Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3199/13.2TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
LIVRANÇA EM BRANCO
FALSIDADE
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 10 LULL E 342°,1, DO CCIVIL
Sumário: 1. O preenchimento da letra/livrança em branco, condição imprescindível para que possam verificar-se os efeitos normalmente resultantes das letras/livranças - também no referencial do art. 10º LULL -, faz-se de harmonia com o chamado contrato de preenchimento, que pode ser expresso ou tácito. E - retenha-se - pode existir a letra/livrança em branco sem ter havido contrato de preenchimento. Porém, quando o haja (por tal entendendo o circunstancialismo decorrente do consignado em probatório, e apenas esse), o preenchimento tem de fazer-se nos limites e termos ajustados. A fazer jus ao facto de o contrato de preenchimento ser o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como, a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc.

2. Por sua vez, o preenchimento da letra/livrança em branco não constitui falsidade, visto que o aceitante, ao subscrever uma letra em branco, obriga-se cambiariamente, e a essa obrigação corresponde o direito transmissível de preenchimento concomitante. Ou seja, a falsidade da letra em branco só existe quando se dê oposição entre o preenchimento e a autorização dada pelo subscritor.

3. O que, tudo visto, serve para dizer que se o autor, a quem foi entregue uma letra/livrança em branco, designadamente quanto à data do saque e do vencimento, ao montante e ao local do pagamento, alegou que a preencheu conforme o convencionado, o réu, querendo impugnar tal alegação, não deve limitar-se a afirmar que o preenchimento foi abusivo e arbitrário; cumpre-lhe tomar posição definida e por isso especificar factos que revelem abuso. O que a recorrente não logrou, para lá do que se consigna em probatório.

4. Exactamente porque o ónus consiste - na referência do art. 342°,1, do CCivil - na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusivamente cifrar-se em evitar a perda de um beneficio antes adquirido ; traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova: ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

A executada M... vem, através dos presentes embargos de executada, invocar que a relação subjacente à emissão da livrança foi o contrato de crédito com o nº. 8000.3280178, no montante de € 16.320,00 euros para a aquisição do veículo de marca BMW, com a matrícula (...) SF, no valor de € 11.500,00 euros, valor esse pago pela exequente à firma “C... , Ldª.”, obrigando-se a executada a pagar à instituição de crédito 60 prestações mensais no valor de € 272,00 euros cada.

No âmbito do referido contrato de crédito, a embargante/executada subscreveu a livrança em branco, que serve de título à execução.

A executada foi vítima de um crime de burla qualificada na forma continuada, cujo processo correu na Vara Mista de Coimbra, no 2º. Juízo Criminal. Por outro lado, a embargante deu conhecimento à exequente, por várias vezes, que tinha sido enganada no negócio da compra do carro e no respectivo pedido de concessão de crédito, tendo-a informado que tinha efectuado queixa crime contra o burlão.

Quando a embargada preencheu a livrança, apondo-lhe a data de vencimento de 12-06-2013, já tinha conhecimento do erro da embargante, não esperando pelo desfecho do processo criminal.

Foi o arguido D... quem utilizou a embargante como um meio para chegar a um fim: ter um BMW à disposição sem pagar portagens, IUC, multas de estacionamento e o crédito para a sua aquisição. Esse veículo nunca saiu da posse do Sr. D... .

No processo crime, o arguido D... foi condenado como autor material de um crime de burla qualificada, na forma continuada, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução se suspende por 3 anos também, com a condição de pagar a quantia de 14.350,00 euros à assistente, aqui embargante.

Em suma, a embargante foi induzida em erro pelo D... que, através das suas condutas, astuciosas e fraudulentas, causou prejuízos patrimoniais à executada e possivelmente à exequente.

Por isso, a embargante não pretendia contrair qualquer empréstimo junto da exequente, tendo apenas sido usada para o efeito.

O verdadeiro devedor à exequente é o D... .

Juntou vários documentos e arrolou prova testemunhal.

*

 Notificada a exequente, a mesma juntou o seu articulado de defesa, alegando que no âmbito da sua actividade, a pedido da M... , o Banco celebrou, em 23-03-2011, o contrato de crédito nº. 80003280178; desse contrato, consta que a embargada concedeu à embargante um crédito no valor € 12.181,84 euros para financiar a aquisição de um automóvel de marca BMW, modelo série 5, diesel, com a matrícula (...) SF, crédito esse que haveria de ser reembolsado à embargada em 60 prestações mensais e sucessivas no valor de 272,00 euros cada.

