Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
51/14.8T8CTB.C1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
EXTINÇÃO
RELAÇÃO JURÍDICA
HIPOTECA
Data do Acordão: 01/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO – JL CÍVEL – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 730º C. CIVIL; 160º, Nº 2, 162º, 163º, Nº3, E 164º DO CSC.
Sumário: 1. A extinção da personalidade jurídica de uma determinada sociedade, por cancelamento da sua matrícula, não determina qualquer extinção das relações jurídicas de que era titular a sociedade extinta, designadamente dos seus débitos, antes provoca um fenómeno de sucessão legal na titularidade dos débitos supervenientes, dos quais passam a ser titulares aqueles que figuravam como sócios da sociedade extinta à data da extinção.

2. Essa sucessão é imposta legalmente por mero efeito da cessação da personalidade jurídica da sociedade extinta, não estando dependente do efectivo recebimento pelo sócio responsabilizando, através da partilha do património social, de bens que integraram esse património, recebimento esse que apenas constitui: a) pressuposto substantivo de que o património pessoal do sócio possa ser efectivamente agredido com vista à satisfação de passivo social superveniente; b) limite à medida de possibilidade de agressão desse património pessoal para satisfação daquele passivo social.

3. A extinção da personalidade jurídica de uma sociedade não implica a extinção das hipotecas por ela constituídas para garantia de débitos da mesma, ainda que os bens onerados com tais garantias tenham sido transmitidos a terceiros em momento anterior à referenciada extinção.

4. A subsistência dessas hipotecas não gera qualquer inconstitucionalidade do art. 730º/a do CC.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

Os autores propuseram contra a ré a presente acção com a forma de processo comum, deduzindo os pedidos seguidamente transcritos:

Nestes termos, requer a V.Exª. se digne considerar a presente acção procedente e provada, e em consequência:

Declarar-se que as dívidas e contratos subjacentes às hipotecas constituídas sobre as fracções autónomas dos AA. estão cumpridos pelo pagamento, e que nada é devido ao R. pelos responsáveis hipotecantes;

Declarar-se que os imóveis não podem continuar a garantir a dívida hipotecária face aos efeitos legais decorrentes da insolvência na hipotecante/insolvente e seus credores;

Julgarem-se extintas as hipotecas constituídas e que incidem sobre os imóveis;

Ordenar-se o cancelamento dos respectivos registos;

Declarar-se que a hipoteca referida em art.8º da P.I. não existência jurídica;

Condenar-se a R. a reconhecê-lo e a emitir as declarações de cancelamentos das hipotecas referidas em arts.6º a 8º da P.I.

Condenar a R. nas custas e demais de lei.

Como fundamento dessas pretensões, alegaram, em resumo, o seguinte: são donos e legítimos possuidores das fracções autónomas designadas pelas letras N e M e com os demais sinais identificativos descritos na petição; sobre a fracção N encontra-se registada uma hipoteca a favor da ré, inscrita registralmente pela apresentação nº 57, de 09/10/2001, para garantir um crédito da ré sobre a sociedade F..., Lda, dona dessa fracção à data da constituição da hipoteca, decorrente de quaisquer operações bancárias, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito de quaisquer natureza, descobertos em contas à ordem, letras, livranças, cheques, extractos de factura, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas, até ao montante de catorze milhões de escudos, respectivos juros à taxa anual de 11,45%, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas fixadas para efeitos de registo em Esc. 560.000$00; sobre a fracção M encontra-se registada outra hipoteca a favor da ré, inscrita registralmente pela apresentação nº 34, de 24/4/2002, para garantir um crédito da ré sobre a sociedade F..., Lda, dona dessa fracção à data da constituição da hipoteca, emergente de quaisquer operações bancárias, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito de quaisquer natureza, descobertos em contas à ordem, letras, livranças, cheques, extractos de factura, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas, até ao montante de quinze mil euros, respectivos juros à taxa anual de 11,45%, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas fixadas para efeitos de registo em 600€; sobre a fracção N foi constituída uma outra hipoteca não registada, para garantia das obrigações assumidas ou a assumir perante a ré pela sociedade F..., Lda, decorrentes de quaisquer operações bancárias, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito de quaisquer natureza, descobertos em contas à ordem, letras, livranças, cheques, extractos de factura, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas, até ao montante de quinze mil euros, respectivos juros à taxa anual de 11,45%, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas fixadas para efeitos de registo em 600€; os autores adquiriram essas fracções em data posterior à da constituição das referidas hipotecas, pelo preço de 5,0058€ quanto à fracção N e de 8.871,39€ quanto a fracção autónoma M; à data dessas aquisições, os contratos subjacentes à constituição das hipotecas voluntárias, designadamente contas-correntes caucionadas, operações de desconto de cheques, letras de câmbio e livranças, etc., já estavam integralmente cumpridos, nada sendo devido pela F..., Lda à ré, situação que se mantinha à data da proposição da acção; em data posterior à dessas aquisições, a F..., Lda foi declarada insolvente, por sentença transitada em julgado, qualificada como fortuita, estando a sua matrícula cancelada e o processo em fase de liquidação e rateio final, tendo já sido prestadas contas pelo administrador de insolvência; nesse processo de insolvência, a ré reclamou créditos no valor de 12.977,13€, tendo-lhe sido reconhecidos pelo administrador de insolvência, em 4/8/2011, as quantias de 10.824,02€ como créditos comuns, de 279,11€ de créditos subordinados e de 1.874€ de créditos sob condição, os quais não foram alvo de impugnação; a ré nada pode exigir à insolvente para além do constante da sentença de verificação e graduação de créditos e os pagamentos que lhe couberem no rateio final a efectuar pelo administrador de insolvência; não existe qualquer relação subjacente que sustente as hipotecas que incidem e estão constituídas sobre os imóveis dos autores, apesar do que a ré se recusa a emitir os distrates a elas correspondentes; não sendo os autores sujeitos passivos de quaisquer responsabilidades perante a ré e relativamente às obrigações da F..., Lda, a subsistência dos registos daquelas hipotecas ofende o art. 892º do Código Civil (CC).

