Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
944/18.3T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
ELEMENTOS ESSENCIAIS
INFORMAÇÕES FALSAS DADAS PELO TRABALHADOR SOBRE O SEU ESTADO DE SAÚDE
Data do Acordão: 02/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - C.RAINHA - JUÍZO TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 126.º, Nº 1; 128.º, N.º 1, C) E F), E 351.º, Nº 1 DO C.T..
Sumário: 1. A justa causa de despedimento compreende três elementos: o comportamento culposo do trabalhador; comportamento grave em si mesmo e de consequências danosas e o nexo de causalidade entre este comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral face àquela gravidade, ou seja, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência); e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa.

2. Não é de exigir ao empregador que mantenha a relação laboral com um trabalhador que invocando limitações físicas, realizava tarefas sob protesto ou executava o serviço de forma incompleta e que de forma intencional prestou aos médicos informações falsas sobre o seu estado de saúde, induzindo-os intencionalmente em erro para que as condicionantes apostas nos resultados de aptidão fossem cada vez mais, com o objetivo de exercer o mínimo das funções exigíveis a um trabalhador do grupo profissional de carteiro e que mentia, ainda, sobre aquele seu estado.

3. Este comportamento do trabalhador, violador dos deveres de boa fé e lealdade e de realizar o trabalho com zelo e diligência, é grave em si mesmo e nas suas consequências de forma a originar uma absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, pelo que, verifica-se a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho, existe motivo justificativo para o despedimento do trabalhador.

Decisão Texto Integral:









Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

E..., carteiro, residente na ...,

intentou a presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, contra

C..., S.A., com sede em ...

Para tanto, apresentou o formulário de fls. 2, opondo-se ao despedimento de que foi alvo e requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

  Procedeu-se à realização de audiência de partes e a empregadora, notificada para apresentar articulado motivador do despedimento veio fazê-lo alegando, em síntese, que:

O trabalhador invocou, desde há alguns anos, incapacidades físicas que não lhe permitiam executar tarefas inerentes ao exercício das suas funções de carteiro e, avaliado pela medicina do trabalho foram feitas recomendações à empregadora quanto ao modo de prestação do trabalho daquele, no entanto, no mesmo período o trabalhador foi jogador de futebol, tendo participado semanalmente em jogos de futebol de onze, de sete e de praia, o que não se enquadra com as invocadas limitações físicas, dores, impossibilidade de conduzir e de andar a pé; o trabalhador agiu de forma intencional e enganosa com o objetivo de conseguir, através das informações transmitidas aquando das avaliações da medicina do trabalho, exercer o mínimo de funções exigíveis a um trabalhador carteiro; o trabalhador recusava-se a realizar tarefas internas que não envolviam qualquer esforço físico; o trabalhador prestou informações falsas aos médicos da medicina do trabalho; o comportamento  ilícito e doloso do trabalhador é grave, violando o dever de prestar de forma plena a sua actividade de carteiro, bem como o dever de boa fé na vigência do contrato e o dever de lealdade para com o empregador e tornou imediata e impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento.  

Termina, dizendo que deve ser declarada a regularidade e licitude do despedimento e, em consequência, improceder a oposição ao despedimento apresentada pelo trabalhador, com as demais consequências legais.

                                                                       *

O trabalhador apresentou contestação e reconvenção e negando os factos que lhe são imputados.

Termina dizendo que:

“Nestes termos e melhores de Direito deve a presente acção ser julgada procedente e, em consequência, ser a Ré condenada, cumulativamente, no seguinte:

I) Que o uso de imagens e/ou fotografias seja declarado ilícito, já que as mesmas foram retiradas pela Ré (através de funcionários dos seus quadros como é mencionado no próprio processo disciplinar), quer dos eventos onde o Autor participou, quer a utilização de fotografias retiradas do facebook de outras pessoas e/ou das mais diversas entidades, seja declarado como ilegal conforme disposto no n.º 2 do artigo 199º do Código Penal, e o uso de imagens e/ou fotografias ser declarado ilícito para instruir o presente processo disciplinar, pois tratam-se de fotografias de carácter privado e/ou pessoal, e o uso das mesmas não foi autorizado nem por parte das pessoas e/ou entidades onde as mesmas foram publicadas, nem o uso das mesmas foi autorizado, nem existiu autorização para ser fotografado por parte do ora Autor, tratando-se assim o uso ilícito de tais imagens e/ou fotografias pela Ré de uma clara violação da vida privada do Autor, pelo que o uso de tais imagens e/ou fotografias não poderia ser considerado pela Ré para instruir o processo disciplinar que ora se impugna, atendendo que o uso de tais imagens e/ou fotografias deverá ser declarado ilícito, tratando-se inclusivamente de um crime tipificado de gravações e fotografias ilícitas.

II) A sanção disciplinar aplicada em 10/04/2018 ao Autor, pena de despedimento sem indemnização ou compensação, deverá ser declarada nula, por o processo disciplinar instaurado pela Ré contra o Autor ser ilícito por o mesmo ter por fundamento além do uso de imagens e/ou fotografias obtidas de forma ilícita, tem também factos que não correspondem à verdade e que foram deturpados pela Ré com o claro propósito de instruir um processo disciplinar com o intuito de pressionar o Autor a cessar o contrato de trabalho que o Autor tinha com a Ré.

III) Que a sanção disciplinar que foi aplicada pela Ré ao Autor seja anulada e em consequência, que seja retirada toda e qualquer referência à mesma do seu cadastro disciplinar.

Da Reconvenção

IV) Ser a Ré condenada no pagamento ao Autor de uma indemnização no montante de €: 22.756,18 euros, atendendo a que o Autor opta em substituição da sua reintegração pelo pagamento de uma indemnização, tendo como referência 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao elevado grau de ilicitude do despedimento decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º.

