Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2621/08.4PTAVR.A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA MULTA POR TRABALHO
Data do Acordão: 09/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO - JUÍZO (3º) DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 48º E 58º, DO C. PENAL
Sumário: Da conjugação dos art.ºs 48º e 58º, do C. Penal, decorre que é a pena de multa – e não a prisão resultante da sua conversão – o ponto referencial determinante do número de dias da prestação de trabalho a favor da comunidade.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No 3.º Juízo de média instância Criminal de Aveiro, em processo singular, por sentença de 10.02.2010, transitada em julgado A... devidamente identificado nos autos, foi condenado pela prática de crime de receptação, na pena de 80 dias de multa à razão diária de € 5,50 (fls. 177-189).
2. A requerimento do arguido, o tribunal de 1.ª instância por despacho proferido em 09.12.2010, substituiu a pena de oitenta dias de multa, pelo cumprimento de cinquenta e três horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, com fundamento no disposto no artigo
58.°, n.° 3, do Código Penal, aplicável por força do preceituado no artigo 48.°, n.° 2, do
mesmo diploma legal.
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3. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
“1. Pela prática de um crime de receptação, foi o arguido A... condenado na pena de oitenta dias de multa, à razão diária de € 5,50.
2. Porque o arguido o requereu, foi autorizada a substituição desta pena de multa por trabalho a favor da comunidade.
3. Assim, e "ao abrigo do disposto no artigo 58.°, n.° 3, do Código Penal, aplicável por força do disposto no artigo 48.°, n.° 2 do mesmo diploma" foi determinado que o arguido cumpra 53 (cinquenta e três) horas de trabalho a favor da comunidade, em substituição daquela pena de 80 dias de multa.
4. Com efeito, entendeu a Exma. Juiz que tendo sido aplicada ao arguido uma pena de 80 dias de multa, a que correspondem 53 dias de prisão subsidiária (artigo 49.°, n.° 1 do Código Penal), teria este de cumprir 53 horas de trabalho a favor da comunidade.
5. Entendemos que, no presente caso, não foi correctamente aplicado o disposto no citado artigo 48.°, n.° 2, do Código Penal.
6. Na verdade, quando aí se diz correspondentemente aplicável o disposto no artigo 58.°, n.° 3" quer-se dizer que este último normativo se aplica mutatis mutandis, ou seja, com as necessárias adaptações.
7. Ou seja, o que se pretende é que se aplique apenas a regra da correspondência aí prescrita, ou seja, uma hora de trabalho para cada dia de multa.
8. Aliás, se assim não fosse, bastaria ao legislador ter referido no citado artigo 48.°, n.° 2 que era aplicável o disposto no artigo 58.°, n.° 3, sem a palavra "correspondentemente".
9. Ao dizer expressamente e sem mais "é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 58.°, n.° 3, o legislador só pode ter querido dizer que, no caso da substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, deverá aplicar-se a regra e proporção aí referida, ou seja, uma hora por cada dia (neste caso, dia de multa).
10. A regra deverá ser, pois, a de fazer corresponder uma hora a um dia (dia esse que poderá ser de prisão ou de multa, conforme estejamos a aplicar directamente o disposto no referido n.° 3, ou por força da remissão do artigo 48.°. n.° 2).
11. Não sendo esta a vontade do legislador, deveria, então, ter dito que "era aplicável o disposto no artigo 58.°, n.° 3, depois de feita a conversão do artigo 49.°, n.° 1".
12. Não tendo utilizado esta fórmula, entendemos não ser aceitável a interpretação e aplicação efectuadas pela Exma. Juiz.
13. Assim, a decisão recorrida deveria ter ordenado o cumprimento, não das 53 horas de trabalho, mas antes, de 80 horas de trabalho.
14. Não o tendo feito, entendemos que violou o disposto no citado artigo 48.°, n.° 2, do Código Penal.
Nos termos expostos e nos demais que V.as Exas. doutamente suprirão, julgando-se procedente o recurso e revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que ordene a substituição da pena de 80 dias de multa aplicada ao arguido, por 80 horas de trabalho a favor da comunidade, far-se-á Justiça.”
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4. Cumprido que foi o disposto no art. 411.º, n.º 6 do Código de Processo Penal, o arguido não respondeu ao recurso.
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5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em douto parecer, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.
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6. Notificado nos termos e para os efeitos consignados no art.º 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.
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7. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II. Fundamentação:
1. Poderes cognitivos do Tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que delimitam e fixam o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
2. No caso sub judice, a única questão que cumpre decidir consiste em determinar a duração do trabalho a favor da comunidade decorrente da substituição da pena principal, de multa ( 80 dias), imposta ao arguido.
