Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
27/16.0GTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: REGISTO CRIMINAL
DECISÃO
CESSAÇÃO DA VIGÊNCIA
CANCELAMENTO NÃO AVERBADO
Data do Acordão: 09/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (J L CRIMINAL –J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 11.º, N.ºS 1, ALÍNEA B), E 2, DA LEI DO REGISTO CRIMINAL (LEI N.º 37/2015, DE 05-05)
Sumário: 1 – O cancelamento dos registos é uma imposição legal. A lei (n.º 57/1998 e, depois, a n.º 37/2015) veio a ser inequívoca ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido volte a delinquir.

2 – O CRC visa dar conhecimento ao tribunal e informação ao processo, sobre o passado criminal do arguido, e se a lei ordena o cancelamento do registo, nessas circunstâncias o arguido tem de ser considerado reabilitado.

3 – Um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões.

4 – Apesar de o cancelamento não ter sido averbado, o mesmo deve produzir efeitos ipso facto, ou seja, desde a extinção efetiva da pena, independentemente do seu registo/averbamento no CRC.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I

1. Nos autos supra identificados, foi o arguido

A... , casado, nascido a 01/12/1942, filho de (...) e de (...) , natural da freguesia de (...) , concelho de Soure e residente em (...) -Coimbra.

             

Julgado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal e a final decidido:

A - Condenar o arguido A... pela prática como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 69º e 292º do atual Código Penal, na pena de 95 dias de multa (à taxa diária de 5 euros).

Procedendo ao desconto de um dia de detenção – artigo. 80º do Código Penal - a pena fixar-se-à em 94 dias de multa à referida taxa diária.

B - Mais vai condenado, na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 meses, nos termos do artigo 69 nº 1, al. a) do Código Penal.

2. Não se conformando com esta decisão, dela recorre o arguido dizendo, em síntese:

1. Consta da matéria de facto dada como provada que “Em 2009 o arguido sofreu uma condenação – em 80 dias de pena de multa e 6 meses de pena acessória de inibição de conduzir – constante do CRC (pelo cometimento de crime de condução de veículos em estado de embriaguez).”             2. No âmbito da motivação da matéria de facto, considerou o douto tribunal a quo que “mais ponderamos o teor dos demais documentos, do C.R.C. e de fls. 105 e 106”.

3. O douto tribunal a quo não poderia ter tido em consideração o Registo Criminal do Arguido nos termos em que foi emitido, sendo que a condenação constante do CRC presente no processo a fls já deveria ter sido cancelada, mesmo à data de emissão do referido documento, por ter corrido prazo de cinco anos previsto para o seu cancelamento definitivo.

4. As penas anteriores iniciaram-se no dia 22-10-2009, e a pena de maior duração foi cumprida integralmente no dia 22-04-2010, tendo-se por isso extinguido.

5. Uma vez que a 22.04.2015 decorreram 5 anos sobre a extinção da pena de maior duração nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 da Lei do Registo Criminal (Lei n.º 37/2015, de 5 de maio), a condenação anterior deveria ter sido removida do registo criminal do Recorrente, e qualquer registo criminal do arguido que seja requerido após aquela data, deveria ter sido emitido sem qualquer inscrição.

6. Desde pelo menos o dia 22.04.2015, e ainda antes da prática dos factos que foram imputados ao Arguido, que o seu registo criminal deveria ter sido actualizado e eliminada a referência à prática do crime que ali constava.

7. O legislador determinou que, de acordo com os Princípios que regem o Direito Penal, sejam definitivamente canceladas do registo criminal decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, decorridos que estejam 5 anos sobre a extinção da pena, sendo pressuposto político-criminal, do cancelamento definitivo das referidas decisões, o não protelamento dos efeitos agravantes do cometimento de um crime anterior ad eternam, por se considerar que o prazo de 5 anos mantendo boa conduta é suficiente para deles desgrilhoar qualquer arguido, (veja-se, entre outros e a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-07-2013 (processo n.º 510/11.4GGSTB.E1).

8. Não poderia ter sido considerado como provado que o Arguido “Em 2009 o Arguido sofreu uma condenação – em 80 dias de pena de multa e 6 meses de pena acessória de inibição de conduzir – constante do C.R.C. (pelo cometimento de um crime de condução de veículos em estado de embriagues), devendo tal facto ser dado como não provado.

 9. Deverá ser renovada a prova referente aos antecedentes criminais do Arguido.

10. Deverão ser eliminadas da douta sentença recorrida todas e quaisquer referências à prática de qualquer crime anterior ao que se encontra a ser julgado.