Os pagamentos mensais seriam debitados mensalmente numa conta bancária titulada pela embargante do E... , tendo a executada assinado uma autorização de débito em conta; no acto da outorga da proposta de crédito, a embargante entregou vários documentos pessoais, assinando ainda a executada a proposta de adesão ao seguro de protecção ao crédito, subscrevendo ainda uma livrança como garantia de pagamento.

A embargante sabia o que estava a assinar e sabia que se vinculava contratualmente, tanto que ainda subscreveu a livrança dada à execução.

Perante o incumprimento reiterado, foi o contrato resolvido, por carta datada de 12-06-2013, exigindo a embargada o montante total de 11.781,08 euros, montante pelo qual foi preenchida a livrança dada à execução.

Confirma que, em meados de Novembro de 2011, foi comunicado  embargada a alegada burla perpetrada por um terceiro, burla essa que nada tem a ver com a celebração do contrato propriamente dito. A exequente sempre informou a executada que tal burla não a desonerava do pagamento.

Foi com a embargante que a exequente contratou e não com outro indivíduo. No fundo, também a embargante burlou a exequente, já que a convenceu que contratava o crédito e que iria cumprir.

A embargada jamais aceitou que um terceiro assumisse qualquer pagamento do contrato celebrado, nem nunca foi contratado com tal pedido.

A livrança contém a época de pagamento e a data de vencimento, sendo um título válido e eficaz.

Foi celebrado um acordo prévio por escrito, o chamado “contrato de preenchimento”, que afasta o preenchimento abusivo da livrança e torna-a um perfeito título executivo.

A executada É A ÚNICA titular do contrato de crédito e é a proprietária do veículo financiado, de marca BMW, pese embora a reserva registada a favor da exequente.

A executada é a única responsável pelo reembolso ao aqui exequente do capital mutuado, acrescido dos juros moratórios.

Juntou documentos e arrolou prova testemunhal.

*

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que:

«Pelo exposto, decido:

- julgar totalmente improcedentes os presentes EMBARGOS de Executada, determinando-se o prosseguimento da acção executiva.

Custas legais a cargo da embargante/executada – cfr. Artº. 527, nºs. 1 e 2, do Novo Código de Processo Civil -, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário já concedido».

Executada/Embargante: M... , melhor i Executada/Embargante identificada nos autos, notificada da sentença de fls., por não se conformar com o teor da mesma, dela veio interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

1. A Recorrida teve conhecimento do processo judicial relativo à burla de que a Recorrente foi vítima.

2. Quando a Recorrida preencheu a livrança, apondo-lhe a data de vencimento de 12.06.2013, já tinha conhecimento do erro da embargante, tendo inclusive afirmado que iria aguardar pelo desfecho do processo

3. Situação que não se veio a verificar, pois a sentença foi proferida no processo criminal no dia 17.09.2013, pelo que a Recorrida, ao apor a data de vencimento de 12.06.2013 na livrança, não esperou pelo desfecho criminal pelo que incorreu em venire contra factum proprium plasmado no art. 334.º do Código Civil;

4. A Recorrida assume uma posição jurídica em contradição com o comportamento que assumiu anteriormente;

5. A Recorrente esteve de boa fé, criou a legitima expectativa que a Recorrida iria aguardar pelo desfecho do processo judicial em curso, contudo, a aposição da data de vencimento de 12.06.2013 na livrança, demonstra que a Recorrida não só não desejava esperar pelo desfecho criminal, como ainda, iniciar acção executiva contra a Recorrente;

6. A Recorrida com a sua conduta violou o princípio da confiança e excedeu os limites impostos pela boa fé e defraudou a confiança legítima da Recorrente;

7. O douto tribunal a quo ao não considerar que a Recorrida atuou de forma contrária ao por si afirmado e às expectativas que criou na Recorrente, procedeu a uma errada interpretação e aplicação da lei, devendo ter aplicado o art 334.º do Código Civil e dessa forma julgar os embargos procedentes.

8. A Exequente/Embargante teve conhecimento da burla, relativamente ao empréstimo contraído, e optou por não intervir voluntariamente no processo penal, aí peticionando os prejuízos por si sofridos com a prática do crime, como podia e devia.

Termos em que e nos melhores de direito deverá o Tribunal da Relação de Coimbra revogar a sentença recorrida e, em sua substituição, ser proferida outra que julgue procedentes os embargos de executada.

