Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1914/13.3TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
REABERTURA
Data do Acordão: 04/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 607º, Nº 2 DO NCPC.
Sumário: Sobre a reabertura da audiência ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 607º do CPC, referiremos que não tendo o Tribunal a quo sentido dúvidas quanto a qualquer dos factos em discussão, não lhe compete substituir-se às partes em matéria de desenho factual dos factos e meios de prova que os suportam, sem prejuízo, naturalmente, de oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes providenciar pela requisição de qualquer elemento de prova ou pela sua realização.
Decisão Texto Integral:               
  Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

                1. RELATÓRIO

A sociedade “H..., Lda.”, com sede na Rua ..., propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra a sociedade “B..., Lda.”, com sede na Rua ..., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 5.039,86, acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

Para tanto alegou que a sociedade autora é uma sociedade comercial que tem por objecto social a agricultura e pecuária e é dona e legítima proprietária do veículo ligeiro de passageiros da marca “Mercedes Benz” com a matrícula ...- EN, enquanto a sociedade ré tem por objecto a fabricação de produtos alimentares, panificação e pastelaria, comércio a retalho de produtos de pastelaria e de confeitaria e é dona e legítima proprietária do veículo ligeiro de passageiros da marca “Mercedes Benz” com a matrícula ...-EN, tendo tais veículos vindo à propriedade das respectivas sociedades por contrato de permuta celebrado entre ambas em 13 de Março de 2012, e que após o contrato de permuta, a sociedade ré não alterou a conta associada ao contrato celebrado com a “via verde” tendo circulado com o veículo ... -EN a expensas da sociedade autora entre 13 de Março de 2012 e 15 de Outubro de 2013. A sociedade ré, proprietária do veículo ligeiro de passageiros da marca “Renault” com a matrícula ... -DZ, agregou o dispositivo “via verde” desta viatura à conta bancária da sociedade autora nº ..., tendo circulado com o veículo a expensas desta entre 13 de Março de 2012 e 15 de Outubro de 2013, invocando que o total pago pela sociedade autora em consequência da actuação da sociedade ré foi de € 1.216,28. Mais alegou que interpelou a sociedade ré para proceder ao pagamento, o que não aconteceu até à data da propositura da acção, pelo que já se venceram juros de mora desde a data de emissão/vencimento dos avisos de lançamento na contabilidade nºs ... de 01.10.2013 e ... de 15.10.2013, no valor de € 52,20. Entre os anos de 2005 e 2012, no âmbito das respectivas actividades comerciais, as sociedade autora e ré efectuaram fornecimentos recíprocos entre si, tendo a sociedade autora proporcionado diversos produtos à sociedade ré como azeite e queijos e a sociedade ré, por seu turno, proporcionou à sociedade autora ração para alimentação dos animais. Para além disso, invoca, como as duas sociedades eram geridas pelos mesmos sócios gerentes, M... e J..., havia acordos verbais mediante os quais a sociedade ré utilizava telemóveis, números de telemóveis e combustíveis facturados à sociedade autora que esta posteriormente debitava àquela. Em consequência, e de acordo com as contas correntes contabilísticas existentes na contabilidade da sociedade autora, esta tem um saldo credor em relação à sociedade ré de € 3.213,75 correspondente à diferença entre o montante de € 4.527,25 a seu favor e o montante de € 1.313,50 a seu desfavor, sendo que interpelou a sociedade ré para proceder ao pagamento do valor peticionado por carta registada com aviso de recepção datada de 14 de Maio de 2013 mas que esta não procedeu ao pagamento, motivo pelo qual já se venceram juros de mora no montante de € 557,63. 2.

Regularmente citada, a sociedade ré contestou impugnando os factos articulados na petição inicial. Alegou, em síntese, que não associou os seus veículos à conta bancária da sociedade autora e que não celebrou qualquer contrato de conta corrente com aquela e, ainda, que não adquiriu quaisquer bens ou serviços à sociedade autora nos anos de 2011 e 2012, impugnando todos os documentos que foram juntos pela sociedade autora.