11. Exige-se assim que sejam reapreciadas as exigências de prevenção especial à luz da alteração da factualidade alegada, de modo a dar efetivo cumprimento ao disposto no artigo 40.º do Código Penal, não só no que concerne à determinação da medida concreta da pena principal, mas também no que se refere à medida da sanção acessória de inibição de condução, onde também foi levada em conta a condenação do arguido, quando o não deveria ter sido.

12. No ponto 1.3 Motivação da sentença, o tribunal reconhece as declarações relativas à situação familiar, pessoal e económica do arguido, certo é que tal factualidade, dada inclusive como provada, foi levianamente levada em consideração para efeitos do artigo 71.º do Código Penal.

13. O tribunal deveria ter atendido à situação do arguido, em especial à sua situação familiar, para atenuar as exigências de prevenção especial, nos termos conjugados dos artigos 71.º e 40.º ambos do Código Penal uma vez que, e como foi dado como provado, o arguido reside com a esposa que padece de 88% de incapacidade, e é ele quem a transporta semanalmente (até quatro vezes por semana, realce-se), para os tratamentos e consultas médicas a que tem de estar presente.

14. A omissão destes factos na determinação da medida concreta das penas (principal e acessória), que de si só implica a revisão das medidas das penas concretamente aplicadas, implica também a redução das exigências de prevenção especial.

15. Reitera-se que, sendo julgado procedente a alteração à matéria de facto já suscitada, não será despiciendo afirmar que no caso concreto as exigências de prevenção especial são reduzidas.

16. Entende o Recorrente que os critérios estabelecidos naqueles artigos 40.º e 71.º do Código Penal não foram respeitados na douta sentença a quo, pelo que a mesma viola as citadas disposições legais aplicando ao Recorrente uma pena desproporcional e exagerada, que deveriam ter sido interpretadas no sentido de aplicar ao Arguido uma pena e sanção acessória substancialmente mais leve, uma vez que,

17. Não poderiam ter sido considerados os antecedentes criminais do Recorrente relativamente a uma pena que já deveria ter sido eliminada do seu registo criminal,

18. Os demais factos dados como provados na sentença proferida, nomeadamente os que dizem respeito às condições socioeconómicas do Recorrente e do seu agregado familiar, e por último,         

19. A diminuta ilicitude da conduta do Recorrente, no que respeita ao grau de alcoolémia detetado no exame quantitativo a que o mesmo foi sujeito,

20. O douto tribunal a quo deveria ter aplicado uma pena mais leve, desta forma interpretando e aplicando adequadamente os artigos 40.º e 71.º do Código Penal, quer no que respeita à pena de multa quer no que respeita à sanção acessória.

21. Deverá ser revogada a douta sentença recorrida e ser a mesma substituída por outra que, atendendo às exigências de prevenção especial e geral do caso concreto, reduza substancialmente a pena de multa aplicada ao Recorrente, bem como reduza significativamente, para período não superior a 3 meses, a sanção acessória de inibição de conduzir, desta forma se aplicando corretamente os artigos 40.º n.º 1 e 71.º do Código Penal.

Nestes termos, e nos mais de direito que v. exas. mui doutamente suprirão, deverá:

a) Ser julgado não provado que: “em 2009 o arguido sofreu uma condenação em 80 dias de pena de multa e 6 meses de pena acessória de inibição de conduzir – constante do CRC (pelo cometimento de um crime de condução de veículos em estado de embriagues), e serem eliminadas da douta sentença todas e quaisquer referências a tal facto;

 b) Revogada a douta sentença recorrida e ser a mesma substituída por outra que, atendendo às exigências de prevenção especial e geral do caso concreto, reduza substancialmente a pena de multa aplicada ao recorrente, bem como reduza significativamente, para período não superior a 3 meses, a sanção acessória de inibição de conduzir, desta forma se aplicando corretamente os artigos 40.º 1 71.º do código penal.      assim se fazendo a tão clamada justiça.           

            3. Na sua resposta, o Ministério Público entende que:

1ª – Inconformado com a sentença proferida nos autos à margem identificados – que o condenou pela prática de um crime de condução de veículo em estado embriaguez, p. e p. pelos artºs 69º e 292º, nº 1, do CP, na pena de noventa e cinco dias de multa, à taxa diária de cinco euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de oito meses –  o  arguido dela interpor recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que reduza substancialmente as penas, principal e acessória, aplicadas;

2º Na ótica do arguido o Tribunal a quo valorou, incorretamente, na determinação da medida das penas aplicadas, um antecedente criminal que, em seu entender, já deveria ter sido cancelado (por ter já decorrido o prazo de cinco anos sobre a extinção da pena de maior duração) e não valorou adequadamente a sua situação familiar, pessoal e económica, violando os artºs 40º e 71º, do CP;