V) Que a Ré seja condenada a pagar ao Autor todas as retribuições (atendendo a que vencimento base do Autor é de €: 816,60 euros e que as diuturnidades são no montante global de €: 104,82 euros), que este deixou de auferir desde a data do seu despedimento até à data do trânsito em julgado da presente sentença, assim como solícita da Ré o pagamento da retribuição do mês de Abril de 2018, a qual lhe deveria ter sido paga pela Ré até à data do seu despedimento, e não ocorreu, assim como solícita da Ré o pagamento dos proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, e as férias que se venceram em 01/01/2018, relativamente ao trabalho prestador pelo autor para a Ré no ano 2017

VI) A pagar ao Autor uma compensação não inferior a €: 1.200,00 euros, pelos danos morais sofridos pelo Autor, resultantes de lhe ter sido instaurado o processo disciplinar que conduziu ao seu despedimento.

A tudo acrescerá juros de mora à taxa legal, a contar da sentença até efetivo e integral pagamento.”

A empregadora apresentou resposta concluindo como no articulado motivador e pela improcedência das exceções e da reconvenção.

Foi proferido o despacho saneador de fls. 652 e segs..

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.

Posteriormente foi proferida a sentença de fls. 725 e segs., cujo dispositivo tem o seguinte teor:

“Pelo exposto, julgo procedente, por parcialmente provada, a presente acção, bem como parcialmente procedente reconvenção e, em consequência:

- declaro ilícito o despedimento do A., E..., operado pela R., “C..., S.A.”, através da decisão proferida no procedimento apensado aos presentes autos;

- condeno a R. a pagar ao A., a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 921,42 (novecentos e vinte e um Euros e quarenta e dois cêntimos), desde 1/5/2018 e até trânsito em julgado desta sentença, acrescidas de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde, quanto à retribuições vencidas anteriormente, a data da sentença e, quanto às retribuições vencidas posteriormente, a data do seu vencimento, deduzidas do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído ao A., devendo a R. entregar essa quantia à Segurança Social;

- condeno a R. a pagar ao A., a título de indemnização substitutiva, a quantia de €14.740,80 (catorze mil, setecentos e quarenta Euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4% desde a data desta sentença e até efectivo e integral pagamento;

- absolvo a R. do mais peticionado pelo A.”

A empregadora, notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

“...

*

O trabalhador apresentou resposta, concluindo que:

...”

*

O Exm.º  Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 921 e segs., no sentido de que a sentença recorrida deve manter-se.

  Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

  II – Fundamentação

a)- Factos Provados constantes da sentença recorrida:

1) O A. foi admitido nos quadros da R. com efeitos a 20 de novembro de 2002, tendo permanecido ao seu serviço até ao dia 16/1/2018, data em que foi suspenso de funções;

2) Em 10 de abril de 2018 o A. foi notificado da deliberação da R. que lhe aplicou a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação;

3) À data de 10 de abril de 2018 o A. auferia as seguintes remunerações mensais:

- vencimento base: € 816,60;

- diuturnidades: € 91,71;

- diuturnidade especial: € 13,11;

- subsídio de refeição por cada dia de trabalho: € 9,01;

4) No âmbito da sua categoria de carteiro, o A. desenvolvia a sua atividade no Centro de Distribuição Postal de ...);

5) No dia 30 de novembro de 2017 o Diretor de Operações ... da R., ..., enviou mensagem de correio eletrónico à Inspeção da Direção de Auditoria e Qualidade da R. a solicitar ajuda no caso do A., atendendo à discrepância entre os condicionalismos para exercer as funções de carteiro e os comentários sobre a sua atividade desportiva, nomeadamente de que o A. jogava futebol de onze na equipa de veteranos do “...”;

6) No dia 30 de novembro de 2017, para desenvolver ação de investigação com vista a esclarecer os factos que estiveram na origem da situação reportada, foi designado ...;

7) No dia 2 de dezembro de 2017, no âmbito das diligências realizadas na ação de investigação, o inspetor ... deslocou-se ao Estádio Municipal de ..., onde iria haver um jogo com intervenção da equipa de Veteranos do ... e que deu origem ao auto de notícia de fls. 10-11 do processo disciplinar;

8) No dia 7 de dezembro de 2017, a diretora dos Serviços Jurídico-Laborais da Ré determinou a abertura de procedimento disciplinar com vista ao apuramento de todas as circunstâncias que rodearam a prática dos factos participados e/ou outros que viessem a ser apurados e foi nomeada instrutora a Dra...;

9) O A., nos últimos anos, alegou junto da gestão do Centro de Distribuição Postal de ..., que:

- não conseguia realizar integralmente os giros, mesmo os mini giros, no tempo previsto, pois, devidos aos seus problemas de saúde, não tem o mesmo ritmo de trabalho dos outros colegas carteiros;

- não conseguia efetuar as tarefas internas de divisão e sequenciamento durante o período de tempo estipulado para as mesmas porque os problemas de saúde não permitem executá-las com a presteza dos restantes colegas carteiros;

- era-lhe difícil executar as tarefas de abater e conferir listas de distribuição por serem violentas para os seus joelhos porque, por vezes, torna-se necessário levantar-se da cadeira onde está sentado a realizá-las;

- não conseguia estar de pé a introduzir registos porque esta posição tem um impacto negativo no seu bem-estar provocando-lhe dores que não consegue suportar;

- não aguentava pegar em pesos, mesmo inferiores a 7 quilos;

- não conseguia fazer percursos a pé superiores e até inferiores a 2 quilómetros;

- não conseguia utilizar a bicicleta elétrica, na execução dos giros, por não aguentar o esforço físico exigido na utilização do referido veículo;

- não conseguia utilizar as outras viaturas de serviço, na execução dos giros, porque durante a distribuição tinha de sair e entrar nas ditas viaturas, o que lhe provoca cansaço que não suporta;