                Concluiu pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e foi fixado o objecto da acção e os temas da prova.

Realizou-se a audiência de julgamento, com observância das legais formalidades.

                O Tribunal a quo proferiu sentença da qual consta o seguinte pronunciamento decisório:

                Pelo exposto, julgo a acção totalmente improcedente porque não provada e, em consequência, absolvo a sociedade “B..., Lda.” do pedido de condenação formulado pela sociedade Autora “H..., Lda.”.

                Notificada da sentença a autora interpôs recurso que instruiu com as suas doutas alegações que a final sintetizou nas seguintes conclusões:

                ...

                A ré apresentou as suas doutas contra alegações e a final concluiu:

...

Por despacho de folhas 375 o recurso foi admitido como apelação com subida imediata e nos autos e efeito devolutivo.

                2. DELIMITAÇÃO OBJECTIVA DO RECURSO

As questões a decidir na apelação e em função das quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 608º e artigos 635º, nº 4 e 639º, todos do Código de Processo Civil, são as seguintes:

Ø Nulidade da sentença – alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC/fls. 352.

Ø Violação do disposto no artigo 574º, nº 3 do CPC – fls. 346

Ø Impugnação da matéria de facto

Ø Violação do disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 607º do CPC.

Ø Ónus da prova

Ø Reabertura da audiência de julgamento – nº 1 do artigo 607º do CPC.

                3. COLHIDOS OS VISTOS. APRECIA-SE E DECIDE-SE

                3.1 - Considerações gerais

A decisão que recaiu sobre a matéria de facto controvertida cumpriu, de forma exemplar, a disciplina legal plasmada no nº 4 do artigo 607º do CPC – cf. artigo 205º da CRP – o que possibilita a afirmação de que tal decisão, independentemente da correcção ou incorrecção do julgamento dos pontos impugnados, evidenciou, como se impunha, quer os factos provados e não provados, e explanou os meios de prova estruturantes da convicção do Tribunal a quo que analisou criticamente.

Serve este intróito para dizermos que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito[1] daí que, em regra, a lei não restrinja os seus poderes de cognição. Considerando que as declarações prestadas em audiência de julgamento foram gravadas no sistema Habilus, tal permite-nos proceder à apreciação da matéria de facto – artigos 155º e 662º do CPC – apesar de um conjunto de condicionantes, a primeira das quais relacionada com a vinculação do objecto do recurso resultantes das conclusões – 639º e 640 do CPC – à qual se associa outra apoiada na livre apreciação da prova – artigos 373º, 375º e 380º do CC e 607º do CPC – daí que entendamos que os Tribunais da Relação, embora possam evidenciar uma diferente convicção com reflexos na impugnação da matéria de facto, não podem deixar de estar sujeitos ao mesmo rigor crítico exigido ao Tribunais de 1ª Instância e nessa conformidade estão vinculados a evidenciar as provas e respectiva análise crítica justificativas da eventual modificação de um determinado facto.

É por isso que entendemos que a matéria de facto só deve ser alterada quando o registo e análise crítica da prova o permita com a necessária segurança – nº 1 do artigo 662º do CPC – ao que acresce que a prova não pode deixar de ser apreciada de forma global e não no jogo antagónico ou discrepante de aspectos circunstanciais não condicentes entre si, sobretudo quando truncados do contexto em que foram produzidos, sem esquecer o facto do julgador da matéria de facto ter um contacto directo com as pessoas e coisas que servem de fontes de prova – princípio da imediação – que a produção dos meios de prova pessoal têm lugar oralmente, perante os julgadores da matéria de facto – princípio da oralidade – e porque à imediação e à oralidade se junta o princípio da concentração e continuidade da audiência, então, cabe ao julgador, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis – princípio da livre apreciação da prova.

...