A ré contestou pugnando pela improcedência da acção, e deduziu reconvenção na qual deduziu os pedidos seguidamente transcritos:

…deverá ser declarado procedente o pedido reconvencional declarando-se assim:

a) A nulidade da compra e venda das frações autónomas designadas pelas letras “M” e “N”, outorgada entre a sociedade F..., Lda. e os aqui AA., aquisição esta registada em nome destes na CRP sob apresentação nº 5150 de 23.07.2009 para ambas as frações;

b) O cancelamento do registo de aquisição respeitante a estas duas frações;

c) A existência do crédito a R. no valor de 15.927,27 €, acrescido dos juros devidos, conforme contestação, até ao efetivo pagamento.”.

Alegou, em resumo, o seguinte: nada recebeu dos créditos por si reclamados no processo de insolvência, pelo que se mantêm em pleno vigor as hipotecas referidas pelos autores; foram simulados os negócios jurídicos pelos quais os autores adquiriram as fracções identificadas na petição, com o propósito de se retirar aos credores da insolvente a possibilidade de se pagarem através dessas fracções; o preço declarado na escritura de compra e venda dessas fracções é manifestamente inferior ao valor real das mesmas; o crédito global que reclamou na insolvência é constituído pelos créditos parcelares que identifica e quantifica na contestação.

Replicaram os autores para, em resumo, impugnarem a simulação arguida na contestação e concluírem como já tinham feito na petição.

Foi suscitada e admitida a intervenção principal provocada da sociedade F..., Lda, a qual nada requereu nos autos.

Os autos prosseguiram os seus regulares termos, sendo proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

Pelo exposto, decide-se:

a) julgar totalmente improcedente a acção e, consequentemente, absolve-se a C... da totalidade dos pedidos;

b) julgar totalmente improcedente a reconvenção e, consequentemente, absolvem-se os AA, F... e A..., da totalidade do pedido reconvencional.

Custas da acção a cargo dos AA e da reconvenção a cargo da Ré, nos termos sobreditos.”.

Não se conformando com o assim decidido, apelaram os autores

Remataram as suas alegações com as seguintes conclusões:

...

A apelada apresentou contra-alegações, requerendo a improcedência da apelação e subsidiariamente a ampliação do objecto do recurso.

Apresentou as seguintes conclusões:

...

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 - NCPC), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada;

2ª) se foram integralmente liquidados os créditos para garantia dos quais foram constituídas as hipotecas referidas nos pontos 4º) a 7º) dos factos descritos como provados, com a consequente extinção de tais garantias reais;

3ª) se os créditos da C... sobre a sociedade F..., Lda se extinguiram por consequência da extinção da personalidade jurídica daquela sociedade decorrente do cancelamento da sua matrícula por sua vez decorrente do encerramento do processo de insolvência subsequente à liquidação do património da insolvente e rateio do produto da liquidação, com a consequente extinção das garantias reais (hipotecas) daqueles créditos;

4ª) se a subsistência dos créditos da C... sobre a sociedade F..., Lda, e das correspondentes garantias reais, apesar da extinção dessa sociedade e da respectiva personalidade jurídica, geram qualquer inconstitucionalidade do art. 730º/a do CC, por colocar os autores numa posição de impossibilidade de exercerem em relação à devedora principal o direito de regresso emergente da satisfação por eles dos débitos garantidos que poderiam ter exercido se a C... tivesse executado aquelas garantias reais antes da declaração de insolvência da devedora principal, com a consequente violação do princípio da igualdade;

5ª) se a sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia a que se alude na conclusão 13ª das alegações;

6ª) se a sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia a que se alude na conclusão 8ª das contra-alegações.

III – Fundamentação

A) De facto

Os factos provados

...

Primeira questão: se a matéria de facto de encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada.

1.1. Sob o nº 10 dos factos descritos como provados, deu o tribunal recorrido como provado o seguinte: “A sociedade comercial “F..., Lda” foi declarada insolvente por sentença datada de 16.06.2011 nos autos de proc. n.º ... do 2º Juízo, por sentença transitada em julgado, qualificada como fortuita, estando a sua matricula cancelada e o processo em fase de liquidação e rateio final, tendo já sido prestadas contas pelo administrador de insolvência (art.º 11.º da p.i.).”.

Pretendem os apelantes que se dê como provado que “A sociedade comercial “F..., Lda” foi declarada insolvente por sentença datada de 16.06.2011 nos autos de proc.n.º... do 2º Juízo, transitada em julgado, qualificada como fortuita, tendo a sua matricula sido cancelada devido ao encerramento do processo após o rateio final.”.

Emerge dos autos, particularmente da inscrição registral nº 5 feita na certidão de matrícula da sociedade F..., Lda, na sequência da apresentação 5/20140723, que por decisão judicial de 21/7/2014 foi decretado o encerramento do processo de insolvência daquela sociedade, após concretização do rateio final – cfr. documento 12 junto com a petição inicial.

O rateio final é levado a efeito depois do encerramento da liquidação (art. 182º do CIRE), a significar, pois, que o referido processo de insolvência ultrapassou as fases da liquidação e do rateio final, tendo mesmo ingressado na fase do encerramento (art. 230º/1/a do CIRE).

Dos mesmos autos também emerge que: i) a sociedade F..., Lda foi declarada insolvente por sentença datada de 16/6/2011 e proferida no processo ... do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, já transitada em julgado (documento 8 junto com a petição inicial); ii) a insolvência foi qualificada como fortuita (documento 11 junto com a petição inicial); iii) o administrador de insolvência apresentou contas que foram judicialmente aprovadas (documento 10 junto com a petição inicial); iv) pela inscrição nº 6, de 24/7/2014, feita na supra referenciada certidão de matrícula, foi registado o cancelamento da matrícula da dita sociedade (documento 12 junto com a petição inicial).

Tudo conjugado, decide este tribunal alterar a redacção do ponto 10º) dos factos dados como provados, que passará a ser a seguinte: A sociedade F..., L.da foi declarada insolvente por sentença datada de 16/6/2011 e proferida no processo ... do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, já transitada em julgado, tendo sido cancelada em 24/7/2014 a matrícula nº... dessa sociedade na Conservatória do Registo Comercial de ..., na sequência do registo do encerramento do processo de insolvência subsequente à liquidação e ao rateio final ocorridos no mesmo, sendo certo que a insolvência foi declarada como fortuita, tendo o administrador de insolvência apresentado contas que foram judicialmente aprovadas.

