Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL JUÍZO CÍVEL | ||
Data do Acordão: | 07/14/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | ÁGUEDA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.66, 67, 68 CPC, 72, 73, 110, 118 LOFTJ | ||
Sumário: | 1. A competência material do tribunal afere-se em função dos termos em que o autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver reconhecida. 2. O Juízo de Competência Especializada Cível é o competente para conhecer do pedido de condenação da sociedade no pagamento de proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal devidos a sócio gerente pelas funções desempenhadas no período anterior à renúncia, sem que estivesse sujeito a orientação e direcção hierárquica de outro gerente. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. V (…) instaurou, na Comarca do Baixo Vouga/Águeda-Juízo de Média e Pequena Instância Cível, acção declarativa com processo sumário contra G (…) & A (…) Lda., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 5 624,97, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, alegando, em síntese, que foi sócio e gerente da Ré desde 13.02.2008 até 14.9.2009, data em que cedeu a respectiva quota e renunciou à gerência; antes de se tornar sócio e gerente da Ré era seu trabalhador e auferia a remuneração base mensal de € 2 500; quando assumiu a função de gerente da Ré ficou acordado entre todos os sócios e gerentes da Ré que a gerência exercida pelo A. seria remunerada tal como até aquela data tinha acontecido enquanto trabalhador (mensalmente com o valor de € 2 500, acrescido de subsídio de refeição, retribuição das férias e subsídios de férias e de Natal); a remuneração dos outros gerentes também englobava a remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de valor igual à remuneração mensal; a Ré não lhe pagou os proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal relativos ao ano de 2009. Contestando e reconvindo, a Ré alegou, designadamente, que os créditos reclamados na acção não são devidos dada a natureza das funções que o A. exerceu na Ré a coberto, não de um contrato de trabalho, mas de um mandato que esta lhe conferiu e que compreendia direitos e deveres incluídos no âmbito da gerência da empresa; não obstante ter sido acordado aquando da nomeação do A. como gerente que o cargo que iria desempenhar no âmbito do mandato seria remunerado, tal não lhe confere o direito de vir exigir os proporcionais referentes a direitos que só a trabalhadores são conferidos, como se de um mero contrato de trabalho se tratasse; se o A., bem como os gerentes, eram remunerados pela função e recebiam os respectivos subsídios de férias e de Natal e as férias, tal só acontecia enquanto desempenhassem essas funções no âmbito do mandato que lhes foi conferido; se o A. pretende receber as quantias peticionadas tendo em conta a primeira relação jurídica que teve com a Ré, ou seja, com base num contrato de trabalho, como parece decorrer da alegação vertida sob o art.º 5º da petição inicial[1], é o Tribunal do Trabalho o competente em razão da matéria para dirimir o conflito. Concluiu depois a Ré que o tribunal recorrido é incompetente em razão da matéria e pediu, além do mais, a sua absolvição da instância.[2] No despacho saneador, o tribunal a quo fixou o valor da acção, não admitiu a reconvenção e julgou improcedente a dita excepção da incompetência material. Inconformada com o decidido, a Ré interpôs a presente apelação, formulando as conclusões que, atento o objecto do recurso, assim vão sintetizadas: 1ª - No petitório, o A. começou por alegar que em data anterior à sua nomeação como gerente da Ré era seu trabalhador subordinado, uma vez que celebrou com a mesma um contrato de trabalho por tempo indeterminado. 2ª - Contrato de trabalho que ficou suspenso no momento em que foi nomeado gerente da Ré. 3ª - O A., em momento anterior à nomeação como gerente, exercia as funções para que foi contratado sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré e dentro do horário de trabalho por esta fixado, o que se manteve após a data da renúncia à gerência (14.9.2009), porquanto na data em que o A. renuncia à gerência deixou de existir a causa que levou à suspensão do contrato de trabalho e, desse modo, aquele readquiriu a qualidade de trabalhador da Ré. 4ª - Só nessa qualidade é que o A. poderia vir reclamar os proporcionais referente a direitos laborais que se tivessem vencido com a cessação de contrato de trabalho, mas para tal não seria este Juízo o competente para dirimir tal litígio. 