                4. Ónus de impugnação – artigo 574º do CPC

                Coloca a apelante uma questão que ao não ter sido suscitada junto do Tribunal a quo não pode deixar de ser considerada como uma «questão nova» que por ser nova não pode ser conhecida por este Tribunal. No entanto, deixamos rasto que aludindo a autora à obrigação legal de as sociedades – autora e ré – terem escrita organizada e executada por TOC por referência aos anos 2004 a 2009 e 2011, estava impedida a ré de tomar posição sobre a pretensão manifestada no pedido que formula e sustentada pela causa de pedir que invoca, então nada mais fácil de que juntar a documentação que amparasse o pedido que formula. Ora, tal como já tivemos oportunidade de referir, a partir da análise conjugada do depoimento do Técnico Oficial de Contas e da documentação por si analisada/identificada, que o saldo credor da autora se fixa em valor bastante inferior ao por si peticionado.

                Não estava processualmente impedida a ré de contrapor os argumentos que entendesse por legítimos para defesa da sua posição, tal como não estava impedida – como não esteve – de tomar posição sobre todo e qualquer documentos contabilísticos existentes nas contabilidades de cada uma das empresas, o que de resto sucedeu, bastando para o efeito ler-se a contestação.

                5. Direito da autora em ver a sua prova apreciada em níveis de proporcionada adequação no que se refere ao ónus da prova.

                Discorre ao longo das suas doutas alegações um conjunto de argumentos relacionados com as regras que informam o instituto do ónus da prova e que na presente acção, considerando o disposto no nº 1 do artigo 342º do CC, se resumem à alegação e prova por parte da autora que em Janeiro de 2012, a transferência de saldo do ano 2011 era de € 3.483,34[2], o que sabemos não se ter provado, já que de acordo com as declarações do TOC e documentos que analisámos a transferência de saldo de 2011 para 2012 se quedou pelos € 379,38, tal como não existe documento que suporte o aviso de lançamento no montante de € 464,59.

                Ao contrário do defendido pela autora, o seu ónus de prova tal como se encontra definido na lei substantiva nada tem a ver com o facto de o ónus da prova que sobre si impendia se ter transformado numa autêntica obrigação de elisão de presunções legais inexistentes de «presumível inocência» da recorrida. Com efeito, não se trata de elidir presunções, não se trata de «presumível inocência» de cariz mais penalista do que civilista, o que se trata é apenas da autora ter provado ou não que naquela data era-lhe devido aquele saldo, prova que só fez em parte.

                Sobre as qualidades profissionais e obrigações deontológicas que recaem sobre o Técnico Oficial de Contas nada a apontar a não ser que foi exactamente o depoimento desta testemunha que acabou por ser decisivo quanto à sorte da acção ao dizer que a conta corrente nº ... apresentava, em Janeiro de 2012, um saldo credor a favor da sociedade autora no montante de € 379,38 e que a conta-corrente a nº ... apresentava um saldo no valor de € 4.147,87 reclamado pela autora, o qual era constituído pelo montante de € 3.683,28 e por uma nota de lançamento no valor de € 464,59, que não foi tida em conta – a nota de lançamento - por falta de suporte documental.

                Insiste a autora sobre a qualidade probatória dos documentos nos 1 e 2 juntos com a petição inicial, no entanto, este Tribunal ao longo da impugnação da matéria de facto foi tomando posição sobre a diversa documentação e daí que entenda, por desnecessário, estar a repetir o que se disse. Sobre os factos dados como não provados sob os nºs 5 e 6 voltamos a sublinhar a inexistência de qualquer documento que suporte o lançamento a crédito nas contas correntes identificados naqueles factos, documentos que deveriam ter sido juntos aos autos pela apelante e que não foram até ao momento da elaboração do acórdão nem em data posterior. Como é compreensível não pode ser o tribunal responsabilizado por «esquecimento do gabinete de contabilidade» esquecimento que deixaria de ter qualquer relevância se a autora até ao momento do encerramento da audiência tivesse junto aos autos os tais cheques, o que não fez.

                Este entendimento é igualmente extensível ao facto não provado nº 4, não podendo o Tribunal ser responsabilizado pelo esquecimento em fotocopiar um documento, sendo certo que a autora teve mais do que tempo para suprir essa falha o que não fez.

                O Tribunal agiu correctamente ao dar como não provados os factos identificados sob os nºs 4 a 6 da matéria de facto não provada em virtude da inexistência de suporte documental justificativo do lançamento de tais créditos nas contas correntes.