10) O A., ao longo do seu percurso profissional, foi examinado por médicos da Medicina do Trabalho;

11) O resultado de tais exames, dos realizados nos últimos três anos foi o seguinte:

- do exame realizado em 27 de novembro de 2015, que deu origem à ficha de aptidão junta a fls. 29 do processo disciplinar, resultou a recomendação: deverá realizar giros no máximo com 10 km de distância apeados ou a bicicleta elétrica;

- do exame realizado em 12 de fevereiro de 2016, que deu origem à ficha de aptidão junta a fls. 30 do processo disciplinar, resultou a recomendação: não deverá efetuar giros apeados longos (12 km) mas poderá, contudo, fazer de menor distância e ou intervalando com outras funções. Não deverá manipular cargas superiores a 7 kg, nem esforços com posições incorretas para os joelhos;

- do exame realizado em 26 de setembro de 2017, que deu origem à ficha de aptidão junta a fls. 16-17v.º do processo disciplinar, resultou a recomendação: não pode carregar, levantar, puxar ou arrastar pesos superiores a 5 kg. Não se deve deslocar em percursos superiores a 2 km. Deve ter um horário contínuo e de preferência diurno;

12) Na sequência do exame realizado em 12 de fevereiro de 2016, o A. requereu reavaliação pela Junta Médica da R., o que foi indeferido, por ofício datado de 9 de Maio de 2017, porque o A. pertence ao regime geral da segurança social;

13) Daí que o A. tenha requerido reavaliação médica por parte da Medicina do Trabalho nos termos que constam do escrito de fls. 33 do processo disciplinar – o que deu origem ao exame realizado em 26 de setembro de 2017, supra mencionado;

14) O A. participou, na qualidade de jogador, nos seguintes jogos de futebol de onze na equipa de veteranos do “...:

- 6 de maio de 2017, no campo dois do Estádio Municipal de ... (piso sintético), contra a equipa de futebol “...”, com o resultado de 3-1;

- 13 de maio de 2017, no campo dois do Estádio Municipal de ..., contra a equipa “...”, com o resultado 3-1;

- 3 de junho de 2017, no complexo desportivo de ..., contra a equipa “...”, com o resultado de 1-6;

...

15) O A. jogou, ainda, futebol de onze, nos dias 18 de março, 1 de abril e 15 de abril de 2017;

16) Um jogo de futebol de praia tem a duração de 36 minutos (3 partes de 12 minutos cada);

17) Invocando problemas de saúde o A. realizava tarefas sob protesto ou executava o serviço de forma incompleta;

18) O A. foi abrangido pelo processo de otimização dos recursos humanos da R. que decorreu no ano de 2017;

19) No âmbito desse processo, tendo em vista a eventual cessação do contrato de trabalho por acordo, mediante contrapartida monetária e outros benefícios a negociar com o A., este foi convocado para uma primeira entrevista que teve lugar no dia 20 de novembro de 2017;

20) Nessa entrevista, para além do A., estiveram presentes ...;

21) No decurso dessa entrevista, perante a proposta que lhe foi apresentada, o A. transmitiu:

- sofria de cancro na cabeça, situação que lhe provocará debilidade mental;

- estava a fazer um tratamento numa Universidade nos Estados Unidos;

- tratamento experimental, daí ser financeiramente menos oneroso do que se fosse feito no Instituto Champalimaud (doze mil dólares, no primeiro caso, cinquenta mil euros, no outro);

- os custos do dito tratamento estavam a ser comparticipados, em parte, pela M (...) - 12% - e quanto aos restantes, com a ajuda financeira dos colegas do Centro de Distribuição ..., que se juntaram para o ajudar, para além da Comunidade Portuguesa nos Estados Unidos que lhe providencia a alimentação, devido à carestia do custo de vida naquele país;

- no mês de fevereiro de 2018 iria deslocar-se, novamente, aos Estados Unidos, mas, desta vez, pelo período de seis meses, para continuar o dito tratamento, porém, vai sozinho, pois não tem dinheiro para levar a mulher e as filhas gémeas;

- os dois anos como beneficiário do sistema de saúde M (...) , que a R. oferecia na negociação, não eram suficientes para terminar o dito tratamento;

22) Nesse dia ficou, desde logo, marcada data para a segunda entrevista, tendo o A. sido dispensado de prestar trabalho;

23) Na segunda entrevista, realizada no dia 27 de novembro de 2017, e na qual participaram ..., o A. comunicou-lhes que não aceitava a proposta (compensação monetária e outros benefícios) apontando como fundamento da sua decisão, as seguintes razões:

- a quantia que iria receber a título de compensação era muito baixa;

- ter conseguido um visto para trabalhar nos Estados Unidos e estava a equacionar levar a família, mas, para isso, teria de ter mais dinheiro;

24) Perante a recusa do A. em aceitar o acordo para a cessação do contrato de trabalho, foi por aquelas informado de que, até ao final do ano 2017, se mudasse de ideias, podia contactá-las no sentido de abrir a negociação, tendo o A. concordado;

25) Após a primeira entrevista, ... ficaram perplexas e muito impressionadas com os relatos do A. sobre a sua condição de saúde, pelo que fizeram os necessários contactos via hierárquica e junto da M (...) , no sentido de apurar o que se estava a passar com o A. no sentido de o ajudar a fazer face a tais dificuldades;

26) Nesses contactos puderam constatar junto da M (...) a inexistência de qualquer tipo de tratamento bem como, consequentemente, a inexistência de qualquer tipo de comparticipação no plano de saúde;

27) Por outro lado, o A. não padecia de cancro na cabeça; não estava a realizar tratamento em Portugal ou nos Estados Unidos; os colegas do A. do Centro de Distribuição Postal não estavam a comparticipar no tratamento; a ausentar-se para os Estados Unidos não seria para fazer tratamento ao cancro na cabeça;

28) O A. é seguido na consulta de oncologia do Centro Clínico Champalimaud, desde 2006.

