como tendo sido aquele com o qual se reformou ao serviço do CCAM se reporta à Tabela Salarial anexa ao Acordo Colectivo de Trabalho do Crédito Agrícola (BTE, 1.ª série, n.º 1, de 8/1/2010, com as alterações publicadas no BTE, n.º 2 de 15/01/2011) e não à tabela salarial cuja interpretação da cláusula 98ª se controverte.
Neste contexto, se alguma diminuição pudesse vir a ocorrer no valor da sua reforma em confronto com outros trabalhadores que estiveram ao serviço do Recorrido ou de outros bancos subscritores do ACT (que o recorrente não identifica), tal diminuição seguramente não resultou de uma distinção sem fundamento material ou num tratamento diferenciado assente num qualquer factor de discriminação ilegítimo.


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IV - Termos em que se decide julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da sentença impugnada:

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Custas a cargo do apelante.

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Coimbra, 06 de Julho de 2021

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)


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[1] Cuja última revisão foi publicada no BTE, n.º 47, de 22/12/2019.
[2] Cfr. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª edição, p.1109 onde se chama atenção para o facto de que embora seja aplicável o artº 9º do CC é preciso ter em conta que as convenções colectivas se distinguem da lei não possuindo as mesmas características.