Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
61/22.1GASRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANA CAROLINA CARDOSO
Descritores: PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO
AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO
PERIGO PARA A VIDA
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SOURE
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 127.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ARTIGOS 69.º, 144.º, ALÍNEA D), 285.º E 291.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B), DO CÓDIGO PENAL
ARTS. 285º E 144º, AL. D), DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I – O duplo grau de jurisdição não assegura a sujeição da acusação a dois julgamentos em tribunais diferentes, mas apenas garante que o interessado possa obter do tribunal superior a fiscalização e controlo de eventuais erros da decisão da matéria de facto através do reexame parcial da prova.

II – Só há erro de julgamento da matéria de facto, susceptível de ser modificado em sede de recurso, nas situações em que o recorrente consiga demonstrar que a convicção do tribunal de primeira instância sobre a veracidade de certo facto é inadmissível, porque não sustentada em dados objetivos, ou que existem outras hipóteses dadas pelas provas tão ou mais plausíveis do que aquela adoptada pelo tribunal recorrido.

III – A convicção do julgador, quando consentânea com a experiência comum, nunca poderá ser substituída pela convicção de outrem.

IV – Para o crime de condução perigosa ser agravado pelo resultado exige-se que a lesão provocada implique uma probabilidade grave e imediata de levar à morte da vítima, que o bem jurídico vida da vítima tenha sido colocado efetivamente em perigo, reconhecido por sintomas objetivamente demonstráveis, não bastando uma probabilidade mediata ou condicionada a possíveis complicações.

V – Sendo aplicável à determinação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor os critérios legais de determinação da pena principal, deverá em princípio verificar-se alguma proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e a medida concreta da pena acessória, considerando-se, como foco de diferença, que no caso desta última a finalidade visa essencialmente prevenir a perigosidade do agente

Decisão Texto Integral:

I.

RELATÓRIO

1. … no processo comum coletivo n.º 61/22.1GASRE, foi decidido (transcrição):

7.1. Condenar o arguido AA pela prática, como autor material e na forma consumada, de 1 (um) crime de condução perigosa de veículo rodoviário, agravado pelo resultado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 291.º, n.º 1, alíneas a) e b), 285.º, 294.º, n.º 3, por referência ao artigo 144.º, alínea d), e 69.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, em concurso aparente com o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, e com as contraordenações estradais previstas e punidas pelos artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, alíneas h) e j), do Código da Estrada, numa pena 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz um quantum de 1.625,00€ (mil seiscentos e vinte e cinco euros), a qual, após desconto de 1 (um) dia de detenção, nos termos do artigo 80.º, n.º 2, do Código Penal, se fixa em 249 (duzentos e quarenta e nove) dias, convergindo na quantia de 1.618,50€ (mil seiscentos e dezoito euros e cinquenta cêntimos);

7.2. Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 (um) ano, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.


*


2. Inconformado com a decisão, dela recorre o arguido AA, formulando as seguintes conclusões:

3. Da conjugação da prova produzida em julgamento com os restantes elementos de prova considerados, entendeu o Tribunal a quo terem resultado como provados, entre outros, os seguintes factos (seguindo a numeração da sentença): 13. Também em resultado disso, o arguido não adequou a velocidade às condições e traçado da via onde circulava, fez uma aproximação em velocidade excessiva curva e, em consequência, perdeu o controlo do veiculo que conduzia e fê-lo invadir totalmente a via de trânsito destinada ao sentido contrário. 14. Em consequência da conduta do arguido, o veiculo de matricula ..-ED-.. colidiu contra os rails de proteção, após o que embateu com a frente do veiculo de matricula ..-AT-... ... Tal colisão ocorreu na via destinada ao trânsito do veiculo de matricula ..-AT-.. e BB não teve qualquer hipótese de imobilizar o seu veiculo nem de evitar o embate. 20.O embate e as lesões de BB e de CC ocorreram porque o arguido estava sob efeito das bebidas alcoólicas anteriormente ingeridas, conduzia de forma temerária e imprudente, em velocidade inadequada às condições e traçado da via, em resultado do qual perdeu o controlo do veiculo que conduzia e invadiu a via destinada ao trânsito em sentido oposto, ali circulando e atravessando-se frente do veículo ... de matrícula ..- A T-...

4. No decurso da audiência de julgamento, surgiram duas versões sobre a dinâmica concreta do acidente, uma trazida pelo arguido e outra avançada por BB, condutora da viatura interveniente no acidente com a viatura do arguido, tendo o tribunal optado por aceitar esta.

5. As provas deveriam ter sido valoradas de forma distinta, dando como mais credível e verosímil a versão apresentada pelo arguido.

6. O arguido referiu que vinha a conduzir de forma tranquila, imprimindo uma velocidade de cerca de 50/60 Km/h ao seu veículo, quando, ao entrar na curva, foi encadeado pelo sol, o que o levou a invadir a faixa de rodagem contrário e a embater, de forma ligeira, no rail de proteção com a parte lateral esquerda da sua viatura, parou cerca de 2 a 3 metros depois do embate e quando olhou para a frente viu aparecer o veículo ..., que veio a embater na parte dianteira direita do seu veículo.

7. A testemunha CC, declarou que iam devagar, entretidos na conversa, ligeiramente a subir, quando foram encandeados pelo sol e o carro embateu ligeiramente no rail, pararam cerca de 2 metros mais à frente.

Após, estando o carro do arguido parado, numa fração de segundos, veio um carro direito a eles e embateu-lhes, sendo que, o veiculo do arguido não se moveu donde estava parado, tendo o outro veículo embatido e redopiado.

8. Refere ainda a testemunha, que a condutora do outro veículo tinha muito tempo e espaço para evitar o embate.

9. São várias e significativas as contradições verificadas entre o depoimento da testemunha BB e da testemunha DD, que corroborou a versão daquela.

10.O DD alega que viu o carro da BB quando chegou ao cruzamento perto da escola primária de ... e que foi atrás dela cerca de 300/400m, o que contraria o depoimento da BB, que declarou ter seguido o trajeto da estrada nacional ...41 (será 341), sendo o único ponto de confluência entre os dois trajetos apontados, a rotunda imediatamente antes da ponte sobre o caminho de ferro;

11.A testemunha BB declarou que viu o veículo do arguido quando estaria a meio do tabuleiro da ponte sobre o caminho de ferro, mas já o viu “completamente” na sua faixa de rodagem, enquanto a testemunha DD, que seguiria 4 a 5 metros atrás daquela, e como tal, ainda sem possibilidade de visualizar o carro do arguido, declarou ter visualizado o “despiste para o lado dos rails”.

12.A testemunha BB afirmou perentoriamente que, quando avistou a viatura do arguido, já na sua faixa de rodagem, não travou, tendo inclusivamente tirado os pés dos pedais da viatura, enquanto a testemunha DD, que seguia no seu encalço, afirmou que o carro da testemunha BB travou, tendo visto as luzes de travagem (stop) acesas, o que o levou a travar também.

13.Incongruências que abalam a credibilidade destas testemunhas e que, incompreensivelmente, não foram sopesadas pelo tribunal a quo na ponderação da decisão tomada.

15.No local onde ocorreu o sinistro, a faixa de rodagem tem 7 metros de largura, sendo a largura entre valetas (onde se encontram fixados os rails) de 8,50m.

16.Após o sinistro, a viatura do arguido ficou a 2,50 m do eixo da via, sendo que o local provável do embate, dista da valeta esquerda (atendo o seu sentido de marcha) 2,70 m.

17.O embate deu-se entre a frente do veículo da testemunha BB e a frente direita do veículo do arguido (e não em toda a frente deste, como se refere na sentença recorrida).

18.O veículo do arguido encontrava-se encostado á valeta esquerda (rail), a 2/3 metros para a frente do local onde se encontram vestígios de ter embatido no rail após o “despiste” (tinta amarela e ligeira amolgadela), sendo que o local provável do embate foi identificado logo à frente de onde a viatura se imobilizou.

19.Pode conclui-se, com boa dose de certeza, que o veículo do arguido seguia a pouca velocidade, aceitando-se os 50/60 Kms/h indicados pelo arguido.

20.Isto porque, o rail onde embateu apenas tem uma pequena amolgadela com vestígios de tinta amarela e o veículo do arguido apenas apresenta ligeiros raspões na parte lateral esquerda e imobilizou-se logo ali, 2 a 3 metros mais à frente do local do embate no rail e junto a este, o que não aconteceria se viesse a circular a grande velocidade.

21.Ao contrário do que concluiu a douta sentença recorrida, que o arguido não imprimiu uma velocidade excessiva ao veículo, na aproximação à curva.

22.Quanto à questão de saber se o veículo do arguido já se encontrava ou não parado na altura do embate entre as duas viaturas, a versão do arguido é a mais verosímil.

23.O embate entre os veículos dá-se não mais que 4 a 5 metros do início do rail (atendendo ao sentido de marcha do veículo do arguido), que fica seguramente a mais de 20 metros do meio do tabuleiro da suprarreferida ponte.

24.Desde que a testemunha BB avistou a viatura do arguido até ao embate entre as viaturas, a viatura do arguido avançou 4 a 5 metros, enquanto a viatura da testemunha BB avançou pelo menos 20 metros.

25.O arguido e a testemunha CC afirmaram que já estavam parados quando foram embatidos pelo carro da testemunha BB, tendo a viatura ... rodopiado e ficado virada ao contrário, enquanto o ... do arguido se manteve na mesma posição, indiciando, como é da experiência comum, que quem bate num obstáculo imóvel é que se projeta.

26.Conclui-se que a viatura da testemunha BB embateu contra a viatura do arguido quando esta já se encontrava parada junto ao rail de proteção da estrada.

27.Mas mesmo que assim não fosse, também não se poderá dizer, replicando a posição do tribunal a quo, que o arguido foi o único culpado pela produção do acidente.

28.A testemunha BB, ao visualizar, ainda a meio do tabuleiro da ponte sobre o caminho de ferro, o veículo do arguido, estando este já na sua faixa de rodagem e, a mais de 25 metros de distância, optou por não se desviar da sua mão de trânsito, quando não vinha nenhum veículo a ocupar aquela via e tinha inclusivamente espaço entre o ... e o eixo da via.

29.Optou por não travar, tirar os pés dos pedais do carro e ir contra a viatura do arguido, quando teria a possibilidade de o fazer no espaço livre e visível à sua frente, evitando assim o embate.

30.Ao não tentar evitar o acidente, quando o poderia e deveria ter feito e, a contrário, ao “lançar-se sem controlo” para o mesmo, a testemunha BB, contribuiu, no mínimo, significativamente, com este seu comportamento negligente, para a sua produção.

31.Perante este comportamento irresponsável da condutora do veículo ..., torna-se até insignificante saber se o veículo do arguido já estaria parado ou estava em andamento da altura do embate, pois o resultado seria precisamente o mesmo!

32.Comportamento este que o tribunal deveria ter sopesado na atribuição das responsabilidades pela produção do sinistro.

33.Tal não implica a completa ausência de responsabilidade do arguido na produção do sinistro, tanto mais que o seu veículo invadiu a faixa de rodagem contrária e que o acidente se verificou nessa mesma faixa de rodagem.

34.O que aconteceu por o arguido ter sido encandeado pelo sol e, quando deu por si, já estava junto ao rail da faixa contrária, onde embateu ligeiramente.

35.Da pesquisa efetuada pelo OPC responsável pelo inquérito, no local e à hora do acidente, o sol estaria a incidir na horizontal relativamente aos condutores que faziam o trajeto do arguido (vide fls. 64 a 67 do ofício).

36.Como referiram as testemunhas EE e FF, pessoas que conhecem aquela estrada, naquele local, tal eventualidade é comum.

37.A testemunha GG, referiu ainda que em dias com o estado do tempo que se verificava em concreto (7/8 de nublado), um raio de sol a romper por entre as nuvens pode até ser mais intenso e incomodativo para quem “leva com ele” de frente.

38.Das fotos de fls. 78 e 79 do Ofício, podemos observar que, à hora que a foto foi tirada, já após o acidente, o céu se encontra com bastantes nuvens, mas vê-se também uma parte de céu azul, o que permite a passagem dos raios solares.