FACTOS NÃO PROVADOS:

A) O A. participou, na qualidade de jogador, em jogos de futebol de onze na equipa “... em dia indeterminado do mês de Maio de 2017, contra a equipa de futebol de S...;

B) A duração média de um jogo de futebol de onze ronda os 80 minutos;

C) Na qualidade de jogador de futebol de sete, cuja duração média ronda os 60 minutos, o A. disputou, pelo menos, uma partida pela equipa do ..., no mês de Setembro de 2016;

D) Na qualidade de jogador de futebol de praia, o A., jogando pela equipa “...”, disputou várias partidas, entre elas, uma contra a equipa “...”, no Verão de 2016;

E) Nos anos de 2015, 2016 e 2017 o A. sistematicamente recusou-se a executar a totalidade das tarefas que lhe eram afectas, sempre utilizando como pretexto as alegadas dificuldades decorrentes da sua doença oncológica ocorrida em 2008 e dores nos joelhos e outras dificuldades de saúde, invocando sempre as condicionantes apontadas nas fichas de aptidão;

F) No ano de 2017 o A. jogou, semanalmente, durante aproximadamente 80 minutos, futebol;

G) O mencionado na alínea anterior não se enquadra com as sistematicamente invocadas limitações físicas, dores nos joelhos e impossibilidade para conduzir bicicleta, moto ou carro, e mesmo mais recentemente para andar a pé, por distâncias superiores a dois quilómetros, uma vez que o esforço despendido na prática de tais modalidades de futebol será incomparavelmente superior ao necessário para executar as funções inerentes ao grupo profissional de carteiro;

H) O A., aproveitando-se dos problemas de saúde que alegadamente teve em 2008, foi, ao longo dos últimos anos, empolando o relato daquilo que qualificou como as consequências dessa doença, que alegava daí decorrentes, para assim alcançar junto dos profissionais de saúde os benefícios que quis e conseguiu;

I) O A. agiu de forma intencional e enganosa, com o objectivo de conseguir a finalidade prosseguida ao longo do tempo, a saber: através das informações transmitidas aquando das avaliações da Medicina do Trabalho, exercer o mínimo das funções exigíveis a um trabalhador do grupo profissional de carteiro;

J) O A. recusava realizar tarefas internas como sejam tarefas de divisão e sequenciamento de correio, abatimento e conferência de listas de distribuição, alegando serem violentas para os seus joelhos, porque, por vezes, torna-se necessário levantar-se da cadeira onde está sentado a realizá-las; introduzir registos porque estar em posição que alegava tinha um impacto negativo no seu bem-estar, provocando-lhe dores que não conseguia suportar;

K) Na segunda entrevista, quando questionado pela ... como ficaria a sua situação a esse nível, o A. respondeu que iria continuar de baixa médica por mais seis meses;

L) O A. prestou aos médicos da Medicina do Trabalho informações falsas sobre o seu estado de saúde, induzindo-os intencionalmente em erro para que as condicionantes apostas nos resultados de aptidão fossem cada vez mais;

M) O A. sofreu angústia quando lhe foi comunicado que havia sido aplicada a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização.

“FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

...

b) - Discussão

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Cumpre, então, apreciar as questões suscitadas pela empregadora recorrente, quais sejam:

1ª – Reapreciação da matéria de facto.

2ª – Se existe justa causa para o despedimento do trabalhador, com as legais consequências.

  1ª questão

Reapreciação da matéria de facto

A empregadora recorrente interpôs o presente recurso visando a reapreciação da prova gravada.

Conforme o disposto no artigo 640.º do CPC:

<<1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)>>.

Acresce que, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º, do CPC.

Lidas as alegações e respetivas conclusões, constatamos que a recorrente indica os pontos concretos da matéria de facto não provada que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, ou seja, os documentos e os depoimentos das testemunhas que identifica e que impõem decisão diversa, com indicação das passagens da gravação (respetivos minutos) e, ainda, a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, isto é, que seja considerada provada a matéria de facto julgada não provada.

Assim sendo, a empregadora cumpriu na totalidade o ónus que sobre si impendia, pelo que, este tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada.

                                                             *

Este Tribunal ouviu todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, analisou todos os documentos juntos aos autos e, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, procedeu à inquirição dos médicos subscritores das fichas de aptidão para o trabalho juntas aos autos.

Assim e seguindo a alegação da empregadora recorrente:

Alega a mesma que devem ser dados como provados os factos constantes das alíneas C), D), E, G), H), I), J) e L  do elenco da matéria de facto não provada.

...

Desta forma, conjugando estes depoimentos com a matéria de facto provada constante dos pontos 9 a 17, é nosso entendimento que foi feita prova bastante e credível dos seguintes factos que se aditam:

34 – O A., de forma intencional, prestou aos médicos da Medicina do Trabalho informações falsas sobre o seu estado de saúde, induzindo-os intencionalmente em erro para que as condicionantes apostas nos resultados de aptidão fossem cada vez mais, com o objetivo de, através das informações transmitidas aquando das avaliações da Medicina do Trabalho, exercer o mínimo das funções exigíveis a um trabalhador do grupo profissional de carteiro.

Na verdade, se as limitações invocadas pelo A. no exercício das suas funções são incompatíveis com a atividade futebolística do mesmo, teremos de concluir que as informações prestadas aos médicos do trabalho são falsas, posto que, não se vê como pode o A. sofrer de dores nos joelhos que o limitem nos termos descritos nas fichas de aptidão e ao mesmo tempo jogar futebol ainda que “de veteranos”, o que fez até num jogo durante 72 minutos.