1.2. Os apelantes pretendem que seja alterado o ponto 12º) dos factos descritos como provados, de modo a que seja acrescentado o esclarecimento de que “…não houve entrada de dinheiro no património da vendedora nem saída de dinheiro do património dos recorrentes aquando da escritura de compra e venda.”.

Não acompanhamos os recorrentes nesta sua pretensão pela razão de que, a nosso ver, o aditamento pretendido já emergir explicitamente do teor do ponto 12º) em apreço, segundo o qual “Não obstante o declarado na escritura pública mencionada em 9.[1] não houve uma saída de dinheiro do património dos “compradores” mencionados na escritura identificada em 9., ou seja, dos aqui AA. para aquisição das ditas parcelas e não houve entrada de dinheiro no património da sociedade vendedora, designadamente das quantias correspondentes ao preço ali declarado…”.

1.3. Pretendem os apelantes que seja dada como não provada a matéria constantes dos pontos 19º), 20º) e 22º) dos factos descritos como provados.

Não acompanhamos os apelantes, pois globalmente a decisão sobre a matéria de facto incidindo sobre a temática em discussão naqueles pontos e no 21º) foi globalmente acertada, embora com alguns acertos pontuais que entendemos dever introduzir relativamente ao ali decidido, como passamos a demonstrar.

Importa começar por notar que a matéria constante desses pontos reporta-se: i) por um lado ao crédito global de 12.977,13 € que está referenciado no ponto 18º) dos factos provados como tendo sido reclamado pela ré no processo de insolvência supra referenciado, bem assim como aos créditos parcelares constitutivos desse crédito global; ii) por outro lado, à grandeza quantitativa de cada um desses créditos parcelares em Outubro de 2014.

Importa, pois, considerar separadamente essas dimensões quantitativa e temporalmente diferenciadas daqueles créditos global e parcelares.

Por outro lado, conjugando o teor documental de fls. 91 a 95, e 99, por referência ao crédito parcelar referido na matéria constante do ponto 19º dos factos provados, 101 a 113, por referência ao crédito parcelar referido na matéria constante do ponto 20º dos factos provados,114 a 121, por referência ao crédito parcelar referido na matéria constante dos pontos 21º e 22º dos factos provados, com o teor da petição da reclamação de créditos apresentada pela ré no processo de insolvência (fls. 83 a 90), com o teor do depoimento prestado pela testemunha..., de forma consistente, sem contradições, desinteressada, isenta, revelando conhecimento directo e circunstanciado dos factos sobre os quais prestou depoimento, e por tudo isso credível, resulta para nós absolutamente incontroverso o seguinte:

i. o crédito global referido no ponto 18º) dos factos provados também era integrado, à data da reclamação de créditos apresentada pela ré no processo de insolvência ..., pelo seguinte crédito parcelar: saldo devedor decorrente da utilização para efectivação de pagamentos de um cartão CaixaWorks atribuído pela ré, de que era titular a sociedade F..., Lda, associado à conta titulada pela empresa com o nº ..., no montante de 6.960,57 €, que nunca foram pagos, total ou parcialmente, acrescidos de juros à taxa anual acordada, reclamados desde 16/6/2011 e até ao efectivo e total pagamento, à razão diária de 4,37 € por dia, ascendendo a 183,54 € até ao dia do termo do prazo fixado para as reclamações de créditos (28/7/2011), bem como de imposto de selo incidente sobre os juros, ascendendo a 7,34 € o imposto devido sobre os juros entre 16/6/2011 e 28/7/2011;

ii. em 27/10/2014 o crédito referido em i) não se mostrava satisfeito e ascendia a 7.091,25 €, acrescendo-lhe juros vincendos à taxa anual acordada e à razão 4,27 € por dia até ao efectivo e total pagamento, bem como imposto de selo subsequentemente devido;

iii. o crédito global referido no ponto 18º) dos factos provados também era integrado, à data da reclamação de créditos apresentada pela ré no processo de insolvência ..., pelo seguinte crédito parcelar: saldo a descoberto na conta de depósitos à ordem com o nº ..., aberta em 15/12/2004 e de que era titular a sociedade F..., Lda, o qual nunca foi pago por essa sociedade, total ou parcialmente, saldo esse que já em 20/7/2010 ascendia a 3.235,90 €, acrescidos: a) de juros à taxa anual acordada, reclamados desde 20/7/2010 e até ao efectivo e total pagamento, ascendendo a 520,99 € os juros vencidos entre 20/7/2010 e 16/6/2011, a 84,84 € os relativos ao período entre 17/6/2011 e 28/7/2011; b) de imposto de selo incidente sobre os juros; c) de comissões;

iv. em 16/10/2014, o crédito referido em iii) ainda não estava pago e ascendia a 6.311, 20 € (3.235,90 € de capital, 2.821,14 € de juros à taxa anual acordada, 76 € de comissões e 178,16 € de imposto de selo), acrescendo-lhe juros vincendos à taxa acordada e à razão 1,994 € por dia até ao efectivo e total pagamento, bem como comissões e imposto de selo subsequentemente devidos;

v. no crédito global referido no ponto 18º) dos factos provados também foi integrado, à data da reclamação de créditos apresentada pela ré no processo de insolvência ..., a título de crédito condicional,  o seguinte crédito parcelar: 1.874,00 € correspondentes ao valor máximo de uma garantia bancária prestada até esse valor pela ré a favor da beneficiária E (...) , SA, a qual está documentada a fls. 120 dos autos, aqui dada por integralmente reproduzida, na sequência da outorga entre a ré a sociedade F..., Lda, do contrato de emissão de garantia bancária documentado a fls. 114 e 115, aqui dadas por integralmente reproduzidas, nela figurando como garantida a sociedade F..., Lda, com o nº de operação ..., outorgada em 11/5/2005;

vi. à data da reclamação de créditos, a garantia bancária antecedentemente referida não tinha ainda sido accionada pela beneficiária E (...) , tendo-o sido em 22/4/2013, razão pela qual a ré teve de pagar à E (...) , em 22/10/2013, a quantia de 485,72 €;

vii. o referido na antecedente alínea e o clausulado no contrato de emissão de garantia bancária nela igualmente referido, constituiriam a sociedade F..., Lda, não fora a sua declaração de insolvência, liquidação, rateio final, encerramento do processo de insolvência e subsequente cancelamento de matrícula, num débito de que era titular activo a C..., o qual em 27/10/2014 ascenderia ao valor global de 2.524,76€, a título de capital, despesas, comissões, imposto de selo, acrescendo-lhes juros à taxa anual acordada, até ao efectivo e total pagamento, à razão diária de 0,60 € por dia, e imposto de selo incidente sobre os juros.

