Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6156/18.9T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
COMPRA E VENDA
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
PACTO DE JURISDIÇÃO
Data do Acordão: 09/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.59 CPC, 8, CRP, REGULAMENTO (UE) N.º 1215/2012, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 12.12. 2012
Sumário: I - No âmbito do regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12. 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, a válida fixação convencional da competência internacional do tribunal prevalece sobre os outros critérios de atribuição da mesma – artº 25º.

II - A expressão «único objetivo» do artº 26º não impede o arguente da incompetência do tribunal de, ad acautelam, contestar a acção; e não significando esta contestação a aceitação da competência.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

L (…) UNIPESSOAL LDA., intentou contra P (…) SOCIEDAD LIMITADA UNIPESONAL, com sede em Espanha, Zaragoza , acção declarativa, de condenação sob a forma comum.

Pediu  que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 438.717,50 (quatrocentos e trinta e oito mil setecentos e dezassete euros cinquenta cêntimos).

Para tanto, alegou ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais em virtude do não cumprimento de um contrato  de compra e venda/fornecimento de máquinas para produção de azeite celebrado entre as partes.

A ré contestou, suscitando, para além do mais, a incompetência absoluta do Tribunal, referindo que foi convencionado entre as partes o foro do Tribunal de Zaragoza.

Em resposta  a autora referiu que o pacto de jurisdição ofende o artigo 7.º do Regulamento n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, incluída na Secção 2 das Competências Especiais.

2.

Seguidamente foi proferido despacho no qual se decidiu:

«Julga-se procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, absolvendo da instância a ré…»

3.

Inconformada recorreu a autora.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. PARA AFERIR DO PRESSUPOSTO PROCESSUAL DA COMPETÊNCIA HÁ QUE ATENDER À RELAÇÃO JURÍDICA NOS TERMOS QUE SÃO CONFIGURADOS NA PETIÇÃO INICIAL.

2. A ACEITAÇÃO DE UMA CONVENÇÃO DE FORO DE JURISDIÇÃO, TEM DE SE CONFORMAR COM O ESTIPULADO NO ART. 7º DO REGULAMENTO N.º 1215/2012, DE 12 DE DEZEMBRO.

3. ESTAMOS PERANTE MATÉRIA CONTRATUAL.

 4. EM MATÉRIA CONTRATUAL PERANTE O TRIBUNAL DO LUGAR ONDE FOI OU DEVA SER CUMPRIDA A OBRIGAÇÃO EM QUESTÃO. E,

5. O LUGAR DE CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO EM QUESTÃO SERÁ NO CASO DA VENDA DE BENS, O LUGAR NUM ESTADO - MEMBRO ONDE, NOS TERMOS DO CONTRATO, OS BENS FORAM OU DEVAM SER ENTREGUES, OU SEJA, EM PORTUGAL. ASSIM,

 6. O PACTO DE JURISDIÇÃO OFENDE O ARTIGO 7º DO REGULAMENTO N.º 1215/2012, DE 12 DE DEZEMBRO, INCLUÍDA NA SECÇÃO 2 DAS COMPETÊNCIAS ESPECIAIS, PELO QUE NÃO SE PODE CONSIDERAR VÁLIDO O FORO DESIGNADO PELAS PARTES.

7. ESTAMOS PERANTE UM CONTRATO DE CONSUMO.

8. O CONSUMIDOR/ RECORRENTE PODE INTENTAR UMA ACÇÃO CONTRA A OUTRA PARTE NO CONTRATO, QUER NOS TRIBUNAIS DO ESTADO - MEMBRO ONDE ESTIVER DOMICILIADA ESSA PARTE, QUER NO TRIBUNAL DO LUGAR ONDE O CONSUMIDOR/ RECORRENTE TIVER DOMICÍLIO, INDEPENDENTEMENTE DO DOMICÍLIO DA OUTRA PARTE.

9. A RECORRENTE PODIA E PODE INTENTAR A PRESENTE ACÇÃO EM PORTUGAL.

10. TAMBÉM O ALUDIDO PACTO DE JURISDIÇÃO VIOLA O ARTIGO 18º DO REGULAMENTO N.º 1215/2012, DE 12 DE DEZEMBRO, PELO QUE NÃO SE PODE CONSIDERAR VÁLIDO O FORO DESIGNADO PELAS PARTES.