3ª Afigura-se-nos, porém, que não assiste razão ao recorrente pois, na determinação da medida da pena, dentro da moldura penal prevista pelo tipo legal de crime preenchido pela conduta do agente, em função da culpa e das exigências de prevenção, tem o tribunal de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as que concernem à personalidade do arguido e ao seu comportamento anterior e posterior aos factos, incluindo os seus antecedentes criminais;

4ª Com efeito, o cancelamento definitivo dos registos, no certificado de registo criminal, é uma imposição legal, se verificadas as hipótese contempladas no artº 11º, da Lei nº 37/2015, de 05-05, pelo que as decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal e deixam de poder ser consideradas, a qualquer título, contra o arguido, independentemente de se ter ou não procedido à real efetivação desse cancelamento.

5ª Porém, o prazo de cinco anos a que alude o artº 11º, nºs 1, al b) e 2, da Lei nº 37/2015, de 05-05, conta-se a partir da extinção da pena.

6ª Ora, no último certificado do registo criminal do arguido junto aos autos (fl. 112) não consta a data da extinção de qualquer das penas, principal ou acessória, em que foi condenado no âmbito do processo aí mencionado;

7º Assim, não poderia o Tribunal a quo ter concluído que tais penas já tinham sido declaradas extintas ou sequer que se encontravam extintas ipso facto, nem podia calcular os cinco anos a partir da data da respetiva extinção;

8ª Acresce que se nos afigura que as penas (principal e acessória) fixadas pelo Tribunal a quo, são justas, adequadas, proporcionais, necessárias à satisfação das finalidades da punição e, por isso, conformes com o disposto nos artºs 40º, 47º, nº 2, 70º e 71º, todos do CP;

9º Com efeito, não sendo concretamente elevadas as exigências de prevenção especial, são muito elevadas as exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que são praticados ilícitos criminais da natureza daquele pelo qual o arguido foi condenado e as consequências devastadoras que, muitas vezes, lhes estão associadas.

10ª Assim, concluímos que a douta sentença recorrida é justa e adequada, que não violou quaisquer preceitos legais – designadamente os mencionados pelo arguido - e que deve ser mantida.

            4. Nesta instância, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.         

            5. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

II

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

1.1. Factos Provados

Discutida a causa e produzida a prova, resultam assentes os seguintes factos:

No dia 23 de Março de 2016, pelas 20h45, no IC2, ao Km. 181.4, no sentido Sul/Norte, no concelho de Coimbra, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula UJ (...) , tendo sido submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue através da feitura de exame em aparelho quantitativo devidamente certificado, o aparelho Drager Alcotest MKIII P, pelas 20h48 desse mesmo dia, o arguido acusou uma T.A.S. de, pelo menos, 1.33 g/l, correspondente à T.A.S. de 1.40g/l registada, deduzido o erro máximo admissível.

O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que, em momento anterior ao da referida condução em via publica, tinha ingerido bebidas alcoólicas, não cuidando, nem prevendo - como devia e era capaz – ser portador, como era, de uma taxa de alcoolemia no sangue superior àquela a partir da qual, não o desconhecia, a lei punia e pune a conduta como crime.

Mais se provou que:

Em 2009 o arguido sofreu uma condenação – em 80 dias de pena de multa e 6 meses de pena acessória de inibição de conduzir - constante do C.R.C. (pelo cometimento de um crime de condução de veículos em estado de embriagues).

O arguido reside com a esposa; vive da reforma de € 408, paga 75 € de renda de casa, a esposa tem 88% de incapacidade.

É o arguido que conduz e transporta a sua esposa semanalmente a tratamentos e consultas médicas.

É considerado pelos amigos e familiares como pessoa de bem, responsável, de bom carácter..

1.2 Factos não Provados

Não se provaram outros factos, com relevância para a decisão da causa, sendo que ao nível da culpa se provaram os factos descritos.

III

Questões a apreciar.

1. A impugnação do facto dado como provado constante do CRC do arguido (condenação anterior pela prática do crime de condução com álcool).

2. A medida das penas, principal e acessória.

IV

Cumpre decidir:

1ª Questão: a impugnação do facto dado como provado constante do CRC do arguido (condenação anterior pela prática do crime de condução com álcool).