F... S.A., Exequente melhor identificado nos autos supra enunciados, notificado para o efeito, veio, oferecer as seguintes: CONTRA-ALEGAÇÕES:

a) A PEDIDO DE M... , o Banco F... , S.A. celebrou, em 23-03-2011, o contrato de crédito n.º 80003280178 no qual concedeu à Recorrente (e a nenhum outro individuo) um crédito no valor de €12.181,84, para financiar a aquisição de um automóvel, de marca BMW, modelo Série 5, Diesel, com a matrícula (...) SF.

b) Crédito esse que haveria de ser reembolsado ao aqui Alegante em 60 prestações mensais e sucessivas no valor de € 272,00 cada, sendo que o valor total das prestações perfaria € 16.320,00.

c) Os pagamentos mensais seriam debitados mensalmente duma conta bancária titulada pela aqui Recorrente, no E... , sendo que, para o efeito, a própria assinou uma autorização de débito em conta, documento que constam nos autos.

d) No ato da outorga da proposta de Contrato de Crédito, foram entregues pela Recorrente os seus documentos pessoais.

e) A Recorrente assinou, ainda, a proposta de adesão ao seguro de proteção ao crédito, assim como, subscreveu uma livrança.

f) Ora, tal comportamento, é manifestamente concludente de uma vontade de contratar!!!

g) O ora Recorrido, perante a proposta de crédito PEDIDA E APRESENTADA pela Recorrente, acompanhada da respetiva documentação pessoal, após devida análise, decidiu conceder o financiamento.

h) Decisão tomada pelo aqui Contra Alegante após analisados os documentos entregues e confirmação de que a titular do contrato não constava na lista de devedores do Banco de Portugal e/ou Finanças.

i) Em sede de Recurso, vem a Recorrente alegar e invocar o venire contra factum proprium, alegando em síntese que o aqui Alegante não aguardou pelo desfecho do processo-crime.

j) Ora, em bom rigor, ainda que o aqui Alegante aguardasse tal decisão, a mesma em nada influenciaria a proferida na sentença criminal e não iria impedir a instauração da ação executiva…

k) Não seria exigível ao aqui Alegante aguardar pelo desfecho do processo-crime pois em nada a predita decisão criminal alterou a obrigatoriedade de a Recorrente pagar ao aqui Alegante o valor do empréstimo concedido.

l) Antes pelo contrário, nela ficou espelhado o dever contratual de ser a Recorrente a proceder à liquidação da divida junto do aqui Alegante e não o Arguido, o qual, após, deveria reembolsar a Recorrente de tal valor…

m) Por outro lado, era intenção do aqui Alegante apurar o paradeiro do veículo cuja propriedade para si havia reservado, pelo que se impunha recorrer às vias judiciais.

n) Em sede de tentativa de conciliação, a Recorrente assumiu, entre outras coisas, ter assinado o contrato e subscrito a livrança.

o) Referiu também estar ciente da obrigação que havia assumido junto do Alegante, admitindo, também, que sabia que o predito D... não era titular mas tão somente ela.

p) Assim, indubitavelmente, a Recorrente é a única responsável pelo pagamento da dívida emergente do contrato de crédito celebrado com o aqui Alegante e ela própria sabe-o bem.

q) A vontade de contratar da Recorrente, na data de celebração do contrato, não estava viciada de modo algum, não operando qualquer instituto jurídico que permita anular ou declarar nulo o contrato celebrado – Artigo 240.º e seguintes do Código Civil.

r) E ainda que houvesse, o aqui Alegante seria sempre considerado terceiro de boa-fé pois confiou na vontade declarada da Recorrente aquando da celebração do contrato.

s) De facto, a Recorrente sabia bem o que estava a assinar, sabia que se vinculava contratualmente, tanto que a mesma subscreveu, ainda, a livrança dada à execução.

t) Não o tendo negado em sede de Embargos… Ou tão pouco impugnado a sua assinatura.

u) FOI, de facto, COM A RECORRENTE QUE O CONTRA ALEGANTE CONTRATOU e não com nenhum outro individuo.

v) Foi constituída reserva de propriedade a favor do F... S.A. como garantia de cumprimento do valor financiado, o qual NÃO AUTORIZOU QUALQUER CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL.

w) Volvido um ano, a Recorrente remeteu informação ao aqui alegante referindo ter sido burlada pelo ex-companheiro, D... , referindo que o contrato que havia celebrado com o aqui Alegante era para benefício exclusivo do próprio.

x) Pelo que, nessa medida, o aqui Alegante foi burlado pela Recorrente, pois se soubesse que a mesma pretendia beneficiar terceiro e/ou entregar o veículo a terceiro, jamais teria aceitado contratar.