39.O arguido fez a viagem de ... para ... e de ... até ao local do acidente, sempre de forma tranquila e a efetuar uma condução normal, sendo que este percurso se apresenta, em algumas zonas, bastante sinuoso.

40.Caso a única causa para o “despiste” fosse o efeito do álcool ingerido pelo arguido, seguramente que tal já se teria produzido antes, em curvas bem mais sinuosas que passou pelo caminho até ali chegar.

41.Forçoso é concluir que, acreditando na versão do arguido, o facto adicional que ocorreu naquele local terá sido, efetivamente, o encandeamento momentâneo com o sol, o que constituiu a causa principal do “despiste” do veículo do arguido.

42.Tendo também para tal contribuído, como o próprio arguido admitiu, o álcool por si ingerido, contudo, não como a única ou principal causa do “despiste”.

43.Os pontos 13, 14 e 15 da sentença recorrida não poderão ser dados como provados nos termos em que o foram, mas com as correções decorrentes do que vem de se dizer.

44.No que respeita aos factos constantes do ponto 20. da sentença recorrida, do que vem de se aduzir, facilmente se conclui que não poderão ser considerados como provados, mas apenas na medida do que se deixou exposto supra.

45.Nas circunstâncias acima referidas, em que se verificou o acidente, conclui-se que o arguido não violou grosseiramente as regras de circulação rodoviária, não tendo assumido um comportamento particularmente perigoso, temerário e ousado.

46.Razão pela qual não praticou o crime de que vinha acusado e, em consequência, deverá ser absolvido da prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário.

47.O arguido cometeu o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo que, terá este que ser condenado pela sua prática, em pena que se adeque à medida da sua culpa, sopesando circunstâncias atenuantes constantes na sentença recorrida, e em inibição de conduzir próxima do mínimo legal.

48.Caso assim se não entenda, ainda assim, sempre se dirá que não se encontram reunidos os pressupostos para a agravação da pena pelo resultado, nos termos do artº 294, nº 3 do CPenal.

49.Porque, ao invés do que propugna a sentença recorrida, como consequência da conduta do arguido, não resultou para nenhum dos restantes intervenientes no acidente, ofensa à integridade física grave, donde pudesse resultar perigo para a vida.

50.O crime praticado pelo arguido não está sujeito à agravação pelo resultado.

51.Por outro lado, dir-se-á que a pena de multa de 250 dias e a sanção acessória de inibição de conduzir por 1 ano, aplicadas ao arguido, são manifestamente excessivas.

52.Atendendo à moldura penal aplicada ao crime cometido pelo arguido (multa de 10 a 360 dias), ao seu grau de culpa e às circunstâncias atenuantes elencadas na douta sentença, entende-se que a medida da pena deverá ser fixada abaixo do meio da moldura, isto é, dos 180 dias.

53.E também deverá ser revista a pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor, fixada em 1 ano, para, no máximo, 5 meses.

54.A douta sentença, ao dar como provados os factos constantes nos pontos 13, 14, 15 e 20, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação de prova, consagrado no artº 127º do CPPenal.

55.Tendo ainda feito uma aplicação incorreta dos artigos 291º, n.º 1 al. a) e b), 285º, 294º nº 3, por referência ao artº 144º, al. d) e 60º, nº 1, al. a), todos do CPenal.

3. Respondeu o Ministério Público em 1ª instância, concluindo pelo não provimento do recurso.

4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador da República emitiu parecer no sentido da inexistência de erro de julgamento e da adequação da pena acessória aplicada, concluindo pela total improcedência do recurso do arguido.  


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II.

SENTENÇA RECORRIDA


(transcrição das partes relevantes para o conhecimento do recurso)

«(…) Da audiência de julgamento resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:

[Factos da Acusação Pública]

1. No dia 07 de março de 2022, pelas 17h25, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros ... de matrícula ..-ED-.., na EN...41, km 28,000, no sentido ... – ..., na localidade de ..., concelho ....

2. Nas referidas circunstâncias, CC seguia no lugar de passageiro frontal do veículo conduzido pelo arguido.

3. No mesmo local e à mesma hora, mas no sentido inverso, ... – ..., BB conduzia o veículo ligeiro de passageiros ... de matrícula ..-AT-...

4. Naquele local, o trânsito faz-se em dois sentidos opostos, com uma via em cada sentido delimitadas por marcas rodoviárias.

5. A faixa de rodagem tem 6,40m de largura.

6. O limite de velocidade é de 90km/h.

7. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, havia boas condições de visibilidade e luminosidade.

8. As condições atmosféricas eram boas e o céu encontrava-se nublado, com sete oitavos de céu coberto.

9. O trânsito era reduzido.

10. O piso, em betuminoso, encontrava-se seco e limpo, embora em deficiente estado de conservação na via de trânsito no sentido ... - ....

11. O traçado da via é em curva à direita e com declive ascendente no sentido ... – ....

12. Nas circunstâncias acima descritas, o arguido conduziu o referido veículo automóvel com um teor de álcool no sangue de 1,647g/l, correspondente à TAS registada de 1,79g/l, e após deduzida a margem de erro máximo admissível.

13. Também em resultado disso, o arguido não adequou a velocidade às condições e traçado da via onde circulava, fez uma aproximação em velocidade excessiva à curva e, em consequência, perdeu o controlo do veículo que conduzia e fê-lo invadir totalmente a via de trânsito destinada ao sentido contrário.

14. Em consequência da conduta do arguido, o veículo de matrícula ..-ED-.. colidiu contra os rails de proteção, após o que embateu com a frente do veículo de matrícula ..-AT-...

15. Tal colisão ocorreu na via destinada ao trânsito do veículo de matrícula ..-AT-.. e BB não teve qualquer hipótese de imobilizar o seu veículo nem de evitar o embate.

16. O arguido não acionou os órgãos de travagem.

17. Como consequência do referido embate, BB sofreu ferimentos provocados pelo impacto do veículo conduzido pelo arguido e pelo acionamento brusco do cinto de segurança e do airbag, nomeadamente toracalgias e dor na musculatura paravertebral lombar direita, pelos quais recebeu tratamento médico no Centro Hospitalar e Universitário ....

18. Igualmente como consequência do referido embate, por força da violência do impacto do automóvel conduzido pelo arguido, o veículo de matrícula ..-AT-.., no valor de 5.000,00€ (cinco mil euros), foi declarado pela Seguradora como perda total.

19. Também em consequência do referido embate, CC sofreu traumatismo toracoabdominal esquerdo com perfuração do pulmão, fratura de um dedo do pé esquerdo e de um dedo da mão direita, para além de outros ferimentos e fenómenos dolorosos pelos quais recebeu tratamento médico no Centro Hospitalar e Universitário ... e lá, de seguida, foi internado.

20. O embate e as lesões de BB e de CC ocorreram porque o arguido estava sob efeito das bebidas alcoólicas anteriormente ingeridas, conduzia de forma temerária e imprudente, em velocidade inadequada às condições e traçado da via, em resultado do qual perdeu o controlo do veículo que conduzia e invadiu a via destinada ao trânsito em sentido oposto, ali circulando e atravessando-se à frente do veículo ... de matrícula ..-AT-...

21. O arguido sabia que, antes de iniciar a condução do veículo automóvel, havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que lhe poderiam determinar um teor de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l e de influenciar a sua capacidade para conduzir e potenciar o risco daquela atividade, não se abstendo, ainda assim, de conduzir tal veículo.

22. Ao proceder da forma acima descrita, violando de modo grosseiro e injustificado as mais elementares regras de segurança rodoviária, designadamente as relativas à velocidade e ao sentido de marcha, quis o arguido conduzir o veículo automóvel em velocidade inadequada e excessiva às condições e traçado da via, bem sabendo que a sua conduta era adequada a criar – como criou – perigo para a vida e para a integridade física dos utentes da estrada onde circulava, que consigo se cruzaram, como foi o caso dos condutores e passageiros dos veículos que ali circulavam, bem como do passageiro que transportava, resultando esse que representou e com o qual se conformou.

23. O arguido sabia igualmente que, face à quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas, não estava em condições de conduzir o veículo em segurança e que, desse modo, criava perigo para a vida e para a integridade física de outrem, como criou, designadamente em relação aos condutores e passageiros dos veículos que consigo se cruzaram nas circunstâncias acima descritas e, concretamente, em relação a BB e ao CC que consigo seguia como passageiro.

24. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

[Antecedentes criminais]

25. O arguido não tem antecedentes criminais.

[Factos pessoais, sociais e económicos do arguido]

I. O arguido tem 33 anos de idade, é solteiro e tem dois filhos, um com 2 anos e outro com 4 anos de idade.

II. O arguido tem o 12.º ano de escolaridade.

III.              O arguido é empregado de mesa na “A...”, auferindo o salário mínimo nacional.

IV.              O arguido vive com os pais na casa que é dos próprios, contribuindo para as despesas domésticas mensais com cerca de 150,00€ (cento e cinquenta euros).

V.               O arguido paga 200,00€ (duzentos euros) de pensão de alimentos aos dois filhos e 130,00€ (cento e trinta euros) da creche.

VI.              O arguido tem um carro de marca ..., de 2009, cuja prestação mensal do crédito do mesmo é de 151,00€ (cento e cinquenta e um euros), faltando dez anos para finalizar o pagamento.

VII.             O arguido tem despesas com combustível.

Mais resultou provado:

a. O arguido conduziu o veículo descrito em 1. com vista a dar boleia para casa, em ..., ao amigo, CC, a seu pedido, que se encontrava na fisioterapia em ....

b. O arguido admitiu parcialmente os factos, tendo confessado ter ingerido bebidas alcoólicas antes de conduzir o veículo descrito em 1., manifestando um sincero arrependimento pela conduta perpetrada.

c. O arguido, após o acidente, prontificou-se a auxiliar os intervenientes no acidente de viação, demonstrando preocupação com a saúde dos mesmos.

d. O arguido foi detido no dia 07-03-2022, pelas 19h11m, tendo sido libertado nesse mesmo dia às 20h45m.

e. O arguido foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, no dia 07-03-2022, às 19h11m.

(…)

3.3. Motivação da matéria de facto

O Tribunal formou a sua convicção, com vista à fixação da matéria de facto supra elencada, através da análise conjugada dos meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento.

Designadamente, chama-se à colação, quanto à prova pessoal:

- As declarações prestadas pelo arguido;

- Os depoimentos das testemunhas:

a. CC, passageiro do veículo com matrícula ..-ED-.., amigo do arguido;

b. DD, condutor de veículo que seguia atrás da viatura com matrícula ..-AT-..;

c. HH, militar da GNR ... que elaborou o auto de notícia e a participação do acidente de viação;

d. GG, militar da GNR ... que elaborou o relatório final e efetivou as diligências adjacentes;

e. EE, amigo do arguido que esteve presente no local do acidente;

f. II, amigo do arguido;

g. FF, amigo do arguido que esteve presente no local do acidente;

h. BB, condutora do veículo com matrícula ..-AT-...

Quanto à prova documental:

(…)

*

O arguido e as testemunhas foram confrontados com a imagem do Google Earth do local dos factos (cfr. atas da audiência de julgamento sob referências 89791488 e 89838854).

*

O arguido prestou declarações, admitindo parcialmente os factos de forma livre e espontânea, designadamente no que se reporta à concreta existência do acidente de viação, dos seus intervenientes, das condições e características da via em que exercia a condução, às lesões que se evidenciaram no passageiro do seu veículo, CC, e quanto ao facto de ter ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução do veículo em causa, tendo manifestado um sincero arrependimento por tal conduta (facto provado b.).

Desta feita, quanto aos factos descritos nos pontos 1. a 6., 9., 10., 11., 12., 14. E 19., dúvidas não restam a este tribunal quanto à sua ocorrência, pelo que os deu como provados, tanto é que os mesmos se encontram devidamente comprovados documentalmente pelo auto de notícia, de fls. 3 a 4, o talão de alcoolímetro, de fls. 5, o certificado de verificação Instituto Português da Qualidade, de fls. 6, a participação de acidente de viação, de fls. 22 a 25, o registo de ocorrência, de fls. 84, o auto de exame direto ao local, de fls. 120 a 121, o relatório final, de fls. 131 a 136, e o relatório de urgência hospitalar, de fls. 184 a 188.