É em conformidade com quanto vem de referir-se que deve ser julgada a matéria de facto em causa nos pontos 19º a 22º dos factos provados, pelo que nos termos do art. 662º/1 do NCPC se decide alterar a matéria constante desses pontos nos termos seguintes:

19. O crédito global referido no ponto 18º) dos factos provados também era integrado, à data da reclamação de créditos apresentada pela ré no processo de insolvência ..., pelo seguinte crédito parcelar: saldo devedor decorrente da utilização para efectivação de pagamentos de um cartão Caixaworks atribuído pela ré, de que era titular a sociedade F..., Lda, associado à conta titulada pela empresa com o nº ..., no montante de 6.960,57 €, que nunca foram pagos, total ou parcialmente, acrescidos de juros à taxa anual acordada, reclamados desde 16/6/2011 e até ao efectivo e total pagamento, à razão diária de 4,37 € por dia, ascendendo a 183,54€ até ao dia do termo do prazo fixado para as reclamações de créditos (28/7/2011), bem como de imposto de selo incidente sobre os juros, ascendendo a 7,34€ o imposto devido sobre os juros entre 16/6/2011 e 28/7/2011;

20. Em 27/10/2014 o crédito parcelar referido no ponto 19º) dos factos provados não se mostrava satisfeito e ascendia a 7.091,25 €, acrescendo-lhe juros vincendos à taxa anual acordada e à razão 4,27 € por dia até ao efectivo e total pagamento, bem como imposto de selo subsequentemente devido;

21. O crédito global referido no ponto 18º) dos factos provados também era integrado, à data da reclamação de créditos apresentada pela ré no processo de insolvência ..., pelo seguinte crédito parcelar: saldo a descoberto na conta de depósitos à ordem com o nº ..., aberta em 15/12/2004 e de que era titular a sociedade F..., Lda, o qual nunca foi pago por essa sociedade, total ou parcialmente, saldo esse que já em 20/7/2010 ascendia a 3.235,90 €, acrescidos: a) de juros à taxa anual acordada, reclamados desde 20/7/2010 e até ao efectivo e total pagamento, ascendendo a 520,99 € os juros vencidos entre 20/7/2010 e 16/6/2011, a 84,84€ os relativos ao período entre 17/6/2011 e 28/7/2011; b) de imposto de selo incidente sobre os juros; c) de comissões;

22. Em 16/10/2014, o crédito parcelar referido no ponto 21º) dos factos provados ainda não estava pago e ascendia a 6.311, 20 € (3.235,90 € de capital, 2.821,14 € de juros à taxa anual acordada, 76€ de comissões e 178,16 € de imposto de selo), acrescendo-lhe juros vincendos à taxa acordada e à razão 1,994 € por dia até ao efectivo e total pagamento, bem como comissões e imposto de selo subsequentemente devidos;

23. No crédito global referido no ponto 18º) dos factos provados também foi integrado, à data da reclamação de créditos apresentada pela ré no processo de insolvência ..., a título de crédito condicional, o seguinte crédito parcelar: 1.874,00 € correspondentes ao valor máximo de uma garantia bancária prestada até esse valor pela ré a favor da beneficiária E (...) , SA, a qual está documentada a fls. 120 dos autos, aqui dada por integralmente reproduzida, na sequência da outorga entre a ré a sociedade F..., Lda, do contrato de emissão de garantia bancária documentado a fls. 114 e 115, aqui dadas por integralmente reproduzidas, nela figurando como garantida a sociedade F..., Lda, com o nº de operação ..., outorgada em 11/5/2005;

24. À data da reclamação de créditos, a garantia bancária antecedentemente referida não tinha ainda sido accionada pela beneficiária E (...) , tendo-o sido em 22/4/2013, razão pela qual a ré teve de pagar à E (...) , em 22/10/2013, a quantia de 485,72 €;

25. O referido no ponto 24º) dos factos provados e o clausulado no contrato de emissão de garantia bancária nele igualmente referido, constituiriam a sociedade F..., Lda, não fora a sua declaração de insolvência, liquidação, rateio final, encerramento do processo de insolvência e subsequente cancelamento de matrícula, num débito de que era titular activo a C..., o qual em 27/10/2014 ascenderia ao valor global de 2.524,76€, a título de capital, despesas, comissões, imposto de selo, acrescendo-lhes juros à taxa anual acordada, até ao efectivo e total pagamento, à razão diária de 0,60 € por dia, e imposto de selo incidente sobre os juros.

Segunda questão: se foram integralmente liquidados os créditos para garantia dos quais foram constituídas as hipotecas referidas nos pontos 4º) a 7º) dos factos descritos como provados, com a consequente extinção de tais garantias reais.

Na própria economia das alegações de recurso dos apelantes, a resposta afirmativa a estão questão estava dependente da prévia procedência da sua pretensão recursiva fáctica em relação aos pontos 19º), 20º) e 22º) dos factos descritos como provados e à alínea A) dos descritos como não provados.

É particularmente elucidativo, a este respeito, o seguinte trecho das alegações de recurso: “Com as alterações à resposta da matéria de facto impugnada terá de se concluir que não constam do autos factos que comprovem que a recorrida não viu o seu crédito pago em sede de rateio final no âmbito de insolvência.

Concluindo-se que o seu crédito vencido está pago nada lhe sendo devido a título das obrigações subjacentes às hipotecas.”.