11. EM CASO DE VENDA DE BENS, O LUGAR DE CUMPRIMENTO ATENDÍVEL NO REGULAMENTO DO CONSELHO (CE) Nº44/2001, DE 22.12.2000, É AQUELE ONDE OS BENS FORAM ENTREGUES E, SENDO ESTE EM TERRITÓRIO PORTUGUÊS, SÃO COMPETENTES OS TRIBUNAIS PORTUGUESES.

12. A COMPETÊNCIA ASSIM DELIMITADA PODE CHAMAR-SE COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. ASSIM,

13. DISPÕE O ARTIGO 26º REGULAMENTO N.º 1215/2012, DE 12 DE DEZEMBRO O SEGUINTE: “ 1. PARA ALÉM DOS CASOS EM QUE A COMPETÊNCIA RESULTE DE OUTRAS DISPOSIÇÕES DO PRESENTE REGULAMENTO, É COMPETENTE O TRIBUNAL DE UM ESTADO - MEMBRO NO QUAL O REQUERIDO COMPAREÇA”.

14. A REQUERIDA/ RECORRIDA/ RÉ COMPARECEU EM TRIBUNAL E EM TRIBUNAL PORTUGUÊS.

15. ATENTO O ARTIGO 26º REGULAMENTO N.º 1215/2012, DE 12 DE DEZEMBRO DEVE SER COMPETENTE O PRESENTE TRIBUNAL.

16. A RECORRIDA/ RÉ POR INTERMÉDIO DO PRESENTE PROCESSO, POR ESTAR DEVIDAMENTE REPRESENTADA EM JUÍZO, TEM QUE ENTENDER-SE QUE COMPARECEU.

17. A DESCRITA INTERVENÇÃO DA RECORRIDA/ RÉ NO PROCESSO DEVE SER CONSIDERADA COMO TÁCITA ACEITAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA, COMARCA DE COIMBRA, POR FORÇA DO DISPOSTO NO CITADO ARTIGO 26º DO REGULAMENTO (CE) N.º 1251/2012.

18. A SENTENÇA PROFERIDA OFENDEU O DISPOSTO NOS ARTIGOS 7º, 18º E 26º DO REGULAMENTO NÚMERO 1215/2012, DE 12 DE DEZEMBRO.

 19. EM SINTONIA COM OS ÚLTIMOS 10 PARÁGRAFOS DAS ALEGAÇÕES, E CONSIDERANDO O DISPOSTO NO ARTIGO 20 Nº 1, 4 E 5, CONJUGADO COM O ARTIGO 202º Nº 2 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, DEVE SER CONSIDERADO COMPETENTE PARA DECIDIR A QUESTÃO O TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA, E DESIGNADA DATA PARA AUDIÊNCIA PRÉVIA DAS PARTES DE ACORDO COM O ART.º 591º DO CPC.

Contra alegou a ré pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

A.              O pacto de jurisdição validamente celebrado entre as Partes não ofende o disposto no artigo 7.º Regulamento, uma vez que o mesmo se reconduz à “convenção em contrário” a que se reporta a alínea b) da mencionada norma.

B.              O artigo 18.º do Regulamento não tem qualquer aplicação aos presentes autos, porquanto a Recorrente não é consumidor, nem celebrou com a Recorrida qualquer contrato de consumo, uma vez que o equipamento adquirido pela Recorrente, empresa que se dedica à atividade comercial, se destina a ser usada no exercício dessa mesma atividade.

C.              O artigo 26.º do Regulamento não tem qualquer aplicação aos presentes autos, porquanto o facto de a Recorrida ter apresentado a sua defesa, na qual alegou, em primeira e derradeira linha, a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses e, subsidiariamente, deduziu a restante matéria de exceção e impugnação, não equivale a qualquer “comparência” para efeitos do disposto no referido artigo.

D.              Não existiu, por parte da Recorrida, qualquer comportamento processual que pudesse levar à conclusão de que a mesma preteriu ou desconsiderou o pacto de atribuição de competência que validamente convencionou com a Recorrente.

E.              Acresce que se retira da parte inicial do artigo 26.º do Regulamento (para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento) a aplicabilidade do artigo 25.º do mesmo diploma (extensão de competência), pelo que, também por esta via, nunca a referida norma seria aplicável à presente lide.