Note-se que o auto de notícia, a participação do acidente de viação, o auto de exame direto ao local e o relatório final foram cabalmente corroborados e confirmados pelos depoimentos dos militares da GNR, respetivamente de ... e de ..., as testemunhas HH, e GG, que elaboraram os documentos em causa e melhor explicitaram em audiência de julgamento o seu conteúdo.

Em especial quanto ao depoimento da testemunha GG, que elaborou o relatório final que instrui o presente processo, ainda que tal documento não se apresente como um relatório pericial com as consequências de valoração inerentes, o seu depoimento é sopesado atendendo à sua notória experiência na matéria, por conta das funções que exerce enquanto militar da GNR, havendo evidenciado no seu depoimento objetividade e isenção na elaboração do respetivo relatório.

Quanto às lesões de CC (facto n.º 19), as mesmas também foram confirmadas pelo próprio no decurso do seu depoimento, havendo referido (tal como o arguido) que ficou internado na sequência das suas lesões.

No que toca às declarações do arguido, este tribunal considerou que as mesmas se apresentam verosímeis quanto à matéria supra descrita, tendo descrito o sucedido de forma espontânea e objetiva, contextualizado o motivo pelo qual estaria a conduzir no sentido em que estava com a situação de estar a dar boleia ao amigo CC, que se encontrava a fazer fisioterapia em ... e pediu ao arguido que o fosse buscar e levasse para casa (que fica em ..., onde o arguido também residia aquando dos factos), donde o tribunal considerou tal facticidade como provada (facto provado a.).

Quanto à concreta taxa de álcool no sangue apurada (facto n.º 12), tal resultou do talão de alcoolímetro e do certificado de verificação Instituto Português da Qualidade, onde, ao ser o arguido submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, se apurou a taxa registada de 1,79 g/l que, após dedução do valor do erro máximo admissível (cfr. artigo 8.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro, e tabela anexa à mesma), em favor do arguido, corresponde à taxa de álcool no sangue de 1,647 g/l.

Sobre o facto de ter ingerido bebidas alcoólicas o arguido disse que aquando dos factos tinha um bar, sendo que nesse dia estaria de folga, mas tinha ido na mesma para o bar, onde tinha estado a beber cerca de 7 ou 8 finos, sem ter almoçado. Referiu que não se sentia embriagado e se sentia tranquilo para conduzir.

Quanto a esta circunstância, a testemunha CC, que circulava no lugar do passageiro do veículo do arguido, referiu que não sabia que o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas e que não se apercebeu de tal situação aquando da condução daquele, porque iria a conduzir de forma completamente normal.

A testemunha JJ, que esteve no local do acidente após o mesmo, referiu que o surpreendeu o facto de o arguido estar com álcool, visto que o mesmo aparentava estar bem, tendo um comportamento normal.

Por sua vez, a testemunha FF, que também esteve no local do acidente após o mesmo, referiu que o comportamento do arguido era normal e que não notou que estivesse embriagado, estando sim no pico da adrenalina por ter acabado de ter um acidente.

Ora, todas as testemunhas acima mencionadas são amigas do arguido, pelo que necessariamente têm um claro interesse em que o presente processo se desfeche em seu favor. Contudo, ainda assim, não considerou o tribunal que as testemunhas não estivessem a dizer a verdade para favorecer o arguido, atendendo à forma espontânea como prestaram o seu depoimento, o que por si só não implica que se dê como provado que o álcool que o arguido havia ingerido não lhe tenha causado qualquer efeito sobre a sua condução, visto que, para tanto, não bastava que o arguido aparentasse não estar alcoolizado, estar tranquilo ou normal como referiram as testemunhas, mas a concreta demonstração de tal ausência de influência, o que não sucedeu.

Considera-se, assim, que as testemunhas e, bem assim, o arguido, relataram a sua concreta perceção quanto ao estado do arguido, o que não foi suficiente para convencer o tribunal sobre a ausência de influência da ingestão de bebidas alcoólicas na condução do arguido (vide infra em sede de fundamentação de direito, onde melhor se com concluirá sobre tal facticidade).

Agora, sobre a concreta dinâmica do acidente, duas versões foram trazidas em audiência de julgamento pelas pessoas que ao mesmo assistiram, uma primeira versão do arguido, amplamente corroborada pela testemunha CC que ia no lugar do passageiro, e outra trazida pela testemunha BB, a outra interveniente do acidente que conduzia o carro que embateu no carro do arguido, corroborada em grande parte pela testemunha DD, condutor do veículo que seguia atrás de BB e que, por essa razão, assistiu ao acidente em causa.

Note-se que as demais testemunhas não assistiram em concreto ao embate, pelo que aqui nesta sede não se convocam, atento o seu conhecimento direto dos factos, ou no caso, diga-se, a ausência dele (cfr. 128.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).

Ora, o arguido disse que o acidente em causa ocorreu porque o sol, que deveria estar a baixar, o encadeou, e quando se apercebeu já estava a embater no rail com a lateral esquerda do seu carro, havendo imobilizado de seguida a viatura, sendo que o carro que vinha nessa mesma faixa (o de BB) lhe veio a embater do lado direito. Referiu que o embate contra o rail foi de “rasgão”, não tendo resultado danos de maior no seu carro, nem lesões no próprio e no passageiro.

O arguido explicou que não conseguiu ter a perceção do sol e adequar a velocidade, tendo sido tudo de repente, não estando à espera de ver o sol.

Quando estava parado embatido no rail, travou e pôs uma mudança para o carro não se movimentar.

Referiu o arguido que vinha a cerca de 50/60 km/h e que vinha tranquilo a conversar com o seu amigo passageiro, pelo que foi por causa do sol que perdeu o controlo do veículo, embora não possa negar que o álcool que tinha ingerido pudesse ter influenciado, porque possivelmente os reflexos também poderiam estar afetados, contudo, se não se sentisse tranquilo não teria conduzido.

Disse o arguido que o seu embate contra o rail e o posterior embate de BB foram atos seguidos, sendo que quando viu o carro daquela a vir embater no seu, já estaria parado.

Explicou que o seu carro não se movimentou após o embate do veículo de BB, permanecendo no mesmo local onde estava, sendo o veículo daquela que rodou.

Quanto às condições atmosféricas diz que no dia do acidente estava sol, e não nublado, nem chuva.

O arguido conhecia muito bem a estrada em causa visto que ao tempo dos factos fazia aquele trajeto com frequência.

Referiu ainda que não tem ideia de o veículo de BB ter feito qualquer manobra para evitar o acidente.

Já a testemunha CC referiu que o sol, que estava a baixar, lhes bateu na cara quando iam a começar a fazer a curva e a subir, tendo ficado encadeados.

Segundo o mesmo, o arguido dirigia o carro de forma completamente normal, sem vir em velocidade exagerada, nunca se tendo apercebido que ele iria a conduzir após ter ingerido bebidas alcoólicas, situação que, de facto, desconhecia.

Quanto embateram no rail, foi quando se aperceberam e o arguido imobilizou logo o carro, sendo que de tal embate apenas resultaram alguns riscos no veículo. Após, só teve tempo de se agarrar quando viu o carro de BB a ir em direção a si. Referiu que, após o embate, o carro do arguido ficou no mesmo sítio, não se movendo, ao contrário do outro carro.

Referiu ainda que o veículo de BB não fez qualquer manobra para evitar o acidente e que haveria espaço suficiente na via para a mesma se desviar.

Quanto às condições atmosféricas diz que não estava muito nublado.

Do sobredito se verifica que a versão do arguido foi corroborada pela da testemunha, seu amigo que seguia consigo no veículo.

*

Por outra banda, BB disse que ia a pouca velocidade e que conhece bem a estrada por ser o percurso que faz todos os dias para o trabalho, nunca nada tendo acontecido até ao momento dos factos em causa nos autos.

Quando viu o carro do arguido despistar-se disse que ainda pensou em guinar para o sentido contrário, mas teve receio de causar outro acidente visto que era uma curva e teria pouca visibilidade. Referiu que também não travou porque teve igualmente receio que o carro do arguido fosse para cima do seu, visto que o seu veículo é baixo, pelo que simplesmente tirou os pés dos pedais e se segurou.

Disse que lhe parecia que o carro do arguido viria depressa, visto que, se não, teria travado. Quando viu o carro do arguido este já estaria completamente na sua faixa de rodagem, mas não o viu a passar da faixa de rodagem respetiva para a dela.

A testemunha disse perentoriamente que o carro do arguido estava em circulação aquando do embate, proferindo espontaneamente o seguinte: “eu não bati num carro parado”.

Explicou que o carro do arguido ficou encostado ao rail já depois do acidente.

Quanto às condições atmosféricas diz que estava nublado, mas não tinha chovido, não sabendo se haveria sol.

A testemunha considera que o limite da estrada em causa seriam 60 km/h.

Por sua vez a testemunha DD referiu que se deparou com uma viatura amarela (a do arguido) que se despistou e foi embater na viatura que ia à sua frente (a de BB), sendo que o senhor se conseguiu desviar de tal colisão.

A testemunha disse que viu surgir a viatura do arguido em despiste.

Referiu que não seria fácil para BB fazer qualquer manobra para se desviar do carro do arguido, mas que se apercebeu da mesma travar, porque viu as luzes de travagem acesas. Disse que BB não teve tempo de alterar a trajetória para evitar o embate.

Durante o trajeto que a testemunha fez atrás de BB, disse que a mesma adotou uma condução normal.

Quanto às condições atmosféricas diz que estava nublado e que tinha chovido de manhã, mas não pôde precisar se haveria algum raio de sol.

*

Ora, impõe-se agora extrair as devidas conclusões dos depoimentos/declarações prestados.

Cabe referir que, naturalmente, não é apenas pelo interesse que o arguido tem na causa que se valorará a verosimilhança das suas declarações, sendo que, de igual modo, o facto de a testemunha CC ser amigo do arguido não basta para não se considerar o seu depoimento como credível. Ambos prestaram um depoimento esclarecido e circunstanciado, com versões que se assemelharam.

Por outra via, tem-se que BB e, bem assim, a testemunha DD, não têm qualquer interesse na presente causa, visto que, designadamente no que respeita à primeira, esta não deduziu qualquer pretensão nos autos, nem sequer se constituiu como assistente, e quanto ao segundo, o mesmo não detém qualquer relação com os sujeitos processuais, apenas conhecendo o arguido por terem residido na mesma localidade. Os depoimentos das testemunhas foram, na medida da sua perceção e conhecimento, maioritariamente convergentes, havendo deposto de forma objetiva, perentória, circunstanciada, esclarecida e, portanto, credível.

Desta feita, impõe-se um acrescido juízo de valoração principalmente quanto a duas questões cruciais:

(1) Terá BB ido embater num veículo imobilizado, ainda que na sua faixa de rodagem, encostado e parado junto ao rail por aí ter embatido inicialmente, ou, ao invés, terá o veículo do arguido, em circulação, após se ter despistado e trasposto para a faixa de rodagem de BB, colidido frontalmente com o veículo da mesma, que não teve a possibilidade de adotar mecanismos de reação, desviando-se ou travando?

(2) Quais seriam as condições atmosféricas do momento do acidente? Estaria o céu nublado ou, ao invés, estaria sol que pudesse encadear o arguido e o passageiro?

Sobre a primeira questão, concatenando os depoimentos com a prova documental junta aos autos o tribunal, considera mais razoável e plausível a versão trazida pela testemunha BB e corroborada pela testemunha DD. Não se afigura crível que o veículo do arguido estivesse totalmente imobilizado junto ao rail e que BB lhe tivesse batido frontalmente, sem nesse caso se conseguir desviar.

Das fotografias juntas aos autos (fls. 110 a 112), donde se denota os estragos nos veículos em causa, percebe-se que a colisão terá sido frontal, em toda largura das frentes dos veículos, pelo que não será razoável cogitar que BB tenha ido bater de frente com o carro do arguido que se encontraria mais encostado à sua direita, na medida em que para tanto, ou o embate teria sido apenas com a parte direita do carro de BB na parte direita do carro do arguido (o que não se vislumbra das fotografias), ou aquela se teria de ter desviado para o limite direito da sua faixa de rodagem para ir embater no carro do arguido, o que não parece razoável e não vai ao encontro do trazido pela mesma e pela testemunha que seguia atrás de si.