1. Manifesta-se o recorrente contra o facto do Tribunal recorrido ter dado como provado que “em 2009 o arguido sofreu uma condenação – em 80 dias de pena de multa e 6 meses de pena acessória de inibição de conduzir pelo cometimento de um crime de condução de veículos em estado de embriaguez”

Para o efeito alega que tribunal a quo não poderia ter tido em consideração o Registo Criminal do Arguido nos termos em que foi emitido, sendo que a condenação constante do CRC presente no processo a fls já deveria ter sido cancelada.

As penas anteriores iniciaram-se no dia 22-10-2009, e a pena de maior duração foi cumprida integralmente no dia 22-04-2010, tendo-se por isso extinguido.

Uma vez que a 22.04.2015 decorreram 5 anos sobre a extinção da pena de maior duração nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 da Lei do Registo Criminal (Lei n.º 37/2015, de 5 de maio), a condenação anterior deveria ter sido removida do registo criminal do Recorrente, e qualquer registo criminal do arguido que seja requerido após aquela data, deveria ter sido emitido sem qualquer inscrição.

2. A questão colocada agora pelo arguido em sede de recurso, está contemplada no disposto do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 da Lei de Identificação Criminal (Lei n.º 37/2015, de 5 de maio), que diz o seguinte:

1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:
            …

b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;

g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respetiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação.
            2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.

Anota-se, desde já, que a questão não é pacífica na Jurisprudência.

Assim, a título ilustrativo:

a - No ac. da Relação de Évora de 11/7/2013, proferido no âmbito do Proc. 510/11.4GGSTB.E1, decidiu-se:

“O arguido, com o cancelamento das anteriores condenações no seu registo criminal, nos termos previstos na lei (e acima assinalados), não só fica reinvestido no exercício dos seus plenos direitos (dos quais se achava, de certo modo, privado, designadamente quando pretendia aceder a determinados empregos ou ocupações profissionais), como também tem de ser tratado como delinquente primário (no caso, obviamente, de tornar a figurar como arguido num novo processo).

Ou seja: após o cancelamento definitivo de uma condenação no registo criminal, não pode tal condenação ser considerada em processo criminal para nenhum efeito.

Repetimos: a condenação anterior cancelada no registo criminal não releva para nenhum efeito, ou seja, não pode ser considerada mesmo no tocante à determinação da medida concreta da pena, isto apesar do disposto no artigo 71º, nº 2, al. e), do Código Penal (onde se estabelece que, para a determinação da medida concreta da pena, deve atender-se à conduta do agente, anterior ou posterior ao facto).

O entendimento contrário contraria, claramente, a natureza definitiva do cancelamento.

Esta posição, diga-se, é anterior à atual Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, que revogou a anterior Lei nº 57/98, de 18 de Agosto, que no seu artigo 15º, dispunha[1]:

1 - São canceladas automaticamente, e de forma irrevogável, no registo criminal:

b) As decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, decorridos cinco anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime;

g) As decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respectiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação;

b – No ac. da RP, de 29-2-2012, proferido no âmbito do Proc. 123/10.8GAVLP.P1, decidiu-se:

“Não podem ser consideradas para qualquer efeito no processo penal, designadamente em sede de determinação da medida da pena, as condenações anteriores cujo registo tenha sido objecto de cancelamento”.

c – No ac. da Relação de Lisboa Relação de Lisboa, de 28.01.2016, Processo 14/14.3JBLSB.L1-9, decidiu-se:

“O tribunal a quo só podia ter valorado como prova válida dos antecedentes criminais da arguida o certificado de registo criminal actualizado da mesma, do qual já não constava a condenação que foi valorada por ter sido cancelada, nos termos do artº 15º, nº 1, al. a), da Lei 57/98, de 18 de Agosto.”; “Valorado que foi, indevidamente, um certificado de registo criminal da arguida O..., já caducado, pronunciou-se o tribunal a quo relativamente a um documento do qual não podia tomar conhecimento, o que configura a nulidade do acórdão, nos termos previstos na al. c), in fine, do n.º 1, do art. 379.º do CPP.”.

d – No ac. da Relação de Évora, de 14.7.2015, proferido no processo nº208/14.1GBODM.E1, decidiu-se:

I - O cancelamento automático, no registo criminal, das decisões que tenham aplicado penas de prisão ou de multa, só ocorre desde que, entretanto, não tenha existido nova condenação por crime.

II - O cancelamento de decisões pretéritas no registo criminal não pode ser assimilado à inexistência daquele passado delitivo, inibindo, por um apagamento decorrente do mero decurso do tempo, a relevância judiciária desse passado.

e  - O mesmo Tribunal da Relação de Évora por ac. de 10-05-2016, proferido no processo nº 216/14.2GBODM.E1[2], decidiu:

“A decisão sobre a pena assenta sempre num juízo de prognose, configurando “necessariamente uma estrutura probabilística” e não podendo “senão concretizar-se por aproximações” (assim, Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, p. 27). Para tanto, há que dotar a sentença de todos os factos necessários à ponderação. Estes factos, que acrescem aos da culpabilidade, são essencialmente os que se relacionam com a personalidade do arguido e o seu comportamento anterior e posterior aos factos, incluindo os antecedentes criminais.