y) Ora, se ele terceiro não pediu o financiamento é porque não tinha capacidade ou estava mesmo impedido por o seu nome estar na lista de devedores do Banco de Portugal.

z) Todos os atos praticados pela Recorrente revelam grande falta de consideração e respeito pelo aqui Alegante.

aa) Agindo com culpa desde a formação do contrato, nos precisos termos do preceituado no Artigo 227º do Código Civil.

bb) O aqui Alegante, nos contactos telefónicos e pessoais posteriores que manteve com a Recorrente, sempre lhe disse que a alegada burla não a exonerava do pagamento, pois foi ela que o aqui contra Alegante contratou.

cc) O aqui Alegante está convicto que a Recorrente pretendia utilizar o veículo em comum com o D... , em virtude da relação de namoro que mantinham na data e, quando o namoro terminou e independente dos motivos do términus da relação, apresentou a denúncia e tentou exonerar-se da responsabilidade da dívida emergente do contrato em apreço nos presentes autos.

dd) Se a relação não tivesse terminado, ainda que a Recorrente estivesse já depauperada, ela continuaria a liquidar as prestações…

ee) A sentença criminal condenou o Arguido D... a pagar à Recorrente o total de €24.700,00 e mais €4.000,00 a título de danos morais.

ff) E, ainda, na sentença de condenação, pode ler-se que “o arguido deverá proceder ao pagamento da quantia de € 10.350,00 – “ACRESCIDO DOS MONTANTES QUE A ASSISTENTE VIER A TER DE PAGAR À F... , AO ABRIGO DO REFERIDO CONTRATO”… (Pág. 21 do Doc. 1 apresentado pela Recorrente aquando dos Embargos).

gg) Ora, na sentença criminal consta expressamente a previsão do ressarcimento da aqui Alegante diretamente pela Recorrente… e não pelo Arguido.

hh) Ora, o aqui contra Alegante é completamente alheio à alegada burla e deve ser ressarcido do prejuízo sofrido o qual, para o Alegante, emergiu somente da conduta da Recorrente.

ii) A livrança executada nos autos é um título executivo válido e eficaz.

jj) Foi subscrita pela Recorrente garantia de bom pagamento da quantia financiada.

kk) A livrança, nos termos do preconizado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2366/07.2TBBRR-A.S1 de 29-10-2009 (www.dgsi.pt ) enquanto título cambiário, “(…) por ser dotado de autonomia, literalidade e abstracção, vale por si, sem necessidade de ser acompanhado da alegação da relação subjacente, enquanto o documento particular tem necessariamente de conter ou ser acompanhado da referência descritiva da sua causa, ou seja, da relação subjacente, da qual emerge a obrigação.”.

ll) Aliás, nas doutas palavras do Tribunal da Relação de Lisboa, preferidas no acórdão n.º 9001/2008-1, de 10.02.2009 (www.dgsi.pt ), “2- A causa de pedir é a assinatura do subscritor e dos avalistas deste na livrança”.

mm) Autorização essa dada pela Embargante no acto da assinatura do contrato de crédito, na Cláusula 9, n.º 3 das Condições Gerais do contrato celebrado.

nn) Foi celebrado, assim, um acordo prévio por escrito, o chamado contrato de preenchimento, que afasta o preenchimento abusivo da livrança e torna-a um perfeito título executivo (neste sentido o Acórdão do STJ, de 04/03/2008, Processo 07A4251).

oo) Ora, foi a referida livrança preenchida de acordo com o teor do referido pacto de preenchimento/contrato, devidamente subscrito pela Recorrente.

pp) Entende ainda o aqui Alegante que tais factos consubstanciam CULPA DO LESADO, nos precisos termos do preceituado no Artigo 570.º do Código Civil “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos…”.

qq) Ora, a Alegante bem sabia que viciou a vontade do aqui Alegante contratar pois este julgava que o carro seria para ela.

rr) A Recorrente sabe que fez o financiamento em nome dela para utilizar o veículo em comum com o D... .

ss) EM SUMA, o Tribunal considerou os documentos juntos, a atuação do Recorrente e aplicou corretamente o direito ao caso concreto.

tt) O Tribunal foi claro na exposição dos critérios lógicos e racionais utilizados para julgar conforme o fez.

uu) E exteriorizou com transparência, clareza, prudência e seriedade a sentença.

vv) Pelo que não se compreende, de todo, o recurso apresentado, senão como mais um expediente dilatório, o qual consome dinheiro aos cofres do estado (atento o apoio judiciário).

ww) Pelo que, e atendendo ao supra exposto, não existem fundamentos legais nem factuais para que se possa alterar a sentença ora em crise, sentença essa que traça e aplica, de forma eloquente e precisa, o regime legal atendível neste caso concreto.

xx) Aplicando-se mutatis mutandis a posição exposta na douta sentença.