F.               A admitir-se, como pretende a Recorrente, que a Recorrida teria de abdicar da sua defesa quanto ao mérito da causa para beneficiar da exceção da incompetência territorial, tal violaria desde logo os mais elementares princípios e direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa e no Código de Processo Civil, nomeadamente o direito de defesa (cfr. n.º 1 do artigo 20.º da CRP e n.º 3 do artigo 3.º do CPC), o princípio do contraditório (cfr. n.º 4 do artigo 20.º da CRP n.º 3 do artigo 3.º do CPC)  e o direito de acesso aos Tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (cfr. n.º 1 do artigo 20.º da CRP) e, nessa medida, uma interpretação materialmente inconstitucional e ilegal.

G.              O argumento relativo ao grave inconveniente para a Recorrente em demandar a Recorrida nos Tribunais de Saragoça, bem como todos os factos alegados para o sustentar, não foram antes alegados e não se afiguram supervenientes, pelo que o novo fundamento e o novo circunstancialismo alegado deverá ser totalmente desconsiderado e tido por não escrito pelo Digníssimo Tribunal, sob pena de violação do princípio da estabilidade da instância e de uma ilegítima e abusiva ampliação da causa de pedir, nos termos do disposto nos artigos 260.º, 264.º e 265.º do Código de Processo Civil.

H.              Sem prejuízo, os factos agora invocados entram em notória contradição com o alegado pela Recorrente na sua petição inicial.

I. Em qualquer caso, nunca poderia a competência internacional consensualizada entre as Partes ser afastada com base no alegado pela Recorrente, porquanto não se verificam, em abstrato e no caso concreto, quaisquer circunstâncias que traduzam um grave e inultrapassável inconveniente que impusesse a competência internacional dos Tribunais Portugueses.

J.               Em conclusão, o pacto atributivo de competência celebrado entre as Partes, inserido em contrato de compra e venda formalizado por escritura pública e em língua portuguesa, conferindo competência ao Tribunal de Saragoça para dirimir o presente litígio, afigura-se válido e eficaz, pelo que a sentença recorrida, que julgou procedente a exceção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, não merece qualquer censura.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

In)competência  internacional do tribunal português.

5.

Foram fixados os seguintes factos com interesse para a decisão:

1. As partes celebraram entre si o acordo junto com a contestação como documento n.º 1, o qual motiva a pretensão da autora.

2. Desse referido acordo consta que «Cláusula 21.º (Foro) Para quaisquer questões e divergências que possam surgir entre as partes decorrentes da interpretação, cumprimento e execução das disposições do presente contrato, fica convencionado o foro   do tribunal de Zaragoza, a cujos julgados as partes se submetem, com expressa renúncia a qualquer outro».

6.

Apreciando.

6.1.

A questão de competência internacional surge quando no pleito se desenham elementos em conexão – as pessoas, os bens, o lugar do cumprimento da obrigação -  com outra ordem jurídica, para além da portuguesa – cfr. Alberto dos Reis, in Comentário, 1º, 105 e sgs.

Trata-se de saber se a questão submetida a tribunal deve ser  dilucidada e decidida pelos tribunais portugueses ou se  pelos tribunais estrangeiros.

Estatui o artº 59º do CPC:

«Competência internacional

Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º»

Deste preceito  - e de outros que o sobrelevam: artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e 8º da Constituição - dimana que a competência internacional afere-se  em função de fontes internacionais – vg. convenções -, fontes  comunitárias – vg. regulamentos CE -  e fontes internas – vg- artº 62º do CPC.

Importando notar  que:

«a lei portuguesa dá prevalência às normas convencionais sobre tal matéria, pugnando o referido na Constituição da República Portuguesa, na media em que o seu art.º 8, em conjugação com outras normas, nomeadamente as constantes dos nºs 5 e 6 do art.º 7º, acolhe o princípio do primado do Direito Comunitário, e no seu nº 2 consagrou a doutrina da receção automática das normas do direito internacional particular, isto é, o direito convencional constante de tratados e acordos em que participe o Estado português, as quais são diretamente aplicáveis pelos tribunais, apenas condicionando a sua eficácia interna à publicação oficial no seguimento de ratificação ou aprovação» - Ac.  RC de  11.10.2017, p. 6484/16.8T8VIS.C1;  Ac. Do STJ de 09.02.2017, p.1387/15.6T8PRT-B.L1.P1-A, in dgsi.pt. e REMÉDIO MARQUES, in Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, página 173. 