Os juízos de prognose não resultam de uma mera “intuição” assente na “experiência da profissão”, antes pressupõem “um trabalho teórico-prático de recolha e valoração de dados e informações acerca das pessoas e dos factos em causa”, o que implica um “alargamento da base da decisão” de modo a incluir os factos relativos à pessoa do condenado e aos seus antecedentes criminais (cf. Anabela Rodrigues, loc. cit., p. 28-30).

Assim, em caso de arguidos não primários, na determinação da pena há que avaliar os efeitos das condenações anteriores no comportamento do condenado, ou seja, saber das concretas sanções anteriormente experimentadas, aquilatar do seu maior ou menor sucesso, da resposta que penas idênticas possam ou não oferecer para o caso concreto, sobretudo quando a nova pena a proferir seja a de prisão. Antecedentes criminais significativos evidenciam, em princípio, necessidades de prevenção especial mais elevadas.

A sindicância da pena proferida na sentença envolve, pois, a apreciação dos pressupostos em que concretamente assentou, ou seja, envolve a tomada de posição sobre a possibilidade de valoração dos antecedentes criminais do condenado.

É este o fundamento da decisão que o recorrente problematiza em recurso. Os antecedentes criminais (e a ausência deles) relevam sempre na decisão sobre a pena, como se disse, e relevaram também concretamente aqui, como resulta da sentença. Mas assim sucedeu indevidamente.

Os antecedentes criminais do arguido foram sopesados e valorados contra ele, ou seja, como circunstância agravante geral. E foram-no, apesar de já não deverem (poderem) constar do CRC.

Retira-se daqui que o passado judiciário do arguido não teria sido passível de valoração. Logo, não teria influído (contra o arguido) na determinação da pena, caso se tivesse procedido ao cancelamento legalmente imposto das respectivas transcrições no CRC.

O registo criminal visa dar a conhecer o passado judiciário do condenado. Mas esse conhecimento deve ser um conhecimento legal, ou seja, conhecimento processado e obtido de forma lícita, através de um instrumento ou meio legalmente conformado.

Catarina Veiga afirma, criticamente, que “o conhecimento do passado criminal dos delinquentes funciona, grande parte das vezes, não como base para a determinação de providências dirigidas à sua reintegração social, mas como fundamento para a simples agravação do rigor punitivo, de harmonia com uma prevenção geral negativa ou de intimidação" (Catarina Veiga, Considerações Sobre a Relevância dos Antecedentes Criminais do Arguido no Processo Penal, 2000, p. p. 64/5).

Defende a autora que ao sistema de registo deve presidir uma intenção de restringir uma estigmatização social do delinquente e que o conteúdo dos certificados de registo criminal se deve limitar “àquilo que se considera necessário ou indispensável, não só do ponto de vista da defesa social, como, fundamentalmente, ao que é verdadeiramente essencial ao processo e ao direito penal conhecer” (loc. cit. p. 68).

Sobre a “reabilitação”, pronunciou-se Almeida Costa em 1985, em obra de referência “O Registo Criminal – História, Direito comparado, Análise político-criminal do instituto”. Fê-lo nos seguintes termos: “Quanto ao acesso para fins processuais, afigura-se de consagrar uma «reabilitação definitiva» ab initio, irrevogável desde a respectiva concessão. O decurso de um prazo de cinco anos ou de dez anos (consoante os casos) sem que o delinquente pratique novos crimes parece afastar qualquer conexão com posteriores infracções que venha a cometer. Tal circunstância exclui a necessidade da sua ponderação em futuros processos.

(…) O cancelamento dos cadastros parece implicar uma proibição de prova quanto aos factos por ele abrangidos. A ser de outro modo, não se compreenderia o fundamento da sua consagração. Ao incidir sobre o mecanismo em que, por definição, assenta a informação dos tribunais, o legislador só pode ter querido significar que, doravante, as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos de tal natureza (v.g. quanto à medida da pena)”.

A lei (nº 57/1998 e, depois, a nº 37/2015) veio a ser inequívoca ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido volte a delinquir.

Com o cancelamento dos registos, como defende Almeida Costa na obra citada, repete-se, o legislador só pode ter querido significar que as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos de tal natureza, designadamente quanto à medida da pena.