Por outro lado, o facto de o estrago na parte lateral esquerda do veículo do arguido ter sido diminuto (fotografia a fls. 228) não significa por si só que o mesmo tenha embatido primeiro no rail e só depois BB com o mesmo ter colidido, tanto é que o próprio arguido referiu que o embate no rail foi de “rasgão”, donde decorre os diminutos danos na parte lateral do seu veículo.

Ademais, consta do relatório final, que aqui se valora atendendo à experiência funcional do Sr. Militar que o elaborou, a testemunha GG, que não existem marcas de derrape ou travagem no local, o que indicia que o despiste ocorreu rapidamente. Nada dos autos faz denotar que, na verdade, tal como refere o arguido e a testemunha que era o passageiro, existiram dois momentos estanques – aquele em que o arguido se despistou e embateu no rail e o momento posterior em que BB bateu no carro do arguido previamente imobilizado.

De tudo o relatado e da demais prova documental, o tribunal convenceu-se de que o despiste e a colisão se deram como atos contínuos, ou seja, o arguido despistou-se, transpôs a faixa de rodagem e deu-se uma colisão frontal entre o veículo do arguido e o de BB, que não teve tempo de adotar medidas para evitar o acidente, sendo que, de facto, o carro do arguido embateu no rail lateral, aí tendo ficado imobilizado após o acidente em causa. Tanto é que a testemunha que ia atrás do carro de BB e visualizou todo o acidente referiu perentoriamente que assistiu ao despiste do carro do arguido, ou seja, caso o carro do arguido estivesse previamente imobilizado na faixa de rodagem em que seguia o carro da testemunha, este não teria assistido ao despiste tal como expressou.

Com efeito, atendendo aos argumentos supra expostos, da concatenação da mencionada prova, o tribunal deu como provada a factualidade descrita nos pontos 13., 15., e 16. (…)

Quanto à questão do excesso de velocidade, tal como consta do relatório final, não foram realizados cálculos analíticos com vista a apurar a velocidade dos veículos em causa, por não existirem elementos para tal. Contudo, a questão da velocidade é muito relativa, visto que, ainda que o arguido não circulasse a velocidade exagerada atendendo aos limites impostos naquela via, não estaria certamente a circular a uma velocidade que lhe permitisse antecipar as dificuldades inerentes à via em causa e à envolvência atmosférica, tendo sucedido o despiste.

Para tanto, do relatório final consta que é aceitável o facto de o arguido estar a conduzir a velocidade excessiva, atendendo à deformação dos veículos intervenientes e à falta de marcas de travagem, sendo que, quanto a este aspeto, também a testemunha BB e a testemunha DD referiram que a sua perceção seria a de que o veículo do arguido viria em velocidade excessiva.

Daqui, o tribunal considera que, de facto, é verosímil que o arguido se encontrasse a conduzir a uma velocidade excessiva para as condições da via em causa, sendo que, ainda que fosse a 50/60 km tal como referiu, não sendo uma velocidade notoriamente exagerada, tal velocidade não foi adequada a evitar o despiste que ocorreu.

No que à segunda questão respeita, quanto às condições atmosféricas do momento, dúvidas não restam de que não estaria um dia de sol tal como referiu o arguido, ainda que estivesse bom tempo. Ademais, convenceu-se o tribunal que as condições de visibilidade e luminosidade da via seriam boas.

Para tanto, compulsa-se a certidão apresentada pelo IPMA, donde nada existe que ponha a sua veracidade e autenticidade em causa, que diz que no dia, hora e local do acidente em estudo, o céu estava muito nublado (sete oitavos de céu coberto) e que a visibilidade horizontal seria de moderada a boa. Neste âmbito, também das fotografias juntas aos autos se denotam tais condições atmosféricas, na medida em que se vislumbra um céu coberto quase na sua totalidade com nuvens, com luminosidade e visibilidade suficientes para a hora do dia em causa.

Da informação relativa à posição do sol, de fls. 97 a 100, e, bem assim, do relatório final, resulta a possibilidade de, atendendo à eventual posição do sol em relação ao local do acidente e, em concreto, em relação ao veículo do arguido quando este inicia a curva, podendo o raio solar ter surgido repentinamente, tal ser capaz de encadear o arguido. Contudo, esta possibilidade só se coloca se de facto existisse sol naquela altura, situação que não se afigura como provável e não ficou demonstrada, atendendo às informações prestadas pelo IPMA e as fotografias do acidente, donde decai igualmente a versão do arguido nesta matéria.

Neste conspecto, as testemunhas EE e FF, amigos do arguido, ambas presentes no local do acidente pouco tempo após o mesmo ter decorrido, conhecendo a estrada em causa por na mesma passarem várias vezes, referiram que existe a possibilidade, na sua ótica, de o arguido se ter encadeado, na medida em que em dias de sol tal eventualidade é comum naquele local. Não obstante, tal como acima já se referiu, haver sol no dia, hora e local do acidente, será uma conjetura muito remota atendendo às condições atmosféricas que se faziam sentir e se demonstram provadas.

Ainda assim, na eventualidade de, ainda que com o céu nublado em sete oitavos, existir um raio de sol no intermédio das nuvens que encadeasse o arguido, essa situação, por si só, não serve para, tal como necessariamente pretendido, excluir a sua responsabilidade, visto que decorre da experiência comum e da normalidade do acontecer que, se um condutor estiver em cumprimento rigoroso das mais elementares regras de condução, designadamente as respeitantes às velocidade e à não ingestão de bebidas alcoólicas, ainda é possível adequar a condução às adversidades atmosféricas existentes e, bem assim, às condições das vias, quando deficitárias, tanto é que, tal como referiu a testemunha EE, no local dos autos é comum o sol encadear, já se tendo deparado com essa situação várias vezes, não tendo mencionado qualquer acidente em que tenha sido interveniente nessas circunstâncias.

Do exposto, o tribunal considerou provada a factualidade vertida nos pontos 7. E 8., designadamente a respeitante às condições atmosféricas e de visibilidade no dia, hora e local dos factos.

Quanto às lesões na pessoa de BB decorrentes do acidente em causa, as mesmas foram corroboradas pela própria, constando de forma detalhada do relatório de urgência hospitalar, de fls. 178 a 180, pelo que o tribunal deu como provado o facto n.º 17. De igual forma foi corroborado pela testemunha BB os danos ocorridos no seu veículo, sendo que tal matéria consta documentalmente provada pelo relatório de peritagem, de fls. 142 a 161, tendo-se dado como provado, nesta decorrência, o facto n.º 18.

Do sobredito resulta necessariamente como provado o facto vertido no ponto 20., em concreto o referente ao nexo de causalidade entre a conduta do arguido e o acidente causado, bem como as consequências que do mesmo advieram para BB e CC. A este respeito importa igualmente atender, em conjugação com a demais prova pessoal e documental produzida e já referida, ao relatório final, de fls. 131 a 136 donde consta como “causa principal ou eficiente do acidente, o facto de o condutor do V1 [veículo do arguido] não ter adequado a velocidade às características do local, potenciada pela influência do álcool o que levou à perda do controlo do mesmo e consequente despiste, com invasão da via de trânsito contrária”. Ademais, do mesmo relatório consta que “o acidente poderia não ter acontecido se o condutor do V1 se tivesse apercebido dos sintomas característicos do estado de embriaguez e decidisse não conduzir”.

Neste conspecto, sobre a concreta influência e efeito da ingestão de bebidas alcoólicas no sucedido remete-se para o acima explicitado aquando da motivação do ponto 12.

De tudo o exposto, e ainda do que resulta das regras da experiência comum neste tipo de criminalidade, também decorre com clareza o elemento subjetivo do crime (factos n.ºs 21 a 24), na medida em que o arguido necessariamente representava as características que integram o tipo de ilícito em causa como possíveis e houve uma decisão de vontade do mesmo para a realização do ilícito-típico, mediante uma ação, conformando-se com tal.

(…)

4. Fundamentação de direito

(…)

4.1.2. Da agravação pelo resultado

Por sua vez, por via da remissão operada pelo n.º 3 do artigo 294.º do Código Penal, terá lugar uma agravação da punição se do crime de condução perigosa de veículo rodoviário resultar a morte ou a ofensa à integridade física grave, nos termos do artigo 285.º daquele diploma legal.

A este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-11-2007, processo n.º 05P3638, disponível em www.dgsi.pt, considerou que “sempre que, por causa do perigo concreto criado pela conduta do agente, ocorrerem a morte ou ofensas à integridade física de utentes das vias de circulação rodoviária, o crime do art. 291.º é agravado pelo resultado, por aplicação do art. 285.º, em face do disposto pelo art. 294.º, todos do CP”.

Nos termos do artigo 18.º do Código Penal “quando a pena aplicável a um facto for agravada em função da produção de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado pelo menos a título de negligência.”

Assim, a imputação do crime agravado pelo resultado parte da base de que o agente agiu com negligência na produção desse mesmo resultado.

O crime agravado pelo resultado é caracterizado por uma “conduta que, quer sob o ponto de vista do desvalor da ação, quer sob o ponto de vista do desvalor do resultado, é portadora de uma ilicitude intensificada, derivada de uma aptidão adicional da conduta para a lesão de um outro bem jurídico distinto daquele que primariamente foi lesado ou colocado em perigo pela conduta” (vide MONIZ Helena, Agravação pelo resultado, Contributo para uma autonomização dogmática do crime agravado pelo resultado, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 769, 771 e 792).

Pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-02-2021, processo n.º 381/16.4GAMMC.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que “o crime agravado pelo resultado deve ser entendido não como o crime preterintencional, em que o resultado agravante se soma à conduta base, exigindo-se ainda uma conduta base dolosa, a criação dolosa de um perigo de verificação de um resultado agravante, e a negligência relativamente a um resultado agravante, seja um crime de aptidão consumada dado que a conduta base cria não um resultado, como gera o perigo de outro resultado, do passo em que a conduta base é apta para a criação daquele perigo, aptidão esta confirmada na efetiva produção (negligente) do resultado agravante, que mais não é que a materialização do perigo criado”.

Os crimes agravados pelo resultado são, pois, aqueles cuja pena é agravada em função de um resultado causado pela conduta típica. Assim, além do nexo de causalidade entre a conduta típica e o resultado agravante, a lei exige que tal resultado agravante seja, pelo menos, imputável ao agente a título de negligência.

Com efeito, num crime agravado pelo resultado os elementos a considerar serão sucessivamente os seguintes: (1) o crime fundamental consumado; (2) o evento negligente – (2.1.) a causação do evento agravante; (2.2.) a criação de um risco não permitido/violação do dever de cuidado; (2.3.) nexo de risco e imputação objetiva com a representação do facto na sua expressão agravada (MIGUEZ GARCIA, M. e CASTELA RIO, J. M., ob. cit., p. 180).

*

Quanto à imputação do resultado a título de negligência , dispõe o artigo 15.º do Código Penal que “age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atuar sem se conformar com essa realização [negligência consciente]; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto [negligência inconsciente]”.

Seguindo o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 31-03-2009, processo n.º 3321/08-1, disponível em www.dgsi.pr, o preenchimento da tipicidade objetiva do crime negligente exige a verificação dos seguintes requisitos: a) A existência de um dever objetivo de cuidado; b) Uma ação ou omissão objetivamente violadora daquele dever; c) Um resultado típico; d) A imputação objetiva do resultado ao agente por sua vez exige que a ação ou omissão violadora do dever objetivo de cuidado seja adequada à produção do resultado, que o resultado pudesse ser evitável pela conduta adequada à observância do dever objetivo de cuidado e, ainda que o resultado caia no âmbito de proteção da norma”.

Quanto ao tipo de ilícito negligente, tem-se que este “considera-se preenchido por um comportamento sempre que este discrepa daquele que era devido em uma situação de perigo para bens jurídico-penalmente relevantes, para deste modo se evitar uma violação juridicamente proibida. O tipo de ilícito do facto negligente não deixa, assim, em caso algum, integrar-se completamente pela mera causação de um resultado. Para além disso torna-se indispensável que tenha ocorrido a violação, por parte do agente, de um dever de cuidado, que sobre ele impende e que conduziu à produção do resultado típico; e, consequentemente, que o resultado fosse previsível e evitável para o homem prudente, dotado das capacidades que detém o “homem médio” pertencente à categoria intelectual e social e ao círculo de vida do agente.” (DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal - Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 864).