Não resultou provada a matéria descrita na alínea H), ou seja, que o A. foi empolando o relato daquilo que qualificou como as consequências da doença que alegadamente teve em 2008.

Procede, assim, em parte, a pretendida alteração da matéria de facto.

2ª questão

Se existe justa causa para o despedimento do trabalhador.

Alega a empregadora recorrente que o A. não agiu com boa fé no cumprimento do contrato de trabalho, tendo vindo a mentir sobre o seu estado de saúde, conseguindo enganar a Ré e os médicos da medicina do trabalho por forma a diminuir as funções que lhe são exigíveis; o comportamento do Autor, de extrema gravidade, integra o conceito de infração disciplinar, objetiva e subjetiva (dolo direto), e compromete de forma irreversível a subsistência da relação laboral, constituindo, justa causa de despedimento, nos termos do número 1, do artigo 351º do Código do Trabalho; numa entrevista para eventual cessação do contrato de trabalho, o trabalhador prestou informações absolutamente falsas sobre o seu estado de saúde de forma tão convincente sobre o cancro da cabeça que alegou padecer e consequentes tratamentos que iria realizar, que chegou mesmo a convencer as representantes do Empregador naquela reunião, - ... -, que iniciaram as diligencias necessárias para o ajudar, até que tiveram a confirmação de ser tudo falso, factos que constam da fundamentação da decisão de despedimento, e foram igualmente invocados e enquadrados no articulado motivador de despedimento; a violação dos deveres de boa fé e lealdade, deve ser avaliado em abstrato, segundo o padrão do bonus pater familias, previsto no artigo 487.º, n.º 2, do CC, em face das circunstâncias de cada caso.

Apreciando:

O contrato de trabalho pode cessar, além de outras causas, por despedimento por iniciativa do empregador, por facto imputável ao trabalhador.

Na verdade, conforme o disposto no n.º 1, do artigo 351.º do C.T. <<constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho>>.

Por outro lado, <<o empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seu direitos e no cumprimento das respetivas obrigações>> – n.º 1 do artigo 126.º do CT.

E o trabalhador deve realizar o trabalho com zelo e diligência e guardar lealdade ao empregador – artigo 128.º, n.º 1, c) e f), do C.T..  

A justa causa compreende três elementos: o comportamento culposo do trabalhador; comportamento grave em si mesmo e de consequências danosas e o nexo de causalidade entre este comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral face àquela gravidade, ou seja, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa - neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2010 e 29-09-2010, disponíveis em www.dgsi.pt.

Por outro lado, <<para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes >> – n.º 3 do citado artigo 351.º, do C.T..

Cumpre, ainda, dizer que compete ao trabalhador fazer a prova da existência do contrato de trabalho e do despedimento e ao empregador incumbe provar os factos constitutivos da justa causa do despedimento que promoveu.

Por outro lado, conforme se refere no acórdão deste Tribunal, de 05/12/2012, disponível em www.dgsi.pt:

Na verdade, é sabido que no âmbito das relações jurídicas de trabalho subordinado, o trabalhador deve proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres [arts. 126º/1 CT/09 e 762º/2 CC – com a ideia de boa-fé estão relacionadas, como é sabido, as ideias de fidelidade, lealdade, honestidade e confiança na realização e cumprimento dos negócios jurídicos (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, 1968, pág. 2)], estando sujeito à obrigação de cumprir um conjunto de deveres que estão enunciados no art. 128º/1 do CT/09, (…).

É sabido, também, que a confiança entre o empregador e o trabalhador desempenha um papel essencial nas relações de trabalho, tendo em consideração a forte componente fiduciária daquelas; com efeito, a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada.

Do mesmo modo, sabe-se que a subsistência daquela confiança pressupõe a observância do mencionado dever de lealdade do trabalhador para com o empregador, pois que aquela será sempre afectada, podendo mesmo ser irremediavelmente destruída, quando se fere o mencionado dever, sendo que a observância deste é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina.

“Em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de “execução leal” tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de “perigo”(-) para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa(-)”, sendo que “o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)” e que, encarado de um outro ângulo, “apresenta também uma faceta objectiva, que se reconduz à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações”, “com o sentido que lhe é sinalizado pelo art. 119.º/1 CT”, donde promana, “no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional — razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objectivo — da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja “no contrato”, isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo do cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte.” – Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, págs. 231 a 234.

(…)

Trata-se, conforme o exposto, de um dever que numa vertente objectiva se traduz na necessidade do trabalhador ajustar o seu comportamento aos princípios da boa-fé no cumprimento do contrato e numa vertente subjectiva se reconduz à relação de confiança entre as partes que impõe que a conduta do trabalhador não seja susceptível de abalar tal confiança e, assim, criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura do comportamento do trabalhador – cfr. acórdãos do STJ de 17/04/1996 e de 14/01/1998, proferidos, respectivamente, nos processos 4429 e 110/97, ambos da 4.ª secção.

(…)

Atente-se, no entanto, em que dado o carácter absoluto do dever de lealdade (v.g., acórdãos da Relação do Porto de 5/12/11, proferido na apelação 513/10.6TTMAI.P1, de 12/9/2011, proferido na apelação 787/10.2TTPRT.P1, da Relação de Lisboa de 8/2/2012, proferido no âmbito da apelação 3061/03.7TTLSB.L1-4, de 26/9/2012, proferido no âmbito da apelação 1004/10.0TTLRS.L1; na doutrina pode consultar-se, por exemplo, Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, págs. 826 a 828, e Lobo Xavier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, pág. 19), a diminuição de confiança resultante da violação deste dever não está dependente da verificação de prejuízos materiais, nem da existência de culpa grave do trabalhador: por isso, a simples materialidade desse comportamento lesivo do dever em apreço, aliado a um moderado grau de culpa do trabalhador pode, em determinado contexto, levar a um efeito redutor das expectativas de confiança (acórdão do STJ de 11/10/95, publicado na CJ, tomo III, pág. 277).