O cancelamento dos registos é uma imposição legal. Uma vez verificada a hipótese contemplada na previsão da norma que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado (contra o arguido), assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efectivação do cancelamento.

O aproveitamento judicial de informação que só por anomalia do sistema se mantém no CRC, além de ilegal, viola o princípio constitucional da igualdade, pois permite distinguir esse arguido de um outro cujo CRC nas mesmas condições se encontra devidamente “limpo”. E o CRC, como ensina Almeida Costa, “é o mecanismo em que assenta a informação dos tribunais”.

Se o CRC visa dar conhecimento ao tribunal e informação ao processo, sobre o passado criminal do arguido, e se a lei ordena o cancelamento do registo, nessas circunstâncias o arguido tem de ser considerado reabilitado”.

Neste mesmo acórdão faz-se referência ao parecer do Ministério Público que, parcialmente se transcreve:

“Regulamentando a lei o cancelamento dos registos criminais e estabelecendo prazos peremptórios para tanto, em função da natureza e da medida das respectivas penas (cancelamento esse que, tal como assinalámos, na vigência da Lei 57/98, era automático), a possibilidade da sua valoração não pode estar dependente de qualquer aleatoriedade, relativamente à data do efectivo cancelamento, por parte de uma entidade de natureza administrativa que, porventura, por qualquer razão, não tenha procedido ao apagamento, no registo criminal, de decisões que, por imperativo legal, já se encontrassem canceladas. Por outras palavras, não será a data do efectivo cancelamento material que relevará mas, antes, a data em que, por força dos critérios legais pré-definidos, o cancelamento se verifica ou a sua vigência caduca.

A não se entender assim, validar-se-iam situações absolutamente discriminatórias, nos termos das quais poderiam ser tidos em conta registos que, em obediência à lei, já não deveriam constar do c.r.c., embora lá permanecessem, ao passo que, noutras situações, o agente do crime condenado, por força de um c.r.c. efectivamente actualizado, não seria, por isso, penalizado.

Pelo que, consideremos, antes, que um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões”.

3. Acolhemos e assimilamos como assertiva a posição jurisprudencial destes acs. da Relação de Évora de 10-05-2016 e de 21-02-2017.

Como se decide naquele primeiro acórdão, “O registo criminal visa dar a conhecer o passado judiciário do condenado. Mas esse conhecimento deve ser um conhecimento legal, ou seja, conhecimento processado e obtido de forma lícita, através de um instrumento ou meio legalmente conformado”.

Verifica-se, pois, uma desconformidade entre o que impõe o artigo 11.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 da Lei de Identificação Criminal (Lei n.º 37/2015, de 5 de maio) e o teor do CRC junto aos autos e que serviu de base para a decisão recorrida.

Compulsado o teor do CRC junto a fls. 111 e 112, do mesmo resulta que, por factos praticados em 19.9.2009, foi o arguido condenado em 80 dias de pena de multa e 6 meses de pena acessória de inibição de conduzir pelo cometimento de um crime de condução de veículos em estado de embriaguez, por decisão de 21.9.2009, transitada em julgado em 21.10.2009.

Este CRC foi emitido em 14.12.2016 e do mesmo não consta qualquer extinção das penas.

Sobre este aspeto alega o recorrente arguido que ” As penas iniciaram-se no dia 22-10-2009, e a pena de maior duração foi cumprida integralmente no dia 22-04-2010, tendo-se por isso extinguido”.

Sobre este aspeto não deduziu o Ministério Público qualquer oposição.

Nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) e 2, da Lei de Identificação Criminal, a decisão inscrita cessa a sua vigência no registo criminal decorridos 5 anos sobre a sua extinção, desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza.

A questão que se coloca neste momento é a seguinte:

Não tendo esta extinção sido declarada e muito menos averbada no CRC do arguido, não produzirá o cancelamento qualquer efeito jurídico?

A resposta deve ser no sentido de que, apesar de o cancelamento não ter sido averbado, o mesmo deve produzir efeitos ipso facto, ou seja, desde a extinção efetiva da pena, independentemente do seu registo/averbamento no CRC.

Se assim não se entendesse, seria deixar “dependente de uma entidade de natureza administrativa que, porventura, por qualquer razão, não tenha procedido ao apagamento, no registo criminal, decisões que, por imperativo legal, já se encontrassem canceladas”.

Isto é, “não será a data do efectivo cancelamento material que relevará mas, antes, a data em que, por força dos critérios legais pré-definidos, o cancelamento se verifica ou a sua vigência caduca”.