Paula Ribeiro de Faria, sublinha que, embora o legislador penal nada diga acerca da medida do cuidado exigível ao agente, poder-se-á afirmar que aquela medida coincide com o necessário para evitar a ocorrência do resultado típico: “a afirmação de um tal dever de cuidado far-se-á caso a caso, em função das particulares circunstâncias da atuação do agente, constituindo auxiliares importantes nessa determinação as normas jurídicas que impõem aos seus destinatários específicos deveres e regras de conduta no âmbito de atividades perigosas (por exemplo, as normas de circulação rodoviária).” (FARIA, Paula Ribeiro de, ob. cit., p. 261).

Desta feita, o elemento estrutural da conduta negligente, no plano do desvalor da ação, é, assim, a violação do dever objetivo de cuidado, que corresponde à observância da exigência geral imposta a todos no sentido de adequarem as suas condutas aos padrões comportamentais que se vão estabilizando, provenham eles de normas legais ou da experiência comum. Para aferir a medida do dever de cuidado exigido há que tomar em consideração o exigível ao homem médio, medianamente diligente, prudente, do tipo social do agente, colocado no seu circunstancialismo concreto e com os conhecimentos particulares do mesmo, ou seja, pertencente à sua categoria social e intelectual.

No caso dos autos, atendendo a que a conduta do arguido foi praticada enquanto condutor de um veículo automóvel, a medida do dever objetivo de cuidado será, necessariamente, aferida pelas normas que regulam a circulação rodoviária, mais concretamente, o Código da Estrada. Contudo, adianta-se que tais normas fornecem tão-só indicações para a determinação da medida de cuidado que a sua violação indicia em medida elevada, visto que a observância de tais regras também não exclui necessariamente a negligência (MIGUEZ GARCIA, M. e CASTELA RIO, J. M., ob. cit., p. 147).

*

Conforme se explicitou, o artigo 285.º do Código Penal faz depender a verificação da agravação pelo resulta da verificação da morte ou ofensa à integridade física grave de outra pessoa, o que convoca, no caso, o regime instituído no artigo 144.º do Código Penal.

Ofensa à integridade física grave verifica-se quando a conduta do agente tem como consequência qualquer das hipóteses previstas no referido artigo 144.º do Código Penal, sendo relevante, no caso, a alínea d), por ser manifesto que não se verifica qualquer das demais.

O artigo 144.º, alínea d) do Código Penal pune a conduta de “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a (…) d) Provocar-lhe perigo para a vida”.

Neste sentido, “perigo é a probabilidade/possibilidade séria de dano, é o dano, a lesão em potência” (vide MIGUEZ GARCIA, M. e CASTELA RIO, J. M., ob. cit., p. 662).

O tipo objetivo exige um ataque ao corpo ou à saúde de outra pessoa, sendo que no caso, para preenchimento do tipo objetivo do ilícito, tal ataque terá de consubstanciar um potencial perigo para a vida do visado.

Por ataque ao corpo entende-se qualquer alteração ou perturbação da integridade corporal da vítima, incluindo “órgãos, os membros e os aparelhos implantados ou permanentemente ligados ao corpo da vítima (…), bem como a figura da vítima (…)” (ALBUQUERQUE, Paulo Pinto, ob.cit., p. 555).

Por lesão da saúde deve considerar-se “toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a” (FARIA, Paula Ribeiro de, ob. cit., p. 207).

4.1.3. Do caso concreto

Revertendo ao caso concreto, tendo presente a categorização dogmática levada a cabo e os factos provados nos presentes autos, afigura-se claro que o arguido, no dia 07 de março de 2022, pelas 17h25, conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros ... de matrícula ..-ED-.., sendo que, no sentido inverso, BB conduzia o veículo ligeiro de passageiros ... de matrícula ..-AT-... Na via em que seguia o arguido, o piso em betuminoso encontrava-se em deficiente estado de conservação e o traçado da via é em curva à direita e com declive ascendente.

No dia acima referido, o arguido havia consumido, ciente de tal, bebidas alcoólicas e, ainda assim, conduziu o referido veículo automóvel com um teor de álcool no sangue de 1,647g/l, correspondente à TAS registada de 1,79g/l após deduzida a margem de erro máximo admissível.

Em resultado do sobredito, ficou provado que o arguido não adequou a velocidade às condições e traçado da via onde circulava, designadamente atendendo a que o piso se encontrava em mau estado e a estrada em causa continha uma curva com declive ascendente, encontrando-se, assim, necessariamente, limitada a sua visibilidade.

O arguido, que havia ingerido bebidas alcoólicas, com as inerentes perturbações sensoriais e motoras que de tal ato advém, fez uma aproximação em velocidade excessiva à curva e, em consequência, perdeu o controlo do veículo que conduzia e fê-lo invadir totalmente a via de trânsito destinada ao sentido contrário, tendo o veículo de matrícula ..-ED-.. colidido contra os rails de proteção, após o que embateu com a frente do veículo de matrícula ..-AT-... Tal colisão ocorreu na via destinada ao trânsito do veículo de matrícula ..-AT-.. e BB não teve qualquer hipótese de imobilizar o seu veículo nem de evitar o embate.

Como consequência do referido embate, BB sofreu ferimentos provocados pelo impacto do veículo conduzido pelo arguido e pelo acionamento brusco do cinto de segurança e do airbag, nomeadamente toracalgias e dor na musculatura paravertebral lombar direita, e CC sofreu traumatismo toracoabdominal esquerdo com perfuração do pulmão, fratura de um dedo do pé esquerdo e de um dedo da mão direita, para além de outros ferimentos e fenómenos dolorosos, pelos quais ambos receberam tratamento médico no Centro Hospitalar e Universitário ....

Igualmente como consequência do referido embate, por força da violência do impacto do automóvel conduzido pelo arguido, o veículo de matrícula ..-AT-.., no valor de 5.000,00€ (cinco mil euros), foi declarado pela Seguradora como perda total.

Ao decidir conduzir na via pública sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas, o arguido representou como possível que se encontrava a realizar esta atividade com uma taxa de alcoolémia no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, após dedução do erro máximo admissível ao valor registado pelo alcoolímetro, conformando-se com aquela realização.

Quanto à ingestão das bebidas alcoólicas impõe-se algumas considerações acrescidas.

Ora, é consabido, correspondendo a dados da experiência científica, que a ação do álcool no sistema nervoso origina efeitos nefastos que prejudicam o exercício da condução.

Nomeadamente, têm-se como alguns dos efeitos da ingestão de bebidas alcoólicas, (1) a audácia incontrolada (estado de euforia, sensação de bem-estar e de otimismo, com a consequente tendência para sobrevalorizar as próprias capacidades, quando, na realidade, estas já se encontram diminuídas), (2) a perda de vigilância em relação ao meio envolvente, (3) a perturbação das capacidades sensoriais, particularmente as visuais - a presença de álcool no sangue reduz a acuidade visual e leva à alteração dos contornos dos objetos, quer estáticos, quer em movimento; a visão estereoscópica é prejudicada - ficando o condutor incapaz de avaliar corretamente as distâncias e as velocidades; a visão noturna e crepuscular fica reduzida; o tempo de recuperação após encandeamento aumenta; o campo visual vai diminuindo com a eliminação progressiva da visão periférica (lateral) podendo, com o aumento da intoxicação alcoólica, chegar à visão em túnel, situação em que a visão do condutor abrange única e exclusivamente um ponto à sua frente, reduzindo, assim, a fonte de informação contida no espaço envolvente -, (4) a perturbação das capacidades percetivas - aumento do tempo de reação, lentificação da resposta reflexa e diminuição da resistência à fadiga (cfr. O álcool e condução, Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária,              p.               4             e             5,            disponível              em http://www.ansr.pt/SegurancaRodoviaria/Informacao/Documents/Documentos/O%20% C3%81LCOOL%20E%20A%20CONDU%C3%87%C3%83O.pdf).

Ademais, “está demonstrado que é mais perigoso o condutor que ingeriu qualquer bebida alcoólica em quantidades pequenas ou moderadas do que o que está declaradamente embriagado. Este não tentará conduzir. O primeiro sim, está convencido que se encontra em ótimas condições, sobrestima as suas faculdades e inclina-se a correr riscos no preciso momento em que as suas capacidades se encontram reduzidas devido aos efeitos do álcool contido na bebida. O condutor sob o efeito do álcool muito dificilmente tem consciência das suas limitações. Contudo, mesmo com valores pouco elevados de TAS as capacidades necessárias para a condução segura se encontram diminuídas (tanto mais quanto maior for a intoxicação alcoólica) muito antes do estado de embriaguez ser atingido” (cfr. O álcool e condução, ob. cit. p. 5).

Do sobredito se conclui que, ainda que ocorra uma eventual mais comedida ingestão de bebidas alcoólicas, ou que o condutor, em abstrato, não se sinta limitado para conduzir ou, ainda, que não se encontre em notório estado de embriaguez, tal não obsta a que as suas capacidades de condução segura estivessem francamente influenciadas pela ingestão de bebidas alcoólicas, tal como, in casu, se verificaram estar pelo despiste do arguido e posterior colisão fontal.

Por outro lado, ainda que se cogite que as condições atmosféricas do momento e local do acidente possam ter contribuído para o despiste do arguido, designadamente por o mesmo se ter encadeado (ainda que tal matéria não tenha resultado provada nos presentes autos), considera o tribunal que o facto de o arguido haver ingerido bebidas alcoólicas, tal como acima melhor se enunciou, cortou a sua capacidade de agir em conformidade com o meio envolvente, adotando uma condução defensiva, por estar abalada a sua perceção e capacidade reativa.

Ademais, consta do talão de alcoolímetro que o arguido fez o exame de pesquisa de álcool no ar expedido às 19h11m, ou seja, cerca de duas horas após o acidente.

Da facticidade dada como provada, nada resulta dos autos no sentido de o arguido haver ingerido bebidas alcoólicas entre o momento do acidente e o exame efetuado.

Por outro lado, como se referiu, entre o acidente e o teste medeiam cerca de duas horas, donde decorre que o organismo do arguido já se encontrava na fase de eliminação química do álcool e não em fase de absorção, isto é, aquela entre a ingestão da última bebida alcoólica e a total absorção do álcool contido naquela. O fígado elimina o álcool concentrado no sangue a uma média de 0,15 g/l por hora (cfr. website da Prevenção Rodoviária Portuguesa, disponível em https://prp.pt/portfolio-items/alcool/), donde se conclui que à hora do acidente em causa nos autos a TAS do arguido seria ainda superior à registada duas horas depois, sendo que, notoriamente, quanto mais elevada a TAS, mais nefastos serão os efeitos do consumo de bebidas alcoólicas na condução.

Pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02-06-2009, processo n.º 2141/07. 4TAVIS.C1, disponível em www.dgsi.pt, que “o álcool ingerido sob a forma de bebida alcoólica é absorvido pela mucosa gástrica e intestinal para a corrente sanguínea (…) sendo depois distribuído por todo o organismo”. “Durante a absorção e distribuição aumenta a concentração de álcool no sangue segundo uma curva ascendente, cujo pico máximo é alcançado cerca de 45 minutos a 90 minutos após a última ingestão. Atingida a concentração máxima inicia-se uma curva descendente, menos acentuada, que corresponde à metabolização e eliminação e que demora várias horas”.

De tudo o exposto, dá-se por verificado o facto de o arguido se encontrar sob a influência do álcool aquando da facticidade acima descrita, não se encontrado em condições de conduzir em segurança.

Igualmente, dá-se por verificada a violação grosseira das regras de circulação rodoviária designadamente as relativas à adequação e regulação da velocidade de modo a que possa adotar, em condições de segurança, as manobras cuja necessidade seja de prever, às características e estado da via e às condições meteorológicas ou ambientais, e também as relativas ao especial dever de moderação da velocidade nas curvas, especialmente as de visibilidade reduzida, e nos troços de via em mau estado de conservação, como seria o caso.