6.2.

A Srª Juíza decidiu aduzindo o seguinte, ora sinótico e fulcral, discurso argumentativo:

«Sendo Portugal e a Espanha Estados-Membros da União Europeia, o regime comunitário aplicável é o definido pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que revogou o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000...

No que concerne ao critério geral de competência… no artigo 4.º, n.º 1, estabelece que, «sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as  pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro».

E, para esse efeito, o artigo 63.º, n.º 1, considera que uma pessoa colectiva tem domicílio no lugar em que tiver: a) a sua sede social; …

Todavia, mesmo que o réu tenha o seu domicílio num Estado–Membro da União Europeia, ainda assim poderá ser demandado nos tribunais de um outro Estado–Membro se, em concreto, se verificar algumas das regras especiais de competência previstas nos artigos 7.º a 25.º do Regulamento.

Na verdade, o artigo 5.º do citado Regulamento prescreve:

«1 – As pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.

2 – Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente, as regras de competência nacionais constantes do anexo I.»…

A conjugação da regra geral e das regras específicas de competência estabelecidas no Regulamento n.º 1215/2012 deve, nas palavras de MARCO CARVALHO FERNANDES, in Competência Judiciária Europeia, Scientia Iuridica, Tomo LXIV, n.º  339, Set/Dez., 2015, páginas 417 e seguintes, ser feita nos termos seguintes: «(…) estando simultaneamente preenchida a regra geral do domicílio do réu e uma regra especial de competência, a regra especial não derroga a regra geral. Diversamente, verificando-se, no caso em concreto, algum critério especial de competência, o autor tem a possibilidade de escolher entre propor a ação nos tribunais do Estado-Membro do domicílio do réu ou nos tribunais do Estado-Membro que sejam competentes à luz desse critério especial, ou   seja, a competência desses tribunais é alternativa (…). Isto a não ser que, no caso em concreto, se verifique alguma situação de competência exclusiva (art. 24.º) ou convencional (25.°), as quais afastam os critérios gerais e especiais de competência…»

No mesmo sentido, salienta MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, https://blogippc.blogspot.pt/2017/11/jurisprudencia-735.html, que o critério do domicílio do demandado … é sempre aplicável. Os critérios especiais -- como é o caso daquele que se encontra estabelecido no artigo 5.º, n.º 1, Regulamento 44/2001 ou no artigo 7.º, n.º 1, Regulamento 1215/2012 -- são sempre alternativos em relação àquele critério geral: é o que resulta do disposto no artigo 5.º, n.º 1, Regulamento 1215/2012.

No caso dos autos, a ré invoca a existência de um pacto de jurisdição, que atribuiu a jurisdição para a resolução do litígio aos Tribunais espanhóis.

Nada é invocado contra a existência e a validade do pacto invocado.

Trata-se de uma situação de extensão expressa de competência, prevista no artigo 25.º da secção 7 do capítulo II do Regulamento n.º 1215/2012, que dispõe o seguinte:

«1. Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo.

Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita;

b) De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou

c) No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão…

No caso em causa, não há qualquer dúvida sobre a validade formal do pacto de jurisdição, já que o mesmo consta do contrato celebrado entre as partes.

Não obstante, alega a autora que o pacto de jurisdição ofende o artigo 7.º do Regulamento n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, incluído na Secção 2 das Competências Especiais.

Nos termos desse referido artigo 7.º:

«As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:

1)

a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

— no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues…»

Na situação em apreço, porém, entende-se que o pacto de jurisdição, sendo válido, prevalece sobre o preceito legal transcrito. Esta ideia decorre do facto de o artigo 25.º do Regulamento, que prevê a possibilidade da existência de pacto de jurisdição, só estabelecer o afastamento da aplicação desse pacto de jurisdição no caso das competências exclusivas do artigo 24.º.

Tendo presente esse artigo 24.º, fácil é de concluir que o caso em causa não se integra em qualquer uma dessas competências exclusivas.