Ou, como se decidiu no ac. da Relação de Évora supra referido, “uma vez verificada a hipótese contemplada na previsão da norma que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado (contra o arguido), assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efectivação do cancelamento”.

Os factos dos presentes autos ocorreram em Março de 2016.

Legalmente, nesta data, já seria de considerar cessada a vigência no registo criminal do arguido da primeira condenação pelos factos apontados.

Todavia, mesmo em 14.12.2016, quando foi emitido o CRC que consta dos autos, nada estava averbado no mesmo quanto a esta matéria.

É certo que estamos a dar como boa, a data de cumprimento integral da pena mais alargada, no dia 22-04-2010, conforme alegado pelo recorrente e à qual o Ministério Público não deduziu qualquer oposição. Cientes que, rigorosamente, deveria ter sido apurado em primeira instância, qual a efetiva data do cumprimento dessa pena. Situação que pode/deverá ser ultrapassada, com os elementos já constantes dos autos, para obviar a eventual reenvio do processo, apenas para estes efeitos. Tanto mais que do CRC consta a data do trânsito em julgado da decisão bem como as penas e tudo se conjuga no sentido do decurso daquele prazo de 5 anos.

            Por todos estes considerandos, entende-se retirar do factualismo dado como provado, a anterior condenação do arguido, nos termos que consta desse mesmo factualismo.

            E assim se entende e decide, apesar de tal facto ou averbamento constar do CRC. Pois, o que para o efeito releva, é o não aproveitamento deste mesmo facto, como circunstância agravante na determinação das penas concretas fixadas ao arguido. Que de resto é a sua pretensão.

2ª Questão: a medida das penas, principal e acessória de inibição de conduzir.

1. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticado pelo recorrente arguido é punível com pena de prisão de 30 dias a 1 ano ou com pena de multa de 10 a 120 dias e inibição de conduzir veículos com motor entre três meses e três anos (36 meses).

O arguido insurge-se contra as penas fixadas, conforme teor das alegações de recurso, por duas vias:

- Ter sido considerada como circunstância agravante a condenação anterior quando a mesma legalmente já deveria ser considerada cessada.

- Não ter sido devidamente valorada a situação familiar, pessoal e económica do arguido que foi dada como provada pois só levianamente o tribunal a considerou para efeitos do artigo 71.º do Código Penal.

Entende ainda o recorrente que “O tribunal deveria ter atendido à situação do arguido, em especial à sua situação familiar, para atenuar as exigências de prevenção especial, nos termos conjugados dos artigo 71.º e 40.º ambos do Código Penal uma vez que, e como foi dado como provado, o arguido reside com a esposa que padece de 88% de incapacidade, e é ele quem a transporta semanalmente (até quatro vezes por semana, realce-se), para os tratamentos e consultas médicas a que tem de estar presente.

2. A medida das penas (principal e acessória), têm por referência o disposto nos artigos 40º e 71º, do Código Penal, devendo ser encontrada e fixada nos limites exigidos essencialmente pelo grau de culpa, da ilicitude e pela necessidade de prevenção geral e especial.

Com a nota de que a finalidade a atingir com a pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção em causa tem em vista tão só prevenir a perigosidade do agente.

Neste sentido v. ac. da Rel. De Coimbra de 17-01-2001 (R 3058/00) Co!.de Jur., 2001, I,50.

II — A determinação da medida de tal pena acessória opera-se mediante recurso aos critérios do artigo 71° do C.P., com a ressalva de que a finalidade a atingir é mais restrita, na medida em que a sanção em causa tem em vista tão só prevenir a perigosidade do agente (muito embora se lhe assinale um efeito de prevenção geral).

III — Esta pena acessória não pode em caso algum ser substituída por outra designadamente por caução de boa conduta ou pela suspensão da sua execução.

            Assim, segundo o disposto no artigo 40º, nº 1, do Código Penal “ a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

            E o disposto no nº 2 (art. 40º), que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Por sua vez, o disposto no artigo 71º, refere que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.

2. Sobre a relevância do grau de culpa, afirma Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, a fls. 71:

             “Não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”. “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside numa proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui um limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização.”

            Ora, a culpa ou grau de culpa, deve aferir-se do factualismo concretamente provado, que rodeia a conduta do arguido.

            E o que se apurou e resulta do processo é que o recorrente ingeriu voluntariamente bebidas alcoólicas e, neste estado, conduzia o veículo supra identificado apresentando uma TAS apurada de 1,33 g/l.

            Este facto revela que o arguido conduzia com uma taxa de álcool ligeiramente superior ao mínimo legal a partir do qual comina a infração como crime.