Tendo improcedido aquela pretensão recursiva fáctica, nos termos em que a mesma foi formulada e apesar dos ajustamentos pontuais antecedentemente introduzidos a respeito dessa matéria, improcede consequencialmente e sem necessidade de outras considerações, a pretensão recursiva dos apelantes que está subjacente à questão em apreço.

Terceira questão: se os créditos da C... sobre a sociedade F..., Lda se extinguiram por consequência da extinção da personalidade jurídica daquela sociedade decorrente do cancelamento da sua matrícula por sua vez decorrente do encerramento do processo de insolvência subsequente à liquidação do património da insolvente e rateio do produto da liquidação, com a consequente extinção das garantias reais (hipotecas) daqueles créditos.

Comece por assinalar-se que se nos afigura indubitável que a sociedade F..., Lda se extinguiu tendo em conta o que se deu como provado no ponto 10º dos factos descritos como provados, conjugado com o disposto no art. 160º/2 do CSC.

Por outro lado, emerge desse mesmo ponto que o património daquela sociedade foi liquidado, tendo-se procedido a rateio final do produto da liquidação.

Finalmente, é também incontroverso que os créditos a que a C... se arroga em sede de contestação e que se enunciaram nos factos descritos como provados[2] não foram objecto de satisfação total ou parcial por via dos referidos rateio e liquidação.

Ora, como este Tribunal da Relação já teve oportunidade de se pronunciar, em acórdão relatado também pelo aqui relator (acórdão de 2/5/2013, proferido no processo 656/12.1T4AVR-A.C1), “Apesar da extinção da sociedade, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, as relações jurídicas de que a mesma era titular não se extinguem, como resulta claramente do disposto nos arts. 162º, 163º e 164º do CSC.

Esses artigos do CSC regulam questões derivadas da subsistência de relações jurídicas, após a extinção da sociedade.

No primeiro, define-se o destino das acções em que anteriormente à extinção a sociedade era parte; no segundo, soluciona-se a questão do passivo superveniente ou débitos sociais não satisfeitos depois da partilha entre os sócios; e no terceiro, estabelece-se que os bens que não tiverem sido partilhados pertencem aos sócios, regulamentando a respectiva partilha adicional.

A propósito do estabelecido nos citados artigos 163º e 164º, refere Raul Ventura que, “Expressamente estabelecida na lei a responsabilidade dos sócios, em certa medida, pelas dívidas sociais e a titularidade dos sócios nos bens sociais, uns e outros não incluídos na liquidação, ficam afastadas as teorias que, por qualquer processo técnico-jurídico, concluam ou pela cessação de qualquer titularidade ou que atribuam esta à sociedade. Há apenas que explicar como e porquê esses débitos, bens, créditos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios.

O como não pode deixar de ser uma sucessão; só assim não seria se admitíssemos que, antes de extinta a sociedade, tais activo e passivo já pertenciam aos sócios, ou seja, se desprezássemos a personalidade jurídica da sociedade. Como tal não podemos fazer, temos de aceitar este corolário.

O porquê é, em primeiro lugar, intuitivo; desaparecida a sociedade-sujeito, e mantidos vivos os direitos da sociedade ou contra esta, só os sócios podem ser os novos titulares desse activo e passivo. A explicação jurídica dessa intuição reside na extensão do direito de cada sócio relativamente ao património ex-social. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação, distribuído pela partilha. Se tiverem recebido mais do que era seu direito, porque há débitos sociais insatisfeitos, terão de os satisfazer; se tiverem recebido menos, porque não foram partilhados bens sociais, terão direito a estes.” - Dissolução e Liquidação de Sociedades, pág. 480.

Por conseguinte, naqueles preceitos do CSC, a questão do passivo e do activo superveniente foi solucionada no sentido de a responsabilidade e a titularidade passarem, em determinados termos, para os sócios por sucessão – no mesmo sentido, acórdãos do STJ de 26/6/2008, proferido no processo 08B1184, da Relação de Lisboa de 12/6/2014, proferido no processo 20802/07.6YYLSB.L1, de 17/12/2014, proferido no processo 7534/13.5TBOER.L1, da Relação do Porto de 14/7/2008, proferido no processo 0833387, Carolina Cunha, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, IDET, Coordenado por Coutinho de Abreu, II, p. 689.

Como escreve Sara Cristina Trindade Augusto “...o legislador consagrou a responsabilidade dos sócios pelo passivo não satisfeito ou acautelado (art. 163.º). Os sócios sucedem na titularidade da relação jurídica, embora como veremos adiante, de âmbito limitado.

Os liquidatários são representantes legais dos sócios nas acções de responsabilidade pelo passivo superveniente e não podem renunciar às suas funções (arts. 163.º, n.º 2 e n.º 5). Contudo, em caso de morte ou incapacidade seguir-se-á a ordem estabelecida no n.º 5 para se apurar os representantes da sociedade.

Os antigos sócios são responsáveis pelo passivo da sociedade mas o art. 163.º, n.º 1 estabelece como limite o montante que receberam na partilha, salvo o disposto quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada. Estes sócios além de responderem pelo valor das suas entradas, responde pelas obrigações sociais (cfr. art. 175.º) portanto estes sócios podem ser responsabilizados para além do que receberam na partilha.

A lei estabeleceu como limite da responsabilidade dos sócios o montante que cada um recebeu na partilha. Ainda que a lei tenha protegido os credores por estabelecer a responsabilidade dos sócios pelo passivo social, ao impor como limite o montante que os sócios receberam na partilha, verifica-se que, se dívida dos credores for superior ao valor que os sócios receberam na partilha, parte dela ficará por satisfazer.” - A Liquidação Societária – Aspectos Teóricos e Práticos (Dissertação de Mestrado em Direito das Empresas e dos Negócios), Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto, Porto, 2012, pp. 39 e 40.

Na situação em apreço, estando em causa passivo da sociedade F..., Lda, que não foi satisfeito ou acautelado por via da liquidação do seu património, deve ser aplicado o regime do art. 163º do CSC, no qual se estabelece que, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha (nº 1), podendo as acções necessárias para o efeito ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles (nº 2).