ASSIM E SEM NECESSIDADE DE MAIORES CONSIDERANDOS, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO A QUE SE RESPONDE, MANTENDO Vª EX.ª NA ÍNTEGRA A DECISÃO PROFERIDA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA E FAZENDO ASSIM VERDADEIRA E SÃ JUSTIÇA.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

No presente caso, o modo como se apresentam os embargos à execução, no contexto da prova junta a estes autos e requerimento executivo apresentado na execução principal, considera-se provado que:

1. “Banco F... , S.A.”, intentou execução ordinária para pagamento de quantia certa contra M... , tendo em vista o pagamento coercivo da quantia de € 11.781,08 euros, acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 96,84 euros, tudo no total de € 11.877,92 euros, e ainda os juros vincendos até integral pagamento – facto assente por acordo.

2. A execução funda-se em livrança de que a exequente é portadora, no valor de € 11.781,08 euros, com local e data de emissão “Coimbra, 2011-03-23” e com vencimento em 12-06-2013, subscrita pela executada (fls. 9).

3. A embargante/executada M... subscreveu um contrato de crédito, a que foi atribuído o nº. 80003280178, sob a epígrafe “Contrato de Crédito”, datado de 23.03.2011, cuja assinatura consta na sua última folha, assinando o nome “ M... (Doc. nº. 1, junto a fls. 69 e ss., não impugnado).

4. Através desse contrato de crédito, a executada M... solicitou à exequente um financiamento no montante de € 12.181,84 euros, para aquisição a crédito do veículo de marca BMW, série 5 Diesel 520 d, com a matrícula (...) SF (v. Doc. De fls. 69, não impugnado).

5. Aí ficou ainda a constar que o veículo “será adquirido ao fornecedor C... Comércio de Automóveis (….) pelo preço de 11.500,00 € (Doc. de fls. 69, não impugnado).

6. A executada obrigou-se a pagar à exequente, através do contrato acima referido, 60 prestações mensais e sucessivas no valor de 272,00 euros cada uma (Doc. de fls. 69, não impugnado).

7. Os pagamentos mensais eram debitados mensalmente numa conta bancária titulada pela embargante, sediada no “ E... ”, sendo que, para o efeito, a exequente assinou uma autorização de débito em conta (Doc. de fls. 73, não impugnado).

8. Essa conta bancária tinha uma outra titular: a Srª. B... (Doc. de fls. 74, não impugnado).

9. Aquando da celebração do referido contrato, à exequente foram ainda entregues os seguintes documentos: fotocópia do B.I. e do cartão de contribuinte (Doc. de fls. 75, não impugnado).

10. Uma fotocópia da declaração de IRS correspondente ao ano de 2009 e comprovativo da CGA (Doc. de fls. 76 a 82 não impugnado).

11. O comprovativo da morada (Doc. de fls. 83, não impugnado).

12. E o comprovativo da titularidade da conta bancária no “ E... ”, conta da qual seria debitada mensalmente a prestação (Doc. de fls. 74, não impugnado).

13. Na cláusula 9ª., das condições gerais, do aludido contrato, ficou estipulado que: “Para garantia de toda e qualquer dívida emergente do empréstimo concedido, compreendendo capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões e demais encargos, o(s) Consumidor (es) e, caso exista, o Avalista autoriza(m) expressamente o F... a preencher qualquer livrança por si subscrita e não integralmente preenchida, designadamente, no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos seus valores, até ao limite das responsabilidades assumidas pelo(s) Consumidor(es) perante o F... , acrescido do imposto de selo devido pelo preenchimento da livrança”.

14. Assinou ainda a executada, na mesma data do contrato, a proposta de adesão ao seguro de protecção ao crédito (Doc. De fls. 84-85, não impugnado).

15. E subscreveu ainda uma livrança como garantia de pagamento (Doc. de fls. 86, não impugnado).

16. A exequente, perante a proposta de crédito pedida e apresentada pela executada, acompanhada da respectiva documentação pessoal, após devida análise, decidiu conceder o financiamento.