            Sabe-se que neste tipo de crimes a prevenção geral é elevada dado o número e frequência da sua ocorrência e dos danos causados a nível de sinistralidade.

Já a nível da prevenção especial, afastada que está a relevância jurídica pelos fundamentos apontados da condenação anterior, não se mostra a mesma relevante, pois o arguido é considerado pelos amigos e familiares como pessoa de bem, responsável, de bom carácter.

E para além da não relevância jurídica da condenação anterior, sempre se adiantará que, ainda que se entendesse em sentido oposto, entre uns factos e outros, decorreram quase 7 anos. O que para o tipo de criminalidade em causa, não se justificaria a agravação levada em conta pelo Tribunal recorrido.

E ressalta da fundamentação do julgador a quo que tal facto foi preponderante na fixação da medida concreta das penas, quando afirma:

“No que se reporta aos fatores concretos da medida da pena relativos à execução do facto importa valorar o grau de ilicitude, expresso na taxa de alcoolémia, ou seja, pouco acima do limite a partir do qual a conduta é criminalmente relevante (1,2g/l) e também na sua condenação anterior, sendo mais acentuadas as exigências de prevenção especial[3].

E, atento o circunstancialismo acima enunciado na determinação da medida concreta da pena de multa – designadamente a sua idade e conduta anterior aos factos e a necessidade de o fazer interiorizar a censurabilidade da sua conduta e de prevenir a incursão futura do mesmo na prática de tal crime - julgo adequado fixar em 8 meses, tal proibição de conduzir.

É manifesto que, caso o Tribunal recorrido não considerasse com a relevância que considerou, a condenação anterior do arguido, as penas seriam diferentes, maxime a pena acessória de inibição de conduzir.

Deste modo, fazendo agora os ajustamentos devidos, entende-se como mais adequada e proporcionada, quanto à pena de multa, fixar esta em apenas 80 dias, face à situação económica modesta e de algum modo débil do arguido. Mantendo-se, pois, a taxa diária mínima de 5,00€.

Quanto à pena acessória, sendo prementes as necessidades da prevenção geral, no caso concreto é de ponderar a situação familiar do recorrente que tem o encargo de conduzir e transportar a sua esposa semanalmente a tratamentos e consultas médicas, a qual tem uma incapacidade de 88%.

Se é certo que não se trata de uma impossibilidade absoluta de a esposa do arguido poder beneficiar dos cuidados devidos, pois existem outros meios alternativos de deslocação, também é sabido que esses meios são mais dispendiosos e causam mais transtorno para o beneficiário deles, a esposa do arguido.

A benevolência que se levará em conta, deverá ser ponto de reflexão para o recorrente nas situações prévias à ingestão do álcool, antes da condução. Não basta vir alegar esta necessidade de condução tendo por base a incapacidade da esposa, quando o mesmo se colocou numa situação de impossibilidade legal de conduzir que a pode prejudicar.

Também é de considerar como circunstância a ponderar a idade do recorrente, que conta neste momento já com 73 anos de idade.

Nestes termos, entende-se reduzir a pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, para o período de 4 meses.

IV

Decisão

Por todo o exposto, decide-se julgar procedente o recurso do recorrente A... e, consequentemente:

1. Considera-se como não escrito ou como não constando do factualismo provado, o facto referente à condenação anterior do arguido pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, nos termos decididos.

2. Reduz-se a pena principal de multa para 80 (oitenta) dias à taxa diária de 5,00€.

3. Reduz-se a proibição de conduzir veículos motorizados para o período de 4 (quatro) meses.

*

Baixados os autos à primeira instância e uma vez que se mantém a pena acessória de proibição de conduzir embora reduzida para apenas 4 meses, notifique-se o arguido para que proceda à entrega, no prazo de 10 dias, da carta de condução de que é titular, na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de ser determinada a sua apreensão (art.º 500º nº3 do CPP), com a advertência de que, não o fazendo, poderá incorrer no crime de desobediência (art.º 348º nº1 alínea b) do C. Penal - cfr. AUJ do STJ n.º 2/2013, DR n.º 5, I-S, de 08.01.2013); e poderá incorrer no crime de violação de proibições ou interdições caso infrinja a ordem de proibição de conduzir durante o período determinado (art.º 353º C. Penal).

Sem custas.

Coimbra, 13 de Setembro de 2017

(Luis Teixeira – relator)

(Vasques Osório – adjunto)


[1] Ao abrigo do qual foi tomada a decisão no citado acórdão.
[2] Posição esta reafirmada no ac. da mesma Relação de 21-02-2017, proferido no Proc. nº 22/16.0GBODM.E1 (mesma relatora).
[3] Sublinhado nosso.