Esse art. 163º veio a consagrar expressamente a responsabilidade dos sócios, embora limitada ao que receberam na partilha, pela via da sucessão – os créditos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios –, como defende Raul Ventura (Dissolução e Liquidação das Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 1999, pág. 486).

Flui de quanto vem e expor-se que a extinção da personalidade jurídica de uma determinada sociedade não determina qualquer extinção das relações jurídicas de que era titular a sociedade extinta, antes provoca um fenómeno de sucessão legal na titularidade dos débitos supervenientes, dos quais passam a ser titulares aqueles que figuravam como sócios à data da extinção.

Repare-se que esse fenómeno de sucessão é imposto legalmente por mero efeito da cessação da personalidade jurídica da sociedade extinta, sem qualquer outra condição, não devendo condicionar-se essa sucessão pelo recebimento pelo sócio responsabilizando, através da partilha do património social, de bens que integraram esse património.

Na verdade, importa não confundir entre a condição legal da sucessão na titularidade do passivo superveniente, com a condição legalmente imposta para efectiva responsabilização do património pessoal de um sócio por aquele passivo – o recebimento pelo sócio, através da partilha do património pessoal, de bens que faziam parte desse património, estando a responsabilidade do sócio limitada pela medida do que assim tenha recebido.

A exigência legal de que os sócios que se pretendam responsabilizar pelo passivo social superveniente tenham recebido bens no âmbito da partilha do património social não é condição legal da sucessão na titularidade do passivo, mas apenas: i) pressuposto substantivo de que o património pessoal do sócio – nesta altura integrado por bens que anteriormente compunham o património social – possa ser efectivamente agredido com vista à satisfação de passivo social superveniente; ii) limite à medida de possibilidade de agressão desse património pessoal para satisfação daquele passivo social.

A significar que a falta de recebimento pelo sócio de qualquer bem por via da partilha do património social não implica a extinção de qualquer relação jurídica de que emergisse um determinado débito para a sociedade extinta, na titularidade da qual sucedem ex vi legis os seus sócios, antes implicará para o credor a impossibilidade substantiva de agredir o património pessoal do sócio para satisfazer um débito social superveniente, por ausência de bens que substantivamente respondam por aquele passivo, sendo certo que a simples inexistência de património do devedor susceptível de ser responsabilizado pelos seus débitos não figura entre as causas de extinção das obrigações creditícias para lá do cumprimento enunciadas nos arts. 837º a 873º do CC.

Acresce dizer que não se conhece norma legal, integrada no CIRE ou noutro diploma legal, que associe à declaração de insolvência de uma sociedade, à liquidação do património da insolvente, ao rateio do produto da liquidação, e ao cancelamento da matrícula da sociedade insolvente qualquer efeito extintivo em relação aos débitos de que essa sociedade seja titular passivo.

Para lá disso, importa reter que à data da declaração de insolvência da sociedade F..., Lda, os bens sobre os quais incidiam as hipotecas constituídas por essa sociedade a favor da C... tinham sido alienados para os apelantes, sem que se vislumbre causa de inexistência, nulidade ou anulabilidade susceptível de invalidar o negócio jurídico de alienação, razão pela qual tais bens já não integravam o património daquela sociedade à data daquela declaração.

Nesse enquadramento, face ao disposto nos arts. 46º e 149º do CIRE, não se descortina, e os apelantes também o não indicam, suporte normativo que facultasse à C... a possibilidade aventada na conclusão 11ª) de executar no próprio processo de insolvência os bens hipotecados, de molde a que os créditos da C... aí pudessem ser pagos pelo produto das respectivas alienações.

Como assim, do facto de a C... não ter promovido no processo de insolvência a apreensão e subsequente alienação dos bens hipotecados não decorreu qualquer efeito extintivo em relação aos créditos de que a mesma era titular e às garantias reais de que beneficiava em relação aos mesmos.

Por outro lado, destinando-se o processo de insolvência a obter a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência ou pela liquidação do património do devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores (art. 1º/1 do CIRE), não se vislumbra, e os apelantes não o indicam, suporte legal com base no qual a C... poderia fazer intervier no processo de insolvência os aqui autores, para mais sob a cominação da omissão dessa intervenção gerar extinção dos créditos da C... e das correspondentes garantias reais.

Tudo para concluir que os créditos da C... que estão em apreço no âmbito desta acção não se extinguiram pela declaração de insolvência, liquidação do património, rateio e cancelamento da matrícula da sociedade F..., Lda, que, por consequência, também não tiveram qualquer efeito extintivo em relação às garantias reais de que esses créditos beneficiavam.

Quarta questão: se a subsistência dos créditos da C... sobre a sociedade F..., Lda, e das correspondentes garantias reais, apesar da extinção dessa sociedade e da respectiva personalidade jurídica, geram qualquer inconstitucionalidade do art. 730º/a do CC, por colocar os autores numa posição de impossibilidade de exercerem em relação à devedora principal o direito de regresso emergente da satisfação por eles dos débitos garantidos que poderiam ter exercido se a C... tivesse executado aquelas garantias reais antes da declaração de insolvência da devedora principal, com a consequente violação do princípio da igualdade.

A resposta a esta questão deve ser negativa.

Comece por dizer-se que os apelantes se reportam a um alegado direito de regresso, sendo que não iremos aqui abordar a questão de saber se estará em causa, nas situações em que a dívida hipotecária é satisfeita pelo titular dos bens hipotecados ou por via da própria execução destes bens, uma verdadeira situação de direito de regresso ou ao invés de sub-rogação legal[3], posto que essa discussão é perfeitamente inútil para a decisão a tomar no âmbito destes autos – admitiremos, assim e apenas por comodidade de raciocínio, que estará em causa o direito de regresso a que os apelantes aludem.

Ora, os factos provados são completamente omissos relativamente à inércia da C... em accionar as garantias reais de que beneficiava em momento anterior à extinção da devedora principal.

Assim sendo, os factos descritos como provados não suportam o entendimento que os autores sustentam no sentido de que a alegada impossibilidade de exercício do direito de regresso a que se arrogam resultou daquela inércia alegadamente protagonizada pela C....