17. Verificando, nessa altura, que a executada não constava na lista de devedores do Banco de Portugal e/ou Finanças.

18. A 1ª. prestação deveria ter sido paga a 30-04-2011, mas apenas o foi a 17-05-2011.

19. Perante o incumprimento reiterado, foi o referido contrato resolvido, por carta datada de 12-06-2013, exigindo a exequente, nessa data, o valor total de € 11.781,08 euros, valor pelo qual foi preenchida a livrança dada à execução (Doc. de fls. 87, não impugnado).

20. Em 17-09-2013, o arguido D... foi condenado como autor material de um crime de burla qualificada, na forma continuada, p. e p. pelo artº. 30, nº. 2, 217, nº. 1, 218, nº. 1, al. d), todos do CP, na pena de três anos de prisão, cuja execução se suspende por 3 anos, com a condição de o arguido pagar a quantia (infra referida) de € 14.350,00 euros à assistente, devendo proceder ao pagamento correspondente a 50% de tal montante, no prazo de 12 meses (Doc. nº. 1, junto a fls. 16 e ss., não impugnado).

21. Mais se consignou nessa sentença: “Julgo parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil e, em consequência, condeno o arguido D... a pagar à demandante, a quantia de € 10.350,00 euros, acrescida dos juros legais, vencidos e vincendos, até ao efectivo e integral cumprimento (e dos montantes que a assistente vier a ter de pagar à F... ao abrigo do referido contrato), e da quantia de 4.000,00 (actualizada até ao presente), a título de danos morais, absolvendo o arguido do demais peticionado” (Doc. nº. 1, junto a fls. 16 e ss., não impugnado).

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Não há factos não provados.

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Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

Das conclusões, ressalta a seguinte questão:

I. Por força da burla demonstrada no processo crime, é o D... quem deve pagar o valor da livrança e não a executada?

Apreciando, diga-se que o preenchimento da letra/livrança em branco, condição imprescindível para que possam verificar-se os efeitos normalmente resultantes das letras/livranças - também no referencial do art. 10º LULL (art.s 75º, 767 e 78º LULL) -, faz-se de harmonia com o chamado contrato de preenchimento, que pode ser expresso ou tácito (Ac. Rel. Porto, de 17-5-968), in Jur. Rel. 14-654). E - retenha-se - pode existir a letra em branco sem ter havido contrato de preenchimento. Porém, quando o haja (por tal entendendo o circunstancialismo decorrente do consignado em probatório, e penas esse), o preenchimento tem de fazer-se nos limites e termos ajustados. A fazer jus ao facto de o contrato de preenchimento ser o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como, a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc (Abel Pereira Delgado, LULL, Anotada, 1980, p. 63).

Por isso, e sempre na emergência do que inultrapassavelmente se consigna em probatório, na situação sub judice, não se pode contrariar, tal como em decisório se consigna, que:

«(…) tendo-se a executada M... , no contrato de crédito, apresentado como única contratante como mutuária, razões não existiam para que a exequente sequer desconfiasse que ela não quisesse contratar nesses termos.

Seja o que for que o Sr. D... disse (convenceu) à executada M... , a exequente nada tem a ver com isso, nem isso poderá influenciar, do modo decisivo como a embargante pretende com estes embargos, no sentido de CESSAR a execução principal contra a embargante – sem mais nenhum facto alegado pela embargante que se configure juridicamente de molde a ter como consequência a “anulação” da execução contra ela.

Na verdade, a embargante não impugnou a veracidade da assinatura aposta na livrança em causa, acabando por confessar ter assinado a livrança (em branco) e subscrito o contrato de crédito.

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Quanto à livrança em branco, ela é um título de crédito, passado e assinado por um subscritor (cfr. art. 75º/7, da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças – LULL), a favor ou à ordem de outra pessoa (cfr. art. 75º/5, da LULL), por via da qual o primeiro assume, perante o segundo, a obrigação de pagar a quantia nela aposta na data do vencimento (cfr. arts. 78º e 28º, ambos da LULL).

Caso o pagamento não seja efectuado, o tomador ou portador da livrança (a pessoa a quem ou a favor de quem é emitida ou que a tiver em seu poder) pode accionar o subscritor (cfr. art. 43º, ex vi art. 77º, ambos da LULL). Enquanto título de crédito, a livrança goza da chamada característica da abstracção, em virtude da qual os vícios que afectam a relação material subjacente à emissão da mesma são inoponíveis ao portador mediato e de boa fé (cfr. arts. 17º, ex vi 77º, ambos da LULL). No plano das relações imediatas, esta característica da abstracção não tem expressão, podendo os sujeitos cambiários respectivos defenderem-se por via da relação material subjacente.