Como ensina Júlio Gomes (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 951), no tocante às consequências da conduta do trabalhador, “…estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador.”.

Neste enquadramento, a violação do dever de lealdade e a consequente violação da relação de confiança que é fundamento nuclear da subsistência do vínculo de trabalho subordinado constituirá justa causa de despedimento, por comprometer de forma prática e irremediável a subsistência da relação de trabalho, se não for possível reconstituir no empregador a confiança perdida.”

Após estas considerações jurídicas, cumpre verificar se a empregadora logrou provar, como lhe competia, os comportamentos que imputou ao trabalhador e se os mesmos integram aquele conceito de justa causa, ou seja, se este praticou factos culposos que pela sua gravidade e consequências tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, conforme entendimento da recorrente.

Na sentença recorrida considerou-se que:

O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações – cfr. art.º 126.º, n.º 1 do Código do Trabalho.

É inegável, para o que ora releva, sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve realizar o trabalho com zelo e diligência – art.º 128.º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho.

Analisada a factualidade apurada constata-se que:

o A., nos últimos anos, alegou junto da gestão do Centro de Distribuição Postal, que:

- não conseguia realizar integralmente os giros, mesmo os mini giros, no tempo previsto, pois, devidos aos seus problemas de saúde, não tem o mesmo ritmo de trabalho dos outros colegas carteiros;

- não conseguia efectuar as tarefas internas de divisão e sequenciamento durante o período de tempo estipulado para as mesmas porque os problemas de saúde não permitem executá-las com a presteza dos restantes colegas carteiros;

- era-lhe difícil executar as tarefas de abater e conferir listas de distribuição por serem violentas para os seus joelhos porque, por vezes, torna-se necessário levantar-se da cadeira onde está sentado a realizá-las;

- não conseguia estar de pé a introduzir registos porque esta posição tem um impacto negativo no seu bem-estar provocando-lhe dores que não consegue suportar;

- não aguentava pegar em pesos, mesmo inferiores a 7 quilos;

- não conseguia fazer percursos a pé superiores e até inferiores a 2 quilómetros;

- não conseguia utilizar a bicicleta eléctrica, na execução dos giros, por não aguentar o esforço físico exigido na utilização do referido veículo;

- não conseguia utilizar as outras viaturas de serviço, na execução dos giros, porque durante a distribuição tinha de sair e entrar nas ditas viaturas, o que lhe provoca cansaço que não suporta;

com efeitos entre 27 de Novembro de 2015 e 12 de Fevereiro de 2016 o médico do trabalho recomendou à R. que o A. realizasse giros no máximo com 10 km de distância apeados ou a bicicleta eléctrica;

com efeitos entre 12 de Fevereiro de 2016 e 26 de Setembro de 2017 o médico do trabalho recomendou à R. que o A. não deveria efectuar giros apeados longos (12 km), podendo, contudo, fazer de menor distância e ou intervalando com outras funções. Não deverá manipular cargas superiores a 7 kg nem esforços com posições incorrectas ao nível dos joelhos;

a 26 de Setembro de 2017 o médico do trabalho recomendou à R. que reorganizasse o trabalho do A. pois este não pode carregar, levantar, puxar ou arrastar pesos superiores a 5 kg; não deve fazer percursos superiores a 2 km; deve ter um horário contínuo e de preferência diurno;

invocando problemas de saúde o A. realizava as tarefas sob protesto ou executava o serviço de forma incompleta, embora nunca se tenha recusado a realizar as tarefas que lhe eram atribuídas;

nas nove datas consignadas nos pontos 14 e 15 dos factos provados, ao longo do ano de 2017, o A. participou em jogos de futebol de onze pela equipa do “...l”, um dos quais por 72 minutos;

nas reuniões efectuadas em Novembro de 2018, com vista à cessação do contrato de trabalho por acordo, o A. transmitiu à trabalhadora da R. e a uma advogada que participaram nas reuniões informação sobre o seu estado de saúde que não era verdadeira pois o A. não estava a ser submetido a qualquer tratamento a um cancro na cabeça, nem, obviamente, os colegas do Centro de Distribuição Postal de ... estavam a comparticipar no tratamento.

O comportamento do A. nas reuniões de Novembro de 2018, embora moral e socialmente reprovável (porque se traduziu numa mentira sobre uma doença de que não padecia e o respectivo tratamento médico) não assume, só por si, relevância em sede disciplinar, pois nenhuma repercussão tem ao nível da realização das tarefas adstritas ao A. enquanto carteiro. E sinal disso é o facto de a R., apesar de alegar os factos relativos às ditas reuniões, não enquadrar este comportamento do A. na análise que faz à verificação dos pressupostos para o despedimento lícito, parecendo que o mesmo não serviu de fundamento à decisão disciplinar.

É um comportamento do A. que não assume gravidade e nem teve consequências que impossibilitem a manutenção da relação laboral.

Vejamos, agora, a alegação da R. centrada nas queixas apresentadas pelo A. relativas ao seu estado de saúde física e às divergências entre as queixas, as limitações (ou condicionantes) determinadas por cada um dos médicos do trabalho e a prática de futebol de onze.

Aceita-se, por ser a normalidade da vida, que possam parecer injustificadas, de um lado, as queixas do A. e, por isso, a menor carga de tarefas que realiza e as imposições da medicina do trabalho e, do outro lado, o facto de o A. participar em jogos de futebol de onze.

Porém, como decorre da decisão sobre a matéria de facto, a R. não logrou provar que o A. tivesse mentido a cada um dos três médicos que sucessivamente avaliaram a sua condição física e a adequação desta para as tarefas inerentes à categoria profissional de carteiro.