Sem prejuízo, verificada a previsão do 26.º do Regulamento, a competência alarga-se ao tribunal onde o réu foi demandado e perante o qual compareceu. Contudo, isso só sucede se o réu não arguir a respectiva incompetência, o que, como se vê, também não é o caso.»

6.3.

Esta argumentação apresenta-se, em tese, curial e, perante os contornos fáctico circunstanciais do caso concreto, acertada.

Pelo que urge corroborá-la e chancelá-la.

Em seu abono, quiçá algo redundantemente e ad abundantiam, mas considerando a argumentação vertida no recurso, dir-se-á o seguinte.

As partes acordaram, válida e eficazmente, na competência do tribunal de Zaragoza.

E fizeram-no, adrede, « com expressa renúncia a qualquer outro».

Logo, emerge, inexorável e vinculativamente, a estatuição do artº 25º do Regulamento citado na decisão.

A qual, inequívocamente, prevê que a  válida fixação convencional da competência prevalece sobre qualquer outro critério da sua atribuição, pois que, salvo acordo das partes em contrário: «Essa competência é exclusiva…».

Inclusive, numa interpretação possível e que temos por mais adequada, tal convenção de competência prevalece sobre  os casos de competência exclusiva previstos no artº 24º, pois que neste preceito a exclusividade é apenas reportada  à competência definida pelo domicílio das partes que não já  à oriunda daquela  convenção.

A ratio desta estatuição é intuível: trata-se de fazer prevalecer a autonomia privada e a vontade das partes numa matéria – apreciação jurisdicional por um determinado tribunal  de um certo pleito – que apenas, ou essencialmente, a elas diz respeito e interessa, não contendendo, em princípio, com interesses de ordem pública.

Destarte não é aplicável o artº 7º.

E não é aplicável o artº 18º, pois que, como bem aduz a recorrida,  este preceito rege para os casos do consumidor, qua tale, ie,. enquanto pessoa singular que destina a coisa ao seu consumo privado e que, assim, enquanto  elo mais fraco, vg. a nível económico financeiro, de uma certa relação negocial, merece uma especial protecção.

 A qual, in casu, se consubstancia na atribuição do direito de poder escolher, entre vários tribunais possíveis, aquele que entender ser o mais adequado para minorar o tendencial desequilíbrio existente com a contra parte, por via de regra uma sociedade ou empresa normalmente bem estruturada e dotada de forte poder organizacional.

Ora esta exigível fattispecie não emerge dos autos, pois que estão em causa duas empresas e os bens em causa destinam-se à actividade empresarial da autora.

Finalmente, e meridianamente, não cobra aplicação o disposto no artº 26º.

Prescreve este preceito:

Artigo 26.º

1. Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.º.

Desde logo o preceito ressalva os casos em que «a competência resulte de outras disposições» ou « se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.º»

Ora, como se viu, in casu ela não apenas  resulta, do disposto no artº 25º, como resulta em exclusivo.

Logo, não obstante o artº 26º apenas se reportar ao artº 24º, não repugna, antes pelo contrário -  por invocação dos argumentos por igualdade  ou, até (considerando a superior valoração que nesta matéria é dada à  vertente convencional) maioria de razão (argumento a fortiori) – que a sua previsão seja extensível à exclusividade oriunda do artº 25º.

 Depois certo é que a ré compareceu em tribunal; mas,  imediata e previamente a qualquer outra atuação processual, arguiu a incompetência do tribunal, não a aceitando.

Logo, emerge a segunda parte do preceito; a qual tem de ser interpretada sensata, razoavel e/ou habilmente no que à expressão «único objetivo» tange.

Na verdade, mesmo tendo contestado a acção, tal não significa a aceitação da competência; trata-se de uma atuação admissível e, em todo o caso, tomada, compreensível e aceitavelmente, ad cautelam, pois que se a exceção invocada não procedesse, a falta de contestação poderia acarretar,  numa interpretação possível e admissível, as, para si nocivas, legais consequências.

Improcede, brevitatis causa, o recurso.

7.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - No âmbito do regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12. 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, a válida fixação convencional da competência internacional do tribunal prevalece sobre os outros critérios de atribuição da mesma – artº 25º.

II - A expressão «único objetivo» do artº 26º não impede o arguente da incompetência do tribunal de, ad acautelam,  contestar a acção;  e não significando esta contestação a aceitação da competência.

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 2019.09.17.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Fonte Ramos