A livrança pode ser assinada pelo subscritor sem estarem preenchidos os campos referidos nos pontos 3., 4., 5. e 6. do art. 75º da LULL. Tratar-se-á, neste caso, de uma livrança em branco, que é válida, à luz do disposto no art. 10º, ex vi art. 77º, ambos da LULL, e que não viola o estatuído nos arts. 75º e 76º da LULL.

Efectivamente, pese embora estes normativos estipulem que a livrança não pode produzir efeitos se faltar alguns dos requisitos previstos no art. 75º, a verdade é que «nenhum destes textos determina o momento em que a [livrança] deve apresentar-se integrada por todos os seus elementos essenciais. Esta questão é resolvida pelo artigo 10º; por ele ficamos a saber que, para tal efeito, o momento decisivo não é o da emissão da letra, mas sim do vencimento».

Por sua vez, o preenchimento da letra/livrança em branco não constitui falsidade, visto que o aceitante, ao subscrever uma letra/livrança em branco, obriga-se cambiariamente, e a essa obrigação corresponde o direito transmissível de preenchimento concomitante. (Ac. da Rel. Lx. de 30-3-962, in Jur. Rel., 8º-298). Ou seja, a falsidade da letra/livrança em branco só existe quando se dê oposição entre o preenchimento e a autorização dada pelo subscritor (Ac. do S. T. J., de 16-2-955, in Bol., 47º-265).

Por isso, não pode arredar-se que, se o autor, a quem foi entregue uma letra/livrança em branco, designadamente quanto à data do saque e do vencimento, ao montante e ao local do pagamento, alegou que a preencheu conforme o convencionado, o réu, querendo impugnar tal alegação, não deve limitar-se a afirmar que o preenchimento foi abusivo e arbitrário; cumpre-lhe tomar posição definida e por isso especificar factos que revelem abuso (Ac. do S. T. 3., de 17-11-953, in Rev. Leg. Jur., 86.9-232). O que a recorrente não logrou, para lá do que se consigna em probatório. Exactamente porque o ónus consiste - na referência do art. 342°,1, do Código Civil - na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusivamente cifrar-se em evitar a perda de um benefício antes adquirido (Antunes Varela, Obrigações, 35): traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como liquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova: ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte) (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 184).

O ónus da prova traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta (Ac. RC, 17-11-1987: CJ 1987, 50-80).

Assim, pois que todos os elementos considerados deficitários, alegadamente inconsiderados, pela recorrente, foram levados em devida conta, na decisão proferida.

No que respeita à circunstância de

 «a embargante diz(er) que desconhece se o valor inscrito na livrança está correcto porque desconhece o que foi pago por conta do contrato»,

 vale, aqui por dizer, efectivamente, que confissão e admissão de factos por acordo são dois meios distintos de prova, pois a confissão consiste no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária; a admissão de facto por acordo, ocorre quando factos relevantes para a acção ou para a defesa não forem impugnados, havendo uma aceitação deles, independentemente da convicção da parte acerca da realidade dele (Ac, STJ, de 7.10.2010: Proc. 5298/06.8TBMTS.S l.dgsi.Net e CJ/STJ, 2010,1.°-14).

Por sua vez, sempre na emergência do art. 574º NCPC (ónus de impugnação), fixando que a posição dubitativa do impugnante só acarretará a admissão da veracidade dos factos, se o facto for pessoal, ou, se dele, a ter ocorrido, o impugnante não puder razoavelmente alegar ignorância (Rodrigues Bastos, Notas CPC, 3º, 52)

Ora, não pode, circunstancialmente, contornar-se - como, de resto se destaca em decisório - que

«Estando assente, porque a própria executada o reconheceu, ter subscrito o contrato de crédito e a livrança a ele adjacente, é evidente que são tidos como factos pessoais e que deles devem ter conhecimento todos aqueles que descrevem as circunstâncias em que o contrato e a livrança ocorreram e suas vicissitudes, aqui se incluindo os pagamentos efectuados e os incumprimentos e a resolução contratual (v. factos assentes a 18. E 19.)».