3. Elemento relevantes a considerar:
- Na sequência da condenação que lhe foi imposta, supra referida, o arguido requereu, em 3 de Outubro de 2007, nos termos do disposto no artigo 48.º do Código Penal e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a substituição da pena de multa por dias de trabalho, alegando que se “ Encontra disponível para laborar durante a semana, em qualquer uma das instituições mencionadas no art.° 48 do Código Penal, a partir das 20:00 horas. E igualmente aos Sábados e Domingos. … não tem veículo automóvel para se deslocar para a instituição que lhe for atribuída.”
- No conhecimento do requerido, foi proferido despacho, o recorrido, do seguinte teor:
«(…).
A... foi neste processo condenado pela prática de crime de receptação, por sentença de 10.02.2010, transitada em julgado, na pena de 80 dias de multa à razão diária de €5,50 (fls. 177-189).
No prazo indicado para pagamento voluntário da multa, requereu a substituição da mesma por trabalho a favor da comunidade (fls. 210).
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser deferida a requerida substituição por dias de trabalho, nos termos de fls. 218 e nos termos de fls. 237 (aqui promovendo a substituição da multa por 80 horas de PTFC).
Foi solicitado aos Serviços de Reinserção Social a realização de relatório, que consta de fls. 234 a 237, de acordo com o qual, além do mais, A... continua a frequentar a licenciatura em economia (porém não beneficiando agora de bolsa de estudo), vive com a companheira e uma filha com menos de um ano de idade, desenvolve trabalhos ocasionais (já o tendo feito na restauração), revela disponibilidade para executar qualquer tipo de trabalho (preferencialmente aos fins-de-semana, às quartas-feiras - em que não tem aulas - e nas férias lectivas), sendo que pela Escola Básica João Afonso foi já expressa disponibilidade para dar ocupação ao condenado em trabalhos de limpeza e manutenção de jardins e outros para que revele capacidade.
Atento o teor da referida informação dos Serviços de Reinserção Social, bem como o considerado na sentença acerca da situação do arguido (cfr. fls. 178-180, 183-4), afigura-se que a substituição da multa por trabalho realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção geral e especial que no caso se suscitam, nada obstando à substituição da multa por trabalho nos termos do artigo 48°, n.°1, do Código Penal.
Estabelece o n.° 2 do citado artigo 48° que "é correspondentemente aplicável o disposto nos n.°s 3 e 4 do artigo 58° e no n.° 1 do artigo 59o".
Nos termos de tais disposições, "para efeitos do disposto no n.° 1 [substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade], cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas"; "o trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável"; "a prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução da pena ultrapassar 30 meses".
Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a aplicação "correspondente" do disposto no citado n.° 3 do artigo 58° do Código Penal (por remissão pelo artigo 48°, n.°2) não equivale à conversão de cada dia da pena de multa em uma hora de trabalho a favor da comunidade.
Com efeito, afigura-se que tal resultado conflituaria com a necessária unidade do sistema jurídico (cfr. artigo 9o, n.°1, do Código Civil), considerando a correspondência legalmente estabelecida entre a pena de multa e a eventual prisão subsidiária (esta equivalente ao número de dias daquela reduzido a 2/3 - artigo 49°, n.°1, do Código Penal), sendo que no presente caso, em que foi aplicada a pena de 80 dias de multa, o eventual incumprimento de tal pena poderia implicar a conversão da mesma em 53 dias de prisão.
A 53 dias de prisão, de acordo com o critério legal estabelecido no artigo 58°, n.°3 (norma de que resulta que são legalmente equiparáveis punições de um dia de privação da liberdade e de uma hora de prestação de trabalho a favor da comunidade), corresponderiam 53 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.
A consideração da diversa natureza dogmática da pena (principal) de prisão a substituir por trabalho nos termos do artigo 58° do Código Penal e da prisão subsidiária que hipoteticamente poderia substituir a pena (principal) de multa não pode fazer esquecer que em qualquer das hipóteses, "(...) na sua execução, quer uma quer outra têm exactamente o mesmo conteúdo material (...): a privação de liberdade de um cidadão, decorrente de uma sanção derivada de uma condenação criminal, cumprida em estabelecimento prisional durante um determinado período de tempo" (Acórdão da Relação de Coimbra de 09.12.2009 - em que se aprecia questão diversa - que pode ler-se em wvvw.dqsi.pt/itrc com o n.° de processo 126/05.4GTCBR.C1).
Ora - sempre ressalvando o devido respeito por diverso entendimento - não se afigura coadunável com o princípio da unidade do sistema jurídico e a presunção de (além do mais) coerência das soluções legislativas (artigo 9o, n.°1 e n.°3, do Código Civil) aceitar que da remissão pelo artigo 48°, n.°3, para o artigo 58°, n.°3, possa resultar a conversão da pena de 80 dias de multa em 80 horas de trabalho (como resultaria da interpretação de tal remissão como implicando que aqui devesse ler-se que para efeitos do disposto no n.° 3 do artigo 48° [substituição, a requerimento do condenado, da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade] cada dia de multa fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas).