Aliás, é pouco crível que o A. tivesse conseguido ludibriar, sucessivamente, em momentos temporalmente distintos, três médicos do trabalho.

Enquanto a entidade legalmente competente para o efeito – o médico do trabalho na definição do art.º 103.º da Lei 102/2009, de 10 de Setembro – não alterar as recomendações relativas à necessária adequação da organização do trabalho à condição física do A. (ou de qualquer outro trabalhador) apostas na ficha de aptidão não pode a R. (ou qualquer outra entidade), através dos seus representantes legais e/ou dos seus trabalhadores, ainda que superiores hierárquicos do A., contrariar aquelas recomendações que, naturalmente, envolvem um juízo de natureza técnica (no caso, médica) que não pode ser afastado senão por um juízo de igual valia. De contrário, caso as recomendações dos médicos do trabalho pudessem ser contrariadas, validamente, por outras entidades (sejam entidades empregadores, seja quem seja) perderia qualquer sentido a exigência legal de sujeição dos trabalhadores a avaliação da medicina do trabalho para adequar a condição física de cada um à forma como os empregadores devem organizar o trabalho.

Atente-se que a lei exige, não apenas que a medicina no trabalho seja exercida por um médico, exige, ainda, que o médico tenha a especialidade de medicina do trabalho reconhecida pela Ordem dos Médicos ou com idoneidade técnica para o exercício das respectivas funções reconhecida nos termos da lei – cfr. art.º 108.º da Lei 102/2009.

O que sucedeu foi que o A., como disse a testemunha ..., tudo fazia para que os condicionalismos fossem cumpridos, daí as queixas que apresentava à hierarquia do Centro de Distribuição Postal.

Entende-se, assim, que não ficou demonstrada matéria de facto susceptível de configurar a violação dos deveres de boa fé e de lealdade invocados pela R. ou sequer de realização do trabalho com zelo e diligência previsto no art.º 128.º, n.º 1, al. b).

Conclui-se, portanto, pela ilicitude do despedimento, porque não fundado em justa causa.” fim de transcrição.

Pois bem, resulta da matéria de facto provada que o A. alegou junto do CDP que não conseguia realizar as tarefas, estar de pé, pegar em pesos, fazer percursos a pé e utilizar viaturas nos termos descritos no ponto 9; foram-lhe fixadas as limitações constantes das fichas de aptidão juntas aos autos e descritas no ponto 11, nomeadamente, que não pode carregar, levantar, puxar ou arrastar pesos superiores a 5 Kg e não se deve deslocar em percursos superiores a 2 Km.

Mais se provou que o A. participou, como jogador, nos jogos de futebol de onze descritos nos pontos 14 e 15, num deles durante 72 minutos.

Por outro lado, por força da reapreciação da matéria de facto foi aditada ao elenco dos factos provados a seguinte matéria:

- As limitações invocadas pelo A. no exercício das suas funções e descritas no ponto 9 são incompatíveis com a atividade física do mesmo descrita nos pontos 14 e 15.

- O A., de forma intencional, prestou aos médicos da Medicina do Trabalho informações falsas sobre o seu estado de saúde, induzindo-os intencionalmente em erro para que as condicionantes apostas nos resultados de aptidão fossem cada vez mais, com o objetivo de, através das informações transmitidas aquando das avaliações da Medicina do Trabalho, exercer o mínimo das funções exigíveis a um trabalhador do grupo profissional de carteiro.

Acresce que, o A., invocando problemas de saúde, realizava tarefas sob protesto ou executava o serviço de forma incompleta.

E, por fim, no decurso de uma entrevista para a qual foi convocado pela Ré o A. disse que:

- sofria de cancro na cabeça, situação que lhe provocará debilidade mental;

- estava a fazer um tratamento numa Universidade nos Estados Unidos;

- tratamento experimental, daí ser financeiramente menos oneroso do que se fosse feito no Instituto Champalimaud (doze mil dólares, no primeiro caso, cinquenta mil euros, no outro);

- os custos do dito tratamento estavam a ser comparticipados, em parte, pela M (...) - 12% - e quanto aos restantes, com a ajuda financeira dos colegas do Centro de Distribuição Posta de ..., que se juntaram para o ajudar, para além da Comunidade Portuguesa nos Estados Unidos que lhe providencia a alimentação, devido à carestia do custo de vida naquele país;

- no mês de fevereiro de 2018 iria deslocar-se, novamente, aos Estados Unidos, mas, desta vez, pelo período de seis meses, para continuar o dito tratamento, porém, vai sozinho, pois não tem dinheiro para levar a mulher e as filhas gémeas;

- os dois anos como beneficiário do sistema de saúde M (...) , que a R. oferecia na negociação, não eram suficientes para terminar o dito tratamento;

- a quantia que iria receber a título de compensação era muito baixa;

- ter conseguido um visto para trabalhar nos Estados Unidos e estava a equacionar levar a família, mas, para isso, teria de ter mais dinheiro;

Após esta entrevista, ... ficaram perplexas e muito impressionadas com os relatos do A. sobre a sua condição de saúde, pelo que fizeram os necessários contactos via hierárquica e junto da M (...) , no sentido de apurar o que se estava a passar com o A. no sentido de o ajudar a fazer face a tais dificuldades;

Nesses contactos puderam constatar junto da M (...) a inexistência de qualquer tipo de tratamento bem como, consequentemente, a inexistência de qualquer tipo de comparticipação no plano de saúde e que o A. não padecia de cancro na cabeça; não estava a realizar tratamento em Portugal ou nos Estados Unidos; os colegas do A. do Centro de Distribuição Postal não estavam a comparticipar no tratamento e a ausentar-se para os Estados Unidos não seria para fazer tratamento ao cancro na cabeça.