Em tais termos, pois que, directa ou indirecta, a impugnação repousa normalmente numa certeza: o réu afirma que o facto alegado pelo autor não se verificou ou que se verificou outro facto com ele incompatível. Afirmação e negação constituem declarações de ciência, que são informações sobre a realidade baseadas no conhecimento do declarante: trata-se de manifestações da esfera cognoscitiva sobre fragmentos da realidade que é objecto de conhecimento. Mas pode acontecer que o réu esteja em dúvida sobre a realidade de determinado facto e, neste caso, a expressão dessa dúvida é suficiente para constituir impugnação se não se tratar de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento, valendo como admissão no caso contrário (n.º 3). Constitui facto pessoal ou de que o réu deve ter conhecimento, não só o acto praticado por ele ou com sua intervenção, mas também o acto de terceiro perante ele praticado (incluindo a declaração escrita que lhe seja endereçada), ou o mero facto ocorrido na sua presença, e ainda o conhecimento de facto ocorrido na sua ausência (sem prejuízo de este, em si mesmo, não ser um facto pessoal: o réu apenas terá de tomar posição definida sobre o facto do conhecimento). Pretendendo-se com a expressão "de que o réu deva ter conhecimento" cobrir os casos em que, pela natureza do facto e pelas circunstâncias concretas em que ele se produziu, o juiz deve entender, segundo o seu prudente arbítrio, usado em conformidade com as regras da experiência, que a parte dele teve conhecimento, tal expressão mais não estabelece do que a presunção de que determinado facto, não consistente em acto praticado pela própria parte, lhe é pessoal, isto é, caiu no âmbito das suas percepções, pelo que, em lugar de exprimir o segundo membro duma dicotomia de conceitos, fundado num dever ético de conhecimento, vem apenas reforçar o conceito de facto pessoal (Cf. ALBERTO DOS REIS, CPC anotado cit., IV, p. 93, e VARELA-BEZERRA-NORA, Manual cit., p. 568. Interpretação um pouco diversa é a de RODRIGUES BASTOS, Notas cit., III, p. 39 ("se dele, a ter ocorrido, não puder razoavelmente alegar ignorância"), e claramente distinta a de TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos cit., ps. 290-291 ("que deva conhecer segundo as regras da experiência comum ou em cumprimento de um dever de informação”; na jurisprudência, os acs. do STJ de 6.6.78 (SANTOS VITOR), BMJ, 278, p. 110 (, do TRL de 22.2.74, BMJ, 234, p. 336, do TRP de 5.5.81 (MACHADO E COSTA), BMJ, 307, p. 305, do TRC de 12.5.81 (OLIVEIRA MATOS), CJ, 1981, III, p. 201, e do TRE de 4.3.04 (BERNARDO DOMINGOS), www.dgsi.pt. proc. 2726/03-3) (Cf. José Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª Edição, pp. 328-329).

Colhe, por isso, resposta negativa a questão em I. consagrada.

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 NCPC) que:

1.

O preenchimento da letra/livrança em branco, condição imprescindível para que possam verificar-se os efeitos normalmente resultantes das letras/livranças - também no referencial do art. 10º LULL -, faz-se de harmonia com o chamado contrato de preenchimento, que pode ser expresso ou tácito. E - retenha-se - pode existir a letra/livrança em branco sem ter havido contrato de preenchimento. Porém, quando o haja (por tal entendendo o circunstancialismo decorrente do consignado em probatório, e apenas esse), o preenchimento tem de fazer-se nos limites e termos ajustados. A fazer jus ao facto de o contrato de preenchimento ser o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como, a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc.

2.

Por sua vez, o preenchimento da letra/livrança em branco não constitui falsidade, visto que o aceitante, ao subscrever uma letra em branco, obriga-se cambiariamente, e a essa obrigação corresponde o direito transmissível de preenchimento concomitante. Ou seja, a falsidade da letra em branco só existe quando se dê oposição entre o preenchimento e a autorização dada pelo subscritor.

3.

O que, tudo visto, serve para dizer que se o autor, a quem foi entregue uma letra/livrança em branco, designadamente quanto à data do saque e do vencimento, ao montante e ao local do pagamento, alegou que a preencheu conforme o convencionado, o réu, querendo impugnar tal alegação, não deve limitar-se a afirmar que o preenchimento foi abusivo e arbitrário; cumpre-lhe tomar posição definida e por isso especificar factos que revelem abuso. O que a recorrente não logrou, para lá do que se consigna em probatório.

4.

Exactamente porque o ónus consiste - na referência do art. 342°,1, do CCivil - na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusivamente cifrar-se em evitar a perda de um beneficio antes adquirido ; traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova: ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte).

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, necessariamente a considerar na dimensão do Apoio Judiciário atribuído.

                                                                                                           António Carvalho Martins - Relator

Carlos moreira - 1º Adjunto

João Moreira do Carmo - 2º Adjunto