Com efeito, a 80 dias de multa a lei equipara 53 dias de privação da liberdade e a mesma lei a 53 dias de prisão equipara 53 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Pelo exposto, decide-se substituir a pena de multa em que A...Gomes foi condenado no presente processo por 53 (cinquenta e três) horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar executando tarefas relacionadas com limpezas e manutenção de jardins e outras adequadas às suas capacidades na Escola João Afonso, em Aveiro, em dias e horários a indicar pela DGRS mediante a consideração das disponibilidades da EBT e do condenado.
Notifique-se (Ministério Público e II. Defensora).
Após trânsito, comunique-se, nos termos do artigo 490°, n.°3, do Código de Processo Penal, sendo o condenado com a advertência de que deverá no prazo máximo de cinco dias após trânsito desta decisão apresentar-se perante a Equipa do Baixo Vouga da Direcção-Geral de Reinserção Social, devendo esta entidade informá-la da data exacta em que iniciará a execução da pena (faça-se constar da notificação ao arguido todos os elementos necessários à contagem do prazo de apresentação).
Nos termos do disposto no artigo 33° do Regulamento das Custas Judiciais (nessa parte aplicável ao presente processo: artigo 27°, n.°3, al. c), do Dec.-Lei n.° 34/2008, de 26.02, na redacção resultante da Lei n.° 64-A/2008, de 31.12), quando o montante das custas devidas seja superior a três unidades de conta (o que equivale, presentemente, a €306) é legalmente admissível o seu pagamento faseado das custas, agravadas de 5%, sendo tal pagamento feito em seis prestações mensais sucessivas não inferiores a 0,5 UC (€51,00), se o valor total não ultrapassar a quantia correspondente a 12 UCs (€1.224,00), quando se trate de pessoa singular.
Atento o valor das custas devidas pelo requerente A... (€835,05), bem como a situação económica do mesmo (cfr. relatório da DGRS acima referido), é fundado o requerimento para pagamento das custas em prestações, pelo que defere-se tal requerimento.
Notifique-se e emitam-se guias em conformidade com o que antecede e com o disposto no artigo 33°, n.°1, ai. a) e n.°3 do Regulamento das Custas Processuais, com advertência para o disposto no n.°4 do citado artigo 33° do RCP (a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes).
Proceda-se como promovido a fls. 238, última parte (tendo em vista a notificação pessoal da sentença ao arguido Grover - cfr. fls. 173, 194, 176).”
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4. Do mérito do recurso:
Preliminarmente convém relembrar que a prestação de trabalho, a que alude o art. 48.º do C. Penal é uma forma de cumprimento da pena de multa, só funcionando a título subsidiário, enquanto a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, consagrada no artigo 58.º do mesmo Código, constitui uma pena autónoma, no sentido de que a prestação de trabalho não constitui elemento do conteúdo executivo de outra pena, antes é ela, em si e por si mesmo, uma pena. Doutro lado, constitui uma verdadeira pena de substituição, de carácter não detentivo, destinada, ainda ela, a evitar a execução de penas de prisão de curta duração.
Dispõe o artigo 48.º do Código Penal:
«A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 – É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 58.º e no n.º 1 do artigo 59.º».
Nos seus n.ºs 3 e 4, estatui o artigo 58.º do citado diploma (redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro):
«3 - Para efeitos do n.º 1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.
4 - O trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável».
No acórdão da Relação de Coimbra de 28-05-2008, em que se descreve a evolução do instituto, conclui-se que dela emerge “… a consagração de uma forma de cumprimento da pena de multa e ainda a vontade de equiparação de regimes com a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, o que encontrou expressão no segmento «correspondentemente aplicável». Trata-se de aplicar as mesmas regras, em tudo o que não contrariar a natureza distinta dos institutos[11], como preconizado pelo Professor Figueiredo Dias[12]. Porém, ausente do ordenamento penal qualquer regra que fornecesse critério normativo preciso, político-criminalmente fundado, para a definição da duração do trabalho a prestar, via-se o juiz reenviado, em incidente posterior à sentença, para nova tarefa de determinação das consequências jurídicas do crime, o que, juntando-se ao esforço e complexidade suplementar exigido pelo regime do artº 490º do CPP e D.L. 375/97, de 24/12, explica, em parte, a reduzida aplicação entre nós da prestação de trabalho a favor da comunidade. (…) neste panorama legislativo e judicial, a opção do legislador aquando da revisão de 2007 foi seguramente a de contribuir para a clarificação deste ponto do regime e, assim, remover obstáculos à sua aplicação. Escolheu a via da correspondência aritmética, através da estatuição no artº 58º, nº3, do CP, de que cada dia de prisão corresponde a uma hora de trabalho[13]. Correspondentemente, e perante a identidade de regimes iniciada em 1995, o mesmo deve acontecer quando a pena substituída for a de multa.