Acrescenta-se que as normas de circulação rodoviária violadas acima elencadas têm por finalidade evitar a causação de danos à vida e à integridade física, situando-se o resultado causado nos presentes autos no âmbito de proteção de tais normas.

Ora, em suma, o arguido conduziu um veículo automóvel, na via pública, sob o efeito e a influência do álcool. A ingestão prévia de bebidas alcoólicas perturbou necessariamente a perceção do arguido do meio envolvente, implicou que o mesmo conduzisse de forma temerária e imprudente, em velocidade excessiva e inadequada às condições e traçado da via em que circulada, em resultado do qual perdeu o controlo do veículo que conduzia e invadiu a via destinada ao trânsito em sentido oposto, ali circulando e atravessando-se à frente do veículo ... de matrícula ..-AT-.., lesando a integridade física da condutora do mesmo e, bem assim, provocando danos na sua viatura, que valendo 5.000,00€ (cinco mil euros), foi declarada pela Seguradora como perda total. Ademais, da sobredita conduta resultou igualmente a lesão da integridade física do passageiro que com o arguido circulava.

Quanto à imputação objetiva do resultado à conduta do agente, dúvidas não restam, face a tudo o exposto, que resulta evidente que a conduta perpetrada pelo arguido acima descrita foi causa adequada do resultado sucedido, designadamente do acidente em causa e das lesões e danos daí decorrentes (cfr. artigo 10.º do Código Penal). Ou seja, a ação do arguido criou um risco juridicamente relevante para os bens jurídicos protegidos, concretizando-se no resultado típico, nada resultando da facticidade provada que interrompa o desvirtue tal nexo causal.

Destarte, agiu o arguido com dolo eventual na medida em que representou e previu como possíveis as características que integram o tipo de ilícito em causa, isto é, previu o resultado como consequência possível da sua conduta, e, mesmo assim, levou a conduta a cabo, conformando-se com a realização do ilícito-típico (cfr. artigo 14.º, n.º 3 do Código Penal). Por sua vez, agiu ainda o arguido de forma livre e com consciência da ilicitude do seu ato (cfr. artigo 17.º do Código Penal).

Tendo o arguido agido dolosamente e não emergindo da factualidade considerada provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, mostrando-se preenchido, quer o tipo objetivo, quer o tipo subjetivo de ilícito do mencionado tipo legal de crime, forçoso é concluir ter sido o arguido autor (artigo 26.º do Código Penal) do crime de condução perigosa de veículo rodoviário que lhe vem imputado, previsto e punido pelas aludidas disposições legais.

*

Cumpre agora apurar se o crime praticado pelo arguido está sujeito à agravação pelo resultado nos exatos termos descritos acima.

Assim, tal como já se explicitou, importa verificar do preenchimento dos seguintes requisitos:

(1) o crime fundamental consumado;

(2) o evento negligente:

(2.1.) a causação do evento agravante;

(2.2.) a criação de um risco não permitido/violação do dever de cuidado;

(2.3.) nexo de risco e imputação objetiva com a representação do facto na sua expressão agravada.

No que respeita ao primeiro, acima já se concluiu pela verificação do crime fundamental na forma consumada, isto é, foi o arguido autor, na forma consumada, do crime de condução perigosa de veículo rodoviário.

Quanto ao evento negligente, inicialmente ter-se-á que avaliar da causação do evento agravante, que, in casu, será a ofensa à integridade física grave, ou seja, a ofensa do corpo ou saúde de outra pessoa por forma a criar-lhe perigo para a vida (cfr. artigo 144.º, alínea d) do Código Penal).

Ora, dúvidas não restam de que resultaram em BB lesões e CC lesões na sua integridade física, contudo, no que tange a saber se tais lesões se podem considerar como sendo graves para efeitos de preenchimento do tipo objetivo, já questões se colocam.

Sobre BB, esta sofreu ferimentos provocados pelo impacto do veículo conduzido pelo arguido e pelo acionamento brusco do cinto de segurança e do airbag, nomeadamente toracalgias e dor na musculatura paravertebral lombar direita.

Considera-se que as lesões supramencionadas não serão, por si só, provocadoras de perigo para a vida.

Já quanto às lesões de CC, este sofreu traumatismo toracoabdominal esquerdo com perfuração do pulmão, fratura de um dedo do pé esquerdo e de um dedo da mão direita, para além de outros ferimentos e fenómenos dolorosos.

Perante tais lesões, e atendendo ao grau da sua gravidade, denota-se que, principalmente o traumatismo toracoabdominal esquerdo com perfuração do pulmão será, em abstrato, propenso à possibilidade séria do dano morte, sendo que, por conta de tais lesões, CC ficou internado no Centro Hospitalar e Universitário ....

Assim, considera-se que, pelo menos quanto a CC, as lesões sofridas pelo mesmo implicam o preenchimento do tipo objetivo da ofensa à integridade física grave, donde se retira a causação do evento agravante.

Agora no que respeita à violação do dever de cuidado, note-se que o incumprimento de normas como as de circulação rodoviária, onde necessariamente se inserem as respeitantes à ingestão de bebidas alcoólicas e adequação da velocidade ao meio envolvente, não obstante constituir um indício da violação do dever objetivo de cuidado, não determina, por si só, uma resposta afirmativa quanto à questão atinente ao desrespeito, por parte do agente, daquele dever objetivo, assumindo um peso fundamental a específica configuração do caso concreto.

No caso em apreço, atendendo à manifesta violação das normas estradais, principalmente por referência a que o arguido, deliberadamente, optou por conduzir bem sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas e as consequências que daí poderia advir, tendo por referência o exigível ao homem medianamente diligente do tipo social do arguido, colocado no seu circunstancialismo concreto e com os conhecimentos particulares          do      mesmo,        considerando           terem       sido       atingidos         bens       jurídicos eminentemente pessoais e atendendo à gravidade das consequências do acidente, inquestionável se afigura a conclusão de que o arguido violou, com a sua conduta, o dever objetivo de cuidado que sobre si impendia, enquanto condutor de um veículo a motor na via pública.

Finalmente, e para que esteja completo o raciocínio da agravação do crime fundamental pelo resultado, cumpre determinar se é possível imputar o resultado lesivo produzido à conduta do agente, de acordo com um juízo de previsibilidade objetiva.

Nesta operação, sempre se terá de partir da figura do condutor medianamente cauteloso, que conduza o tipo de veículo conduzido pelo agente, havendo, ainda, que tomar em consideração os particulares conhecimentos do arguido.

No caso decidendo, a lesão do bem jurídico integridade física, aos olhos de qualquer condutor medianamente diligente, surge como uma consequência previsível e normal do desrespeito de normas de circulação rodoviária do teor das acima aludidas, pelo que é de imputar o resultado lesivo produzido à conduta do arguido.

Por fim, considerasse que era exigível ao arguido que adotasse um comportamento conforme à ordem jurídico-penal, que este, não obstante, omitiu, por não se ter abstido de conduzir após ingerir bebidas alcoólicas e nessa sequência, não ter adotado um comportamento defensivo no âmbito da condução atendendo às condições da via em que circulava.

Considera-se, assim, que, quanto ao evento agravante, o arguido atuou negligentemente, na medida em que, não procedendo com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, não chegou a representar a possibilidade de realização do evento agravante, ainda que devesse e pudesse ter previsto as consequências, não reconhecendo o perigo ao considerar que estaria nas suas plenas capacidades para conduzir em segurança, adotando uma condução normal e tranquila, na sua perspetiva, donde se considera que o arguido atuou com negligência inconsciente (cfr. artigo 15.º, alínea b) do Código Penal).

Tendo o arguido agido com negligência e não emergindo da factualidade considerada provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, mostrando-se preenchido, quer o tipo objetivo, quer o tipo subjetivo inerentes à agravação pelo resultado e os demais pressupostos legais, forçoso é concluir ter sido o arguido autor do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, agravado pelo resultado lesão da integridade física grave que lhe vem imputado, previsto e punido pelas aludidas disposições legais.

(…)

Vejamos agora a pena concreta a aplicar, tendo presente o acima explicitado.

A moldura penal abstratamente aplicável ao crime em causa, corresponde a uma pena de multa de 13 (treze) a 480 (quatrocentos e oitenta) dias.

Quanto às exigências de prevenção, remete-se para as considerações tecidas supra em sede de escolha da pena, consagrando tão-só que, a prevenção geral se tem como muito elevada e a especial se configura como diminuta.

Nesta sede temos então, ainda, que tomar em consideração os seguintes fatores:

- O grau de ilicitude do facto que se apresenta como elevado (considerando que a taxa de álcool no sangue era, no mínimo, de 1,64 g/l, e que o arguido desrespeitou várias regras estradais, violando as mesmas de forma grosseira).

- O modo de execução do crime assume uma relevância diminuta (tendo em conta que os factos em causa não se afastam do modo típico de revelação de delitos da mesma espécie, tendo-se apenas apurado que, antes de conduzir, o arguido ingeriu bebidas alcoólicas, sentindo-se bem para conduzir, não percecionando as consequências que tal ingestão causariam, como causaram, na sua condução, com nefastas consequências para terceiros, violando normas estradais e não conduzindo com a prudência necessária a evitar sinistros).

- A gravidade das consequências do crime mitiga em desfavor do arguido, visto que o mesmo se despistou, provocando uma colisão frontal com outro veículo, donde resultaram lesões graves na integridade física do passageiro que consigo ia e, igualmente, lesões na condutora do veículo com o qual colidiu, sendo que tal veículo foi declarado como perda total.

- A culpa do arguido, ao refletir a consciência da ilicitude do facto, situa-se no nível mediano (atendendo ao grau de censurabilidade da atitude interna e personalidade manifestadas no facto).

- O dolo do arguido, tendo agido com dolo eventual, apresenta-se na forma menos intensa de dolo, sendo de relevar que quanto ao resultado lesão da integridade física grave, agiu o arguido em negligência inconsciente.

- As condições socioeconómicas do arguido têm-se como favoráveis na medida em que o mesmo tem 33 anos de idade, é solteiro e tem dois filhos, um com 2 anos e outro com 4 anos de idade, tem o 12.º ano de escolaridade, é empregado de mesa na “A...”, auferindo o salário mínimo nacional, vive com os pais na casa que é dos próprios, contribuindo para as despesas domésticas mensais com cerca de 150,00€ (cento e cinquenta euros), paga 200,00€ (duzentos euros) de pensão de alimentos aos dois filhos e 130,00€ (cento e trinta euros) da creche, tem um carro de marca ..., de 2009, cuja prestação mensal do crédito do mesmo é de 151,00€ (cento e cinquenta e um euros), faltando dez anos para finalizar o pagamento.

- A ausência de antecedentes criminais prévios à prática do facto objeto dos autos, é de valorar positivamente.

- Quanto aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, da facticidade provada é possível extrair que o arguido praticou os factos quanto ia dar boleia a um amigo que se encontrava na fisioterapia, que lhe pediu o favor.

- A conduta processual do arguido é valorada, na medida em que admitiu parcialmente os factos quanto à ingestão de bebidas alcoólicas antes da condução, revelando arrependimento sincero quanto a tal.

Olhando ao contexto enunciado, ponderando as exigências de prevenção geral e especial ajustadas ao caso vertente e a culpa do agente, entende o tribunal fixar, ao arguido AA, a pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, a qual, após desconto de 1 (um) dia de detenção nos termos do artigo 80.º, n.º 2, do Código Penal, se fixa em 249 (duzentos e quarenta e nove) dias.

(…)

4.2.4. Da pena acessória de proibição de conduzir

Determinada que está a concreta pena principal aplicada ao arguido, cabe aferir da medida da pena acessória de proibição de conduzir pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

*

As penas acessórias aplicam-se conjuntamente com uma pena principal ou de substituição, com o objetivo de complementar a satisfação das exigências de prevenção. Ligam-se, necessariamente, à culpa do agente, justificando-se de um ponto de vista preventivo e sendo determinadas concretamente em função dos critérios gerais de determinação da medida da pena previstos no artigo 71.º do Código Penal, a partir de uma moldura que estabelece o máximo e o mínimo de duração.