Ora, face a esta matéria de facto provada não podemos acompanhar a sentença recorrida.

Na verdade, a descrita atuação do A. consubstancia um comportamento violador dos deveres de boa fé e de lealdade para com o empregador e de prestar o trabalho com zelo e diligência já supra enunciados, comportamento doloso e grave que destruiu toda a confiança que a empregadora necessita de ter no seu trabalhador.

Pese embora não se tenham apurado prejuízos concretos para a empregadora, a gravidade da conduta do trabalhador mantém-se, posto que, a perda de confiança entre as partes não depende da existência de concretos prejuízos[2].

Não vemos como é que uma empregadora pode continuar a desenvolver a relação laboral com um trabalhador que, invocando as supra citadas limitações, realizava tarefas sob protesto ou executava o serviço de forma incompleta e sendo que, de forma intencional, prestou aos médicos informações falsas sobre o seu estado de saúde , induzindo-os intencionalmente em erro para que as condicionantes apostas nos resultados de aptidão fossem cada vez mais, com o objetivo de exercer o mínimo das funções exigíveis a um trabalhador do grupo profissional de carteiro.

Acresce que, as limitações invocadas pelo A. no exercício das suas funções e descritas no ponto 9 são incompatíveis com a atividade física do mesmo descrita nos pontos 14 e 15. O trabalhador invocava perante a empregadora que, além do mais, era-lhe difícil executar as tarefas de abater e conferir listas de distribuição por serem violentas para os seus joelhos porque, por vezes, torna-se necessário levantar-se da cadeira onde está sentado a realizá-las; não conseguia estar de pé a introduzir registos porque esta posição tem um impacto negativo no seu bem-estar provocando-lhe dores que não consegue suportar e que não conseguia fazer percursos a pé superiores e até inferiores a 2 quilómetros, no entanto, participou em vários jogos de futebol, num deles durante 72 minutos, pelo que, e dito de outra forma, mentia sobre o seu estado de saúde.

E mentiu, ainda, quando referiu à sua empregadora que sofria de um cancro na cabeça e necessitava de tratamento conforme resulta dos pontos 21, 25 e 26.

Assim sendo, é manifesta a violação, por parte do A., dos deveres de boa fé e de lealdade, com a consequente violação da relação de confiança que é o fundamento nuclear da subsistência do vínculo de trabalho subordinado, não sendo possível reconstituir na empregadora a confiança perdida.

Face a tudo o que ficou dito, entendemos que o comportamento supra descrito do trabalhador é grave em si mesmo e nas suas consequências de forma a originar uma absoluta quebra de confiança entre a empregadora e o trabalhador, pelo que, verifica-se a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho.

Em suma, estamos perante um comportamento do trabalhador que tornou impossível a subsistência da relação laboral, a reclamar a sanção mais gravosa, posto que, qualquer outra se mostra inadequada e insuficiente para repor a normalidade daquela relação prejudicada pelo comportamento imputado àquele (n.º 1, do artigo 330.º, do C.T.).

Tendo em conta que a sanção disciplinar visa reagir contra o comportamento inadequado do trabalhador, procurando harmonizar este para o futuro com o interesse do empregador, e sendo o objetivo natural daquela sanção de natureza corretiva, intimidatória e conservatória, só no caso de uma sanção deste tipo <<se mostrar inadequada ou insuficiente para repôr a normalidade da relação de trabalho prejudicada pelo comportamento imputado ao trabalhador, se poderá aceitar, como razoável e justo, aplicar-se uma sanção rescisória do contrato.

A existência de justa causa só será, assim, de admitir se os factos praticados pelo trabalhador se reflectirem sobre o desenvolvimento normal da relação de trabalho, afectando-o em termos tais que o interesse do despedimento deva prevalecer sobre o interesse oposto da permanência do contrato>>[3].

Pelo exposto, existe motivo justificativo para o despedimento do trabalhador e que, por isso, é regular e lícito.

                                                             *

Na procedência das questões supra enunciadas, impõe-se a revogação da sentença recorrida em conformidade.

IV – Sumário[4]

1. A justa causa compreende três elementos: o comportamento culposo do trabalhador; comportamento grave em si mesmo e de consequências danosas e o nexo de causalidade entre este comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral face àquela gravidade, ou seja, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa.

2. Não é de exigir ao empregador que mantenha a relação laboral com um trabalhador que invocando limitações físicas, realizava tarefas sob protesto ou executava o serviço de forma incompleta e que de forma intencional prestou aos médicos informações falsas sobre o seu estado de saúde, induzindo-os intencionalmente em erro para que as condicionantes apostas nos resultados de aptidão fossem cada vez mais, com o objetivo de exercer o mínimo das funções exigíveis a um trabalhador do grupo profissional de carteiro e que mentia, ainda, sobre aquele seu estado. 

3. Este comportamento do trabalhador, violador dos deveres de boa fé e lealdade e de realizar o trabalho com zelo e diligência, é grave em si mesmo e nas suas consequências de forma a originar uma absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, pelo que, verifica-se a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho, existe motivo justificativo para o despedimento do trabalhador.

            V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na procedência do recurso, acorda-se em julgar regular e lícito o despedimento do trabalhador E... promovido pela Ré C..., SA, absolvendo-se a Ré do pedido reconvencional contra si formulado.

Custas a cargo do trabalhador recorrido.

                                                                       Coimbra, 2020/02/21                                                                                                           (Paula Maria Roberto)  

                                                                              (Ramalho Pinto) 

                                                                                       (Felizardo Paiva)                                                                                                                                                                 

                                                                                                                                                                                                                                                                   


***


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Ramalho Pinto
                  – Felizardo Paiva

[2] Ac. da RL, de 15/01/2003, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Acórdão do STJ de 09/06/1999, AD, 459.º, 461.
[4] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.