5ª - No momento em que o A. abandona o trabalho, sem para tal dar qualquer justificação - entendendo-se tal comportamento como não pretendendo manter a relação laboral existente, denunciando o contrato -, os eventuais direitos creditórios que lhe seriam devidos eram-no por efeito do contrato de trabalho e não por efeito da renúncia à gerência que antes exerceu na Ré. 6ª - O Juízo de Pequena e Média Instância de Águeda é incompetente em razão da matéria, sendo competente o Juízo do Trabalho de Águeda - aquele Juízo ao ter-se declarado competente em razão da matéria violou, além do mais, o disposto nos art.ºs 67° do CPC e 118° da LOFTJ, devendo ser revogada a decisão constante do despacho saneador que declarou competente o Tribunal a quo e substituída por outra que declare tal juízo incompetente em razão da matéria. O tribunal a quo admitiu o recurso da decisão que julgou improcedente a excepção de incompetência material, como apelação, a subir imediatamente e em separado e com efeito devolutivo.[3] O A. contra-alegou sustentando a improcedência do recurso. Questiona-se, assim, e importa decidir se, atenta a natureza da relação substancial pleiteada, o tribunal recorrido é competente para julgar a acção ou se essa competência cabe ao tribunal do trabalho, sendo aquele materialmente incompetente. * II. 1. Os factos a ter em consideração na decisão do recurso são apenas os aludidos do relatório (ponto I) – sobretudo, os alegados na petição inicial -, para os quais se remete e que aqui se dão por reproduzidos.[4] 2. Sem quebra do respeito sempre devido por opinião em contrário, afigura-se-nos dever ser acolhida a perspectiva explanada no despacho recorrido, não deixando de ser algo incompreensível a posição da recorrente, ao pretender distorcer a realidade para sustentar tese manifestamente improcedente, pois, além do mais, não vemos em que factos se funda para afirmar o “ressurgimento” do contrato de trabalho na data da renúncia à gerência, resultando antes, se necessário fosse atender a essa factualidade, que o A. deixou de ter qualquer ligação à empresa Ré na data em que vendeu a sua quota social e renunciou à gerência (veja-se, nomeadamente, o alegado sob os itens 21º, 23º, 26º, 29º e 44º da contestação). Assim, vejamos se o tribunal recorrido é o competente em razão da matéria para conhecer do objecto do litígio. 3. São da competência dos tribunais judicias as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (art.º 66º do CPC). As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria ou forma de processo, são da competência dos juízos dos tribunais judiciais dotados de competência especializada (art.º 67º do CPC, na redacção conferida pela Lei n.º 52/2008, de 28.8). O A. peticiona apenas os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal pelo exercício de funções de gerência comercial no período anterior à renúncia e não enquanto trabalhador. O contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização sob a autoridade destas (art.º 11º do Código do Trabalho/CT, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12.02).[5] Na situação dos autos, também não deixamos de estar perante sócio gerente que, tendo constituído os órgãos directivos e representativos da sociedade, participou na formação da vontade social, agindo no âmbito de um contrato de mandato (ou de administração) e não de um contrato de trabalho subordinado, sendo que ninguém admitiu a situação de eventual cumulação das funções de gerente com a de trabalhador subordinado[10]. Neste enquadramento, considerando que o A., enquanto gerente e sócio - qualidade subjacente ao pedido formulado -, não trouxe aos autos factualidade susceptível de configurar a existência de um contrato de trabalho dependente/subordinado no período a considerar nesta lide (01.01.2009 a 14.9.2009), perspectiva que a própria Ré não deixou de corroborar, é evidente não haver a menor razão para que os autos deixem de prosseguir no tribunal/juízo onde foram instaurados, por ser o competente para a sua preparação e julgamento. Soçobra, pois, tudo quanto em sentido contrário se fez constar das “conclusões” da alegação de recurso. * III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela apelante.
[3] Mas não admitiu o recurso da decisão de não admissão da reconvenção, considerando que a mesma só é impugnável no momento processual definido nos n.ºs 3 e 4 do art.º 681º do CPC e que o recurso em questão não é subsumível à previsão da alínea m) do n.º 2 do art.º 691º do CPC. |