Por outro lado, essa situação de impossibilidade de exercício, a existir, não resultaria apenas do facto de alegadamente a C... não ter accionado as garantias reais de que beneficiava previamente à extinção da devedora principal, desconhecendo-se, e os apelantes não se encarregam de o demonstrar, normativo de que resultasse qualquer obrigação da C... de accionar tais garantias antes daquela extinção.

Os próprios autores também contribuíram com o seu comportamento omissivo para que essa alegada impossibilidade se registe, pois que também eles não promoveram, como podiam (art. 721º do CC), a expurgação da hipoteca de modo a exercerem contra a devedora principal o direito de regresso a cuja titularidade se arrogam.

Assim sendo, ao pretenderem prevalecer-se da sua própria omissão para que se decida judicialmente no sentido de que estão extintas as garantias reais da credora C..., os autores incorrem em abuso de direito, por adoptarem o comportamento flagrantemente violador das regras dos bons costumes (art. 334º do CC), por consequência do que nunca poderia lograr acolhimento a sua pretensão extintiva que está em apreciação.

Além disso, o princípio da igualdade está constitucionalmente consagrado (art. 13º da CRP), sendo hoje pacífico que tal princípio não proíbe tratamentos diferenciados de situações distintas, implicando antes que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, de tal maneira que só haverá violação desse princípio da igualdade se houver tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais.
Por outras palavras, o que esse princípio proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, porque assentes, designadamente, em meras categorias subjectivas - cfr., por exemplo, acórdãos do TC nºs 186/90, de 6/06/90, e 319/00, de 21/06/00.

Com efeito, na doutrina vem sendo entendido que, fora dos casos expressamente proibidos de discriminação, só existe violação do princípio da igualdade quando estivermos perante discriminações arbitrárias ou manifestamente injustificadas.[4]

Também se caracteriza o princípio da igualdade, decorrente do artigo 13º da Constituição como proibição do arbítrio.[5]

Acrescenta-se no acórdão do Tribunal Constitucional de 2-7-2008, que para o Tribunal Constitucional Alemão (citado por Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt, 1986, pág. 370), o carácter arbitrário de uma diferenciação legal decorre da circunstância de “não ser possível encontrar um motivo razoável, que surja da própria natureza das coisas ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível.”[6]

No dizer de Gomes Canotilho,[7]…existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável. Todavia, a proibição do arbítrio intrinsecamente determinada pela exigência de um «fundamento razoável» implica, de novo, o problema da qualificação desse fundamento, isto é, a qualificação de um fundamento como razoável aponta para um problema de valoração. Neste sentido parece-nos correcta a recente evolução da jurisprudência do TC ao afirmar que «a teoria da proibição do arbítrio» não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência do controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou da discricionaridade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são consagrados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade. A interpretação do princípio da igualdade como proibição do arbítrio significa uma autolimitação do juiz, o qual não controla os juízos da oportunidade política da lei, isto é, se o legislador, num caso concreto, encontrou a solução mais adequada ao fim, mais razoável ou mais justa.”.

Este arbítrio não se vislumbra no caso em análise.

Na verdade, mesmo a existir[8] a impossibilidade de exercício do direito de regresso que os apelantes fazem radicar na extinção da sociedade devedora sem prévia execução das garantias reais por parte da C..., não se nos afigura discriminatória e violadora do princípio da igualdade a situação diferenciada em que os apelantes eventualmente se encontrem por essa circunstância, no confronto de uma outra de efectiva possibilidade de exercício do direito de regresso que se registasse se a C... tivesse executado as garantias reais previamente à referenciada extinção, pois que tal diferenciação tem justificação em situações materiais igualmente diferenciadas: num caso, uma devedora principal em relação à qual não foi decretada a insolvência e não se verificou nenhuma circunstância extintiva da sua personalidade jurídica; no outro, uma sociedade declarada insolvente, com património liquidado e com matrícula registral cancelada, de tudo decorrendo a extinção da sua personalidade jurídica.

Quinta questão: se a sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia a que se alude na conclusão 13ª das alegações.
Nos termos do disposto no art. 615º, nº1 do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando:

“(…)

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

(…).”
A nulidade prevista no art. 615º/1/d do NCPC relaciona-se com o disposto no art.º 608º/2 do mesmo diploma, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, para lá de estar obrigado a resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, o juiz está proibido de apreciar questões que não lhe tenham sido colocadas pelas partes, salvo se se tratar de questões que sejam de conhecimento oficioso.
Para efeitos do disposto no art. 608º/2 do NCPC, tem-se considerado que “questões” são aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as excepções porventura aduzidas[9].
Como ensinou Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 143),  não enferma de nulidade por omissão de pronúncia a sentença “…que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito. (…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”.

Consideram os apelantes que a nulidade sob apreciação resulta da circunstância de o tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre os seguintes pedidos: “Declarar-se que os imóveis não podem continuar a garantir a dívida hipotecária face aos efeitos legais decorrentes da insolvência na hipotecante/insolvente e seus credores;

Julgarem-se extintas as hipotecas constituídas e que incidem sobre os imóveis;

Ordenar-se o cancelamento dos respectivos registos;

Declarar-se que a hipoteca referida em art.8º da P.I. não existência jurídica.”.

Sem razão, a nosso ver.

Quanto aos três primeiros pedidos, a sentença recorrida pronunciou-se explicitamente sobre os mesmos, nos termos que seguem:

Os AA insurgem-se contra a manutenção da hipoteca constituída a favor da C..., SA, alegando que a dívida que a mesma garante se encontra liquidada no âmbito do processo de insolvência da sociedade “F..., Lda”,onde reclamou o seu crédito e onde foi também reconhecido e verificado por sentença.

É certo que a relação creditícia que deu origem à constituição da hipoteca a favor da Ré foi unicamente estabelecida entre este Banco credor e a sociedade “F..., Lda”, sendo os AA estranhos a esta relação.

No entanto, e dada a natureza real da garantia e o direito de sequela que acompanha a hipoteca, o Banco, credor hipotecário, tem o poder de se fazer pagar à custa das fracções oneradas.