                O que acabámos de escrever conjugado com a análise que fizemos da impugnação da matéria de facto leva-nos a concluir que, exceptuando o facto não provado nº 9, o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação dos meios de prova constantes dos autos e analisado em audiência de julgamento.

                6. Sobre a reabertura da audiência ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 607º do CPC, referiremos que o Tribunal a quo não sentiu ter dúvidas quanto a qualquer dos factos em discussão, repetindo-se aqui que não compete ao Tribunal substituir-se às partes em matéria de desenho factual dos factos e meios de prova que os suportam, sem prejuízo naturalmente de oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes providenciar pela requisição de qualquer elemento de prova ou pela sua realização.

                7. Matéria de facto provada

...

                8. Aplicação do direito

                Invoca a autora no âmbito da causa de pedir um contrato que a seguir qualificaremos juridicamente e o seu incumprimento por parte da ré. Refira-se que, tecnicamente, a causa de pedir é o referido incumprimento pois tanto lógica como juridicamente este é incidível da prévia contratação. A autora e a ré celebraram sucessivos contratos de compra e venda, contabilizando os movimentos a crédito e débito em documento vulgarmente designado por conta corrente.    Entregues as mercadorias a favor da ré tem esta a obrigação de pagar o preço, pelo que se torna inevitável a sua condenação no pagamento da quantia que resulte do diferencial entre o montante de que a autora é credora e aquele outro em que tem a posição de devedora – artigos 406º e 897º, alínea c) e 847º do Código Civil).

                Olhando a matéria provada – ... – verificamos que a favor da autora existe um saldo credor de € 3.683,28 e a favor da ré existe um saldo credor de € 1.349,74[3] pelo que o diferencial de € 2.334,06 é devido à autora, ao contrário do defendido na douta sentença recorrida.

                Se atentarmos no somatório das quantias mencionadas no factos ... verificamos que totalizam a quantia de € 1.313,50 que corresponde ao montante que a autora confessou dever à ré e que vazámos no facto 16. A ser assim como claramente nos parece que é então a acção não pode deixar de ser julgada parcialmente procedente. Com efeito, ao lermos a sentença recorrida concluímos que a mesma não fez uma correcta interpretação dos factos ao escrever:

(…)

Fixado que entre as partes apenas haveria contas correntes contabilísticas, importa apurar se a sociedade Autora comprovou os movimentos existentes nessas contas. Ora, da prova produzida resultou que da conta-corrente contabilística “clientes” nº ... da sociedade Autora há um saldo credor a favor desta no valor de € 3.683,28 uma vez que tal montante tem na sua base fornecimentos discriminados nas facturas que se encontram na contabilidade da sociedade Autora e que a sociedade Ré não só não contrariou como não comprovou que se encontrava pago. Já no que diz respeito à conta-corrente contabilística “outros fornecedores” nº ... da sociedade Autora, a mesma apresenta um saldo credor a favor da sociedade “H..., Lda.” no montante de € 379,38 mas a verdade é que não existe qualquer documento que baseie os lançamentos referentes aos cheques nºs ... de 22 de Abril de 2008, nos valores de € 1.105,18 e € 632,82, nem as transferências efectuadas em 31 de Dezembro de 2008 nos montantes de € 1.036,59 e € 540,53, nem sequer avisos de lançamento enviados à sociedade Ré referentes a tais movimentos. Ora, não estando justificados tais lançamentos, o saldo da conta corrente não poderá ser considerado um crédito a favor da sociedade Autora no valor de € 379,38 mas, quando muito, um saldo credor a favor da sociedade Ré no montante de € 2.935,74, correspondente ao desconto dos montantes de € 1.105,18, € 632,82, € 1.036,59 e € 540,53 ao saldo credor de e € 379,38. Assim sendo, teremos que na conta-corrente contabilística “clientes” nº 2111006 da sociedade Autora há um saldo credor a favor desta no valor de € 3.683,28 e na conta corrente contabilística “outros fornecedores” nº ... da sociedade Autora, apenas está comprovado um saldo credor a favor da sociedade Ré no montante de € 2.935,74, ou seja, haveria um saldo contabilístico a favor da sociedade Autora no montante de € 747,54. A verdade, porém, é que a sociedade Autora se confessou devedora à sociedade Ré de um montante no valor de € 1.313,50 e pretende a sua compensação, pelo que temos que concluir que a sociedade Autora tem que ser absolvida dos pedidos formulados. De facto, a sociedade Autora apresentou várias contas correntes com saldos contabilísticos para justificar o pedido formulado na acção. Uma vez que não conseguiu provar alguns dos movimentos lançados, o saldo final apurado apenas lhe é favorável em € 747,54 o qual não é coberto pelo montante que peticionou seja compensado com o saldo obtido por ser devido à sociedade Ré. Em consequência, a sociedade Ré tem, naturalmente, que ser absolvida do pedido formulado.