Dispõe o artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal que “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos” quem for punido por crime previsto no artigo 292.º do mesmo diploma legal.

Ora, tendo o arguido praticado um crime de condução em estado de embriaguez, deve o mesmo ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, porquanto os factos praticados revestem uma grave violação das regras inerentes à circulação rodoviária.

Cabe referir a este respeito o Assento n.º 5/99 (publicado no Diário da República 167/99 SÉRIE I-A, de 1999-07-20) que fixou jurisprudência no sentido de “o agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.”

No que tange à operação de determinação da medida concreta de tal pena acessória faz-se, como se disse, por via dos critérios do artigo 71.º do Código Penal, “com a ressalva de que a finalidade a atingir é mais restrita, na medida em que a tal pena acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, revelada na gravidade do facto praticado” (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12-09-2022, processo n.º 31/12.8PAACB.C1, disponível em www.dgsi.pt).

 (…)

Face ao que ficou acima referido em relação ao juízo de aferição de medida concreta da pena a aplicar ao arguido pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravada pelo resultado, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, sendo a conduta do arguido merecedora de um juízo de censura, o tribunal entende como justa, adequada e proporcional a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor ser fixada em 1 (um) ano, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

De facto, o limite mínimo da pena acessória não se afigura adequado à concreta conduta do arguido que não se coibiu de conduzir um veículo após a ingestão de bebidas alcoólicas que lhe provocaram uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l e que conduziu o veículo violando as regras de circulação rodoviária, com consequências graves para terceiras pessoas que viram a sua integridade física afetada e, bem assim, o seu património, em consequência da conduta do arguido.

Deve, assim, a pena acessória situar-se acima do limite mínimo legal, concretamente em 1 (um) ano, por tal corresponder à medida da perigosidade do arguido manifestada nos factos. (…)»


*

III.

QUESTÕES A DECIDIR


… ([1]).

            Assim, são as seguintes as questões a decidir:
a) Impugnação da matéria de facto e consequente qualificação dos factos como um crime de condução em estado de embriaguez;
b) Preenchimento dos elementos do crime de condução perigosa de veículo;
c) Agravação pelo resultado;
d) Medida concreta da pena de multa; e
e) Medida da pena acessória aplicada.


*

IV.

APRECIAÇÃO DO RECURSO



1. Impugnação da matéria de facto

Na motivação recursiva, o arguido afirma ter o tribunal a quo incorrido em erro de julgamento ao dar como provados os factos descritos nos pontos 13, 14, 15 e 20, sindicando para o efeito a valorização dos meios de prova efetuada pelo tribunal recorrido.

Encontramo-nos no âmbito do recurso amplo da matéria de facto, a que alude o art. 412º do Código de Processo Penal.

Neste caso, o recorrente tem de se socorrer das provas examinadas na audiência da primeira instância, devendo especificar, sob pena de rejeição:

- os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados;

- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e

- as provas que devem ser renovadas (artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal).

            Quando as provas tenham sido gravadas, a referida especificação deve efetuar-se por referência ao consignado em ata (quanto ao meio de prova registado, seu início e termo), devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação (artigo 412º, nº4, do Código de Processo Penal).

O motivo inerente a tais exigências recursivas encontra justificação plena no âmbito jurisdicional atribuído ao tribunal de recurso.  

            Na verdade, o julgamento da matéria de facto em primeira instância obedece a princípios estabelecidos na lei para potenciar a descoberta da verdade histórica a partir dos meios de prova que a representam. É aqui preponderante o princípio da imediação na produção da prova, que visa assegurar a existência de uma relação de contacto pessoal e direto entre o julgador e a prova cognoscível.

            Na segunda instância, a reapreciação da matéria de facto faz-se, em regra, sem imediação, com a audição das provas registadas cuja análise tenha sido sugerida no recurso, estando dependente do impulso dos sujeitos processuais a renovação da prova – artigos 412º nºs 3 a 6 e 417º nº 7 al. b) do Código de Processo Penal.

            Por isso, e em regra, a avaliação da prova em primeira instância, feita de forma direta, oral e imediata obedece a uma forma de procedimento que coloca o juiz do julgamento em melhores condições para a decisão da matéria de facto do que a avaliação feita com base na audição (sequer visualização) do registo, meramente parcial (porque despido de qualquer manifestação física, expressional, dos comportamentos humanos valorizados), de provas de produção pretérita. 

            A reapreciação da prova em recurso não pode e não deve, por isso, equivaler a um segundo julgamento. O duplo grau de jurisdição não assegura a sujeição da acusação a dois julgamentos em tribunais diferentes, mas apenas garante que o interessado possa obter do tribunal superior a fiscalização e controlo de eventuais erros da decisão da matéria de facto através do reexame parcial da prova.

            Por outro lado, o julgamento da matéria de facto está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal, princípio válido para o julgamento em primeira instância como para a verificação de eventuais erros de julgamento na Relação, de acordo com o exame crítico da prova - que não deixa de estar vinculado a critérios objetivos jurídico-racionais e às regras da lógica, da ciência e da experiência comum.

            Concluindo, só haverá erro de julgamento da matéria de facto, suscetível de ser modificado em sede de recurso, naquelas situações em que o recorrente consiga demonstrar que a convicção do tribunal de primeira instância sobre a veracidade de certo facto é inadmissível (não é sustentada em dados objetivos) ou que existem outras hipóteses dadas pelas provas tão ou mais plausíveis do que aquela adotada pelo tribunal recorrido ([2]).

Passando a apreciar a impugnação efetuada, atentos os requisitos enunciados:

Ø Factos provados em 13 e 14:

13. Também em resultado disso, o arguido não adequou a velocidade às condições e traçado da via onde circulava, fez uma aproximação em velocidade excessiva à curva e, em consequência, perdeu o controlo do veículo que conduzia e fê-lo invadir totalmente a via de trânsito destinada ao sentido contrário.

14. Em consequência da conduta do arguido, o veículo de matrícula ..-ED-.. colidiu contra os rails de proteção, após o que embateu com a frente do veículo de matrícula ..-AT-...

Como meios de prova para concluir de forma distinta, o recorrente indica os seguintes:

Ø Declarações do arguido, que declarou circular a 50-60 kms/h (não se encontrando provada a velocidade a que seguia) e ter sido embatido pela ofendida quando o veículo se encontrava já imobilizado, após ter ficado encandeado com o sol e embater nos rails;

Ø Depoimento da testemunha CC, que seguia no veículo conduzido pelo arguido e confirmou as declarações do arguido, afirmando ter ficado também encandeado com o sol e sobrar espaço na via para a condutora do outro veículo passar sem embater no carro onde seguia.

Após referir estas declarações, o recorrente invoca o resumo efetuado na sentença dos depoimentos prestados pelas testemunhas BB e DD, vinca as contradições verificadas entre os dois depoimentos, em pormenores relativos ao local onde inicialmente avistou a condutora do veículo ..., o avistamento do veículo do arguido e o facto de a condutora do AT ter ou não travado o veículo antes do embate.

Ø Croquis de fls. 44 e fotografias de fls. 46 e 98 a 100, donde extrai que o embate se deu na frente direita do veículo do arguido, e não em toda a parte frontal;

Ø Fotografias de fls. 117 e ss. e as juntas em audiência de julgamento, donde extrai que o arguido não seguia a velocidade excessiva na aproximação da curva.

Ø Depoimento da testemunha GG, militar da GNR que admitiu como possível o encandeamento do arguido naquele local.

Da conjugação destes meios de prova pretende que se conclua que a versão dos factos mais verosimil foi a relatada pelo arguido e testemunha CC e não a versão apresentada pela testemunha BB.

Ora, todos os meios de prova invocados como fundamento para a impugnação da factualidade transcrita (dinâmica do acidente) foram considerados, escalpelizados e confrontados na sentença, de forma cuidada e amplamente fundamentada. Desde logo, as contradições apontadas não têm a virtualidade de retirar por si credibilidade aos depoimentos das testemunhas BB e DD, pequenas contradições de pormenor que também encontramos entre os depoimentos do arguido e do seu acompanhante – e que o recorrente não refere. Pese embora as naturais imprecisões entre os depoimentos, que são conformes à memória de qualquer ser humano, certo é que as mesmas não são suficientes para contrariar a credibilidade atribuída aos seus autores pelo tribunal a quo.

Como é sabido, a perceção da espontaneidade e confiabilidade de um depoimento só é conseguida na sua plenitude com a oralidade e imediação, alcançada na primeira instância. Na verdade, “…o testemunho não é a exata reprodução de um fenómeno objetivo, porque é modificado pela subjetividade da testemunha, e se, por isso, duas testemunhas dificilmente podem prestar depoimentos idênticos, deduzir da diversidade que se nota na sua acareação, que uma delas deva, necessariamente, estar de má fé, é um erro.

Efetivamente, às vezes, um depoimento sem lógica, contraditório, é considerado pouco fiel, porque se julga que a testemunha não se recorda bem, ou então insincero, ao passo que os testemunhos correntes dão uma impressão de fidelidade e veracidade, e pode ser o contrário, provindo o primeiro de uma dificuldade em se exprimir, ou de um fenómeno de timidez, ao passo que a naturalidade do segundo pode derivar de uma hábil preparação (…) Há, portanto, um certo coeficiente pessoal na perceção e na evocação mnemónica, que torna, necessariamente, incompleta a recordação, de forma que não há maior erro que considerar a testemunha como uma chapa fotográfica, deduzindo de não ser completo o seu depoimento que ela é reticente” ([3]).

Assim, a convicção do julgador, quando consentânea com a experiência comum, nunca poderá ser substituída pela convicção de outrem (art. 127º do Código de Processo Penal).

Não se vislumbra que o raciocínio vertido na sentença de forma clara e assente na prova produzida quanto à factualidade objeto de impugnação seja contrária à experiência comum. Antes pelo contrário: nas páginas 17 a 19 da sentença mostra-se efetuada uma concisa e convincente análise da prova, extraindo da mesma as respostas às questões fácticas controvertidas após aplicação do princípio da livre apreciação das provas plasmado no art. 127º do Código de Processo Penal.

Ora, o tribunal a quo conclui da seguinte forma: “De tudo o relatado e da demais prova documental, o tribunal convenceu-se de que o despiste e a colisão se deram como atos contínuos, ou seja, o arguido despistou-se, transpôs a faixa de rodagem e deu-se uma colisão frontal entre o veículo do arguido e o de BB, que não teve tempo de adotar medidas para evitar o acidente, sendo que, de facto, o carro do arguido embateu no rail lateral, aí tendo ficado imobilizado após o acidente em causa. Tanto é que a testemunha que ia atrás do carro de BB e visualizou todo o acidente referiu perentoriamente que assistiu ao despiste do carro do arguido, ou seja, caso o carro do arguido estivesse previamente imobilizado na faixa de rodagem em que seguia o carro da testemunha, este não teria assistido ao despiste tal como expressou”.

O que o recorrente pretende com a sua extensa motivação recursiva é substituir a sua convicção à convicção formada pelo julgador, o que manifestamente não pode fundar uma impugnação da matéria de facto. Constituindo a versão assente pelo tribunal a quo uma das soluções plausíveis para a questão controvertida, não indicando o recorrente outras provas para além das analisadas e confrontadas na sentença, impõe-se claramente a manutenção da factualidade assente.

            Não impugna o recorrente os factos provados sob os pontos 15 e 20 de forma separada, integrando-os na impugnação deduzida quanto aos factos 13 e 14, nada mais se nos oferecendo acrescentar ao já referido.

              

Improcede, com os fundamentos expostos, a deduzida impugnação da matéria de facto.


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Por último, cabe referir não incorrer a sentença proferida em qualquer dos vícios descritos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal (que, aliás, não foram invocados), encontrando-se a matéria de facto bem fundamentada, sendo totalmente apreensível e compreensível a correspondência entre os factos provados e a sua fundamentação, e não decorrendo da sentença qualquer erro na apreciação da prova, porquanto o tribunal recorrido efetuou uma apreciação da prova de forma crítica, criteriosa e racional, tendo fundamentado os factos provados nas regras da experiência, da lógica e da ciência, em cumprimento do princípio da libre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do Código de Processo Penal.