Como se salienta no Ac. T.C.A Sul de 27.05.2003 (Relator: Gomes Correia, disponível para consulta no site www.dgsi.pt): “o direito real tem como característica essencial o direito de sequela atribuído ao sujeito activo de acompanhar a coisa nas suas transmissões, assistindo-lhe a faculdade de fazer valer o seu direito sobre a coisa podendo persegui-la e reivindicá-la onde quer que esta se encontre”.

E, como se refere claramente no Ac. RP de 05.12.2011 (relatora: Anabela Luna de Carvalho, disponível no site www.dgsi.pt): “Não procede a argumentação do recorrente/executado no sentido de que, tendo o exequente reclamado os seus créditos nos processos de insolvência respeitantes aos devedores principais, o imóvel em causa fica salvaguardado e excluído da obrigação garantida.

E, não procede, não apenas porque a reclamação em insolvência, só por si não constitui garantia de pagamento, mas sobretudo porque o imóvel hipotecado está afecto ao pagamento do crédito garantido como verdadeiro ónus real, ou seja, está adstrito ao cumprimento da obrigação, independentemente de quem seja o seu titular.

Naturalmente que o exequente não poderá ser pago duas vezes, cabendo-lhe prevenir essa duplicidade, sob pena de enriquecimento sem causa. Mas tal situação, só em fase de pagamento aos credores graduados em processo de insolvência, poderá ser acautelada”.

Isto posto, não assiste qualquer razão aos AA na ora demanda, que, por isso, terá de soçobrar.”.

Em conformidade, decidiu-se no dispositivo da sentença no sentido de se julgarem improcedentes esses três pedidos.

Quanto ao quarto pedido, a sentença recorrida também se pronunciou, no seguintes termos: “E o art.º 687.º do mesmo diploma legal que “a hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes”.

É que no caso da hipoteca, direito real de garantia, o registo tem verdadeira eficácia constitutiva (art.º 687.º do CC e artºs. 2.º/1/b) e 4.º/2, ambos do Código de Registo Predial). E o mesmo é dizer que a hipoteca não existe sem registo.”.

Contraditoriamente com tal segmento da fundamentação da sentença, conjugado com o segmento do ponto 8º) dos factos provados em que se dá como assente que a hipoteca nele referida não foi objecto de registo, a referida sentença também decidiu no sentido de “… julgar totalmente improcedente a acção, e, consequentemente, absolve-se a C..., da totalidade dos pedidos;”, incluindo aquele que ora está em apreço.

Portanto, a sentença recorrida pronunciou-se sobre tal pedido.

É certo que o fez contraditoriamente com o alegado na fundamentação.

Menos certo não é, todavia, que essa contradição não integra a nulidade por omissão de pronúncia arguida pelos apelantes, mas sim a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º/1/c do NCPC), a qual não foi objecto da devida arguição, não sendo de conhecimento oficioso (art. 615º, nº 2, a contrario, e nº 4, do NCPC).

É negativa, pois, a resposta à questão sob apreciação.

Sexta questão: se a sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia a que se alude na conclusão 8ª das contra-alegações.

O conhecimento desta questão subsidiária suscitada pela apelada está prejudicado tendo em conta as respostas negativas as questões segunda a quinta, com a consequente improcedência da apelação.

IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença apelada.

Custas pelos apelantes.

Coimbra, 24/1/2017.


(Jorge Manuel Loureiro)

(Maria Domingas Simões)

(Jaime Carlos Ferreira)


Sumário:

I) A extinção da personalidade jurídica de uma determinada sociedade, por cancelamento da sua matrícula, não determina qualquer extinção das relações jurídicas de que era titular a sociedade extinta, designadamente dos seus débitos, antes provoca um fenómeno de sucessão legal na titularidade dos débitos supervenientes, dos quais passam a ser titulares aqueles que figuravam como sócios da sociedade extinta à data da extinção.

II) Essa sucessão é imposta legalmente por mero efeito da cessação da personalidade jurídica da sociedade extinta, não estando dependente do efectivo recebimento pelo sócio responsabilizando, através da partilha do património social, de bens que integraram esse património, recebimento esse que apenas constitui: a) pressuposto substantivo de que o património pessoal do sócio possa ser efectivamente agredido com vista à satisfação de passivo social superveniente; b) limite à medida de possibilidade de agressão desse património pessoal para satisfação daquele passivo social.

III) A extinção da personalidade jurídica de uma sociedade não implica a extinção das hipotecas por ela constituídas para garantia de débitos da mesma, ainda que os bens onerados com tais garantias tenham sido transmitidos a terceiros em momento anterior à referenciada extinção.

IV) A subsistência dessas hipotecas não gera qualquer inconstitucionalidade do art. 730º/a do CC.


***


[1] A escritura de compra e venda a que aludem os recorrentes no pretendido aditamento.
[2] Utilização a descoberto do cartão CaixaWorks; descoberto bancário na conta a ordem; encargos decorrentes para a ré da satisfação da garantia bancária.
[3] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, I, 4ª edição, p. 608; acórdão do STJ de 12/5/2016, proferido no processo 6147/12.3TBVFR-A.P1.S1;  acórdãos da Relação do Porto de 12/9/2016, proferido no processo 2799/11.0TBVLG.P1, e de 1/10/2013, proferido no processo 760/09.3TBGDM.P1; acórdão da Relação de Évora de 12/7/2012, proferido no processo 809/09.0TBABT.E1; acórdão da Relação de Lisboa de 22/3/2011, proferido no processo 6031/09.8TVLSB.L1-7.
[4] Jorge Miranda, Direito Constitucional, tomo IV, Coimbra Editora, 2008, pág. 248. Veja-se ainda Martim de Albuquerque, Da igualdade. Introdução à Jurisprudência, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 167, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 125.
[5] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003.
[6] Processo nº 141/08, 2ª Secção, relator Mário Torres, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
[7] Direito Constitucional, 6ª ed. revista, Almedina, Coimbra, 1993, págs. 565-566.
[8] Que aqui se admite apenas para comodidade de raciocínio, sem discutir a realidade jurídica de tal impossibilidade.
[9] Neste sentido, acórdão do STJ de 1/7/2009, proferido no processo 3445/08, ainda à luz do art. 660º/2 do anterior CPC (VCPC).