                Não há dúvidas quanto à correcção da existência de um saldo credor a favor da autora no montante de € 3.683,28 – conta corrente nº ..., tal como não há dúvidas em face da matéria provada que a autora tem um crédito sobre a ré no montante de € 379,81, não por referência ao conta corrente nº 2111006 como por lapso se indicou na sentença, mas sim por via do saldo credor constante na conta corrente nº ...

                Sucede no entanto que a Sra. Juiz fez entrar no cálculo do saldo final quantias reportadas a cheques que constam da matéria de facto não provada – factos 5, 6, 7 e 8 – o que claramente nos parece incorrecto. Ou seja se partilhámos com o Tribunal a quo a manutenção de tais factos na esfera dos factos não provados, já com ele não podemos partilhar a sua repristinação do valor aposto nos cheques para o deduzir nos saldos devidos à autora. Dando como provado a existência de um saldo a favor da autora no montante de € 3.683,28 – factos 8 e 11 – no qual montante não estão integrados os montantes referidos nos factos não provados e identificados sob os nºs 5,6,7 e 8, então não podia deduzir o seu valor ao saldo que considerou como provado e não pago. Ou seja, não podia a Sra. Juiz ir buscar aos factos não provados montantes que considerou não serem devidos à autora e deduzi-los ao saldo que entendeu e bem ser-lhe devido e que não se encontrava pago[4].

                Levando em linha de conta a matéria de facto provada – só esta pode ser analisada e subsumida ao direito pelo Tribunal – então concluiremos que a ré/apelada deve à autora/apelante e depois da respectiva compensação a quantia de € 2.334,06, à qual acrescem os necessários juros de mora desde a citação.

                Dispensamos a realização de sumário na medida em que é abundante a jurisprudência e doutrina quanto à interpretação a conferir ao artigo 640º do CPC[5]. Neste particular o Tribunal analisou a documentação não por via da indicação individualizada a que a autora estava obrigada, mas sim por força do depoimento do Técnico Oficial de Contas que se referiu com clareza ao conjunto de documentos que se encontram juntos aos autos.

                DECISÃO

                Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso e consequentemente:

                Condena-se a ré/apelada a pagar à autora apelante a quantia de € 2.334,06 – dois mil trezentos e trinta e quatro euros e seis cêntimos – acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação.

                Custas da acção e da apelação a cargo da autora e ré em partes iguais.

                Notifique



Jacinto Meca (Relator)

Adjuntos:

1º - Falcão de Magalhães

2º - Silvia Pires





[1] São constitucionalmente reconhecidos como Tribunais de 2ª instância – nº 4 do artigo 210º da CRP.
[2] Para que se não se suscitem dúvidas este valor nada tem a ver com aquele outro no montante de € 3.683,28 e que se encontra plasmado nas alíneas a) a m) do facto provado nº 8.
[3] Factos provados 13, 14 e 15.
[4] Basta somarmos as parcelas constantes do facto provado nº 8, para se concluir que os valores constantes dos factos não provados identificados sob os números 5, 6, 7 e 8 não foram levados em conta quanto ao apuramento do saldo de € 3.683,28.
[5] Anterior 685ºB do CPC.