(…)
Feito este percurso, encontramo-nos em condições de responder à questão colocada no presente recurso e no sentido propugnado pelo recorrente, pois nada obsta à aplicação do nº3 do artº 58º do CP, ou seja, que para o efeito da determinação do trabalho prestado em cumprimento de pena de multa, a cada dia da sanção corresponde uma hora de trabalho. Esse é o critério normativo escolhido e entendido político-criminalmente fundado pelo que deve ser aplicado, não podendo o julgador escolher outro, como seja o da menor gravidade da pena de multa relativamente à pena de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade.”
Afigura-se-nos correcta, objectiva e equilibrada a interpretação da norma do artigo 48.º do CP, no sentido supra assinalado, até porque o elemento gramatical constante do seu n.º 1 aponta, inequivocamente no sentido de ser a pena de multa, - e não a prisão resultante da sua conversão, - o ponto referencial determinante do número de dias de trabalho a favor da comunidade.
Basta reparar que no texto da norma se alude a «pena de multa» e não a pena subsidiária da multa ou a expressão equivalente.
Este é também o sentido e alcance da norma que se extrai do elemento teleológico, sustentado no elemento sistemático de interpretação, já explicado no acórdão da Rel de Coimbra de 28-05-2008, relator Des. Alberto Mira: “Como se colhe expressamente do relatório que antecede a sua publicação, foi propósito confessado do CP/82 abandonar definitivamente a concepção segundo a qual à pena pecuniária estava reservado um papel marginal e subsidiário no sistema sancionatório português, e dar expressão prática à convicção da superioridade político-criminal da pena de multa face à pena de prisão no tratamento da pequena e da média criminalidade[1]. Corporizando essa ideia, o legislador explicitou as operações de determinação da pena de multa, os seus critérios próprios de afirmação e alargou o âmbito da sua aplicação e execução. «Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (…)», prescreve o artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal. Dado o carácter pecuniário da multa, o legislador previu um sistema múltiplo e com etapas sucessivas para o pagamento: a) pagamento voluntário, no prazo legalmente estabelecido no artigo 489.º do Código de Processo Penal; b) pagamento diferido ou pagamento em prestações (artigo 47.º do CP); c) substituição por trabalho a favor da comunidade (artigos 49.º, n.º 1, do CP, e 490.º do CPP). Esgotadas as duas primeiras hipóteses e não sendo requerida a substituição da multa por trabalho, sucede-se a via processual tendente à cobrança coerciva da multa (artigo 49.º, n.º 1, do CP, e 491.º do CPP). Assim, a prisão resultante da conversão da pena de multa não está para com esta numa relação de alternatividade, mas de subsidiariedade, já que só se autonomiza, para ser cumprida, depois de esgotados todos os outros meios de cumprimento da multa. Nestes termos, a sistematização conferida pelo legislador ao regime de pagamento/substituição da pena de multa não deixa dúvidas quando à teleologia presente nas normas, conjugadas, dos artigos 48.º e 58.º, n.º 4, do Código penal, qual seja: a determinação dos dias de trabalho a favor da comunidade deve ser feita por referência à pena de multa fixada e não à pena de prisão que daquela seja subsidiária.”
No mesmo sentido Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, no Código Penal Anotado e Comentado Edição Quid Júris, 2008, “os dias de trabalhos são tantos quantos os dias de multa, só que a cada dia de trabalho não corresponde a um período de 24 horas, nem a uma jornada normal de trabalho, nem em cada dia pode-se exceder o limite de trabalho extraordinário, por valer a propósito, o n.º4 do art. 58.º.”
Também acórdão da Relação de Coimbra de 9-04-2008, proc. 2546/04.2PCCBR-A.E1, disponível em www.dgsi.pt de acordo com o preceituado nos arts. 48º, nº2 e 58º, nº3 do C. Penal, a cada dia de multa aplicada como pena principal, corresponde igual pena substitutiva de horas de trabalho.
E ainda os acórdãos referidos no Relação de Évora de 8 de Abril de 2010, como sejam da Relação do Porto de 10-12-2009, proc.nº1335/06.4PBEVR, Relação de Coimbra de 28-05-2008, proc.nº49/07.2PTCBR-A.E1 e de 09-04-2008, proc.nº2546/04.2PCCBR-A.E1.
Em face do exposto o recurso é procedente.
III. Decisão:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso e em consequência, altera-se a decisão recorrida, fixando-se em 80 (oitenta) horas o período de trabalho a prestar pelo arguido A..., em substituição da pena de multa em que foi condenado no âmbito do mencionado processo.
Sem custas.

Coimbra, 21 de Setembro de 2011
(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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(Isabel Valongo)



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(Paulo Guerra)