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2. Preenchimento dos elementos do crime de condução perigosa de veículo:

Defende o recorrente arguido não se encontrarem preenchidos todos os elementos do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal, por efetuar uma condução normal e tranquila, ter entrado na curva em velocidade moderada e dever-se o despiste ao facto de ter ficado encandeado pelo sol.

Mais invoca a culpa da condutora do outro veículo interveniente no acidente na sua produção, por não se ter desviado ou travado para tentar evitar o acidente, o que estaria ao seu alcance.

Vejamos:

Estabelece o art. 291º, n.º 1, do Código Penal:

«1 - Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada:

a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou

b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em autoestradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em autoestradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita;

e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.»

Desde logo, não logrou o recorrente alterar a factualidade dada como provada na sentença, soçobrando os argumentos fácticos em que assenta a sua pretensão. Assim, encontra-se provado que o recorrente efetuou uma aproximação à curva em velocidade excessiva (considerando as condições e traçado da via onde circulava), perdeu o controlo do veículo que conduzia e invadiu totalmente a via de trânsito destinada ao sentido contrário; que colidiu com os rails de proteção e após com a frente no veículo conduzido por BB, que não teve hipótese de evitar o embate; e que o arguido conduzida o automóvel com uma TAS de 1,647 g/litro, o que determinou que conduzisse de forma temerária e imprudente e, assim, o acidente.

Tendo em conta esta factualidade, dúvidas não há que se encontram preenchidos todos os elementos típicos do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, nos termos amplamente escalpelizados na sentença, do ponto de vista doutrinário e aplicado ao caso concreto.

Na verdade, o crime em causa é um crime de perigo concreto, mostrando-se preenchidas as duas ações de perigo (não cumulativas) previstas na norma incriminadora: o recorrente conduzia em estado de embriaguez, com violação grosseira das regras de circulação rodoviária, designadamente por não ter cumprido a obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita e não ter adequado a velocidade do veículo às condições da via (velocidade relativa). Para obstar a esta conclusão impunha-se a prévia alteração da matéria de facto provada, pressuposto de que o recorrente parte, mas que não logrou obter neste recurso.

Tanto basta para que o recurso seja nesta parte igualmente improcedente.


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3. Agravação pelo resultado

O arguido foi condenado pela prática do crime referido agravado pelo resultado, nos termos dos arts. 285º e 144º, al. d), do Código Penal, ou seja, por ter a sua conduta provocado, em concreto, perigo para a vida de outrem.

Importa notar que para a lesão integrar esta circunstância agravante se exige que a lesão provocada implique uma probabilidade grave e imediata de levar à morte da vítima, tratando-se de um conceito duplamente dependente de um critério médico e do senso comum: “o que conta é o perigo de vida in concreto fundamentado no aparecimento de sinais e sintomas de morte próxima, relacionados diretamente com a lesão resultante da ofensa” ([4]). Encontram-se nesta situação, entre outras, as ofensas que causem coma, septicémia, traumatismos crânio-encefálico relevante ou as que resultam de ferimentos penetrantes nas cavidades toráxica ou abdominal.

Em suma, exige-se que o bem jurídico vida da vítima tenha sido colocado efetivamente em perigo, não sendo suficiente a mera adequação abstrata do meio lesivo utilizado para provocar a morte da vítima – não se exigindo, no entanto, que a situação de perigo seja permanente ([5]).

Na sentença sob recurso, foi afastado o preenchimento da qualificativa quanto à vítima BB, mas considerado verificado na pessoa da vítima CC.

Na verdade, consta dos factos provados que CC sofreu “traumatismo toracoabdominal esquerdo com perfuração do pulmão”, lesão esta donde foi extraído o perigo de vida desta vítima.

Ora, tendo em conta que para se verificar o perigo de vida é necessário que da matéria de facto provada resulte um perigo atual, sério e efetivo (em contraponto com o perigo remoto ou presumido), reconhecido por sintomas objetivamente demonstráveis, não bastando uma probabilidade mediata ou condicionada a possíveis complicações ([6]), é manifesto que o mesmo não resulta dos factos provados relativos às lesões sofridas por CC.

Na realidade, pese embora a possibilidade abstrata de uma perfuração do pulmão poder causar perigo para a vida, consta do facto provado em 19 que CC “recebeu tratamento médico no Centro Hospitalar e Universitário ... e lá, de seguida, foi internado”. Nada mais.

Concluimos, desta forma, não preencher a conduta do recorrente a agravante a que se refere o art. 144º, al. c), do Código Penal, aplicável por força dos arts. 294º, n.º 3, e 285º do Código Penal – incorrendo o arguido na prática de um crinme de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, n.º 1, al.s a) e b), do Código Penal.

Procede, nesta parte o recurso interposto.


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4. Pena concreta (tendo em conta a nova qualificação operada)

O recorrente foi condenado na pena concreta de 250 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, numa moldura abstrata de 1 (um) mês e 10 (dez) dias a 4 (quatro) anos de prisão ou, alternativamente, na pena de multa de 13 (treze) a 480 (quatrocentos e oitenta) dias – moldura esta aplicável ao crime agravado.

Considerando a qualificação juridica agora efetuada, o crime é punível com pena de muçta de 10 a 360 dias, nos termos dos arts. 291º, n.º 1, e 47º, n.º 1, do Código Penal (não estando em causa neste recurso a opção pela aplicação da pena não privativa da liberdade efetuada na sentença).

Defende o recorrente que a pena concreta se deveria situar em 180 dias de multa, atendendo ao grau de culpa e às circunstâncias atenuantes elencadas na sentença.

Ora, na sentença foram consideradas os seguintes factores:

«- O grau de ilicitude do facto que se apresenta como elevado (considerando que a taxa de álcool no sangue era, no mínimo, de 1,64 g/l, e que o arguido desrespeitou várias regras estradais, violando as mesmas de forma grosseira).

- O modo de execução do crime assume uma relevância diminuta (tendo em conta que os factos em causa não se afastam do modo típico de revelação de delitos da mesma espécie, tendo-se apenas apurado que, antes de conduzir, o arguido ingeriu bebidas alcoólicas, sentindo-se bem para conduzir, não percecionando as consequências que tal ingestão causariam, como causaram, na sua condução, com nefastas consequências para terceiros, violando normas estradais e não conduzindo com a prudência necessária a evitar sinistros).

- A gravidade das consequências do crime mitiga em desfavor do arguido, visto que o mesmo se despistou, provocando uma colisão frontal com outro veículo, donde resultaram lesões graves na integridade física do passageiro que consigo ia e, igualmente, lesões na condutora do veículo com o qual colidiu, sendo que tal veículo foi declarado como perda total.

- A culpa do arguido, ao refletir a consciência da ilicitude do facto, situa-se no nível mediano (atendendo ao grau de censurabilidade da atitude interna e personalidade manifestadas no facto).

- O dolo do arguido, tendo agido com dolo eventual, apresenta-se na forma menos intensa de dolo, sendo de relevar que quanto ao resultado lesão da integridade física grave, agiu o arguido em negligência inconsciente.

- As condições socioeconómicas do arguido têm-se como favoráveis na medida em que o mesmo tem 33 anos de idade, é solteiro e tem dois filhos, um com 2 anos e outro com 4 anos de idade, tem o 12.º ano de escolaridade, é empregado de mesa na “A...”, auferindo o salário mínimo nacional, vive com os pais na casa que é dos próprios, contribuindo para as despesas domésticas mensais com cerca de 150,00€ (cento e cinquenta euros), paga 200,00€ (duzentos euros) de pensão de alimentos aos dois filhos e 130,00€ (cento e trinta euros) da creche, tem um carro de marca ..., de 2009, cuja prestação mensal do crédito do mesmo é de 151,00€ (cento e cinquenta e um euros), faltando dez anos para finalizar o pagamento.

- A ausência de antecedentes criminais prévios à prática do facto objeto dos autos, é de valorar positivamente.

- Quanto aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, da facticidade provada é possível extrair que o arguido praticou os factos quanto ia dar boleia a um amigo que se encontrava na fisioterapia, que lhe pediu o favor.

- A conduta processual do arguido é valorada, na medida em que admitiu parcialmente os factos quanto à ingestão de bebidas alcoólicas antes da condução, revelando arrependimento sincero quanto a tal.»

Para além destas concretas circunstâncias, foi ainda considerado, corretamente, serem muito elevadas as exigências de prevenção geral, “na medida em que este tipo de criminalidade rodoviária é praticado com frequência acentuada, sendo das principais causas da alta taxa de sinistralidade rodoviária, não raro com graves consequências para bens jurídicos de importante tutela, como a vida e a integridade física, pelo que se afigura premente uma crescente consciencialização da comunidade para os perigos inerentes à condução de veículos na via pública sob influência do álcool e em incumprimento das mais elementares normas estradais”.

O recorrente não coloca em causa as circunstâncias enunciadas na sentença. Assim, tendo em consideração o grau médio de culpa, o elevado grau de ilicitude dos factos, a gravidade das consequências do crime, a personalidade e as condições de vida do recorrente, favoráveis à sua reinserção e determinando baixas necessidades de prevenção especial, entendemos adequada a fixação da pena de multa nos 180 dias reclamados.

Não coloca o recorrente em causa o quantitativo diário da multa fixado.


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5. Da pena acessória aplicada

Insurge-se depois o arguido contra a pena acessória concretamente fixada, que defende dever se fixada em 5 meses.

Recorde-se que as penas acessórias constituem verdadeiras penas, e “ligam-se, necessariamente, à culpa do agente; justificam-se de um ponto de vista preventivo; e são determinadas concretamente em função dos critérios gerais de determinação da medida da pena previstos no art. 71º do Código Penal” ([7]). No caso do crime cometido pelo arguido recorrente, a imposição da pena acessória assume caráter obrigatório, conforme decorre do art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal.

O art. 69º, n.º 1, do Código Penal prevê que a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor seja fixada entre 3 meses 3 anos. No caso, foi fixada a pena concreta de 1 ano.

Sendo-lhe aplicável os critérios legais de determinação da pena principal, deverá em princípio verificar-se alguma proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e a medida concreta da pena acessória, considerando-se, como foco de diferença, que no caso desta última a finalidade visa essencialmente prevenir a perigosidade do agente ([8]).

No caso dos autos, o tribunal a quo fixou a pena acessória numa medida bastante inferior à que seria exigida pela desejável harmonia com a pena principal aplicada e teve já em consideração todas as circunstâncias favoráveis ao recorrente.

Neste tribunal de recurso tal pena foi alterada, em virtude da alteração da qualificação jurídica dos factos, fixando a pena de multa em pouco menos de metade da moldura útil da pena abstrata aplicável.

Seguindo o mesmo critério da sentença sob recurso, também a pena acessória deverá sofrer um decréscimo, mostrando-se adequada a sua fixação em 9 meses.

Em consonância, procede parcialmente o recurso interposto pelo arguido.


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V.

DECISÃO


Nos termos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, condena-se o arguido AA, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (a que haverá de ser descontado um dia de multa, nos termos do art. 80º, n.º 2, do mesmo Código), e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 meses.


Sem tributação.

Coimbra, 12 de abril de 2023

Ana Carolina Veloso Gomes Cardoso (relatora – processei e revi)

João Bernardo Peral Novais (1º adjunto)

Rui Pedro Miranda Mendes Lima (2º adjunto)





[1]
[2] Cf., a título exemplificativo, o Ac. da Relação do Porto proferido no proc. 404/13.9TAFLG.P1, em 8.2.2017, publicado em www.dgsi.pt
[3] Enrico Altavilla, “Psicologia Judiciária, Personagens do Direito Penal”, cit. no Ac. da Relação de Évora de 9.1.2018, relatado pelo Des. Martinho Cardoso, em www.dgsi.pt
[4] - Pinto da Costa, cit. em “Código Penal Anotado”, Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, vol. III, 4ª ed., pág. 266-267.
[5] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, 3ª ed., pág. 561.
[6] - Ob. cit. na nota 4, citando Nelson Hungria.
[7] Maria João Antunes, ob. cit., pág. 35.
[8] cf. Ac. da RC de 28.2.2018, no proc. 211/17.0GAMIR.C1, em www.dgsi.pt.